Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:31/12.8BEBJA
Secção:CT
Data do Acordão:11/28/2019
Relator:BENJAMIM BARBOSA
Descritores:MAIS-VALIA;
ACTO DE COMÉRCIO - LOTEAMENTO.
Sumário:1. As mais-valias representam o ganho obtido com a valorização de bens ou direitos, alheios a uma atividade comercial ou industrial, de carácter ocasional, fortuito ou imprevisto, que dá origem a um acréscimo patrimonial na esfera do titular desses bens ou direitos, acréscimo esse que justifica a sua sujeição a imposto face ao aumento da capacidade contributiva resultante desse ganho.
2. Os ganhos ou rendimentos obtidos com operações de loteamento, que têm por objeto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados, imediata ou subsequentemente, à edificação urbana, das quais resulta a divisão de um ou vários prédios ou do seu reparcelamento, não constituem ganhos fortuitos ou imprevistos, que surgem acidentalmente por mero efeito das circunstâncias, sendo outrossim produto dos actos de promoção do loteamento, cuja prática não se coaduna com a posição de inércia e neutralidade que caracteriza a actuação do titular do direito nos casos em que o ganho ou rendimento surge espontaneamente.
3. O que determina a sujeição de um acto à lei mercantil é a natureza do acto e não a natureza dos sujeitos que o praticam, como claramente resulta do artigo 1.º do Código Comercial (CCom).
4. O artigo 2.º do CCom consagra um conceito lato de acto de comércio, sendo pacífico que a 1.ª parte desta norma visa os actos objectivamente comerciais, enquanto a 2.ª parte se refere aos actos de comércio subjectivos.
5. Como a compra e venda é objectivamente comercial (cfr. art. 463.º, § 4.º, do CCom), a venda de lotes de terreno resultantes de uma operação de loteamento constitui um acto de comércio, cujos ganhos são tributáveis como rendimentos de categoria B (rendimento empresariais e profissionais) e não como mais-valias (rendimentos da categoria G).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:
1 - Relatório
1.1. As partes
A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do TAF de Beja que julgou procedente a impugnação deduzida por J……. e M………. contra a decisão de indeferimento do recurso hierárquico apresentado relativamente à liquidação adicional de IRS respeitante aos rendimentos do ano de 2007, no montante de €81.001,83, veio interpor o presente recurso jurisdicional
*
1.2. O Objecto do recurso
1.2.1. Alegações
Nas suas alegações a recorrente formulou as seguintes conclusões:
1.ª Na sentença, ora sob recurso, conclui o douto Tribunal “a quo” que “... os ganhos/rendimento auferidos pelo Impugnante com a venda dos lotes de terreno não se podem considerar como rendimentos comerciais ou industriais, antes constituem mais-valias a integrar no art. 10º n.º 1 al. a) do CIRS.”
2.ª E, deste modo, julgando procedente a impugnação, e declarando nulas as decisões e liquidação impugnadas, por considerar que a Administração Tributária e Aduaneira (ATA) ao catalogar tais rendimentos, para efeitos de IRS, como integrados na categoria B “...incorreu em errónea qualificação do rendimento tribut6vel e tanto bastaria para a anulação da liquidação pois a determinação da matéria colectável é diferente numa e noutra sede.”
3.ª Na realidade, na Sentença ora recorrida, a Meritíssima Juiz decidiu que as operações efectuadas nesse prédio que formaram o loteamento, com segurança, com o acordo dos oponentes, não se integram no conceito de “acto de comércio”, tal como se encontra definido no artigo 2.º por referência ao art.º 463.º, ambos do Código Comercial, nem no desenvolvimento de uma actividade objectivamente comercial ou industrial, com o objectivo de obter lucros, e, nessa medida, enquadrando-se no conceito de rendimento comercial, ainda que, saliente-se, o exercício dessa actividade pelos oponentes possa ter sido ocasional, já que não era exercida habitualmente.
4.ª Decisão que, com o devido respeito que é muito, a Fazenda Pública não se pode conformar.
5.ª Desde logo, porque qualquer das alienagões onerosas referidas nas alíneas do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS só originará mais-valia se for efectuada fora dos quadros de uma actividade económica. Neste sentido, José Guilherme Xavier de Basto, IRS – Incidência Real e determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, pág. 394.
6.ª E o facto de os ganhos que podem atribuir-se à actividade empresarial não serem mais-valias, implica que se esteja perante uma categoria não preponderante ou predominante, sem força atractiva sobre rendimentos de outras categorias. Isto, é assume um carácter residual face às outras categorias. Neste sentido, André Salgado Matos, Código do IRS Anotado, Instituto Superior de Gestão, Lisboa, 1999, pág. 164.
7.ª Assim, para excluir os ganhos obtidos com a venda dos referidos lotes de terreno do seu campo de incidência (de rendimentos da categoria B), e enquadrá-los no conceito de mais-valias, tais rendimentos teriam necessariamente de ter um carácter meramente ocasional ou fortuito, ou, utilizando uma expressão britânica, teriam de ser “ganhos trazidos pelo vento”, como resultava dos pontos 2 e 4 do preâmbulo do respectivo Código de Imposto de Mais-Valias.
8.ª Ora, os factos que interessam e aqui relevam para efeitos de subsunção nas normas de incidência tributária são:
A aquisição por sucessão hereditária e partilha judicial do imóvel inscrito na matriz predial rústica da freguesia de M….., concelho de Santarém, sob o artigo 4…, com a área de 32.560 m2;
O loteamento do imóvel, promovido a coberto do alvará de loteamento n.º 1…/2002; que passou a urbano e deu origem aos artigos matriciais 30…. a 30….;
9.ª Ou seja, da factualidade alegada resulta que, aquando da aquisição, o imóvel tinha a natureza de prédio rústico, e, aquando da alienação, estava o mesmo transformado em vários lotes de terreno para construção.
