Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11799/15
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:05/14/2015
Relator:CATARINA JARMELA
Descritores:EXCESSO DE PRONÚNCIA – OBJECTO DO RECURSO – RECONSTITUIÇÃO DA SITUAÇÃO ACTUAL HIPOTÉTICA
Sumário:I - De acordo com o disposto no art. 615º n.º 1, al. d), 2ª parte, do CPC de 2013, é nula a sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, nulidade que está relacionada com o preceituado no art. 608º n.º 2, do mesmo Código, na parte em que determina que o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

II - A questão caracteriza-se pelo pedido e pela causa de pedir, pelo que se a sentença aprecia o pedido com base em causa de pedir diversa da invocada pela parte está a conhecer de questão diferente da que a parte submeteu ao conhecimento do tribunal, isto é, a sentença incorre em excesso de pronúncia e, portanto, é nula.

III - O objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, conforme decorre dos arts. 608º n.º 2, 2ª parte, 635º n.º 4 e 639º n.º 1, todos do CPC de 2013, ex vi art. 140º, do CPTA.

IV – Revogado o acto de adjudicação por violação dos princípio da igualdade e da imparcialidade (ambivalência de sentidos criada por uma das cláusulas do caderno de encargos) impõe-se, para a reconstituição da situação, a reformulação da cláusula do caderno de encargos que permitiu a ambivalência de sentidos, bem como a prática da subsequente tramitação do procedimento de concurso (v.g. publicação do anúncio do procedimento, apresentação de propostas, elaboração do relatório preliminar, audiência prévia, relatório final e adjudicação), sendo que a deliberação de contratar, situada a montante, permanece indemne.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
*
I – RELATÓRIO
Beckman …………………., Lda., intentou no TAF de Sintra acção de contencioso pré-contratual contra o Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE, indicando como contra-interessada Emílio ……………….., SA, na qual peticionou:
a) a anulação do acto de adjudicação do Lote 11 à contra-interessada, deliberado pelo Conselho de Administração da entidade demandada, no dia 29 de Janeiro de 2014, no âmbito do Concurso Público Internacional nº 1-1-5000/2014, para o fornecimento de reagentes e demais bens necessários para a realização de análises clínicas;
b) caso o contrato tenha sido ou venha a ser celebrado na pendência da presente acção, a sua anulação, nos termos previstos no art. 283º n.º 2, do CCP;
c) a condenação da entidade demandada a proferir decisão de adjudicação do lote 11 à proposta da autora.

Após a notificação das contestações, veio a autora, face ao teor da deliberação do Conselho de Administração da entidade demandada de 26.3.2014 – e ao pedido formulado por esta de extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, tendo em conta o conteúdo dessa deliberação -, peticionar, ao abrigo do art. 64º, do CPTA, o prosseguimento dos autos contra este novo acto (acto revogatório), formulando os seguintes pedidos:

a) anulação do acto revogatório na parte em que a entidade demandada decide não contratar ou não adjudicar o Lote 11;

b) a condenação da entidade demandada a proferir decisão de adjudicação do Lote 11 à proposta da autora.

No despacho saneador de 28 de Maio de 2014 foi deferido o referido pedido de modificação objectiva da instância, salientando-se que os autos prosseguiam tendo em vista a impugnação do acto revogatório.


Por acórdão de 14 de Outubro de 2014 do referido tribunal foi anulada a deliberação revogatória do acto de adjudicação, identificada no n.º 22 do probatório, e condenada a entidade demandada a proferir decisão de adjudicação do Lote 11 à proposta da autora.

Inconformados, a contra-interessada e o Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE, interpuseram recurso jurisdicional para este TCA Sul desse acórdão, sendo que a contra-interessada restringiu o seu recurso à parte em que esse acórdão condenou a entidade demandada a proferir decisão de adjudicação do Lote 11 à proposta da autora.

A contra-interessada Emílio ………………., SA (E..........) na alegação apresentada formulou as seguintes conclusões:

“1. Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido nestes autos de contencioso pré-contratual na parte em que decidiu condenar o C….. a proferir decisão de adjudicação do Lote 11 à proposta da Autora.

DESDE LOGO,

2. Quanto aos Factos Provados constantes da Sentença devem ser acrescentados os seguintes factos, porque provados por documento, designadamente pelo Processo Administrativo, doravante designado PA, e não impugnados pelas partes, encontrando-se, por isso, plenamente provado e que são os seguintes: a) A E.......... pediu esclarecimentos ao júri quanto ao equipamento proposto para o serviço de Imuno-Hemoterapia do Polo HCC colocando a seguinte questão "se o equipamento (Hemogramas) para o serviço de Imuno-Hemoterapia do polo HCC e, dada a especificidade própria do serviço tem de ser igual aos dos polos HSAC e HCC, ou se é suficiente um equipamento de triagem com 3 populações leucocitárias com possibilidade de usar reagente diferente dos restantes polos". b) A esta questão o júri do concurso respondeu, "sim". c) A proposta da Autora BC quanto ao lote 11, foi feita nos seguintes termos: - nesta parte, deve ser transcrita a proposta da BC, nos termos em que o foi a da E.......... n° 15 do probatório.

3. Entendeu BC, por Requerimento após articulados, alterar os pedidos iniciais feitos na PI - que incluíam a anulação da deliberação de adjudicação à E……… datada de 29/01/2014, a anulação do contrato e a adjudicação à BC - peticionando agora, a anulação parcial do acto revogatório de 26/03/2014 na parte em que o C………. decide não contratar ou não adjudicar o Lote 11, pedindo ainda, que o C……….. fosse condenado a proferir decisão de adjudicação do Lote 11 à sua proposta.

4. No Despacho Saneador de 28/5/2014, foi decidido admitir a modificação objectiva da instância e, em consequência, determinou-se que os autos prosseguissem tendo em vista a impugnação do acto revogatório de 26/03/2014, ou seja, o Despacho saneador delimitou o objeto da acção à questão da validade do acto revogatório à luz do disposto no artigo 79.° do CCP e dos Princípios que devem nortear a contratação Publica.

5. Concluindo, o objecto da acção passou a ser, unicamente, a validade do acto revogatório enquanto decisão de não contratar, tout court, o lote 11. (ou seja, não contratar nenhum dos concorrentes).

6. Nos termos do artigo 87.° n° 2 do CPTA, as questões decididas no Despacho Saneador não podem ser reapreciadas, pelo que tal Despacho, que delimitou, naqueles termos, o objecto da acção, transitou em julgado.

7. Assim, em consequência da modificação objetiva da instância e delimitação do objecto da acção, nos termos em que o faz o Despacho Saneador, não podem ser apreciados na Sentença, por não constarem daquele objecto, os pedidos quer de anulação do acto de adjudicação à E….. datado de 29/01/2014, quer de anulação do contrato a celebrar e quer de adjudicação à proposta da BC, inicialmente peticionados por esta, mas apenas a validade do acto revogatório de 26/03/2014.

8. Ora, quanto ao acto revogatório datado de 26/03/2014, entendeu o Tribunal a quo, no Acórdão recorrido que "(...) a deliberação revogatória violou o principio da legalidade da competência, uma vez que a Entidade Adjudicante se arvorou uma competência, (para revogar a adjudicação já efectuada) que a lei não permite, nos termos do disposto no artigo 79° do CCP.". E, com este fundamento, decidiu "Anular a deliberação revogatória do acto de adjudicação e melhor identificada no n° 22 do probatório." não pondo em causa a ora Recorrente esta parte da decisão.

9. Sucede que, anulado o acto revogatório de 26/03/2014, mantém-se o acto inicial de adjudicação à E.......... datado de 29/01/2014, tal como é reconhecido no Acórdão recorrido que considera que: "Anulada a deliberação revogatória, fica a decisão de adjudicação à Contra —Interessada".

