Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2432/15.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:05/13/2021
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:CONTRAORDENAÇÃO FISCAL
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CONTRAORDENACIONAL
INTERRUPÇÃO E SUSPENSÃO
Sumário:I Estando em causa o pagamento de um imposto periódico [dentro dos quais, sem reservas, diremos que se situa, o IRC do qual o pagamento especial por conta (PEC), constitui uma antecipação do pagamento do respetivo montante, devido a final], o prazo de prescrição do procedimento por contraordenação é de 4 anos (cf. artigo 33.º n.º 2 do RGIT e 45.º n.º 1 da LGT.
II A interrupção do prazo de prescrição, determina o reinício da contagem do prazo, porém na situação em análise, o decurso do novo prazo encontra-se limitado pela regra imposta pelo n.º 3 do artigo 28° do RGCO, que determina que a prescrição tem sempre lugar “quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade”.
III A alteração introduzida no n.º 3 da norma citada pela Lei n.º 109/01 de 24/12, não acrescenta, matéria inovadora, uma vez que, em matéria sancionatória, como é a que nos ocupa, já anteriormente era defensável a aplicação subsidiária do regime prescricional do procedimento contraordenacional, previsto no artigo 121.º n.º 3 do Código Penal.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

B... COMERCIAL, SA, melhor identificada nos autos, veio interpor recurso da decisão de fixação da coima, proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças de Cascais 1, no processo de contraordenação nº 1503201506000..., que lhe aplicou a coima no montante de € 1.257,29, pela prática de contra- ordenação prevista no artigo 106° n.º 1 do Código do IRC, por falta de entrega do pagamento especial por conta (PEC), devido em outubro de 2013, e punida pelo artigo 26° n.º 4 e 114° n.º 2 e 5° alínea f) do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT).

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por sentença de 16 de julho de 2020, decidiu declarar extinto, por prescrição, o procedimento contraordenacional, não conhecendo, por considerar prejudicado, o recurso interposto pela Arguida.

Inconformada, a FAZENDA PÚBLICA, veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«A. Salvo o devido respeito, ao determinar a prescrição do procedimento de contra- ordenação n.° 1503201506000..., que aplicou uma coima no montante de €1.257,29, pela falta de entrega do pagamento especial por conta, devido em Outubro de 2013, incorreu o douto Tribunal em erro de julgamento.

B. Considerando o período da infração bem como a data da interrupção do procedimento, que anulou o tempo decorrido antes da causa de interrupção, é entendimento da Fazenda Pública que o procedimento não se encontra prescrito.

C. À luz do artigo 33.° do RGIT, verificamos que este disposto além de instituir um prazo geral de prescrição de cinco anos, estabelece, ainda um prazo especial, idêntico ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária para todos aqueles casos em que a infração depende dessa liquidação.

D. Acresce que deve ter-se em consideração a aplicação do n° 3 do art.° 28° do DL 433/82, de 27 de outubro, aditamento introduzido pela Lei 109/2001, de 24/12, que é semelhante à prescrição das sanções, ou seja, o prazo é acrescido de metade, sendo no caso em apreço de seis anos.

E. Ora, tal indica que o prazo de prescrição sucederia em 1 de Janeiro de 2020, contudo, importa atender à interrupção do prazo que ocorreu em 12 de Março de 2015, com a notificação para o exercício do direito de defesa, - artigo 28.° do DL 433/82, que iniciou uma nova contagem de seis anos, pelo que, a prescrição apenas ocorrerá em 12 de Março de 2021.

F. Termos em que, tendo a decisão recorrida decidido como decidiu, violou o disposto no n.° 1 e n.° 3 artigo 33.° do RGIT, conjugado com o artigo 28.°, n.° 3 do RCO.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a reclamação judicial totalmente improcedente.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA!»


»«

A recorrida, B... COMERCIAL, SA,, devidamente notificada para o efeito, veio apresentar as suas contra-alegações, dizendo que não assiste razão à Recorrente, concluindo, em suma que da confrontação da «… factualidade assente com a previsão do artigo 28.° do RGCO, sabendo que o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional, começou a contar-se no dia 01/01/2014, e como vimos acima o prazo prescricional, acrescido de metade, se consumaria a 01/01/2020.