10.ª Todavia, atento o alegado, pelos ora impugnaqntes, parecem os mesmos querer fazer passar a ideia de que entre a aquisição em 1999 e a data da alienação nenhuma intervenção tiveram e que em nada contribuíram para a alienação dos lotes em causa.
11.ª Ora, tendo o loteamento ocorrido já depois dos mesmos terem adquirido por sucessão o imóvel rústico, não parece ser essa a ilação a tirar, não sendo crível que os mesmos se tivessem alheado totalmente do procedimento, quando, na realidade eram partes interessadas no mesmo em alcançar o pretendido loteamento e cessação da compropriedade com a adjudicação de lotes de terreno para construção a cada um dos comproprietários.
12.ª Por conseguinte, não se podendo por isso considerar como ocasionais, nem fruto do acaso ou da sorte, os ganhos assim obtidos pela alienação, resultante do referido loteamento, não podendo por isso ser qualificados como de mais­valias.
13.ª Mais, as operações efectuadas nesse prédio que formaram o loteamento, com segurança com o acordo dos reclamantes, integram-se no conceito de “acto de comércio”, tal como se encontra definido no artigo 2.º por referência ao art.º 463.º, ambos do Código Comercial, no desenvolvimento de uma actividade objectivamente comercial ou industrial, com o objectivo de obter lucros, e, nessa medida, enquadrando-se no conceito de rendimento comercial, ainda que, repita-se, o exercício dessa actividade pelos reclamantes possa ter sido ocasional, já que não era exercida habitualmente.
14.ª Assim, e por força da referida “atracção” exercida pela categoria B, tais rendimentos devem integrar esta por se tratarem de rendimentos empresariais e profissionais (neste sentido, acórdãos do STA de 22.06-1999, processo n.° 17.441, de 20-11-2002, processo n.° 1022/02, de 02-07-2003, processo n.° 772/03­ 30, de 04-11-2004, processo n.° 659/04, de 02-02-2005, processo n.° 371/04-30 e de 29-03-2006, processo n.° 1213/05).
15.ª Como se refere no acórdão do STA de 20-06-2001, processo n.° 4328/2000, o conceito de comércio para efeitos fiscais é mais amplo do que o conceito jurídico-privado, abarcando toda a actividade, ainda que expressa num único acto, que tenha por fim o lucro.
16.ª Na verdade, a expressão actos de comércio prevista no artigo 2.° do Código Comercial tem um sentido muito amplo, correspondente ao conceito de facto jurídico mercantil, em sentido amplo, no qual se englobam os factos jurídicos em sentido estrito ou factos naturais, os actos jurídicos ou factos humanos e, dentro destes, os negócios jurídicos. Neste sentido, Fernando Olavo, Direito Comercial, I, 2.ª Edição, pág. 61.
17.ª É certo que, como os próprios Impugnantes, o afirmam, e na esteira do acórdão do TCA Sul de 18-11-2008, processo n.° 01681/07, “o conceito jurídico de actividade comercial ou industrial, para efeitos de IRS, há-de ser determinado pelo conceito económico de actividade comercial ou industrial, que abrange actividades de mediação entre a oferta e a procura e actividade de incorporação de novas utilidades na matéria, em ambos os casos com fins especulativos, ou seja, com o objectivo de obtenção de lucros”.
18.ª Porém, neste caso, o loteamento e as transformações dele decorrentes, tendo ocorrido já após a aquisição, pelos Impugnantes, da sua quota hereditária, fez com que o prédio perdesse a sua autonomia, quer económica, quer jurídica, deles resultando tantos prédios urbanos quanto os lotes para construção urbana deles formados.
19.ª Acresce, ainda que os lotes de terreno para construção urbana constituem uma das espécies de prédios urbanos, nos termos do artigo 6.º n.º1 alínea c) do Código do IMI.
20.ª Aliás, neste sentido se pronunciou o Acórdão do STA, de 17-12-2002, processo n.º 6804/02, onde se afirma que o loteamento de um terreno e a venda, com intuito lucrativo, dos lotes assim constituídos é uma actividade de natureza comercial ou industrial e, por isso, os ganhos resultantes dessa venda, para efeitos de tributação em IRS, enquadram-se nos rendimentos da categoria B.
21.ª E O Acórdão do TCA-Sul, processo 6380/02, de 15-10-2002 – “I)- Tendo a impugnante dado a conhecer suficientemente as razões de facto e de direito que fundamentam o efeito jurídico que pretendia obter, não é permitido aos tribunais «a quo» e «ad quem» alterar ou substituir o facto jurídico que aquele invocara como base da sua pretensão de modo a decidir a questão posta ao veredicto judicial, com fundamento numa causa que aquela não pôs à sua consideração e decisão.
(II) Terrenos para construção são aqueles que ainda que no título de aquisição assim não hajam sido declarados, desde que a sua situação seja em zona urbanizada, se localize em locais abrangidos por planos de urbanização e a destinação seja declarada como tal pelos intervenientes na transmissão, ainda que tudo seja revelado por indícios objectivos.
(III) O legislador consagrou no Código da Contribuição Autárquica que o "jus aedificandi" já não é um mero poder ou faculdade inerente ao conteúdo do direito de propriedade, passando a integrar o conteúdo das decisões públicas é uma qualidade que se adquire, quer por iniciativa da Administração Pública, quer por licença desta, face à pretensão do respectivo proprietário.
