Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:325/17.6BEBJA
Secção:CT
Data do Acordão:04/20/2023
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:TAXA DE EXPLORAÇÃO E CONSERVAÇÃO DE BARRAGEM
Sumário:A taxa de exploração e conservação de barragem, liquidada à empresa de abastecimento público de água, tendo por base apenas o preço unitário da água, viola o princípio da equivalência das taxas.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO
I- Relatório
A....... - Águas Públicas ………….., SA, deduziu impugnação judicial visando a nulidade ou a anulação das liquidações de taxa de exploração e conservação operadas pela Associação de Beneficiários ………… (A……………), relativamente aos meses de Maio a Julho de 2017, no montante global de 63.043,60 Euros.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, por sentença proferida a fls.204 e ss. (numeração do processo em formato digital - sitaf), datada de 24 de Maio de 2019, julga a impugnação improcedente.
Inconformada com decidido a sociedade impugnante, A....... - Águas Públicas do A......., S.A., recorre para este Tribunal Central Administrativo, tendo finalizado a sua alegação, inserta a fls. 239 e ss. (numeração do processo em formato digital - sitaf), com as conclusões seguintes:«
A. A TEC liquidada pela ABR…, tem a sua fonte legal no Decreto-Lei 269/82 de 10/07, na redação conferida pelo Decreto-Lei 86/2002, de 06/04, advindo a legitimidade daquela Associação, para a sua liquidação, do Contrato de Concessão para a Gestão do Aproveitamento Hidroagrícola do R......., firmado com Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural em 22/07/2009.
B. O art.º 69º-A do Decreto-Lei 269/82 de 10/07, na redação conferida pelo Decreto-Lei 86/2002, de 06/04, determina que pela utilização da obra hidroagrícola para fins não agrícolas é devida uma taxa de conservação e exploração nos termos a fixar pelo Ministro da Agricultura sob proposta do IHERA – ora DGADR.
C. As diversas taxas previstas no regime jurídico das obras de aproveitamento hidroagrícola (entre as quais se inclui a TEC para atividades não agrícolas) têm o seu âmbito subjetivo de aplicação delimitado em torno dos diversos beneficiários das obras hidroagrícolas, seja em virtude da sua qualidade de proprietários ou de usufrutuários de prédios beneficiados por tais obras (caso em que serão sujeitos passivos de uma taxa de conservação devida por hectare beneficiado), seja em resultado da sua qualidade de regantes beneficiários ou de utentes precários (situação em que se qualificarão como sujeitos passivos de uma taxa de exploração devida em razão do volume de água utilizado).
D. Assim, apenas são abrangidas pelo âmbito subjetivo de aplicação das taxas previstas no Decreto-Lei 269/82, as entidades que beneficiem da respetiva obra de aproveitamento hidroagrícola, na qualidade de utilizadores finais de recursos hídricos.
E. No caso concreto do Aproveitamento Hidroagrícola do R......., as taxas previstas no Decreto-Lei n.º 269/82, de 10 de julho, serão devidas pelos utilizadores que recorram ou beneficiem dos serviços prestados pela recorrente, na sua qualidade de entidade gestora da totalidade das infraestruturas que constituem tal obra, nos termos definidos no seu contrato de concessão celebrado em 22 de julho de 2009, pelo que as mesmas não se mostram devidas por utilizadores principais de recursos hídricos, como é o caso da ora recorrida.
F. Também a impugnante e ora recorrida é titular de um contrato de concessão para a captação de água na albufeira do R......., para o abastecimento às populações, o qual tem o número 4/CSP/SD/2012.
G. A Barragem do R....... tem assim, em simultâneo duas utilizações distintas e concorrentes, uma destinada à captação de água para rega (a prosseguida pela recorrente) e a captação de água para abastecimento público (a prosseguida pela recorrida), sendo que os títulos conferidos a recorrente e recorrida (os respetivos contratos de concessão) lhes conferem a qualidade de utilizador principal, nos termos definidos na Lei da Água (Cfr. n.º 4 do art.º 64º da Lei 58/2005).
H. Os custos das infraestruturas que são objeto de repercussão nos beneficiários dos serviços tipicamente prestados pela recorrente são bastante mais extensos que os custos suportados, apenas, com a conservação e a reabilitação da Barragem do R......., uma vez que aqueles, ao contrário destes, estendem-se aos necessários para explorar e manter em bom estado de funcionamento todas as infraestruturas incluídas no Aproveitamento Hidroagrícola do R........