E ainda que durante esse período tenha ocorrido a suspensão do prazo de prescrição, por força da tramitação judicial do recurso de contraordenação, tal suspensão não poderia ir além de seis meses, por força do disposto no supra transcrito artigo 27.°-A, n.° 2 do RGCO.

Assim sendo, a prescrição da contraordenação ter-se-á consumado em 30 de Junho de 2020.

Tendo por isso muito bem Decidido o Digníssimo Tribunal a quo, declarando que o procedimento se encontra prescrito desde 30 de Junho de 2020.

Devendo manter-se a Douta Decisão Recorrida,

Assim se Fazendo Justiça!»


»«

Neste TCA Sul, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, pronunciou-se no sentido da procedência do recurso.

»«

Com dispensa dos vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta 1. ª Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

»«

Objeto do recurso

Como é sabido, são as conclusões das alegações do recurso que definem o respetivo objeto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, com a ressalva para as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artigo 412.º n.º 1, do CPP, aplicável “ex vi” do artigo 3.º al. b), do RGIT e do artigo 74.º n.º 4, do RGCO).

No caso sub judice, a questão suscitada consiste apenas em saber se a decisão recorrida errou no julgamento de facto e de direito ao decidir pela prescrição do procedimento contraordenacional.

II - FUNDAMENTAÇÃO

De Facto

A sentença recorrida considerou assente a seguinte factualidade:

“A. Em 9 de Março de 2015, o Serviço de Finanças de Cascais foi instaurado o PCO n.° 1503201506000... contra B... Comercial, S.A, com o NIF n.° 5..., por alegada infração ao disposto no artigo 106° n.° 1 do Código do IRC, por falta de entrega do PEC, punida pelo artigo 26° n.° 4 e 114° n.° 2 e 5° alínea f) do RGIT. - cf. autuação - Petição Inicial (244951) Petição Inicial (005497308) Pág. 8 de 26/05/2015 00:00:00

B. Em 12 de Março de 2015, a Arguida/Recorrente acedeu por via eletrónica à sua “Notificação de Defesa / Pagamento c/Redução Art.° 70 RGIT’, no PCO n.° 1503201506000.... — Cf. notificação e impressão extraída do Sistema Electrónico de Citações e Notificações - Petição Inicial (244951) Petição Inicial (005497308) Pág. 9 de 26/05/2015 00:00:00 - pág. 9 e 10 de 95

C. Em 24 de Março de 2015, a Recorrente apresentou a sua defesa em resposta à carta descrita na alínea anterior. — cf. comprovativo de entrega de documentos e requerimento - Petição Inicial (244951) Petição Inicial (005497308) Pág. 11 de 26/05/2015 00:00:00 - pág. 11 a 13 de 95

D. Em 7 de Abril de 2015, a Arguida/Recorrente acedeu por via eletrónica à sua “Notificação da Decisão de Aplicação da Coima’’, no PCO n.° 1503201506000..., de cujo teor se extrai:


«Imagem no original»

- Cf. notificação e impressão extraída do Sistema Electrónico de Citações e Notificações - Petição Inicial (244951) Petição Inicial (005497308) Pág. 56 de 26/05/2015 00:00:00 - pág. 56 e 57 de 95

E. Em 2 de Setembro de 2016, a Arguida/Recorrente foi notificada para se pronunciar quanto à decisão por simples despacho, nos presentes autos. - Cf. despacho, ofício e aviso de receção - Despacho (005633940) Pág. 1 de 15/07/2016 15:38:33, Notificação (005640821) de 30/08/2016 14:16:21 e Aviso de Receção (277472) Aviso de Receção (005642736) de 07/09/2016 00:00:00


*

Factos não provados

Não existem factos alegados e relevantes para a apreciação de mérito, que importe registar como não provados.


*

Motivação

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.»


»«

Do direito

Como se retira das conclusões recursivas, na situação sub judice, está em causa, a questão de saber se a decisão recorrida errou ao julgar verificada a prescrição do procedimento contraordenacional.

A Fazenda Pública insurge-se contra o assim decidido, entendendo, no essencial, que para assim decidir o tribunal “violou o disposto no n.º 1 e n.º 3 artigo 33. ° do RGIT, conjugado com o artigo 28. °, n.º 3 do RCO.”

Vejamos, então, encetando por apelar ao discurso fundamentador trilhado na decisão recorrida.