(IV)- Para tanto, a condição de a destinação do terreno deve ser aferida através de alvará de loteamento, do projecto, ou da licença de construção, o que pressupõe que as entidades competentes não vedem toda e qualquer licença de construção. Ora, «in casu» não se prova que a Câmara haja vedado toda e qualquer licença de construção ao terreno em causa ou que ficasse afecto a outros fins, pelo que todos os indícios objectivos e subjectivos recolhidos nos autos apontam para que o terreno tinha apetência para a construção.”
22.ª Na verdade, o facto determinante é que, “in casu”, os Impugnantes não venderam o prédio rústico que adquiriram sem qualquer transformação, caso em que, aí sim, os respectivos ganhos teriam de ser considerados como inesperados ou fortuitos e, por isso, mais-valias para efeitos de tributação em IRS, antes tendo alienando os lotes resultantes da operação de loteamento que foi efectivada no dito prédio rústico.
23.ª Refira-se ainda que, em abono da verdade, a doutrina citada pelos Impugnantes, nomeadamente a defendida por Teixeira Ribeiro (Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. XLI), foi proferida não no sentido preconizado pelos Impugnantes, mas no abono da tese que sustenta que tais ganhos se enquadram na categoria de rendimentos empresariais, visto que a actividade que culmina com o loteamento faz precisamente salientar o carácter comercial ou industrial, com o objectivo de obtenção de lucros;
24.ª que é o que subjaz à norma de incidência prevista nos artigo 3.° n.° 1 alínea a) e n.° 2 alínea h) do Código do IRS, nada obstando a que tais lucros resultantes do exercício, ainda que acidental ou esporádico, de actividade de natureza comercial ou industrial sejam integrados na categoria B.
25.ª Não é assim crível, como acima se disse, que no decurso de tempo que mediou entre a aquisição e o loteamento os Impugnantes se tenham alheado por completo de todo o processo, quanto mais não seja que o tivessem efectuado apenas dando a sua anuência, sem a prática de concretos actos materiais, e daí retirar os consequentes proventos económicos.
26.ª Neste quadro, devem os actos de venda dos lotes em causa pelos Impugnantes, que aí se inserem, ser considerados não uma mera fruição ou mero uso do direito de que eram titulares sobre o prédio, mas sim como fazendo parte integrante de uma actividade comercial, ainda que ocasional, por não deterem a qualidade de comerciantes, não sendo necessário por outro lado, que tal actividade tenha, sido exercida por si, pessoalmente, como parecerem pretender os Impugnantes, sendo os rendimentos assim obtidos de tributar em IRS, na categoria B.
27.ª Entendimento que tem vindo a ser acolhido na jurisprudência, de forma uniforme, como são exemplo e para além da jurisprudência já citada, os acórdãos do TCA Sul de 04-04-2007, processo n.° 01717/07 e de 18-11-2008, processo n.° 01681/07, de 04-07-2006, processo n.° 00973/06, onde é possível ler:
“2. A transformação de um prédio rústico pertença dos impugnantes, conjuntamente com outros para o efeito constituídos em compropriedade, em lotes de terreno para construção urbana, e posterior venda desses lotes, integra actividade que se insere fora do mero uso ou fruição dos prédios, antes se enquadra em actividade comercial ou industrial, ainda que constituída por um só acto isolado, tendo como ficto a obtenção de um lucro;
3. A venda dos lotes de terreno que a cada um veio a caber pela cessação da indivisão da compropriedade, gera rendimentos sujeitos a IRS, categoria C, mesmo no caso das pessoas singulares que não exerciam a actividade de comerciantes (acto de comércio isolado).”
28.ª Também o acórdão do TCA Norte de 24-02-2005, processo n.° 00267/04 se pronunciou neste sentido: - “1. O loteamento e venda de lotes de um prédio rústico herdado em 1984 e vendidos em 1993 e seguintes enquadra-se no regime tributário previsto no artigo 4º, nº 1, alínea e) do CIRS.”.
29.ª Bem como, o acórdão, igualmente do TCA Norte, de 01-07-2004, processo n.° 00019/04: - “1. Tendo o impugnante adquirido um terreno que, posteriormente, dividiu em lotes e vendeu, os ganhos obtidos com essas vendas enquadram-se no artigo 4º, nº 1 alínea e) do CIRS e não no artigo 10º, nº 1 a) do mesmo diploma.
2. Com efeito, a operação de loteamento envolve toda uma componente de actividade comercial, desde obtenção de licenças junto da respectiva Câmara Municipal, a terraplanagens ou outros trabalhos de construção civil, sendo irrelevante que o impugnante não exercesse com habitualidade tal actividade.
3. Só são de enquadrar no citado artigo 10º os ganhos fortuitos resultantes, por exemplo, de uma valorização para a qual o interessado não tenha contribuído, o que não é o caso de realização de um loteamento já que neste caso o mesmo visa a obtenção deliberada de lucro.”.
30.ª Assim, salvo o devido respeito, forçoso é de concluir que os ganhos resultantes da venda dos lotes de terreno aqui em causa não constituem ganhos inesperados ou fortuitos, independentes da vontade e da acção dos reclamantes, mas sim ganhos resultantes de uma actividade empresarial, ainda que ocasional, de uma actividade de transformação de bens com vista à venda, desenvolvida com o fim da obtenção de lucro ou ganho e, por isso, de natureza comercial ou industrial.