I. A Taxa de Conservação (sendo que a liquidada à ora recorrente também inclui a componente de exploração), definida no âmbito especial dos Aproveitamentos Hidroagrícolas, tem em consideração toda a obra hidráulica, que na maior parte dos casos, vai muito além da barragem em si, sendo que os custos de manutenção e conservação dos canais de rega e infraestruturas afins são bem mais onerosos que os despendidos na conservação da barragem.
J. Não é adequado nem justo que utilizações que se localizem no plano de água de uma albufeira de aproveitamento hidroagrícola, e que apenas beneficiam da existência da barragem, paguem uma taxa que engloba a conservação de toda a obra hidroagrícola (Cfr. informação do Instituto da Água, I.P., prestada em 28 de outubro de 2010, sob a referência 880/DORDH-DAU Class. 1.2, p. 3.).
K. Esta é, claramente, a situação dos presentes autos, onde a ora recorrente capta diretamente no plano de água da albufeira, através de meios exclusivamente próprios, água nos termos do respetivo título de utilização privativa de recursos hídricos (TURH), beneficiando, portanto, da barragem.
L. Todos os meios necessários a essa captação são próprios da recorrente – torre de captação, bombas, quadros elétricos, tubagens, etc.
M. No entanto, existe uma clara desproporção entre aquilo que a ora recorrente liquidou a título de TEC à recorrida e aquilo que foi cobrado aos utilizadores finais em contrapartida da conservação e reabilitação de todas as infraestruturas inseridas no aproveitamento hidroagrícola, da captação, da distribuição e do efetivo fornecimento de água.
N. Pelo exposto, resulta que os atos de liquidação da TEC, tal como praticados pela recorrida, são ilegais, por assentarem no errado pressuposto que poderiam validamente comutar as despesas suportadas com a exploração e a conservação do aproveitamento hidroagrícola.
O. A recorrente não pode ser qualificada como utilizadora final do aproveitamento hidroagrícola – o que a exclui liminarmente do âmbito subjetivo de aplicação do tributo.
P. A sujeição a este tributo, por força da discriminação promovida, é incompatível com o princípio da igualdade consagrado no art.º 13º da Constituição da República Portuguesa.
Q. Não foi provado, que as taxas de conservação e exploração exigidas à ora recorrente através das duas faturas impugnadas nos presentes autos, nomeadamente o seu campo de incidência, a sua matéria coletável ou forma de determinação de mesma, tenham resultado do cumprimento do estipulado no art.º 69º-A do Decreto-Lei 269/82, de 10 de julho.
R. Esta questão foi suscitada pela impugnante na PI, assim como nas alegações escritas, não tendo a sentença ora recorrida se pronunciado sobre a mesma, o que constitui um vício da sentença gerador da sua nulidade, que desde já se argui.
S. A análise da questão em causa reveste-se da maior importância, atenta a qualificação que a sentença recorrida faz do tributo cobrado, considerando-o uma taxa.
T. Também não resulta provado nem demonstrado em que medida o âmbito subjetivo de aplicação do Regime Jurídico das Obras e Aproveitamentos Hidroagrícolas, tem aplicação à ora recorrente.
U. Em matéria Tributária, é à entidade liquidadora do valor do tributo que cabe o ónus da prova dos factos constitutivos desse tributo, a exigir do respetivo sujeito passivo.
V. O erro sobre os pressupostos de facto ou de direito de qualquer ato tributário consubstancia um vício de violação de lei, gerador da sua anulabilidade.
Nestes termos e nos mais de direito,
Deverá a sentença recorrida ser substituída por outra que confirme que os atos de liquidação praticados pela Associação de Beneficiários do R....... violaram a lei, não podendo, por isso, subsistir na ordem jurídica, pelo que devem ser anulados. JUSTIÇA!»