Diz-se ali que:

“(…)

Quanto à prescrição do procedimento por contra-ordenação determina o n.° 1 do artigo 33° do RGIT, que este procedimento se extingue “por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do facto sejam decorridos cinco anos”.

Acrescenta o n.° 2 da mesma norma, que tal prazo será “reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação”.

No caso dos autos, a alegada infracção decorre da falta de pagamento, dentro do prazo, de Pagamento Especial por Conta, do IRC devido no exercício de 2013. (cf. alíneas A) e D) da factualidade assente).

Nas palavras de Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, a “infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável depende do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar o seu valor’ (sublinhado nosso). (in “Regime Geral das Infracções Tributárias - Anotado”, 3.a edição, Áreas Editora, Lisboa, 2008, pág. 320)

No caso concreto, a determinação da sanção aplicável dependia, efectivamente, do valor da liquidação, dado que o valor da prestação em falta é referência necessária à fixação da moldura contra-ordenacional, conforme previsto no artigo 114° do RGIT, aqui se incluindo os pagamentos por conta e, bem assim, o pagamento especial por conta. (neste sentido, vejam-se entre outros, os Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), proferidos em 28 de Abril de 2010, no processo n.° n.° 0777/09 e em 30 de Maio de 2012, no processo n.° 0326/12)

Assim sendo, e por força do disposto no artigo 45° n.° 1 da Lei Geral Tributária (LGT), aplicável ao IRC por remissão expressa do artigo 101° do Código do IRC, tal prazo é reduzido a 4 anos.

Este prazo será aplicável para efeitos de caducidade do pagamento especial por conta, contado a partir o início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário (cfr. redacção dada pela Lei n.° 55-B/2004, de 30 de Dezembro, aplicável aos prazos em curso - neste sentido, entre outros, o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 17 de Março de 2011, no Processo n.° 01076/09, relativo ao IVA mas cuja doutrina é adaptável ao caso dos autos, e ainda Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, in “Regime Geral das Infracções Tributárias - Anotado”, 3.a edição, Áreas Editora, Lisboa, 2008, pág. 321).

Refira-se que, tratando-se de infracção omissiva, o dies a quo seria, em princípio, determinado atendendo à data em que o facto devesse ter sido praticado. No entanto, aplicando-se o prazo previsto no n.° 2 do artigo 33°, do RGIT, o dies a quo deve coincidir com a data relevante para efeitos de caducidade do direito à liquidação.

No caso dos autos, tendo a infracção ocorrido em Outubro de 2013, ou seja na data em que era devido o pagamento omitido (cf. alínea D) da factualidade assente), o prazo de caducidade começa a contar-se no dia 1 de Janeiro de 2014, pelo que, será nessa data que se início o prazo de prescrição.

Neste sentido, além do acórdão acima citado, veja-se ainda o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 28 de Abril de 2010, no Processo n.° 0777/09, cujo entendimento acompanhamos e onde se afirma que “sendo aplicável o prazo previsto no n.° 1 do artigo 33°, o procedimento extingue-se logo que sobre a prática do facto sejam decorridos cinco anos. O que significa que o prazo prescricional é contado desde o dia em que a infracção foi praticada, o que, aliás, se encontra em consonância com a regra do artigo 119.° do Código Penal. Já se for aplicável o prazo especial previsto no n.° 2, o procedimento extingue-se logo que volvido o prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária, e não quando decorrido determinado prazo sobre a prática da infracção. E, nessa medida, importa estar atento ao dia em que ocorre a caducidade do direito à liquidação para determinar a data em ocorre a prescrição do procedimento por contra-ordenação”).

Aqui chegados, cumpre aferir se o procedimento contra-ordenacional está prescrito, sabendo que na ausência de causas de interrupção ou suspensão, o prazo de prescrição consumar-se-ia, em 1 de Janeiro de 2018.

(…)”-fim de citação

Desde já se adianta que a conclusão a que chegou o TAF de Sintra não nos merece qualquer censura.

Na verdade, o elóquio argumentativo desencadeado pela da Mma. juíza a quo, vai no sentido de considerar que, estando em causa o pagamento de um imposto periódico [dentro dos quais, sem reservas, diremos que se situa, o IRC do qual o pagamento especial por conta (PEC), constitui uma antecipação do pagamento do respetivo montante, devido a final], cujo período de tributação coincide, em norma, com o ano civil (artigo 8.º do CIRC), o prazo de caducidade conta-se a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (artigo 45.º n.º 4 da LGT).