31.ª Com efeito, dos elementos recolhidos em sede de inspeção, resultou a aquisição por herança do prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 4..., com a área de 32.560 m2, que o loteamento, promovido a coberto do alvará de loteamento n° 16/2002, passou a urbano e deu origem aos artigos matriciais 30… a 30… e ainda que os alienantes e que os impugnantes e outros o alienaram em 23/08/2007.
32.ª Mais foi obtida informação sobre requerimento para loteamento para viabilidade de construção dos prédios em causa e a emissão do referido alvará em nome dos impugnantes, através do qual foi licenciado o loteamento e a primeira fase das respetivas obras de urbanização a incidirem sobre o prédio em causa.
33.ª Por sua vez, salvo devido respeito, do depoimento prestado pelas testemunhas não foi produzida prova que, a nosso ver, abalasse a realidade fática que conduziu à liquidação colocada em crise nos presentes autos, resultando, assim, que o loteamento foi autorizado quando os terrenos já haviam sido transmitidos, tendo os impugnantes exercido uma atividade, ainda que ocasional, da qual obtiveram lucros.
34.ª Por outro lado, com já dito, o n° 1 do art. 10° do CIRS exclui expressamente do conceito de mais-valias tributáveis os ganhos que resultam da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis que sejam considerados rendimentos empresariais ou profissionais, sendo que estes são, nomeadamente, os que decorrem do exercício de qualquer atividade comercial, entendendo-se como tendo esta natureza, nomeadamente, as actividades urbanísticas e de exploração de loteamentos – arts. 3°, n° 1, al. a) e 4°, n° 1,al. g), ambas do CIRS.
35.ª Consequentemente, como antedito, no presente caso verifica-se uma alienação de lotes de terreno, resultantes de uma operação de loteamento, o qual está titulado pelo respetivo alvará de loteamento emitido pela Câmara Municipal de Santarém, configurando um conjunto de actos tendentes a potenciar o valor dos terrenos, constitutivos de uma actividade comercial, pelo que os ganhos resultantes da venda, para efeitos de tributação em IRS, enquadram-se na categoria B e não na categoria G.
36.ª Logo, os proventos assim obtidos não têm a natureza fortuita dos ganhos que a lei qualifica como mais-valias, designadamente à luz da jurisprudência do STA, de que se realça o Acórdão de 18/06/2003, processo n° 624/03 e o mais recente Acórdão 9/09/2015, processo n° 0810/14 – “Os ganhos com a venda de terrenos, no seguimento das respetivas operações de loteamento, enquadram-se no conceito de rendimento proveniente de actividade comercial, ainda que o loteamento tenha resultado de uma atividade ocasional do loteador (impugnante).”
37.ª Termos em que ao decidir como decidiu, a douta Sentença violou os artigos 3°, n° 1, al. a) e 4°, n° 1, al. g), ambas do CIRS.
*
1.2.3. Contra-alegações
Os recorridos não apresentaram contra-alegações.
*
1.3. Parecer do Ministério Público
A EMMP junto deste Tribunal emitiu o seguinte douto parecer:
A Fazenda Pública, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF de Beja, que julgou procedente a impugnação deduzida por J……… e mulher M……….., decidindo no sentido de que existe errónea qualificação do facto tributário, sendo que a venda dos terrenos referenciados na decisão, não podem ser qualificados como rendimentos da categoria B mas antes enquadrável na categoria G.
A Recorrente entende que o tribunal “a quo”, fez má apreciação da prova produzida e aplicou mal o direito, violando os artigos 3º, n.º 1, al. a) e 4º, n.º 1, al. g) ambos do CIRS
Os impugnantes não a contra-alegaram. Vejamos.
A aquisição do prédio inscrito na matriz predial rústica referenciado no probatório, al. f), foi adquirido por sucessão hereditária pelo Impugnante marido.
O mesmo veio a ser loteado, para viabilidade de construção de prédios, tendo sido emitido alvará em nome do impugnante.
O imóvel veio a ser vendido à Sociedade E...... - C......., Lda.
Está em causa a liquidação de IRS do ano de 2007, relativamente aos ganhos obtidos. Analisemos então as disposições que a Recorrente e os Recorridos, entendem ser de aplicar.
Segundo defendem os Impugnantes os factos seriam subsumíveis às seguintes normas de incidência do CIRS:
Artigo 9.º Rendimentos da categoria G
1 - Constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias:
a) As mais-valias, tal como definidas no artigo seguinte; (...)
Artigo 10.º Mais-Valias
1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;
(...)
Seguindo a tese da AT os factos seriam subsumíveis às seguintes normas de incidência do CIRS:
Artigo 3.º Rendimentos da categoria B
1 - Consideram-se rendimentos empresariais e profissionais:
a) Os decorrentes do exercício de qualquer atividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária;
(...)
Artigo 4.º Atividades comerciais e industriais, agrícolas, silvícolas e pecuárias
1 - Consideram-se atividades comerciais e industriais, designadamente, as seguintes:
a) Compra e venda;
b) Fabricação;
c) Pesca;
d) Explorações mineiras e outras indústrias extrativas;
e) Transportes;
f) Construção civil;
g) Urbanísticas e exploração de loteamentos;
h) Atividades hoteleiras e similares, restauração e bebidas, bem como venda ou exploração do direito real de habitação periódica;
i) Agências de viagens e de turismo;
j) Artesanato;
l) As atividades agrícolas e pecuárias não conexas com a exploração da terra ou em que esta tenha carácter manifestamente acessório;
m) As atividades agrícolas, silvícolas e pecuárias integradas noutras de natureza comercial ou industrial.