X
A Recorrida, Associação de Beneficiários do R....... (ABR.......) contra-alegou (requerimento de fls.251 e ss. numeração do processo em formato digital – sitaf), expendendo conclusivamente o seguinte:«
1- A Recorrente submete à apreciação a este Venerando Tribunal, no âmbito do presente recurso, matéria nova ou seja, que não consta dos seus articulados produzidos em 1ª Instância e, como tal, não foram objecto da Douta Sentença proferida;
2- A esta matéria referem-se as “Conclusões” da Recorrente sob as alíneas C;D;E;F;G;H;I;J;M;N;O;P;R;S;T;U; e V;
3- Por ser matéria nova extravasa o objecto do recurso pelo que, como é pacífico na Jurisprudência, não é este o meio próprio para criar decisões sobre matéria não considerada pelo Tribunal «a quo», porque não invocada pela ora Recorrente, pois aquele encontra-se limitado à impugnação de decisões judiciais tomadas sobre factos alegados pelas partes, em 1ª Instância, e consequente aplicação do direito;
4- Pelo que não se pode agora tomar conhecimento da matéria alegada pela Recorrente sob as alíneas acima indicadas das suas “Conclusões”;
5- A Recorrente capta água superficial na Barragem do R....... (albufeira), parte integrante do Aproveitamento Hidroagrícola do R......., de que a Recorrida é concessionária, por contrato celebrado a 22/07/2009 com o Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural, ali concedente, plasmado parcialmente na Sentença recorrida, sob a alínea A) em “ 3.1.FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO”;
6- A Recorrente, que em P.I. confessa a sua obrigação de liquidar a taxa de exploração e conservação à Recorrida, concessionária do Aproveitamento Hidroagrícola, altera posteriormente a sua posição;
7- Verifica-se que a Recorrida, concessionária, tem o direito de se fazer pagar pelos serviços prestados aos beneficiários do Aproveitamento Hidroagrícola, com actividade agrícola ou com actividade não agrícola, pelo lançamento das taxas previstas no Dec. Lei nº269/82, de 10 de Julho, com a redacção dada pelos Decs Lei nºs 86/2002, de 6 de Abril, e nº169/2005, de 26 de Setembro, nomeadamente, nos seus artigos 66º a 69º – A e 107º;
8- Assim também é obrigada pelo “Regulamento das Associações de Beneficiários”, publicado no Dec. Reg. 84/82, de 4 de Novembro, e pelas cláusulas I, XXIII e XXIV do Contrato de Concessão, atrás referido.
9- Perante esta legislação, a Concedente da Recorrente, Agência Portuguesa do Ambiente, esclarece esta da sua obrigação contratual de pagar as taxas hidroagrícolas, como atrás se abordou em d.3;
10- A fixação da taxa, atendendo-se ao parâmetro água captada, tem expresso acolhimento no Dec. Lei nº269/82, de 6 de Abril, na sua anterior e actual redacção, como se deixou dito em d.5.
11- Forçoso é de concluir que, face à legislação em vigor é direito, e obrigação, da Recorrida liquidar e cobrar taxas de exploração e conservação a todos os beneficiários do Aproveitamento Hidroagrícola;
12- Não se verificam assim os vícios de usurpação e/ou competência da Recorrida ao proceder à liquidação e cobrança das mencionadas taxas;
13- Não se verifica, ao contrário do agora pretendido pela Recorrente, em qualquer diploma legislativo aplicável, âmbito subjectivo de incidência da taxa aos beneficiários do Aproveitamento;
14-Ao não existir a figura de “utilizador final” ou “utilizador principal”, não estão isentos do pagamento das taxas devidas à Recorrida, Concessionária, pelos serviços prestados.
15- Não se verificando assim nenhum dos vícios originais, ou posteriores, alegados pela Recorrente, deve-se proferir Douto Acórdão, a confirmar a Sentença «a quo», com o que se fará JUSTIÇA»
X
A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal notificada para o efeito, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
X
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação
1.De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
«A) Em 22/07/2009, a ABR....... celebrou com o Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, representado pela Direção Geral da Agricultura e Desenvolvimento Rural o «CONTRATO DE CONCESSÃO PARA A GESTÃO DO APROVEITAMENTO HIDROAGRÍCOLA DO R.......», nos termos do qual:
«Cláusula I
Objeto da Concessão
1 – O contrato de concessão tem por objeto, em regime de exclusividade, a gestão do AHR........
2 – A atividade da concessão compreende uma ou mais das seguintes atividades:
a) A gestão dos recursos hídricos do AHR......., bem como a utilização daqueles recursos do domínio público;
b) A exploração, conservação e reabilitação das infra-estruturas do AHR....... necessárias ao seu funcionamento;
c) (…);
d) A captação e o fornecimento de água à atividade agrícola, ao sector agro-alimentar e a outras atividades de natureza económica, beneficiárias das infra-estruturas do AHR.......;
(…)
Cláusula II
Âmbito da concessão
1 – Para efeitos do objeto da concessão são conferidos à concessionária todos os direitos e obrigações compreendidos na gestão dos recursos hídricos em conformidade com o estabelecido na Cláusula anterior, no título de utilização dos recursos hídricos do domínio público, bem como os necessários para a prestação dos serviços constantes dos n.º 2 e n.º 3 da Cláusula anterior, na sua totalidade ou parcialmente.
(…).