Nesta matéria acolhemos, por facilidade e para melhor apreensão o que, se deixou dito no acórdão do STA proferido em 20/05/2020, no processo n.º 01901/15.7BELRA, donde, com a devida vénia se transcreve o seguinte:

“(…)

Hodiernamente, o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional está prognosticado no artº.33, do R.G.I.T., norma que mantém no seu nº.1 o prazo geral de cinco anos, já consagrado no anterior artº.119, da L.G. Tributária, tal como no artº.35, do C.P. Tributário, no que tange às contra-ordenações fiscais não aduaneiras.

Em vista do caso concreto, há que atentar no que se determina no nº.2, do artº.33, do R.G.I.T., ao instituir um prazo especial idêntico ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação.

Como bem se aponta no Ac. do TCAS de 18.06.2013, tirado no Processo nº06642/13, relatado pelo ora Juiz Conselheiro Joaquim Condesso “Não é clara a ideia subjacente a esta coincidência entre o prazo de liquidação e o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, parecendo que ela se poderia justificar por não ser razoável que a tutela sancionatória se estendesse para além do prazo em que é possível levar a efeito a liquidação, isto é, se na perspectiva legislativa deixa de interessar, pelo decurso do prazo de caducidade, a liquidação do tributo, também deixará de justificar-se a punição de condutas que conduziram à sua omissão. No entanto, a fórmula utilizada no nº.2 deste artigo, ao referir a dependência da infracção relativamente à liquidação da prestação tributária, não traduz esta ideia pois a infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável deriva do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar este valor. Neste sentido, casos em que a existência da contra-ordenação depende da liquidação da prestação tributária são os previstos nos artºs.108, nº.1, 109, nº.1, 114, 118 e 119, nº.1, todos do R.G.I.T. (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/11/2011, proc.4847/11; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág. 323 a 325).

(…)”. – fim de citação – o negrito é nosso.

Retomando a situação que nos vem colocada, damos conta que aqui a arguida vem acusada de infração ao disposto no artigo 106° n.º 1 do Código do IRC, por falta de entrega do PEC, cuja situação se encontra punida pelo artigo 26° n.º 4 e 114° n.º 2 e 5° alínea f) do RGIT (ponto A., do probatório).

Nestes termos, e sendo que a infração emana da violação das regras do PEC, com enquadramento em termos de responsabilidade contraordenacional no artigo 114.º do RGIT, diremos, sem hesitar, como de resto o fez a sentença recorrida, que o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional é o previsto no artigo 33.º nº. 2, do RGIT.

Logo, igual ao prazo de caducidade do direito à liquidação, ou seja, 4 anos, situação que, não vem contestada.

Assim, considerando que a infração ocorreu em 31/10/2013 (ponto D., do probatório), o marco temporal inicial para a contagem do prazo prescricional do procedimento contraordenacional tem o seu initio em 01/01/2014, e o terminus, em 01/01/2018, como bem refere a decisão em conflito, isto, como ali também se diz, sem considerar a existência de qualquer suspensão ou interrupção do respetivo prazo.

Do que entendemos do salvatério a divergência com o, assim decidido, prende-se, com a circunstância de a Fazenda Pública entender que o prazo de prescrição aqui aplicável é semelhante ao da prescrição das sanções, ou seja, de seis anos (4 + 2), sem prejuízo de eventuais interrupções.

Com efeito, ressalta do salvatério que: “… deve ter-se em consideração a aplicação do n° 3 do art.° 28° do DL 433/82, de 27 de outubro, aditamento introduzido pela Lei 109/2001, de 24/12, que é semelhante à prescrição das sanções, ou seja, o prazo é acrescido de metade, sendo no caso em apreço de seis anos” – concl. D.

Para assim concluir sustenta a FP, que a norma citada é semelhante à prescrição das sanções, ou seja, o prazo é acrescido de metade, sendo, portanto, de sete anos e meio para a generalidade das infrações, seis em que se aplica o prazo de caducidade do direito à liquidação, ou quatro anos e meio, nos casos em que o direito à liquidação é apenas de três anos.