10. Ora, ao analisar os fundamentos da invalidade do acto de adjudicação datado de 29/01/2014 — designadamente, ao entender que os analisadores apresentados pela E.......... no âmbito da sua proposta não têm as mesmas especificações nem usam os mesmos reagentes - (sem nunca daí extrair consequências quanto à validade do próprio acto, em termos de anulação do mesmo, porque não o não pode fazer) o Tribunal a quo está a conhecer de uma questão sobre a qual não se podia pronunciar, porquanto o pedido de anulação daquele acto com base em alegados vícios e a respectiva causa de pedir já não existem, por força da modificação objectiva da instância e da delimitação do objecto da acção à Impugnação do Acto Revogatório feita no Despacho Saneador.

11. E assim sendo, conhecendo daquela questão que não podia conhecer, ou seja, conhecendo dos fundamentos invocados pela BC quanto à (in)validade do acto de adjudicação de 29/01/2014, quando já não o podia fazer, também não podia o Tribunal a quo condenar o Réu a tomar decisão de adjudicação do Lote 11 à Autora.

12. E, com isto explicamos a razão pela qual, o Tribunal a quo, tendo analisado, indevidamente os vícios do acto de adjudicação inicial de 29/01/2014, não decidiu anulá-lo, porquanto, como se já expôs à exaustão, não tinha, para tal, poderes de pronúncia, face à delimitação do objecto da acção feita no Despacho Saneador.

13. No entanto, sem essa anulação, é juridicamente impossível que o douto Acórdão, anule a deliberação revogatória, reconhecendo que fica a decisão de adjudicação à Contra Interessada – E…-, para, logo de seguida, e sem mais, condenar o Réu a proferir decisão de adjudicação do Lote à Autora, quando inexiste qualquer decisão do Tribunal a quo de anulação do acto de adjudicação à E.........., que continua válido e agora, inimpugnável, - decisão que, aliás, lhe estava vedada pelas razões já expostas.

SEM PRESCINDIR, E POR MERA CAUTELA,

14. Mesmo que não se concorde com os argumentos supra expostos, o que não se admite e não se concede, mas apenas se coloca para mero efeito de raciocínio, resulta do Acórdão recorrido que o mesmo se pronunciou sobre os alegados vícios do acto de adjudicação à E… datado de 29/01/2014, considerando que os mesmos se verificam (apesar de não anular o acto de adjudicação!)

15. Mesmo não o podendo fazer, pelas razões já supra explanadas, a verdade é que o Tribunal o faz, considerando que os mesmos se verificam, pelo que, nesta parte e como já se disse e se reitera, por mera cautela, a Recorrente impugna, também, a decisão recorrida.

16. Assim, entendeu o Tribunal a quo que os analisadores apresentados pela E….. no âmbito da sua proposta não têm as mesmas especificações nem usam os mesmos reagentes.

SUCEDE QUE,

17. O critério de adjudicação pata o lote 11 é o da proposta economicamente mais vantajosa, nos termos dos fatores e subfactores elementares previstos nos modelos de avaliação estabelecidos no artigo 11° do Programa de Procedimento (Cfr. n° 8 do probatório).

18. Na análise do programa de concurso e dos procedimentos, os concorrentes podem ter interpretações diferentes, no que concerne ao seu conteúdo.

19. E foi justamente isso que aconteceu, relativamente à proposta apresentada pela E…. quanto ao lote 11, e especificamente quanto ao equipamento proposto para o serviço de Imuno-Hemoterapia do polo do HCC.

20. E, em tempo, a E……..pediu esclarecimentos ao júri quanto ao equipamento proposto para o serviço de Imuno-Hemoterapia do Polo HCC ao colocar a seguinte questão "se o equipamento (Hemogramas) para o serviço de Imuno-Hemoterapia do polo HCC e, dada a especificidade própria do serviço Um de ser igual aos dos polos HSAC e HCC, ou se é suficiente um equipamento de triagem com 3 populações leucocitárias com possibilidade de usar reagente diferente dos restantes polos".

21. A esta questão o júri do concurso respondeu, "sim", conforme factos que a ora Recorrente requereu que fossem aditados aos Factos Provados.

22. O júri deu a sua concordância a toda a questão levantada, assumindo não só a diferença do serviço em causa, como a adequação de tal equipamento com 3 populações leucocitárias com possibilidade de usar reagentes diferentes.

23. Por força do esclarecimento prestado pelo júri, aprovando a proposta da E……., tais esclarecimentos ficaram a fazer parte integrante das peças do procedimento, prevalecendo sobre estas em caso de divergência, como prevê o artigo 50 n° 5 do CCP.

24. Acresce que dispõe o artigo 96 n° 2 alíneas a) e b) do CCP que "Fazem sempre parte integrante do contrato, independentemente da sua redução a escrito:

a) Os suprimentos dos erros e omissões do caderno de encargos identificados pelos concorrentes, desde que esses erros e omissões tenham sido expressamente aceites pelo órgão competente para a decisão a contratar.

b) Os esclarecimentos e as retificações relativas ao caderno de encargos".

25. Em suma, os esclarecimentos prestados pelo Júri à E.........., no âmbito supra referido, integraram-se automaticamente nas peças do procedimento a que respeitam e prevalecem sobre estas em caso de divergência, fazendo, ainda, parte integrante do contrato.

26. Aliás, se no concurso tivessem sido solicitados equipamentos iguais para todos os polos, o que não sucedeu como supra se alegou, seria a BC quem estaria a violar expressamente o disposto nos números l e 2, relativos ao lote 11, do Anexo II do Caderno de Encargos, pois apresentou uma proposta contendo 4 coloradores de esfregaços de sangue periférico - Wescor- diferentes do colorador de esfregaços proposto para o HSJ, o que levaria à exclusão da sua proposta, (conforme facto provado a aditar, como requerido em 2. destas Conclusões)

27. Acresce que a proposta da BC também devia ser excluída ao abrigo do Artigo 7°, n° 2 alínea c) do Programa do Procedimento, e do disposto no artigo 146 n° 2 alínea d) do CCP, porquanto não só não apresenta qualquer instituição em Portugal, como qualquer equipamento modelo DxHSMS em Portugal, conforme se comprova pelo teor da sua proposta, (conforme facto provado a aditar, como requerido em 2) destas Conclusões)

28. E ainda não apresenta qualquer local ou instituição com uma cadeia robotizada LH 1500 com ligação ao sistema analítico Dx 2401, conforme era exigido pelo Caderno de Encargos.

29. Face ao supra exposto, considera a Recorrente que a entidade adjudicante não violou quaisquer dos princípios enunciados no CCP, pelo que a adjudicação do lote 11 à E.......... deverá manter-se.

30. Termos em que violou o Douto Acórdão os artigos 87.° n° 2, 95.° n° l e 2 do CPTA, artigo 615 n° l, alínea d) 2° parte, aplicável por força do artigo 1° do CPTA, e ainda, os artigos 50. n° 5 e 96 n° 2 alíneas a) e b) do CCP.

TERMOS EM QUE DEVE SER REVOGADO O DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO, assim se fazendo,

JUSTIÇA!”.

E o Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE (CHLC), na alegação apresentada formulou as seguintes conclusões:

“O presente Recurso deve ser julgado procedente, porquanto:

1. No ato revogatório, ora impugnado, o CHLC entendeu que a forma como estavam as peças concursais e o esclarecimento prestado pelo Júri permitiram uma ambivalência de sentido que poderia conduzir e efetivamente conduziu a uma incerteza jurídica para os concorrentes, incluindo a Beckman e a Contra­interessada E..........;

2. Entendeu o C…, portanto, que as duas interpretações admissíveis das peças procedimentais não permitiram estabelecer uma única matriz comum sobre a qual as propostas deveriam ser elaboradas e apresentadas, tanto que alguns concorrentes apresentaram propostas com um equipamento para o Serviço de lmuno-Hemoterapia do polo do HCC diferente do equipamento proposto para os polo de HDE, HSAC e HCC (e não só a Contra-Interessada), e outros, como a Beckman, propuseram todos iguais.