Cláusula XXIII
À concessionária, no âmbito da gestão do AHR......., compete-lhe o exercício, nomeadamente, dos seguintes direitos:
a) Liquidar e cobrar as taxas previstas no regime jurídico dos aproveitamentos hidroagrícolas;
b) Fixar e cobrar os preços relativos aos serviços que presta.
Cláusula XXIV
1 – A utilização da água e das infra-estruturas do domínio público objeto da concessão encontram-se sujeitas ao pagamento das taxas previstas no regime jurídico dos aproveitamentos hidroagrícolas e na Lei da Água.
2 – O valor das taxas referidas no número anterior será fixado e atualizado de acordo com os princípios estabelecidos na legislação base e, quando relevante, em legislação complementar que regula o regime da sua aplicação.
3 – A concessionária fará repercutir sobre os utilizadores do AHR....... o encargo económico que a taxa de recursos hídricos representa, nos termos do previsto da Lei da Água e demais legislação complementar.
4 – O valor dos preços a cobrar pelos serviços referidos no n.º 3 da Cláusula I apresentar pela Concessionária, será fixado em conformidade com o principio inscrito na alínea e) do ponto único da Cláusula X. (…)»;
B) Em 09/12/2014 foi emitido parecer pela Agência Portuguesa do Ambiente a solicitação da AB R....... no seguinte sentido “(…) Quanto à questão relacionada com a celebração do Contrato de Concessão nº 4/CSP/SD/2012 com a empresa Águas Públicas do A......., SA e pelo que conseguimos extrair da V. comunicação, é interpretação da Associação de Beneficiários do R....... que a cláusula 13º do referido Contrato de Concessão, relativo à utilização dos recursos hídricos para captação de água superficial destinada ao abastecimento público na albufeira do R....... contraria e pretende afastar o regime jurídico estabelecido pelo Decreto-Lei nº 269/82, de 10 de julho e pela portaria nº1473/2007, de 15 de novembro, no que se refere às taxas de exploração e conservação. Importa salientar que o que se pretendeu consagrar na referida cláusula 13º foi, precisamente, a aplicabilidade da disciplina relativa às taxas de exploração e conservação da barragem tal como estabelecida no Decreto-Lei nº 269/82. Dito de outro modo, visou-se deixar claro que, para além dos deveres decorrentes do Contrato de Concessão a que nos estamos a referir, a concessionária está sujeita, pela utilização da infra-estrutura, a comparticipar nos custos de exploração e conservação da mesma. Afigura-se-nos que tal se retira da redação da própria cláusula 13º e não restarão dúvidas se conjugarmos a sempre referida cláusula com o disposto nos pontos 4, 5, 6, 7 e 8 da cláusula 9º do Contrato de Concessão do Aproveitamento Hidroagrícola do R........ (…)”;
C) Em Assembleia Geral da ABR......., como anualmente ocorre, foi aprovado o plano anual de orçamento e despesas para o ano de 2017, do mesmo resultando a manutenção da cobrança da taxa de exploração e conservação;
D) Em 05/05/2017, a ARB emitiu a nota de liquidação nº 170005 referente à taxa de exploração e conservação de abril de 2017 no valor de €19.907,50, vencida em 04/06/2017;
E) Em 05/06/2016, a ARB emitiu a nota de liquidação nº 170006 referente à taxa de exploração e conservação de maio de 2017 no valor de € 20.341,29, vencida em 05/07/2017;
F) Em 06/07/2017, a ARB emitiu a nota de liquidação nº170007 referente à taxa de exploração e conservação de junho de 2017 no valor de € 22.794,81, vencida em 05/08/2017;
G) Em 24/08/2017, deu entrada neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja à petição inicial que deu origem à presente impugnação judicial.
X
«Não resultaram provados quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa.»
X
«A convicção deste Tribunal fundou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente, nos documentos não impugnados juntos aos autos por ambas as partes e ainda no processo administrativo.»
X
Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
H) A recorrente foi constituída através de contrato outorgado em 25.9.2009, tendo por objecto a exploração e a gestão dos serviços de águas relativos ao Sistema Público Integrado de Águas do A......., (cfr. certidão comercial permanente com o n.° de acesso 3883- 1251-2717 – )
I) Cabe à recorrente a gestão do sistema de abastecimento público de água dos municípios de Beja e Aljustrel – acordo.
J) Desde 1 de Julho de 2010, capta - e com recurso a torre de captação -, água proveniente das afluências próprias da albufeira e por isso armazenada na obra de aproveitamento hidroagrícola do R......., comummente denominada barragem do R....... – acordo.