Considera assim que in casu o referido prazo terminaria em 01/01/2020, porém, em seu entender a interrupção ocorrida em 12/03/2015, fez nascer novo prazo de 6 anos que se viria a completar em 12/03/2021.

Mas não tem razão.

Na verdade, o decurso da prescrição pode ser suspenso e/ou interrompido conforme decorre do n. º3 do artigo 33, º do RGIT.

Na especificação dos conceitos de interrupção suspensão, e respetivos regimes, apelamos, mais uma vez, ao que se deixou dito no acórdão do STA de 20/05/2020 donde se extrai que, citamos:

“(…)

Há suspensão quando o tempo decorrido antes da verificação da causa de suspensão conta para a prescrição, juntando-se, portanto, ao tempo decorrido após essa causa ter desaparecido (cfr. artº.120, nº.3, do C. Penal). A suspensão impede que o prazo da prescrição decorra enquanto se mantiver a causa que a determinou. Inversamente, verifica-se a interrupção quando o tempo decorrido antes da causa de interrupção fica sem efeito, devendo, portanto, reiniciar-se a contagem de um novo período logo que desapareça a mesma causa (cfr. artº.121, nº.2, do C. Penal). Ou seja, a interrupção anula o prazo prescricional entretanto decorrido (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 19/9/2007, rec.453/07; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 26/9/2007, rec.518/07; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.327; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, 6ª. edição, 2011, Áreas Editora, pág.261).”

Destarte, no caso posto e considerando a positivado no aludido artº.28, nº.3, do R.G.C.O.C. (“ex vi” do artº.3, al.b), do R.G.I.T.), o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional é de seis anos (4+2), ressalvando a existência de factores suspensivos do seu cômputo, como ficou acautelada acima.

(…)

Releva para afeitos de determinação do prazo prescricional o disposto no já referido artigo 33.º do RGIT que textua:

“1 - O procedimento por contraordenação extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do facto sejam decorridos cinco anos.

2 - O prazo de prescrição do procedimento por contraordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração depender daquela liquidação.

3 - O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos na lei geral, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º, no artigo 47.º e no artigo 74.º, e ainda no caso de pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contraordenação desde a apresentação do pedido até à notificação para o pagamento”.

(…)” – fim de citação

Quanto às causas de interrupção do prazo em análise, chamando à colação o artigo 28° do RGCO, aqui aplicável por força da alínea b) do artigo 3° do RGIT e constatamos que, nos termos da lei:

1 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:

a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;

b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;

c) Com a notificação do arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;

d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.

2 - (...)

3 - A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade” (1).

Importa aqui relembrar que a alteração introduzida no n.º 3 da norma citada pela Lei n.º 109/01 de 24/12, não acrescenta, de facto, matéria inovadora, uma vez que, em matéria sancionatória, como é a que nos ocupa, já anteriormente era defendível a aplicação subsidiária do regime prescricional do procedimento contraordenacional, previsto no artigo 121.º n.º 3 do Código Penal, que passou de forma inovadora a partir de 01/01/1995, por força do DL n-º 48/95 de 15/03 a prever a existência de um prazo máximo de prescrição, mesmo havendo atos interruptivos (cfr. Ac. STA proferido em 22/09/2004, mo processo n.º 0570/04 consultável em http://www.dgsi.pt,)

Dito isto e sendo insofismável que “in casu” a exigibilidade do imposto ocorreu em 31/10/2013, a partir de 01/01/2014, repete-se, iniciou-se a contagem do prazo de prescrição.

Este prazo foi interrompido em 12/03/2015, face à notificação da Arguida para o exercício do seu direito de defesa nos termos previstos no artigo 70° do RGIT. (ponto B., da factualidade dada por provada)

Em 07/04/2015, ocorreu nova interrupção com a notificação da decisão de aplicação da coima. (ponto D., da factualidade dada por provada).

Sendo que, como bem refere a recorrente (FP) a interrupção do prazo de prescrição, determina o reinício da contagem do prazo, porém na situação em análise, o decurso do novo prazo encontra-se limitado pela regra imposta pelo n.º 3 do artigo 28° do RGCO, supratranscrita, que determina que a prescrição tem sempre lugarquando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade”.