3. Verificando-se que as propostas apresentadas revelavam entendimentos diferentes e incompatíveis, porém plausíveis (em face da descrição semântica efetuada no Caderno de Encargos do procedimento sobre os requisitos mínimos em questão), sobre a questão em causa, o C…..concluiu, e bem, no ato de revogação, que seria violador da igualdade e imparcialidade a adjudicação de qualquer proposta, desde logo porque os concorrentes que seguiram o entendimento sustentado nas alíneas j) e k) da deliberação apresentaram propostas com uma estrutura de custos diversa (da considerada por aqueles concorrentes, como a então adjudicatária, ora Contrainteressada, que seguiram o entendimento querido pelo Júri, cfr. segunda parte da alínea f) da deliberação), por considerarem equipamentos iguais (e mais completos, que permitiam o controlo de 5 e não apenas 3 populações, e, por isso, tendencialmente mais dispendiosos), não estando garantida desse modo a existência de condições iguais para todos os concorrentes, em resultado da enunciada ambivalência de sentidos criados pelas peças procedimentais;

4. O ato de revogação praticado pelo C……. tem como fundamento a impossibilidade legal de adjudicar qualquer uma das propostas, porquanto tal adjudicação seria sempre violadora dos princípios da igualdade e da imparcialidade;

5. Importa aqui deixar claro, com recurso a um simples silogismo, o seguinte: se o ato de adjudicação de qualquer proposta, a ser praticado, for ilegal (pelos motivos referidos), e se o ordenamento jurídico apenas postula a prática de atos legais, o dever de adjudicação só se torna efetivo conquanto o procedimento pré-contratual possa dar origem a um ato legal;

6. Porque estava em tempo, o C…… revogou o ato de adjudicação inicialmente impugnado nos presentes autos, não podendo obviamente praticar qualquer ato de adjudicação, quer porque tal seria contraditório com os seus próprios fundamentos, quer porque seria atentório dos princípios nele invocados; pelo que,

7. O alegado dever de adjudicação invocado pela Beckman e pelo Acórdão recorrido tem, no presente caso, um objeto legalmente impossível, por inadmissível;

8. Os fundamentos ínsitos no ato de revogação não se limitam à proposta adjudicada da Contra-Interessada E.........., porquanto são comuns a todo o lote – incluindo à própria proposta da Beckman -, demonstrando a própria desconformidade legal perpetrada pelas peças procedimentais, que inquinariam qualquer ato de adjudicação que fosse praticado;

9. Os próprios princípios da boa-fé e da proteção das legítimas expectativas criadas invocados pela Beckman como determinantes do dever geral de adjudicação seriam violados em caso de adjudicação de alguma proposta no contexto do caso específico sub judice, porquanto qualquer adjudicação de uma proposta - da Beckman, por exemplo - violaria esses mesmos princípios porquanto os outros concorrentes, em particular a Contra-interessada, se não fosse esta a adjudicatária, também tinham apresentado as suas propostas confiando na boa-fé do C…… e com legítimas expectativas de lhe ser adjudicada a proposta;

10. Perante estas circunstâncias invulgares, de fronteira, optou naturalmente o C…….. por tratar todos os interessados de forma igualitária, pondo-os em patamares de igualdade total, visando, com esta decisão, garantir a prossecução dos princípios a que se propõe no âmbito de um procedimento de adjudicação;

11. Pelo exposto, não ocorreu a suposta violação do artigo 79.º do CCP decidida pelo Acórdão recorrido;

12. A decisão tomada pelo C…….. é a que efetivamente melhor tutela a confiança de todos os concorrentes, bem como a que igualmente garante a pretendida proteção das respetivas expectativas legítimas de todos os concorrentes (e não apenas de alguns ou algum);

13. Em especial, quanto ao princípio da auto-vinculação invocado pela Beckman, importa acrescentar ao exposto que além de este não visar vincular a Administração à prática de atos ilegais, a estabilidade do concurso invocada pela Autora só poderia existir se afigurasse possível, situação que se demonstrou com clareza não ocorrer;

14. Face à improcedência dos vícios alegados pela Beckman, não constitui um ato devido a adjudicação a sua proposta no Lote 11, sendo essa ou qualquer outra adjudicação, aliás, como se viu, ilegal, por violadora quer dos princípios da igualdade e da imparcialidade referidos no ato impugnado, quer dos princípios da boa-fé e da tutela da confiança que a própria Autora invoca, pelo que o C……. não podia ser condenado a tanto, ao contrário do que o Acórdão recorrido decidiu.

NESTES TERMOS,

O presente Recurso deve ser admitido e julgado procedente, devendo, em consequência, ser revogado o Acórdão recorrido, com as legais consequências.”.

A recorrida, notificada, apresentou contra-alegações, onde pugnou pela improcedência dos recursos.

O Ministério Público junto deste Tribunal notificado para os efeitos do disposto no art. 146º n.º 1, do CPTA, não emitiu parecer.

Remetidos os autos ao TAF de Sintra, aí foi proferida decisão, em 13 de Abril de 2015, pela formação de três juízes, pronunciando-se sobre a nulidade imputada ao acórdão de 14 de Outubro de 2014, sustentando a sua inexistência.