Numa análise isolada das normas em causa dir-se-ia que os factos apurados são suscetíveis de ser enquadrados em qualquer dos regimes.
Porém as normas que regem as mais-valias não deixam margem para dúvidas num aspeto: só são aplicáveis a rendimentos que não sejam considerados noutras categorias (artigo 9.º, n.º 1, do CIRS).
Tudo parece indicar que o rendimento originado por operações de alienação de imóveis só será tributado através da categoria G, se não tiver enquadramento na categoria B, que preferirá.
A aplicação do regime da categoria G aos rendimentos provenientes da alienação de imóveis é, desta forma, residual; tributar-se-ão em mais-valias se não forem abrangidas por outro regime.
Neste sentido, ficou consignado no Acórdão do STA, de 24/2/2016, Proc n.º 0580/2016 que “(...) os acréscimos patrimoniais tenham origem que tiverem, só são enquadráveis na categoria G, como claramente expressa o artigo 10.º do IRS se preencherem um primeiro e fundamental requisito legal negativo - «não serem considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais», pelo que o enquadramento legal da situação deve iniciar-se pela verificação da possibilidade de enquadramento do «acréscimo patrimonial», numa das demais categorias de tributação de rendimentos - A a E”.
Defendem os Impugnantes que não exerceram qualquer atividade comercial ou industrial passível de tributação em sede de IRS pela categoria B.
Vejamos então se os atos praticados pelos Impugnantes constituem atividades urbanísticas e exploração de loteamentos, nos termos e para os efeitos do artigo 4.º do CIRS.
A norma do artigo 3.º, n.º1, alinea a), do CIRC regula no sentido de serem tributados através da categoria B os rendimentos decorrentes do exercício de qualquer atividade comercial e industrial.
Por sua vez, a norma do artigo 4.º, n.º 1, do CIRS diz-nos quais são essas atividades, referindo entre elas na sua alinea g) as atividades urbanísticas e de exploração de loteamentos.
É claro que se pode sempre argumentar que a categoria B abrangerá os rendimentos auferidos com atividades de urbanização e de loteamento, quando estas sejam resultado do exercicio habitual desse negócio mas já não quando apenas esteja em causa uma única operação própria do exercicio daquela atividade.
A jurisprudência tem entendido que o argumento da falta de habitualidade não colhe. A norma básica que delimita a incidência objetiva é, afinal, a que consta do artigo 3.º, n.º 1, alinea a) do CIRS, cuja previsão é densificada pela norma do artigo 4.º, n.º 1, alinea g), daquele corpo normativo.
Ora, os rendimentos das atividades a que se reporta a referida norma [3.º, n.º 1, alinea a)] estão compreendidos na categoria B ainda que sejam provenientes da prática de atos isolados, como estipula o mesmo artigo 3.º, no seu n.º 2, alinea h).
Parece assim claro que os rendimentos resultantes das atividades de urbanização e de loteamento são rendimentos de atividades comerciais e/ou industriais e consequentemente rendimentos empresariais, mesmo quando essas atividades não sejam desenvolvidas reiteradamente, ou até quando resultem de um ato isolado.
É também neste sentido que se tem pronunciado de forma uniforme e reiterada a jurisprudência do STA, como ficou consignado em recentes Acórdãos de 09-09-2015, processo 0810/14 e de 24-02-2016, processo 580/15. No primeiro acórdão, tendo por referência ganhos da alienação de lotes de terreno, resultantes de uma operação de loteamento, pode ler-se, designadamente que “(...) a venda de terrenos, nestas circunstâncias e condições (após as operações de loteamento) configura manifestamente atividade comercial, pressupondo a realização intencional de todo um conjunto de atos transformadores tendentes a potenciar o valor dos terrenos em questão...”.
No mesmo acórdão, o STA distingue a diferente natureza destes ganhos, enquadráveis na citada alinea a) do n.º 1 do artigo 3.º, em conjugação com a alinea g) do n.º 1 do artigo 4.º, ambos do CIRS, dos acréscimos patrimoniais que a lei considera como mais valias tributáveis na categoria G, os quais “(...) correspondem, essencialmente, aos ganhos resultantes de uma valorização de bens devida a circunstâncias exteriores, independentemente de uma atividade produtiva do seu titular: correspondem a ganhos trazidos pelo vento”.
No caso dos autos, é pacífico que os Impugnantes desenvolveram efetivamente operação de loteamento do seu prédio.
Os rendimentos que auferiram resultam dessa atuação e já não da venda do prédio preexistente de que foram donos.
Por conseguinte, qualquer que fosse a motivação dos Impugnantes, eles não procederam à venda do terreno que possuíam, tendo antes procedido à sua transformação (em sentido jurídico), retalhando-o em lotes. Além do mais, foram os Impugnantes que fizeram o pedido de loteamento e que beneficiaram dele, razão pela qual, resultando os rendimentos daquela atividade dos Impugnantes, ainda que sem caráter de habitualidade, é nosso entendimento que é na categoria B que eles se enquadram.
Nestes termos, somos do parecer que o recurso deve proceder, devendo revogar-se a sentença proferida.
*
1.4. Questões a decidir
A questão a dirimir é a seguinte:
- Saber se os ganhos resultantes da venda dos lotes em que se dividiu um prédio em consequência de uma operação de loteamento são enquadráveis na categoria G ou na categoria B do IRS.