Assim, e como nos diz a sentença recorrida; “ … no caso dos autos, na hipótese de não ter ocorrido qualquer causa de suspensão, o procedimento contra-ordenacional já terá prescrito, visto que já decorreram mais do que seis anos, desde a consumação da infracção contra-ordenacional (os 6 anos ininterruptos, contados desde 1 de Janeiro de 2014, terminaram em 1 de Janeiro de 2020).

Todavia, há que atender às causas de interrupção e suspensão estabelecidas na lei geral, por força do estatuído no n.º 3 do artigo 33.º do RGIT, supra enunciado, nomeadamente, quanto à suspensão, as decorrentes dos “… termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º, no artigo 47.º e no artigo 74.º, e ainda no caso de pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contraordenação desde a apresentação do pedido até à notificação para o pagamento”.

Circunstâncias que, adiante-se, no caso em análise, não se verificam, na verdade não foi dado noticia da existência de qualquer procedimento prévio em curso de que dependa a qualificação contraordenacional dos factos (artigo 42.º n.º 2 do RGIT). Também não se dá conta da existência de estar a correr processo de impugnação ou de oposição que desse lugar à suspensão do procedimento de contraordenação (artigo 47°); ou haver indícios da existência de crime tributário (artigo 74°) e, bem assim, ter havido pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contraordenação desde a apresentação do pedido até à notificação para o pagamento, o nº 3 do já citado artigo 33º RGIT remete-nos para os artigos 27-A e 28º RGCO (DL nº 433/82):

Quanto às causas de suspensão, decorre ainda do artigo 27.º-A do RGCO que:

“1. A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:
a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;
b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa nos termos do artigo 40°;
c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso.
2. Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses”. (o negrito é nosso)

Sendo que, na situação que nos ocupa, como, bem notou a Mma. juíza a quo, apenas se verifica a situação enunciada na alínea c) do n.º 1 da norma citada, ou seja, a “pendência do procedimento após a notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima”.

Assim, e como ali se disse: “[N]no caso dos autos, a suspensão ocorreu em 2 de Setembro de 2016, ou seja, na data em que a Arguida/Recorrente foi notificada do despacho deste Tribunal para se opor, querendo, à decisão por simples despacho (cf. alínea E) supra).

Contudo, tal suspensão não poderia perdurar por mais de seis meses, ou seja, no máximo, até ao dia 2 de Março de 2017, retomando a contagem do prazo de prescrição, a partir daí, como resulta da aplicação conjugada do artigo 33° n.° 3 do RGIT com o artigo 27°-A n.os 1 alínea c) e 2, do RGCO.

Aqui chegados e confrontando a factualidade assente com a previsão do n.° 3 do artigo 28° do RGCO, sabendo que o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, começou a contar-se no dia 1 de Janeiro de 2014, e que como vimos acima, o prazo prescricional de quatro anos, acrescido de metade, se consumaria em 1 de Janeiro de 2020.

E ainda que durante esse período tenha ocorrido a suspensão do prazo de prescrição, por força da tramitação judicial do recurso de contra-ordenação, tal suspensão não poderia perdurar além de seis meses, por força do disposto no supra transcrito artigo 27°-A n.° 2 do RGCO.

Assim sendo, a prescrição da contra-ordenação ter-se-á consumado, em 30 de Junho de 2020.

Deste modo, forçoso será concluir que, o procedimento de contra-ordenação se encontra prescrito desde 30 de Junho de 2020.” – fim de citação

Termos em que, sem mais, improcedem in totum as conclusões recursivas, mantendo-se a sentença recorrida no sentido da extinção do procedimento contraordenacional, por efeito da prescrição, o que implica o arquivamento dos autos como resulta das disposições conjugadas dos artigos 33º, 61º e 77º do RGIT.

III - DECISÃO

Face ao que, acordam em conferência os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida, declarando-se extinto o procedimento contraordenacional por prescrição com o consequente arquivamento dos autos.

Sem custas.

Registe e notifique.

Lisboa, 13 de maio de 2021

[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Senhoras Desembargadoras Ana Cristina Carvalho e Ana Pinhol]


Hélia Gameiro Silva
(assinado digitalmente)

-------------------------------------------------------------
(1) No mesmo sentido, vide, artigo 121.º nº.3, do Código Penal.