K) Em 13/01/2012, foi celebrado entre a recorrente e a Administração da Região Hidrográfica do A......., I.P., “Contrato de Concessão Relativo à Utilização dos Recursos Hídricos para Captação de Água Superficial Destinada ao Abastecimento Público na Albufeira do R....... - doc. 4 junto com a petição inicial.
L) Da cláusula 1ª do contrato referido na alínea anterior consta o seguinte: «A concessão tem por objeto // A captação de águas superficiais do domínio público, destinadas à produção de água para abastecimento público na albufeira da Barragem do R......., designada por Sistema de Abastecimento do R........
M) Da cláusula 2.a do contrato consta o seguinte: «A captação de água na albufeira da barragem do R....... é efetuada através de uma torre de captação localizada no ponto de coordenadas X= 204644 m, Y=106864 m, com tomada de água a cota 131,85 m 124,95 m e 121,55 m. A torre de captação é constituída por três grupos de electrobombas: dois com capacidade de 750 m3/h e potência de 90 KW e outro com 450 m /h e potência de 66 KW // A estação de tratamento de água (ETA), localiza-se em Monte Salto, junto à albufeira da barragem do R......., tendo uma capacidade máxima de tratamento da ordem dos 25 600 m /dia. A água tratada é elevada para Beja, Ferreira do A....... e Aljustrel».
N) Da cláusula 13.º (“Utilização de infraestruturas hidráulicas”) do contrato referido consta o seguinte: // A concessionária obriga-se a comparticipar nas despesas originadas com a conservação, manutenção e exploração da barragem do R......., nos termos do definido em clausulado próprio a contratualizar entre a entidade responsável pela exploração destas infra-estruturas hidráulicas e a concessionária, o que constará em adenda ao presente contrato.
O) A impugnada apresentou à impugnante proposta de contrato, da qual decorria que a impugnante deveria pagar à impugnada um preço por m3 de água captada na albufeira da barragem, um preço por cada m3 de água introduzida na mesma barragem vinda do Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva e ainda um preço pela água supostamente evaporada (cfr. Cláusula 4.a da proposta de contrato junta como documento 8, junto com a petição inicial).
P) As liquidações em causa assentam na aplicação ao volume de água captada pela recorrente do preço unitário da água – doc. 1 junto com a petição inicial.
Q) O empreendimento hidroagrícola do R....... é classificado pela Agência Portuguesa do Ambiente como um “Empreendimento de fins múltiplos” (https://apambiente.pt/agua/empreendimentos-de-fins-multiplos).
R) Pela água captada na Barragem do R....... a recorrente paga a taxa dos recursos hídricos – doc. 13 junto com a petição inicial.
X
2. De Direito.
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados erros de julgamento seguintes:
i) Erro de julgamento porquanto a taxa de conservação e exploração da obra hidroagrícola em causa viola o princípio da proporcionalidade, dado que é cobrada a quem utiliza a mesma apenas no “plano de água” [conclusões A) a N)].
ii) Erro de julgamento porquanto a cobrança da taxa à recorrente viola as regras da incidência subjetiva da mesma, dado que a taxa está prevista para aos beneficiários do empreendimento o que não é o caso da recorrente [conclusões O) a Q) e S) a V)].
iii) Nulidade por omissão de pronúncia sobre a questão referida no item anterior [(conclusão S)].
A sentença julgou improcedente a presente impugnação, mantendo na ordem jurídica as liquidações de taxa de exploração e conservação operadas pela Associação de Beneficiários do R....... (ABR.......), relativamente aos meses de Maio a Julho de 2017.