*
2. Fundamentação
2.1. De facto
O probatório fixado na sentença é do seguinte teor:
A) O Impugnante marido encontra-se colectado pela actividade de farmácia, com o CAE 47730;
B) Os Impugnantes foram submetidos a uma acção inspectiva tributária, determinada pela Ordem de Serviço nº OI200900... da Direcção de Finanças de Setúbal, sendo o seu âmbito análise da situação tributária em sede de IRS quanto ao ano de 2007;
C) No relatório final, datado de 11/10/2010, foram as seguintes as conclusões exaradas como fundamento do enquadramento fiscal das correcções efetuadas à matéria tributável:
“(...)
2. Enquadramento fiscal da alienação “dos imóveis” – sujeição a IRS
O Código do IRS menciona no seu art. 3°, n° 1, al. a) que são considerados rendimentos empresariais e profissionais, categoria B de IRS, «os decorrentes do exercício de qualquer actividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária». No artigo seguinte (art. 4° do CIRS) é elencada uma série de actividades consideradas no domínio das actividades comerciais e industriais, entre as quais se encontram na alínea a) do n° 1 as actividades “urbanísticas e exploração de loteamentos”.
Já o art. 9°, n° 1, al. a), em conjugação com o art. 10° do mesmo código definem as mais-valias com a alienação de imóveis como incrementos patrimoniais – rendimentos da categoria G de IRS – desde que não considerados rendimentos de outras categorias. De facto, refere o n° 1 do art. 10° na sua alínea a) “Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (...)”.
Daqui se depreende da natureza residual e carácter fortuito, não intencional, não deliberado, e sem esforço, da obtenção deste tipo de rendimentos (rendimentos da categoria G – incrementos patrimoniais, entre os quais se encontram as mais valias) por contraposição aos rendimentos da categoria B.
Reportando-nos ao caso específico em análise, verificamos existir da parte do sujeito passivo A (J……..) uma real intenção de concretizar um verdadeiro negócio para a obtenção de lucro com a alienação dos referidos imóveis que pertenciam ao “O..... da F.....” – intencionalidade comprovada na diligência com o pedido de Alvará de Loteamento que foi concedido com o n° 1…/2002.
(...)
Estamos pois em condições de concluir que o negócio em causa prefigura o exercício de uma actividade comercial de venda de vários imóveis (“O..... da F.....” loteado em terrenos para construçio), seguindo as leis do mercado tendo em consideraçio a passagem a terreno urbano, e daí a sua valorizaçio como corolário, nio apresentando qualquer carácter fortuito.
Nestes moldes a alienaçio dos imóveis constitui pois uma verdadeira actividade empresarial, sob o espírito capitalista da maximizaçio do lucro.
3. Enquadramento do Sujeito Passivo B
Por análise ao sistema informático da DGCI verifica-se que o sujeito passivo J........... se encontrava enquadrado para o exercício de 2007 no regime de contabilidade organizada por opçio, pelo exercício da actividade de “C...........” cujo CAE actual é 047730, como actividade principal.
Ficando também enquadrado para o mesmo exercício no mesmo regime pelo exercício da actividade de “C.........” cujo CAE actual é 068100.
4. Apuramento do valor do Rendimento Empresarial (categoria B) sujeito a IRS De acordo com o conteúdo da escritura de compra e venda dos imóveis identificados com os artigos matriciais 30…, 30…, 30…, 30…, 30…, 30…, 30…, 30…, 30… e 30…, o valor de alienaçio ascende a 2.097.000,00 (anexo 8 fls. 6).
No entanto, consultado o sistema informático, verifica-se que o sujeito passivo alienou 1/12 de cada parcela (anexo 9) pelo que o valor atribuído ao sujeito passivo é 174.750,00 €, como se demonstra no quadro seguinte
Prédio
Matriz
Valor
Parte alienada
Valor da parte
alienada
1416...30…250.000,001/12
20.833,33
1416...30…250.000,001/12
20.833,33
1416...30…250.000,001/12
20.833,33
1416...30…250.000,001/12
20.833,33
1416...30…250.000,001/12
20.833,33
1416...30…250.000,001/12
20.833,33
1416...30…250.000,001/12
20.833,33
1416...30…250.000,001/12
20.833,33
1416...30…60.000,001/12
5.000,00
1416...30…37.000,001/12
3.083,33
Total
2.097.000,00
174.750,00

O Valor de Realização de acordo com a al. f) do n° 1 do art. 44° do CIRS, tratando-se de bens imóveis será considerado o valor da respetiva contraprestação ou o valor considerado para efeitos de liquidação de IMI, quando superior nos termos do n° 2 da mesma disposição legal (...)
Valor da parte alienada (valor do contrato)
Valor patrimonial da parte alienada
Valor de Realização
174.750,00218.271,67
218.271,67
(...)
Rendimentos Líquidos da Categoria B do sujeito passivo
Assim, face ao exposto anteriormente, podemos resumir o cálculo dos rendimentos empresariais e profissionais (categoria B) sujeitos a IRS da forma como a seguir se apresenta tendo em conta o enquadramento do sujeito passivo no regime de contabilidade organizada:
Proveitos
Vendas de Mercadorias218.271,67
Custos
Custo das Mercadorias Vendidas
15199,27
Resultado Líquido203.072,40
Lucro Tributável203.072,40
D) Nesta sequência foi proposta correcção do rendimento colectável dos Impugnantes para o ano de 2007 do declarado €76.574,22 para €279.646,62;
E) Tais conclusões foram sancionadas mediante despacho de 25/10/2010 pelo Director de Finanças Adjunto;
F) Em 10/11/1999 o Impugnante marido adquiriu por sucessão hereditária por morte de seu pai J………, ocorrida em 13 de maio de 1994, e partilha judicial, conjuntamente com outros, uma quota-parte do imóvel inscrito na matriz predial rústica da freguesia de M……, concelho de Santarém, sob o artigo 4..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o n° 10..., denominado “O..... da F.....”, sito no Campo E........;
G) Na sequência de requerimento apresentado pelos herdeiros para licenciamento de loteamento e urbanização do imóvel antes descrito foi emitido o Alvará de Loteamento com o n° 1…/2002 pela Câmara Municipal de Santarém que admitiu a viabilidade de construção nos prédios a que deu origem inscritos na matriz sob os artigos P30…, P30…, P30…, P30…, P30…, P30…, P30…, P30… e P30…;
H) Tal alvará foi emitido em nome de M......., M........, E........., J........., M......., e N......