II - FUNDAMENTAÇÃO
Na sentença recorrida foram dados como assentes os seguintes factos:
1. Em 19 de Junho de 2013, por deliberação do Conselho de Administração do C….., foi tomada a decisão de contratar fornecedores de reagentes para a realização de análises clínicas, por via da abertura de um concurso público internacional a que foi atribuída a referência nº 1-1-5000/2014 (Concurso").
2. No Diário da República, nº 120, 2ª série, de 25 de Junho de 2013, foi publicado o anúncio de procedimento nº 3146/2013, lançado pelo C…, referente ao Concurso acima identificado.
3. O Concurso decorreu na plataforma eletrónica de contratação Voltal Health.
4. As peças do Concurso são constituídas pelo Programa do Procedimento, cuja cópia ora se junta como DOC.2 e se dá por integralmente reproduzido e o Caderno de Encargos, cuja cópia ora se junta como DOC.3, que se dão como reproduzidos.
5. O contrato a celebrar tem por objecto principal o fornecimento de reagentes e demais bens necessários para a realização das análises clínicas listadas no Anexo I ao Caderno de Encargos referente ao Concurso acima identificado ("Contrato").
6. Concretamente, o Contrato visava o fornecimento de reagentes específicos e não específicos, calibradores, controlos e consumíveis necessários à realização das análises clínicas; controlos de qualidade internos; realização de confirmações de resultados duvidosos a laboratórios externos e controlos de qualidade externos, por lote, englobando a colocação, instalação e montagem, pelo prazo de vigência do Contrato, dos equipamentos identificados no Anexo II ao Caderno de Encargos, e respectivas acções de manutenção preventiva e correctiva, bem como a realização das acções de formação ao pessoal do C………. indispensáveis à utilização dos equipamentos, cfr, cláusula 1ª do Caderno de Encargos.
7. Nos termos do artigo 10º do Programa do Procedimento, foi fixado o critério de adjudicação, a qual é feita por lotes.
8. O critério de adjudicação, para o Lote 11 - lote que releva nos presentes autos - é o da proposta economicamente mais vantajosa nos termos e de acordo com os factores e subfactores elementares previstos nos respectivos modelos de avaliação estabelecidos no artigo 11º do Programa do Procedimento.
9. O Lote 11 refere-se aos hemogramas e reticulócitos, tal como previsto no Anexo I, página 21, do Caderno de Encargos.
10. Para além disso, e para o Lote 11, o fornecimento acima previsto engloba ainda a colocação, instalação e montagem, pelo prazo de vigência do Contrato, dos seguintes equipamentos, identificados no Anexo II (páginas 35 e 36) do Caderno de Encargos:
a) Sistema robotizado para tubos de EDT A que permita o transporte automático com alimentação contínua para os diferentes componentes da cadeia;
b) Analisadores hematológicos integrados na cadeia com uma produtividade igual ou superior a 300 hemogramas/hora para o polo de HSJ, integrando o número necessário para dar resposta à produção do polo desse hospital durante toda a vigência do Contrato, incluindo eventuais renovações, considerando dois equipamentos como mínimo e que permita crescimento futuro integrando mais analisadores se necessário;
c) Um preparador e colorador automático de esfregaços, sendo estes executados de acordo com regras pré-definidas e com possibilidade de integração na cadeia robotizada para o HSJ;
d) Um equipamento para distribuição e arquivo de amostras (tipo sorter), integrado na cadeia robotizada que permita a separação dos tubos de EDTA para outros procedimentos tais como: velocidade de sedimentação, hemoglobinas glicadas, doseamento da hemoglobina e citometria de fluxo para o HSJ;
e) Dois analisadores hematológicos para o polo de HDE;
f) Um analisador hematológico para o polo de HSAC;
g) Um analisador hematológico para o polo de HCC;
h) Um equipamento (hemogramas) para o Serviço de Imuno-Hemoterapia do polo do HCC.
11. O Caderno de Encargos prevê quatro polos que se localizam no Hospital de Santo António dos Capuchos ("HSAC"), Hospital de Santa Marta ("HSM"), Hospital de Curry Cabral ("HCC") e Hospital Dona Estefânia ("HDE"), cfr. página 31 do Caderno de Encargos.
12. O Hospital de São José ("HSJ") funciona como laboratório central, altamente automatizado e especializado, sendo o laboratório de referência para o conjunto do C……., cfr. Anexo II (página 31) do Caderno de Encargos.
13. Apresentaram proposta, no Lote 11, as seguintes sociedades: (i) E……..; (ii) BECKMAN; (iii) A…………… Laboratórios, Lda. e (iv) H…….., cfr. página 7 do relatório preliminar relativo ao Concurso público em apreço, (DOC 4).
14. Foi proposta a exclusão da proposta da concorrente H……….., nos termos do disposto na alínea b) do nº 2 do artigo 70º do Código dos Contratos Públicos ("CCP") e da alínea o) do nº 2 do artigo 146º do mesmo código, por apesar de ter proposto três equipamentos ligados a três coloradores automáticos, estes três conjuntos não se apresentarem ligados em cadeia, conforme exigido no Anexo III ao Caderno de Encargos ("15. Integração em cadeia dos equipamentos de hematologia e equipamento de execução e coloração de esfregaços no HSJ").
15. A proposta da Contra Interessada Emílio de Azevedo Campos, S.A. quanto ao Lote 11 foi nos termos seguintes:
“LISTA DESCRIMINADA DOS EQUIPAMENTOS PROPOSTOS
Equipamentos da marca SYSMEX/Japão
HOSPITAL DE S. JOSÉ (HSJ)
UM sistema robotizado para tubos de EDTA modelo, HST-N 302 com uma linha que permite o transporte automático de amostras e alimentação contínua para os diferentes elementos da cadeia, com a seguinte constituição:
• DOIS analisadores hematológicos integrados na cadeia da marca SYSMEX, modelo XE 5000 com uma velocidade de 150 amostras/hora em cada um dos equipamentos, garantindo uma produtividade de 300 hemogramas/hora, para a execução de hemogramas (com contagem diferencial leucocitária de 5 populações, incluindo eritroblastos em todos os hemogramas), reticulócitos e líquidos biológicos com software específico para a sua análise.
• UM preparador e colorador automático de esfregaços, modelo SP 1001 integrado na cadeia robotizada, cujos esfregaços são executados de acordo com regras pré definidas pelo utilizador e a qualidade dos mesmos dependentes do valor do hematócrito do analisador de hematologia. Este equipamento tem uma velocidade de 120 esfregaços/hora.
• UM equipamento tipo sorter para distribuição e arquivo de amostras, modelo TS 500 permitindo a separação dos tubos de EDTA para outros procedimentos como: velocidade de sedimentação, hemoglobinas glicadas, doseamento de hemoglobina, citometria de fluxo, erros de códigos de barras e outras tarefas dependentes do tubo do hemograma.
• UMA unidade opcional de arquivo dos racks do T5 500 com capacidade para 16 racks que corresponde a 2.000 tubos.
FIG. 1 Sistema robotizado H5T-N 302 (…)
• UM sistema de validação quantitativa e morfológica de amostras (Extended IPU) integrado com o LiS para visualização numérica, gráfica e respectivo histórico de toda a informação disponibilizada pelos analisadores, possibilitando a validação em TRÊS postos remotos
• TRÊS microscópios da marca MOTIC, modelo BA 310 -T, com câmara Moticam 5 para integração da digitalização de imagens online do microscópio na ficha clínica do doente residente no servidor do hospital Clinidata XXI.
A cadeia está preparada para a integração de mais analisadores em caso de crescimento futuro.
HOSPITAL DONA ESTEFÂNIA (HDE)
• DOIS analisadores hematológicos da marca SYSMEX, modelo XE 5000 com uma velocidade de 150 amostras/hora para a execução de hemogramas (com contagem diferencial leucocitária de 5 populações, incluindo eritroblastos em todos os hemogramas), reticulócitos e líquidos biológicos com software específico para a sua análise.
HOSPITAL DE SANTO ANTÓNIO DOS CAPUCHOS (HSAC)
UM analisador hematológico da marca SYSMEX, modelo XE 5000 com uma velocidade de 150 amostras/hora para a execução de hemogramas (com contagem diferencial leucocitária de 5 populações, incluindo eritroblastos em todos os hemogramas), reticulócitos e líquidos biológicos com software específico para a sua análise.
HOSPITAL CURRY CABRAL (HCC)
UM analisador hematológico da marca SYSMEX, modelo XE 5000 com uma velocidade de 150 amostras/hora para a execução de hemogramas (com contagem diferencial leucocitária de 5 populações, incluindo eritroblastos em todos os hemogramas), reticulócltos e líquidos biológicos com software específico para a sua análise.
HOSPITAL CURRY CABRAL (HCC) - Serviço de ImunoHemoterapia
UM analisador hematológico da marca SYSMEX, modelo XP 300 para a execução de hemogramas com contagem diferencial leucocitária de 3 populações.
16. As propostas apresentadas pelos demais concorrentes foram admitidas e classificadas da seguinte forma:
- 1.° Lugar: E…….com uma pontuação global de 38,38 pontos;
- 2.° Lugar: BECKMAN com uma pontuação global de 34,57 pontos;
- 3.° Lugar: A……….. com uma pontuação global de 16,63 pontos.