Estruturou, para tanto e em síntese, a argumentação seguinte:

«Resulta do probatório que a Impugnante celebrou com o Ministério da Agricultura o contrato de concessão para a utilização dos recursos hídricos para captação de águas superficiais destinadas ao abastecimento público na Albufeira do R........ Como se preconiza no contrato de concessão, a Impugnante assumiu a obrigação de proceder ao pagamento da taxa de recursos hídricos, bem como a comparticipar nas despesas originadas com a conservação, manutenção e exploração da barragem do R........ // Por seu turno, a ABR....... é responsável pela exploração e conservação da obra de aproveitamento hidroagrícola do R......., sendo-lhe devida uma taxa de conservação e exploração por parte daqueles que utilizem a água do aproveitamento. Simultaneamente, a ABR....... utiliza os recursos hídricos daquele aproveitamento e, nessa medida, é também sujeito passivo da taxa de recursos hídricos. // Foi na qualidade de ente público responsável pela conservação, gestão e exploração da obra de aproveitamento hidroagrícola do R....... que a ABR....... emitiu os atos de liquidação impugnados e referentes às taxas de conservação e exploração de abril a junho de 2017, calculadas nos termos previstos nos sucessivos orçamentos aprovados para cada um destes anos. // Em defesa da ilegalidade dos atos ora em crise a Impugnante esgrime, por um lado, a fórmula de cálculo da taxa de conservação e exploração intentando demonstrar que a taxa de conservação e exploração não se mostra afeta aos custos das infraestruturas e equipamentos da obra, mas antes consubstancia um preço indevidamente cobrado pela ABR pela água captada na albufeira do R......., e, por outro lado, a taxa de recursos hídricos. // Tais argumentos não logram, porém, procedência, sendo a taxa de conservação e exploração uma verdadeira taxa, cobrada pela pessoa coletiva pública para tal competente e que não se sobrepõe à taxa de recursos hídricos. Senão vejamos. //Em primeiro lugar, não é despicienda a circunstância de o próprio legislador qualificar a taxa de conservação e exploração como uma verdadeira taxa, tal como acima melhor referido. Aliás, se bem se interpreta o arrazoado na petição inicial, a Impugnante não questiona a taxa tal como a mesma é criada pelo legislador, mas antes a sua liquidação e cobrança por banda da Impugnada, que, nos moldes em que esta o faz, a transmutaria num verdadeiro preço pela água captada. // Em segundo lugar, as taxas não pressupõem uma equivalência económica, mas antes um equilíbrio entre as prestações realizadas pelas entidades públicas e as correspondentes contraprestações exigidas aos destinatários. (…). Assim, não releva que a taxa de conservação e exploração não corresponda inteiramente às despesas concretamente incorridas pela ABR......., contrariamente ao que propugna a A......., ora Impugnante, uma vez que, como qualquer taxa, se encontram subjacentes à prestação do ente público não só a compensação pelos custos, mas, igualmente, razões de ordem pública. // Em terceiro lugar, a vantagem que a Impugnante retira da prestação da Impugnada – conservação das infraestruturas nas quais se encontra armazenada a água que é por si captada – é calculada em função da quantidade de metros cúbicos dessa mesma água, o que não equivale a dizer que a Impugnante se encontra a pagar uma taxa pela utilização da água. Aliás, o critério do volume de água utilizado encontra expresso acolhimento legal, constando, nomeadamente, do artigo 67º, nº 1 do Decreto-Lei nº 269/82, de 10/07, sendo um critério que se configura como proporcional e adequado para apurar a medida da comparticipação da Impugnante nas despesas de conservação e exploração das infraestruturas e equipamentos da obra de aproveitamento hidroagrícola».
2.2.2. No que respeita ao fundamento do recurso referido em i), a recorrente alega que a liquidação e cobrança da taxa em causa viola o princípio da proporcionalidade.
Apreciação. Estão em causa liquidações de taxas de exploração e de conservação da barragem do R........
O regime jurídico do aproveitamento hidroagrícola foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 269/82, de 10/07, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 86/2002, de 06/04 [RJAH]. «A utilização da obra hidroagrícola para fins não agrícolas não pode, excepto quando se trate de abastecimento público, prejudicar a satisfação de todas as necessidades das áreas beneficiadas, sendo devida uma taxa de conservação e exploração nos termos a fixar pelo Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, por proposta do IHERA. // É aplicável à taxa de conservação e exploração para actividades não agrícolas o regime estabelecido na subsecção anterior, sendo a mesma devida a partir do início da actividade» [Artigo 69º-A RJAH].
«Pelos prédios e parcelas beneficiados pelas obras de aproveitamento hidroagrícolas, é devida pelos proprietários ou usufrutuários uma taxa de conservação anual por hectare beneficiado. // A taxa de conservação destina-se exclusivamente a cobrir os custos de conservação das infra-estruturas (…) [artigo 66.º do RJAH]. Nos termos do artigo 67.º do RJAH, «[p]ela utilização da obra, é devida pelos regantes beneficiários e utentes precários uma taxa de exploração em função do volume de água utilizado». «A taxa de exploração destina-se exclusivamente a cobrir os custos de gestão e exploração da obra, incluindo os custos de utilização da água previstos no Decreto-Lei n.º 47/94, de 22 de Fevereiro …» [artigo 67.º do RJAH].