I) Foi efectuado um aditamento ao alvará por deliberação camarária de 21/11/2005;
J) Os custos considerados no relatório de inspecção tributária foram, além de outros, aqueles que o Impugnante e os demais beneficiários do alvará pagaram em 2007 pela sua emissão à Câmara Municipal de Santarém, à empresa de mediação imobiliária, inerentes à avaliação do imóvel;
K) Através de escritura pública outorgada em 23/08/2007 tal imóvel foi alienado à sociedade E...... - C......., Lda;
L) Notificados os Impugnantes quanto ao teor do relatório com o mesmo não se conformaram, apresentando reclamação graciosa;
M) Mediante despacho de 14/08/2011 foi a reclamação indeferida;
N) Sobre este recaiu ainda recurso hierárquico;
O) O qual mereceu despacho de indeferimento de 12/10/2012;
P) Os Impugnantes foram notificados quanto a este em 11/11/2012;
Q) Mantendo a sua inconformação apresentaram em 01/12/2012 a petição inicial que deu origem à presente impugnação judicial;
R) Foi emitida liquidação adicional de IRS quanto ao ano de 2007 relativamente aos Impugnantes a qual apurou imposto a pagar no montante de 81.001,83 €;
S) O terreno em causa nos autos era originariamente pertença do avô do Impugnante, J………;
T) Após a sua morte foi transmitido ao pai do Impugnante e uma sua tia, filhos daquele;
U) Nesse momento o terreno foi cedido à Câmara Municipal de Santarém que passou a ocupá-lo e nele realizava a Feira da Agricultura;
V) Existia um compromisso da Câmara de Santarém assumido perante o pai do Impugnante, conhecido por toda a família, no sentido de permitir a urbanização do terreno;
X) Antes de 25 de abril de 1974 já existia um plano de urbanização do terreno elaborado por arquitecto da Câmara de Santarém;
Y) Mais tarde veio a ser desocupado e com a partilha entre os seus herdeiros promovido o seu loteamento;
Z) A partilha da herança, nomeadamente do terreno, foi de complicada execução, conduzindo a corte de relações entre os familiares;
AA) Após a morte do pai do Impugnante um seu irmão veio a liderar o processo de partilha judicial que veio a ter o desfecho em 1999.
*
FACTOS NÃO PROVADOS
Não resultam provados os fatos que contrários a estes se mostram e ainda, especificadamente:
- que em 26/12/1951 o avô do Impugnante tenha alienado à Câmara Municipal de Santarém uma parcela de terreno rústica denominada “O..... da F.....”, sita no Campo E........, registada na Conservatória do Registo Predial de Santarém, sob o nº 23…, com a área de 78.909,50 m2, com vista à instalação do campo de feiras;
- que o processo correlacionado com o loteamento retroage a 1973;
- que em 1990 houve uma alteração ao estudo do loteamento bem como pareceres favoráveis da tutela governamental;
- que foi celebrado um contrato de doação em 15/02/1993 entre a Câmara de Santarém e o pai e tia da Impugnante;
- que o loteamento do “O..... da F.....” já existisse em data anterior ao óbito de J………;
- que existia uma deliberação camarária de 18/08/1997 a autorizar a operação de loteamento;
- que a Câmara Municipal de Santarém aprovou o licenciamento para construção, edificação, no prédio rústico em causa nos autos, no ano de 1997;
Não resulta, ainda, assente toda a factualidade que se revela acessória à matéria que em função dos fundamentos da impugnação se elege como necessária para a decisão a proferir.
*
2.2. De Direito
A sentença recorrida julgou procedente a impugnação por entender, no essencial, que a alienação dos prédios em causa não constitui um acto de comércio e que, por essa razão, os ganhos obtidos não podem ser enquadráveis no artigo 4.º, n.º 1, do CIRS, a título de uma actividade comercial, nem no n.º 2, al. g), do mesmo artigo, a título de acto isolado de natureza comercial não compreendido noutras categorias.
Flui com clareza da matéria de facto considerada provada e não provada na sentença, que os lotes de terreno alienados pertenciam a prédio que veio à propriedade dos impugnantes por sucessão hereditária. Já depois de integrarem o acervo sucessório (e não antes, como resulta, a contrário, dos factos não provados, foi promovido o seu loteamento, que veio a ser licenciado.
A questão consiste em apurar, então, se os ganhos/lucros obtidos pela venda dos lotes emergem de uma mais-valia ou, antes, de um acto de comércio.
O conceito de mais-valia foi proposto por Karl Marx, com base nos estudos de Adam Smith e de David Ricardo sobre o lucro. Mas a proposta de Karl Marx, com nítido enfoque político, não serve para explicar o conceito de mais-valia na tributação.
É também imprestável o conceito de mais-valia que a ciência financeira adoptou, ao considerar como tal o lucro obtido com a venda ou troca de um ativo acima do seu preço ou custo de aquisição, conceito este que tem como contraponto a menos-valia, isto é, a perda resultante da alienação de um activo abaixo do seu custo ou preço de aquisição.