17. Foi proposta a adjudicação do Contrato de fornecimento de reagentes para a realização de análises clínicas, no Lote 11, ao concorrente E...........
18. Inconformada, a Autora pronunciou-se, no dia 23 de Dezembro de 2013, em sede de audiência prévia, expondo as razões pelas quais entendeu que a proposta da concorrente E.......... deveria ter sido excluída do procedimento concursal em apreço - DOC.5, que aqui se dá como reproduzido.
19. No relatório final, datado de dia 28 de Janeiro de 2014, foi mantida a ordenação das propostas e a indicação para a adjudicação do Lote 11 ao concorrente E.......... - cfr. cópia do relatório final, DOC.6, que aqui se dá como reproduzido.
20. O relatório final e a proposta de adjudicação foram objecto de aprovação pelo Conselho de Administração do Réu, por deliberação de 29 de Janeiro de 2014 (a Adjudicação - cfr. DOC.1), tendo a Adjudicação sido notificada à Autora na plataforma electrónica no dia 31 de Janeiro.
21. No dia 12 de Fevereiro de 2014, e ao abrigo do artigo 85º do CCP, a Autora foi notificada da data da apresentação (i.e. 3 de Fevereiro de 2014) dos documentos de habilitação por parte do adjudicatário E.........., em relação ao Lote 11, cfr. cópia de notificação que ora se junta como DOC. 7.
22. Por Deliberação do Conselho de Administração do C……, de 26 de Março de 2014, foi decidido, designadamente, o seguinte: "Revoga-se o ato de adjudicação quanto ao lote 11 do Concurso Público Internacional n.° 1-15000/2014, nos termos do artigo 141.°, nº 1, do Código do Procedimento Administrativo, o que determina a ilegalidade consequente do Contrato celebrado em 20 de Fevereiro com Emílio ……………., S.A., nos termos do n° 2 do artigo 283.° do Código dos Contratos Públicos", nos termos seguintes:
“Deliberação
Considerando que:
a) Por deliberação do Conselho de Administração do Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E. de 19 de Junho de 2013, foi promovida a abertura de um procedimento de Concurso Público Internacional nº 1-1-5000/2014, para o fornecimento de reagentes e demais bens necessários para a realização das análises clínicas, por lotes;
b) O referido procedimento visava celebração de um contrato por lote, com um objecto complexo, tal como resulta do Caderno de Encargos, e, em especial, da sua Cláusula 1ª, sendo composto por:
(i) Uma componente principal de fornecimento de bens (reagentes e demais bens necessários à realização das análises; cfr. cláusula 1ª, nº 1: "objecto principal o fornecimento de reagentes e demais bens necessários para a realização das análises clínicas");
(ii) Uma componente acessória de prestação de serviços (cláusula 1ª, nº 1: "acções de manutenção preventiva e correctiva, bem como a realização das acções de formação ao pessoal do C…."); e
(iii) Uma outra componente acessória de locação de bens móveis (cláusula 1ª, n. ° 1: "colocação, instalação e montagem, pelo prazo de vigência do contrato, dos equipamentos a que se refere o Anexo II a este Caderno de Encargos"; cláusula 6ª, nº 5: "equipamentos colocados à disposição do C….. para a realização das análises"; cfr. ainda cláusulas 7ª, nº 7, in fine e 10ª, nº 2, todas do Caderno de Encargos), nos termos da qual o cocontratante deverá disponibilizar ao C………., temporariamente (rectius, durante a vigência do contrato), os equipamentos indicados na sua proposta para a realização das análises, sendo que a retribuição pela disponibilização desses mesmos equipamentos considera-se feita através do pagamento dos reagentes consumidos (cfr. NOTA 1 da alínea b) do nº 1 do artigo 7.° do Programa de Procedimento e cláusula 16ª, nº 3, do Caderno de Encargos), nesse preço se incluindo, portanto, o preço a pagar pela disponibilização dos equipamentos;
c) Relativamente ao lote 11, o Caderno de Encargos estabelecia, no seu Anexo II, que seriam necessários instalar, designadamente, os seguintes equipamentos:
" (...)
• 2 analisadores Hematologicos para o polo de HDE;
• 1 analisador Hematologico para o polo de HSAC;
• 1 analisador Hematologico para o polo de HCC;
• 1 equipamento (Hemogramas) para o Serviço de Imuno-Hemoterapia do polo do HCC";
d) Por sua vez, o Anexo II ao Caderno de Encargos estabelecia que os equipamentos a instalar deveriam cumprir os seguintes requisitos mínimos:
"1. Todos os equipamentos devem ter as mesmas especificações;
2. Todos os equipamentos devem usar os mesmos reagentes e consumíveis
(. . .)
8. Leitura de 5 populações com NRBCs e Reticulócitos;
(...)”
e) Em sede de esclarecimentos destinados à boa interpretação e compreensão das peças do procedimento, um concorrente questionou o seguinte:
"5. Anexo II "Listagem de equipamentos por Hospital" pretendemos que nos informem:
(…)
c) se o equipamento (Hemogramas) para o Serviço de Imuno-Hemoterapia do polo do HCC e, dada a especificidade própria do serviço tem de ser igual aos dos polos HSAC e HCC ou se é suficiente um equipamento de triagem com 3 populações leucocitárias com possibilidade de usar reagente diferente dos restantes polos";
f) O Júri do procedimento respondeu que "Sim" àquele esclarecimento, querendo com isso significar que o equipamento para o Serviço de Imuno-Hemoterapia do polo do HCC não tem que ser igual ao equipamento para os polos do HDE, HSAC e HCC, na medida em que no Serviço de Imuno-Hemoterapia do HCC apenas é efectuado um controlo de com 3 populações leucocitárias e não de 5;
g) Porém, reavaliado o teor e o contexto daquele esclarecimento no confronto com os requisitos mínimos citados em d) supra, admite-se que o mesmo possa ter gerado alguma dúvida sobre o seu alcance;
h) Com efeito, pode aquela resposta ("Sim") ser interpretada como querendo significar que "o equipamento (Hemogramas) para o Serviço de Imuno-Hemoterapia do polo do HCC e, dada a especificidade própria do serviço tem de ser igual aos dos polos HSAC e HCC" (sic. primeira parte do esclarecimento referido em e) supra), sendo certo que em abono desse (possível) sentido poderá ser invocado o teor literal dos requisitos mínimos 1, 2 e 8 indicados em d) supra;
i) Na mesma linha de raciocínio, pode igualmente ser discutível se a admissão de um equipamento menos completo para o Serviço de Imuno-Hemoterapia do HCC (que permita apenas o controle de 3 e não de 5 populações) não teria que passar por uma retificação do Anexo III ao Caderno de Encargos, uma vez que era exigido que "Todos os equipamentos devem ter as mesmas especificações" e que uma das especificações era a "Leitura de 5 populações com NRBCs e Reticulócitos" (cfr. pontos 1 e 8, respectivamente, do Anexo III ao Caderno de Encargos, quanto ao lote 11), ou, ao invés, se aquele esclarecimento, com o sentido querido pelo Júri, seria uma decorrência lógica da localização e denominações diferentes dos equipamentos;
j) Tudo (re) ponderado, cremos que a leitura mais compatível com a segurança jurídica é a que decorre da letra dos requisitos mínimos enunciados em d) supra;
k) Pelo que, em conformidade, o entendimento do Júri deveria ter passado por uma delimitação negativa daqueles requisitos mínimos, em ordem a clarificar que os mesmos não se referiam a "Todos os equipamentos", de modo a excluir desse universo o equipamento para o Serviço de Imuno-Hemoterapia do polo do HCC;
l) Neste contexto, verificando-se que as propostas apresentadas revelam entendimentos diferentes e incompatíveis, porém admissíveis, sobre a questão em causa, conclui-se que seria violador da igualdade e imparcialidade a adjudicação de qualquer proposta, desde logo porque os concorrentes que seguiram o entendimento sustentado em j) e k) apresentaram propostas com uma estrutura de custos diversa (da considerada por aqueles concorrentes, como o adjudicatário, que seguiram o entendimento querido pelo Júri, cfr. segunda parte de f) supra), por considerarem equipamentos iguais (e mais completos, que permitiam o controlo de 5 e não apenas 3 populações, e, por isso, tendencialmente mais dispendiosos), não estando garantido desse modo a existência de condições iguais para todos os concorrentes;
Termos em que:
a) Revoga-se o ato de adjudicação quanto ao lote 11 do Concurso Público Internacional nº 1-1-5000/2014, nos termos do artigo 141.°, nº 1, do Código do Procedimento Administrativo, o que determina a ilegalidade consequente do Contrato celebrado em 20 de Fevereiro com Emílio de Azevedo Campos, S.A., nos termos do nº 2 do artigo 283.° do Código dos Contratos Públicos;
b) Não há audiência prévia dos interessados, nos termos da alínea a) do nº 1 do Código do Procedimento Administrativo, face ao termo do prazo de contestação (1.4.2014) no processo nº 291/14.0BESNT, que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, terminado o qual seria impossível praticar o presente ato;
c) Notifiquem-se os interessados.
CJLC, EPE, 26 de Março de 2014
O Conselho de Administração, (…)” - fls.258 e ss..
*
Presente a factualidade antecedente, cumpre entrar na análise dos fundamentos dos presentes recursos jurisdicionais.