Do artigo 36.º, §único, do Regulamento da obra de Rega dos Campos do R....... consta o seguinte (1): «[a] taxa de exploração e conservação a cobrar das câmaras municipais e das indústrias que utilizem a água do aproveitamento será fixada pela forma estabelecida para o pagamento da taxa de rega e beneficiação (…)».
Do probatório resulta que o empreendimento hidroagrícola do R....... é classificado pela Agência Portuguesa do Ambiente como um “Empreendimento de fins múltiplos” (2).
«Os empreendimentos de fins múltiplos originariamente constituídos para realizar mais do que uma utilização principal são geridos, em cada caso, por uma única entidade pública ou privada» [artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31/05, que estabelece o regime jurídico dos títulos de utilização dos recursos hídricos – RJTURH]. O regime dos empreendimentos de fins múltiplos deve seguir os princípios seguintes: «a) [s]empre que o empreendimento seja explorado por uma pessoa colectiva de direito privado, ainda que de capitais públicos, a exploração deve ser titulada por contrato de concessão; // b) [s]ão administrados pela entidade exploradora do empreendimento os bens do domínio público hídrico afectos ao empreendimento, podendo ser transmitidos a esta entidade, pelo contrato de concessão, total ou parcialmente, as competências para licenciamento e fiscalização da utilização por terceiros de tais recursos hídricos públicos; // c) [a]s concessões atribuídas às entidades exploradoras dos empreendimentos são outorgadas pelo Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, em nome do Estado, cabendo a tutela sobre a concessionária a esse membro do Governo conjuntamente com o ministro responsável pelo sector de actividade em causa» [artigo 76.º da Lei n.º 58/2005, de 19/12].
Por seu turno, o Decreto-Lei n.º 311/2007, de 17/09, estabelece o regime de constituição e gestão dos empreendimentos de fins múltiplos, bem como o respectivo regime económico e financeiro [RJEFM]. «A classificação de uma infra-estrutura hidráulica de âmbito nacional ou regional como empreendimento de fins múltiplos pode ser promovida por iniciativa do Instituto da Água, I. P. (INAG, I. P.), mediante proposta apresentada por um serviço ou organismo da Administração Pública ou, ainda, sob requerimento de interessado» [artigo 3.º do RJEFM].
Compete à entidade gestora do empreendimento de fins múltiplos as competências seguintes: «a) Manter em condições de segurança as infra-estruturas hidráulicas, promovendo, para este efeito, adequadas acções de exploração, manutenção, reparação e reabilitação; // b) Cumprir o disposto no Regulamento de Segurança de Barragens; // c) Definir e impor deveres relacionados com a utilização, manutenção e gestão dos bens comuns afectos ao empreendimento; // d) Manter em condições de segurança as barragens, promovendo, para este efeito, adequadas acções de exploração, manutenção, reparação e reabilitação; // e) Efectuar a exploração das infra-estruturas de acordo com as normas de segurança e outras aprovadas pela Autoridade Nacional de Segurança e Barragens e promover a sua observação de acordo com o plano de observação aprovado; // (…) // j) Realizar as reparações e outros actos necessários à conservação dos bens comuns; // (…) // n) Fazer reverter sobre os utilizadores de usos principais os custos resultantes dos actos de gestão e exploração, repartindo-os na proporção das respectivas utilizações, de acordo com a fórmula definida no anexo ao presente decreto-lei, que dele faz parte integrante» [artigo 9.º do RJEFM]. Nos termos do anexo referido, «[o]s custos resultantes dos actos de gestão e exploração da entidade gestora que revertem sobre os utilizadores de usos principais são repartidos entre estes na proporção das respectivas utilizações, de acordo com a seguinte fórmula: // Q(índice i) = (M + C) x permilagem da utilização/1000 // em que: // Q(índice i) = custo imputável a cada utilizador principal resultante dos actos de gestão e exploração; // M = despesas de manutenção e gestão dos bens comuns que se prendem com o funcionamento diário do empreendimento; // C = despesas de conservação dos bens comuns que se prendem com as obras e reparações que têm de ser realizadas para evitar a degradação do empreendimento; // Permilagem da utilização = permilagem do volume de água captada ou utilizada por cada utilizador principal em função do volume total de água captada ou utilizada por todos os utilizadores de usos principais».
Suscita-se a questão de saber se a fórmula de calculo da taxa em apreço nos autos observa os preceitos legais que lhe são aplicáveis. Por outras palavras, cumpre determinar se as liquidações questionadas permitem aferir da existência do sinalagma ou da equivalência jurídica entre a prestação recebida e a contrapartida exigida ao contribuinte.