O conceito de mais-valia na ciência tributária tem contornos peculiares que o distinguem destes dois sentidos, e que caracterizam a sua difícil definição, de resto comum à maioria dos ordenamentos jurídicos, sendo essa definição, em regra, feita pela negativa [1].
Assim, é aceite pacificamente o entendimento de que a mais-valia não representa o ganho ou rendimento que resulta de uma actividade do titular do direito alienado ou transmitido, mas antes o ganho ou rendimento ocasional, inesperado ou imprevisto, que flui para o titular sem qualquer esforço deste, isto é, surge mesmo perante a sua completa inércia. Daí que é costume dizer que a mais-valia tributária representa o ganho trazido pelo vento [2] .
Numa definição mais rigorosa, a mais-valia será o ganho obtido com a valorização de bens ou direitos, alheios a uma atividade comercial ou industrial, de carácter ocasional, fortuito ou imprevisto, que dá origem a um acréscimo patrimonial na esfera do titular desses bens ou direitos, acréscimo esse que justifica a sujeição a imposto face ao aumento da capacidade contributiva resultante desse ganho.
Então, como no caso concreto o loteamento foi promovido e licenciado depois da morte do de cujus e, portanto, depois de aberta a sucessão, dir-se-á que não estamos perante uma situação que se integre no conceito de mais-valia tributária, porque o acto de promoção e pedido de licenciamento do loteamento constitui um acto que não se coaduna com a posição de inércia e neutralidade que caracteriza a actuação do titular do direito nos casos em que o ganho ou rendimento surge espontaneamente, por mero efeito das circunstâncias.
Por outras palavras, o ganho obtido não é mero fruto do acaso ou da sorte, pelo que nunca poderia ser qualificado como mais-valia.
Por outro lado, a operação urbanística de loteamento – que consiste nas acções que tenham por objeto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados, imediata ou subsequentemente, à edificação urbana e que resulte da divisão de um ou vários prédios ou do seu reparcelamento, como define a alínea i) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro – e que está “sujeita a prévia autorização ou licenciamento dos órçãos administrativos competentes e de que resultam alterações na titularidade, objecto e limites dos direitos reais que incidem sobre o referido prédio ou prédios” [3], não se esgota na prática de um só acto por parte do promotor, desdobrando-se outrossim em vários actos, jurídicos e materiais, anteriores e posteriores ao licenciamento, desde a realização do projecto, passando pela sua apresentação conjuntamento com o pedido de licenciamento e, obtido este, pela realização de eventuais obras de infra-estruturação, pela divisão jurídica do prédio ou o seu reparcelamento e a sua inscrição matricial e descrição registral, para falar apenas dos actos mais salientes.
Destinando-se o pedido de loteamento à subsequente venda dos lotes, obviamente que a transmissão tem de ser encarada como acto de comércio, pois o que determina a sujeição de um acto à lei mercantil é a natureza do acto e não a natureza dos sujeitos que o praticam, como claramente resulta do artigo 1.º do Código Comercial que estipula que “A lei comercial rege os actos de comércio, sejam ou não comerciantes as pessoas que neles intervêm(negrito nosso).
Para além disso, o artigo 2.º do mesmo diploma consagra um conceito lato de acto de comércio (serão considerados actos de comércio todos aqueles que se acharem especialmente regulados neste Código e, além deles, todos os contratos e obrigações dos comerciantes, que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio acto não resultar), sendo pacífico que a 1.ª parte desta norma visa os actos objectivamente comerciais, enquanto a 2.ª parte se refere aos actos de comércio subjectivos.
Assim, como a compra e venda dos lotes de terreno é objectivamente comercial (cfr. art. 463.º, § 4.º, do CCom), é indiscutível que estamos perante um acto de comércio, cujos ganhos são tributáveis como rendimentos empresariais e profissionais (categoria B) e não como mais-valias (rendimentos da categoria G), visto que a operação de loteamento se desdobra em vários actos, todos concatenados entre si com o propósito da obtenção de lucros mediante a venda dos lotes, ainda que essa operação seja uma operação acidental, desenvolvida fora de um contexto de habitualidade.
Isto é, a venda dos lotes de terreno é tributável pelos artigos 3.º, n.º 1, al. a) e 4.º, n.º 2, al. g), ambos do CIRS, e não pelo artigo 10.º, n.º 1, al. a), do mesmo diploma legal, como sustentou a sentença
Donde, ter a sentença incorrido em erro de julgamento, com violação das referidas normas, pelo que, procedendo conclusões de recurso se impõe revogar a sentença recorrida e, em substituição (artigo 665.º, n.º 1, do CPC), julgar a impugnação improcedente.
*
3 - Dispositivo
Em face de todo o exposto acordam os juízes da 1.ª Subsecção da Secção de Contencioso do TCA Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgar a impugnação improcedente.
Custas pela recorrente.
D.n.
Lisboa, 2019-11-28
(Benjamim Barbosa)
(Ana Pinhol)
(Isabel Fernandes)



--------------------------------
[1] Cfr. Saldanha SANCHES, Ainda sobre o Conceito de Mais-Valias, disponível em http://www.saldanhasanches.pt.
[2] Cfr. Vitor Faveiro, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, II volume, Colimbra, Coimbra Ed.ª, 1986, p. 735
[3] José Osvaldo Gomes, Manual dos Loteamentos Urbanos, 2.ª edição, revista, actualizada e ampliada, Coimbra, Coimbra Ed.ª, 1983, p. 98