As questões suscitadas pelos recorrentes resumem-se, em suma, em determinar se a decisão recorrida:

- é nula;

- incorreu em erro na fixação da matéria de facto dada como provada;

- enferma de erro ao ter julgado procedente a presente acção (cfr. alegações de recurso e respectivas conclusões, supra transcritas).

Passando à apreciação da questão respeitante à nulidade da decisão recorrida

Invoca a recorrente E.......... que a decisão recorrida é nula, nos termos do art. 615º n.º 1, al. d), 2ª parte, do CPC de 2013, dado que conheceu de uma questão sobre a qual não se podia pronunciar, pois apreciou os fundamentos invocados pela recorrida para pedir a anulação do acto de adjudicação de 29.1.2014 quando já não o podia fazer, face à modificação da instância, razão pela qual não podia condenar o C….. a adjudicar o lote 11 à recorrida com base nessa causa de pedir.

Apreciando.

Dispõe o art. 615º n.º 1, do CPC de 2013, que:
“É nula a sentença quando:
(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
(…)” (sublinhado nosso).

A nulidade prevista na 2ª parte da al. d) do n.º 1 deste art. 615º relaciona-se directamente com o estatuído no art. 608º n.º 2, 2ª parte, do CPC de 2013, nos termos do qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras” (sublinhado nosso), cumprindo salientar que o art. 95º n.º 1, do CPTA, tem uma redacção idêntica a este art. 608º n.º 2.


A propósito desta nulidade, refere Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª Edição, 2003, págs. 50 e 51, que “À pronúncia indevida refere-se a 2.ª parte da alínea d) do n.° 1 do art. 668.°(1) e consiste em o juiz conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento. Trata-se de nulidade relacionada com a 2ª parte do n.° 2 do art. 660.º (2), onde se proíbe ao juiz de ocupar-se de questões que as partes não tenham suscitado, a menos que a lei lho permita ou lhe imponha o conhecimento oficioso”. Esse mesmo autor, cit., pág. 33, afirma que “A segunda regra contida no n.° 2 do art. 660.°, que impõe ao juiz que conheça unicamente das questões suscitadas pelas partes, justifica-se pelos princípios dispositivo e do contraditório. Com efeito, o princípio dispositivo veda ao juiz pronunciar-se sobre objecto processual distinto do proposto pelos litigantes, por só a eles competir defini-lo, enquanto o princípio do contraditório impede o conhecimento de tudo aquilo que não tenha sido matéria de debate entre as partes.” (sublinhados nossos).

E Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 228, em anotação ao art. 660º n.º 2 (3), esclarece o seguinte:

O n.º 2 do preceito em anotação suscita um problema melindroso, que é o de interpretar, em termos exactos, o sentido da expressão «questões», ali empregada. Essa interpretação tem muito interesse porque está directamente ligada à definição do âmbito do caso julgado e à apreciação da nulidade cominada pela alínea d) do n.º 1 do art. 668.º (4).

Em primeiro lugar parece que poderão excluir-se as «questões» prévias ou prejudiciais do conhecimento do mérito da causa, visto que a estas se refere directamente o n.º 1 deste artigo. Também devem arredar-se os «argumentos» ou «raciocínios» expostos na defesa da tese de cada uma das partes, que podendo constituir «questões» em sentido lógico ou científico, não integram matéria decisória para o juiz. Temos, assim, que as questões sobre o mérito a que se refere este n.º 2 serão as que suscitam a apreciação quer a causa de pedir apresentada, quer o pedido formulado.” (sublinhados e sombreados nossos).

Finalmente ensina Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, 1952, págs. 53 a 56 e 58, o seguinte:

Imposta fixar, com a possível precisão, o que deve entender-se pelo vocábulo «questões» inserto no art. 660º (5)

(…) O que nesta altura importa considerar são as questões que ao juiz cumpre resolver na sentença final. E note-se, não são tanto as questões de que se fala na 1ª alínea do art. 660º (6), as que suscitam dificuldades de determinação: o art. 293º é suficientemente explícito.

Os embaraços surgem quanto às questões de mérito.

Quais são as questões de fundo ou de mérito de que o juiz deve conhecer, para obstar a que a sentença fique inquinada dos vícios apontados no n.º 4 do art. 668.º (7)?

Dir-se-á: são as questões postas pelas partes (autor e réu) e as questões cujo conhecimento é prescrito pela lei.

Ponhamos de parte as questões submetidas pela lei ao conhecimento oficioso do tribunal. Quanto às questões postas pelas partes, a dificuldade está em determinar, com segurança, o que deve entender-se pelas palavras exaradas no art. 660º: «questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação», «questões suscitadas pelas partes».

Uma coisa deve ter-se como certa. O juiz, para se orientar sobre os limites da sua actividade de conhecimento, deve tomar em consideração, antes de mais nada, as conclusões expressas nos articulados.

Com efeito, a função específica dos articulados consiste exactamente em fornecer ao juiz a delimitação nítida da controvérsia; é pelos articulados que o juiz há-de aperceber-se dos termos precisos do litígio ventilado entre o autor e o réu.

(…)

Em vista disto ocorre perguntar: Basta que o juiz olhe para as conclusões (ou pedidos) da petição inicial e para as conclusões da contestação? Com tais elementos ficará habilitado a determinar quais as questões postas pelas partes?

É evidente que não.

(…) para caracterizar e delimitar, com todo o rigor, as questões postas pelas partes, não são suficientes as conclusões que elas tenham formulado nos articulados; é necessário atender também aos fundamentos em que elas assentam. Por outras palavras: além dos pedidos, propriamente ditos, há que ter em conta a causa de pedir.

Na verdade, assim como uma acção só se identifica pelos seus três elementos essenciais (sujeitos, objecto e causa de pedir), conforme se apura pelo art. 502º, também as questões suscitadas pelas partes só ficam devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos) e qual o objecto dela (pedido), senão também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir).

Por isso é que Rocco, no desenvolvimento do princípio da coincidência entre a acção e a sentença, afirma que só há identidade entre a questão posta pelas partes e a questão resolvida pelo juiz quando uma e outra reunirem três elementos comuns: sujeitos, objecto (as pretensões jurídicas a que as partes aspiram) e o facto jurídico ou causa jurídica de que fazem derivar essas pretensões (La sentenza civile, pág. 123).

(…)

Chegamos assim ao primeiro critério de orientação. O juiz tem de atender às conclusões ou pedidos que as partes formulam nos articulados e às razões ou causas de pedir que elas invocam.

Mas ainda não é tudo. A controvérsia pode sofrer alterações no curso do processo posteriormente ao termos dos articulados; há que tomar em conta essas alterações.

Assim:

a) Podem as partes, por acordo, alterar o pedido e a causa de pedir (art. 277.º);

b) Pode o autor, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo (art. 278º);

c) Pode o autor desistir de parte do pedido, o réu confessar parte dele, e ambas as partes celebrar transacção parcial sobre o objecto da causa (art. 298.º);

(…)

De tudo isto emerge a conclusão seguinte:

O que importa, em última análise, é o estado da causa no momento em que se encerra a discussão final e em que o tribunal colectivo recolhe para decidir a matéria de facto inserta nos quesitos; até essa altura pode o litígio sofrer modificações; algumas das questões postas inicialmente podem ter sido resolvidas, abandonadas ou eliminadas; podem outras ter surgido. De modo que, para dar satisfação perfeita às exigências contidas na 2ª alínea do art. 660º, o juiz tem de reportar-se ao condicionalismo existente no momento referido; cumpre-lhe resolver todas as questões pendentes nesse momento e só essas.

(…)

Não basta que haja coincidência ou identidade entre o pedido e o julgado; é necessário, além disso, como já assinalámos, que haja identidade entre a causa de pedir (causa petendi) e a causa de julgar (causa judicandi). Já Mattirolo advertia: Deve anular-se, por vício de ultra petita, a sentença em que o juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que as partes, por via da acção ou de excepção, puseram na base das suas conclusões (Trattato di diritto giudiziario, 4ª ed., vol. 4º, pág. 921, notas 1-2).

(…) A palavra «questões», que se lê no art. 660º e no n.º 4 do art. 668.º, tem o sentido que já assinalámos: designa não só o pedido, propriamente dito, mas também a causa de pedir. Desta maneira, quando o juiz julga procedente a acção com fundamento em causa de pedir diversa da alegada pelo autor, conhece de questão que o autor não submeteu à sua apreciação, isto é, de questão de que não devia tomar conhecimento, atento o disposto no art. 660.º; a sentença incorre, portanto, na nulidade prevista na 2ª parte do n.º 4 do art. 668º” (sublinhados e sombreados nossos).

Do exposto resulta que a questão caracteriza-se pelo pedido e pela causa de pedir, pelo que se a sentença aprecia o pedido com base em causa de pedir diversa da invocada pela parte está a conhecer de questão diferente da que a parte submeteu ao conhecimento do tribunal, isto é, a sentença incorre em excesso de pronúncia e, portanto, é nula.