Constitui elemento identificativo das taxas o princípio da equivalência jurídica. O mencionado princípio encontra-se consagrado, por exemplo, no artigo 4.º/2, da LGT, bem como no artigo 4.º/1, do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (3), nos termos do qual: «[o] valor das taxas das autarquias locais é fixado de acordo com o princípio da proporcionalidade e não deve ultrapassar o custo da actividade pública local ou o benefício auferido pelo particular». A este propósito, de referir que «a relação sinalagmática inerente à taxa tem de apresentar um carácter substancial ou material, de modo a envolver uma contraprestação» (4), mas, por outro lado, que «esta exigência não implica a verificação de uma estrita equivalência económica entre o valor do serviço e o montante a pagar pelo utente desse serviço» (5). É que, «[a]s noções da equivalência jurídica e da equivalência económica prendem-se com diferentes planos de análise das taxas, a primeira respeitando à delimitação conceitual das taxas, a segunda respeitando à sua legitimação material: assim, quando se pergunta pela “equivalência jurídica” de uma taxa local trata-se de apurar se ela é cobrada em função de uma prestação efectivamente provocada ou aproveitada pelo particular, distinguindo-as das contribuições e dos impostos, e de saber se foi lesada a reserva de lei parlamentar fixada no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP; quando se pergunta pela “equivalência económica” de uma taxa local trata-se de apurar se o seu montante corresponde ao custo ou valor das prestações que as autarquias dirigem a quem a paga e de saber se com isso respeitaram os princípios da igualdade e da proporcionalidade» (6).
No caso em exame, o cômputo da taxa de exploração e de conservação de empreendimento hidroagrícola de fins múltiplos, com base na aplicação do preço unitário da água sobre o volume de água captado não permite aferir da existência do equilíbrio entre as prestações efectuadas e-ou os benefícios obtidos e as prestações exigidas ao contribuinte, dado que a impugnante não utiliza a barragem nos mesmos termos dos demais beneficiários da mesma. Não são indicados elementos relativos ao cômputo dos custos de conservação das estruturas de captação e de recolha da água utilizada pela impugnante, incorridos pela recorrida.
A taxa em apreço nos autos não se confunde com a taxa de recursos hídricos, também liquidada pela recorrente (7), a qual incide sobre «[a] utilização privativa de águas do domínio público hídrico do Estado» (artigo 4.º/1, do Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11/06). «A primeira é devida pela circunstância de a Impugnante captar água proveniente da albufeira e armazenada na obra de aproveitamento hidroagrícola do R......., beneficiando das infraestruturas geridas e exploradas pela ABR......., enquanto que a segunda se reporta, concretamente, à utilização privativa da água do domínio público para prossecução do objeto do contrato de concessão, em particular a captação e tratamento de água para abastecimento público» (8). Sem embargo, fica por explicar como é que a diferenciação das figuras tributárias em apreço se repercute na forma de cálculo da prestação pecuniária correspondente, dado que a liquidação de ambas recorre ao volume de água captado multiplicado pelo preço unitário (9).
Em suma, seja a equivalência jurídica, seja a equivalência económica, no que se refere às liquidações de taxas questionadas, não se mostram comprovadas nos autos (artigo 4.º/2, da LGT). O método de apuramento da taxa em apreço não tem arrimo no regime legal aplicável, não permitindo discernir o nexo de equivalência económica em que a mesma se baseia.
As liquidações impugnadas violam o princípio da equivalência das taxas, devendo, por este motivo, ser anuladas. A sentença recorrida, ao decidir diversamente, incorreu em erro de julgamento, pelo que não se pode manter. Deve ser substituída por decisão que julgue procedente a impugnação.
Ficam prejudicadas as demais conclusões de recurso.
Termos em que se concede provimento à presente intenção recursória.


Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação.
Custas pela recorrida.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)

(1.ª Adjunta – Patrícia Manuel Pires)

(2.º Adjunto – Vital Lopes)

(1) Publicado no Diário do Governo, de 22/01/1971, III Série, Número 18.
(2) Alínea Q).
(3) Aprovado pela Lei n.º 53-E/2006, de 29/12.
(4) Sérgio Vasques, Regime das Taxas Locais, Introdução e Comentário, Cadernos IDEFF, n.º 8, Almedina, 2008, p. 95.
(5) Sérgio Vasques, Regime das Taxas Locais, cit., p. 95.
(6) Sérgio Vasques, Regime das Taxas Locais, cit., p. 95.
(7) Alínea R), do probatório.
(8) Sentença recorrida.
(9) Alíneas P) e R), do probatório.