No caso vertente verifica-se que a recorrida, na petição inicial, formulou os seguintes pedidos:

a) anulação do acto de adjudicação do Lote 11 à recorrente E.........., deliberado pelo Conselho de Administração do C……., no dia 29 de Janeiro de 2014;
b) caso o contrato tenha sido ou venha a ser celebrado na pendência da acção, a sua anulação, nos termos previstos no art. 283º n.º 2, do CCP;
c) condenação do C……..a proferir decisão de adjudicação do lote 11 à proposta da recorrida.

Face à prática do acto descrito em 22), dos factos provados - deliberação da recorrente C…… de 26.3.2014 -, a recorrida peticionou, ao abrigo do art. 64º, do CPTA, o prosseguimento dos autos contra este novo acto (acto revogatório), formulando os seguintes pedidos:

a) anulação do acto revogatório na parte em que o C….. decide não contratar ou não adjudicar o Lote 11;

b) condenação do C……… a proferir decisão de adjudicação do Lote 11 à proposta da recorrida,

procedendo à indicação dos fundamentos em que assentava a dedução destes pedidos.

No despacho saneador de 28.5.2014 foi deferido – nos termos do dispositivo legal invocado pela recorrida (isto é, do art. 64º, do CPTA) - o referido pedido de modificação objectiva da instância, salientando-se que os autos prosseguiam tendo em vista a impugnação do acto revogatório.


Do exposto decorre que na pendência da presente acção a recorrida procedeu à substituição dos pedidos formulados (substituindo também a causa de pedir invocada).

Com efeito, inicialmente era impugnado o acto de adjudicação de 29.1.2014 e, caso tivesse sido celebrado, também o correspondente contrato, bem como era peticionada a condenação do C…….. a proferir decisão de adjudicação do lote 11 relativamente à proposta apresentada pela recorrida e, na sequência do pedido de modificação da instância, passou a ser impugnado o acto revogatório de 26.3.2014 – concretizando a recorrida que pretendia a anulação do acto revogatório na parte em que o C………. decide não contratar ou não adjudicar o Lote 11, bem como a condenação desta a proferir decisão de adjudicação do Lote 11 à proposta que apresentou -, tendo tal pedido de modificação da instância sido deferido no despacho saneador.

Assim, no acórdão recorrido cumpria conhecer do pedido de anulação do acto revogatório e do pedido de condenação do C….. a proferir decisão de adjudicação do Lote 11 à proposta da recorrida.

Quanto a este pedido condenatório, alega a recorrente E.......... que o acórdão recorrido julgou o mesmo procedente com base numa causa de pedir que, por força da modificação da instância, inexistia.

Vejamos.

No requerimento em que peticionou a modificação da instância, a recorrida fundamentou o pedido de condenação do C……… a proferir decisão de adjudicação do lote 11 à proposta que apresentou, única e exclusivamente, na procedência do pedido de anulação do acto revogatório de 26.3.2014.

Ora, da decisão recorrida decorre que a procedência do pedido de anulação da deliberação de revogação de 26.3.2014 – descrita no n.º 22), dos factos provados - não permite, só por si, a procedência do pedido condenatório, pois aí se afirma que, “Anulada a deliberação revogatória, fica a decisão de adjudicação à Contra Interessada”.

O deferimento do pedido condenatório, de acordo com o acórdão recorrido, assentou na consideração de que a proposta apresentada pela recorrente E……. violou o anexo III, do caderno de encargos, ou seja, o acórdão recorrido apreciou o pedido condenatório com base numa causa de pedir diversa da invocada pela recorrida [concretamente com base numa causa de pedir que tinha sido invocada para fundamentar o pedido de anulação do acto de adjudicação de 29.1.2014 e sendo certo que esta causa de pedir e este pedido foram abandonados aquando da formulação do pedido de modificação da instância, ao abrigo do art. 64º, do CPTA].

Do exposto decorre que no acórdão recorrido, e como alegado pela recorrente E.........., conheceu-se de uma questão, concretamente de uma causa de pedir, que a recorrida não submeteu ao conhecimento do tribunal, isto é, o mesmo incorre em excesso de pronúncia e, portanto, é nulo.

Face à verificação desta nulidade, e conhecendo-se, em substituição, cumpre julgar improcedente o pedido condenatório, pois, como acima referido, e por um lado, do acórdão recorrido decorre que a procedência do pedido de anulação da deliberação de revogação de 26.3.2014 não permite, só por si, a procedência do pedido condenatório e, por outro lado, a recorrida fundamentou este pedido condenatório exclusivamente na procedência do referido pedido anulatório.

Passando à apreciação da questão respeitante ao alegado erro da decisão sobre a matéria de facto

A recorrente E……. procedeu à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, mas o conhecimento desta questão encontra-se prejudicado face à integral procedência do recurso que interpôs [cumpre relembrar que a mesma apenas impugnou o acórdão de 14.10.2014 no segmento em que o CHLC foi condenado a proferir decisão de adjudicação do Lote 11 à proposta da recorrida], pois os factos que esta recorrente pretendia aditar apenas relevavam no âmbito dos fundamentos que invocou a título subsidiário, isto é, para o caso de improceder a invocação de nulidade do acórdão recorrido.

O recorrente C………., e conforme decorre do corpo da respectiva alegação de recurso, impugna a decisão sobre a matéria de facto, mas não inclui tal pretensão de impugnação nas conclusões da sua alegação de recurso.

Ora, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, conforme decorre dos arts. 608º n.º 2, 2ª parte, 635º n.º 4 e 639º n.º 1, todos do CPC de 2013, ex vi art. 140º, do CPTA.

Assim, e não constando das conclusões da alegação de recurso apresentadas pelo CHLC a impugnação da matéria de facto, não se pode conhecer de tal questão.

De todo o modo, e ao abrigo do art. 662º n.º 1, do CPC de 2013, determina-se o seguinte aditamento à matéria de facto dada como assente na decisão recorrida, por se considerar relevante para a apreciação do recurso interposto pelo C……..:
23. Em 17 de Junho de 2013 foi exarada pela Directora da Área de Gestão de Compras, Logística e Distribuição, do Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE, a seguinte informação:
“Imagem”
” (cfr. fls. 96 e 97, do processo administrativo).
24. O Conselho de Administração do Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE, na sessão de 19 de Junho de 2013, deliberou autorizar conforme proposto em 23. e aprovou as peças procedimentais e o júri (cfr. fls. 97, do processo administrativo).
25. A contra-interessada e quanto ao Lote 11, solicitou esclarecimentos nos termos constantes de fls. 263, do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde se refere nomeadamente o seguinte:
(…)
5. Anexo II “Listagem de equipamentos por Hospital” pretendemos que nos informem:
(…)
c) se o equipamento (Hemogramas) para o serviço de Imuno-Hemoterapia do polo HCC e, dada a especificidade própria do serviço tem de ser igual aos dos polos HSAC e HCC ou se é suficiente um equipamento de triagem com 3 populações leucocitárias com possibilidade de usar reagente diferente dos restantes polos”.
26. O júri do procedimento respondeu ao pedido de esclarecimentos descrito em 25. nos termos constantes de fls. 277 e 278, do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde se refere nomeadamente o seguinte:
(…)
Q5.
(…)
c) Sim”.

Passando à análise da questão relativa ao alegado erro da decisão recorrida ao ter julgado procedente a presente acção

O recorrente C…….. defende que a decisão ora sindicada - a qual julgou procedente o pedido de anulação do acto de revogação de 26.3.2014, bem como o pedido de condenação deste recorrente a proferir decisão de adjudicação do Lote 11 à proposta da recorrida - deverá ser integralmente revogada.

Ora, o pedido de condenação - e conforme decorre da apreciação supra efectuada a propósito do vício de nulidade do acórdão recorrido - deverá improceder, pelo que neste momento só cumpre apreciar a pretensão formulada pelo recorrente C…………, de revogação da decisão recorrida, no segmento em que esta anulou o acto revogatório de 26.3.2014.

Entende o recorrente C……….. que tal acto não viola o art. 79º, do Código dos Contratos Públicos (CCP), contrariamente ao decidido no acórdão recorrido.

Apreciando.

A recorrida, quando formulou o pedido de modificação objectiva da instância, referiu que pretendia o prosseguimento dos autos contra o acto revogatório de 26.3.2014, pedindo a sua anulação na parte em que o C…….. decide não contratar o Lote 11.

Com efeito, no entendimento da recorrida tal acto revogatório contém as seguintes decisões:

- revogação da decisão de contratar, encerrando, por conseguinte, o procedimento pré-contratual subjacente aos presentes autos, e foi quanto a este segmento decisório que a recorrida solicitou, ao abrigo do art. 64º, do CPTA, o prosseguimento do processo;

- revogação do acto de adjudicação do Lote 11 à E..........;

- declaração de ilegalidade do contrato celebrado em 20 de Fevereiro de 2014.


Ora, conforme de seguida se demonstrará, a deliberação de 26.3.2014, descrita em 22), dos factos provados, não revogou a decisão de contratar.

Decorre dos n.ºs 23) e 24), dos factos provados, que o Conselho de Administração do CHLC, em 19.6.2013, deliberou designadamente:

- autorizar o início do procedimento para fornecimento de reagentes para a realização de análises clínicas (decisão de contratar, com a qual se inicia o procedimento – cfr. art. 36º n.º 1, do CCP), e

- aprovar as peças procedimentais (programa do procedimento e caderno de encargos), sendo certo que este acto de aprovação (cfr. art. 40º n.º 2, do CCP) não se confunde com a decisão de contratar e é necessariamente subsequente a esta decisão, embora possa ser praticado na mesma altura.

Como explicam Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública, 2014, págs. 777 e 778, «Na sua fórmula e efeito mais simples, a decisão de contratar é, pois, um acto cujo efeito jurídico se traduz na legitimação jurídica (…) da necessidade ou conveniência do contrato em causa, das prestações que a entidade adjudicante se propõe obter através dele, e do instrumento (pré-contratual) através do qual pretende adquiri-las, constituindo assim o pressuposto básico da validade do procedimento de contratação pública que daí saia e do contrato celebrado na sua sequência.

Neste sentido, a decisão de contratar é o acto inicial do procedimento ou o “primeiro acto decisório do procedimento” – percebendo-se por isso que o CCP tenha dito no tal artigo 36.º/1, que o “procedimento de formação de qualquer contrato [se inicia] com a decisão de contratar» (sublinhado nosso).

Com interesse para a decisão a proferir, cumpre distinguir a revogação da decisão de contratar (ou deliberação de contratar, quando é adoptada por órgão colegial) por invalidade, regulada no art. 141º, do CPA, da sua revogação propriamente dita, ditada por razões de conveniência, a qual, quando ocorre após o termo do prazo para apresentação de propostas, é uma consequência da decisão de não adjudicação, fundada em razões de interesse público (cfr. art. 79º, conjugado com o art. 80º n.º 1, ambos do CCP).

Com efeito, e como explicam Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, cit., págs. 783 e 784:

«Depois de aberto o procedimento – ou, como preferimos, depois da publicação do anúncio do procedimento ou do envio dos convites, no caso ajuste directo -, o regime da revogação da decisão em causa (8) torna-se bem mais complexo. Em primeiro lugar, há que separar a revogação por invalidade (incluindo aqui a declaração de nulidade) da decisão de contratar, regulada pelo art. 141.º (e pelo art. 134.º/2) do CPA, da sua revogação propriamente dita.

Em relação a esta última, é seguro que o facto da abertura do procedimento não significa que a entidade adjudicante não possa revogar por sua mera conveniência a decisão de contratar. É aliás o próprio CCP que o diz, estabelecendo no respectivo art. 80.º/2 que, quando as circunstâncias previstas nas alíneas c) e d) do art. 79.º/1 (…) “ocorrerem entre o início do procedimento e o termo do prazo de apresentação das propostas, a decisão de contratar também pode ser revogada”.

É um preceito complicado, este.

Em primeiro lugar, entendemos que ele carece de uma interpretação restritiva pelo que toca ao período que medeia entre a decisão de contratar e a publicação do anúncio no Diário da República e (ou) JOUE, período que literalmente caberia à vontade na previsão da norma e levaria então a entender (…) que, mesmo faltando ainda a sua publicação, a sua externalização, a decisão de contratar só poderia ser revogada verificando-se os pressupostos do art. 80.º/2, quando, para nós, pode sê-lo livremente, sem quaisquer peias (que não sejam as do dever de prossecução do interesse público) resultantes do referido preceito legal ou de qualquer princípio geral.

Quanto à revogabilidade de decisão de contratar no período que medeia entre a publicação dos anúncios legais, a abertura do procedimento, portanto, e o termo do prazo para a apresentação de propostas, ela pode ser revogada ou retirada pela entidade adjudicante – basta para o efeito um diferente juízo sobre a necessidade ou conveniência do contrato (ou até mesmo sobre o procedimento lançado ou sobre os seus termos) -, sem prejuízo do dever de ressarcimento dos danos causados a quem, na base da boa fé e confiança geradas pela publicitação oficial de um anúncio destes, se haja dado já a despesas para a apresentação de uma proposta ou candidatura.

Depois do “termo do prazo para apresentação de propostas” – melhor, parece-nos, depois de apresentada uma ou mais propostas -, já não deve falar-se de uma revogação autónoma da decisão de contratar, passando a questão a ser encarada do ponto de vista da possibilidade ou não de se proferir uma decisão de não adjudicação, a avaliar em função dos pressupostos fixados no art. 79.º/1 do Código, mesmo se é verdade que, a haver tal decisão, ela implica também a revogação da decisão de contratar (art. 80.º/1).

Naturalmente, mesmo depois daquele termo – ou daquela apresentação – continua a ser autonomamente equacionável e possível a revogação anulatória por invalidade, ou a declaração de nulidade da decisão de contratar.» (sublinhados nossos).

Feito este enquadramento jurídico, cabe analisar o teor da deliberação de 26.3.2014, descrita em 22), dos factos provados.

Nessa deliberação considerou-se, em suma, que:

- os pontos 1 e 8, do anexo III, ao caderno de encargos, admitem entendimentos/interpretações diferentes e incompatíveis;

- o esclarecimento descrito em 26), dos factos provados, terá agravado tal ambiguidade;

- seria violador da igualdade e da imparcialidade a adjudicação de qualquer proposta, pois os concorrentes que seguiram o entendimento perfilhado pelo júri do procedimento quanto à interpretação dos referidos pontos 1 e 8, do anexo III, ao caderno de encargos, apresentaram custos para os equipamentos tendencialmente mais baixos do que os concorrentes que seguiram o outro entendimento, assim não se garantindo a existência de condições iguais para todos os concorrentes,

nela se decidindo:

- não haver lugar a audiência prévia;

- revogar o acto de adjudicação (de 29.1.2014) quanto ao Lote 11, ao abrigo do art. 141º, do CPA;

- declarar a ilegalidade do contrato celebrado em 20.2.2014 com a E...........

Do exposto resulta que a decisão de revogação que consta desta deliberação de 26.3.2014 respeita ao acto de adjudicação e foi proferida ao abrigo do art. 141º, do CPA, face à verificação da existência de uma ilegalidade cometida no procedimento, isto é, a mesma fundamenta-se em razões de invalidade e não em razões de conveniência, pelo que não é aplicável o art. 79º, do CCP, e consequentemente também não é aplicável o art. 80º n.º 1, desse Código (nos termos do qual a não adjudicação nos termos do art. 79º determina a revogação da decisão de contratar).

Mais se verifica que dessa deliberação não consta, nem resulta, qualquer revogação, por invalidade, da decisão de contratar (tomada pela deliberação de 19.6.2013), mas apenas uma revogação, por invalidade, do acto de adjudicação.

Explicitando melhor esta última afirmação.

Tendo em conta que o vício causador da revogação da adjudicação de 29.1.2014 (e consequente declaração de ilegalidade do contrato celebrado em 20.2.2014) se situa nas peças procedimentais – in casu no caderno de encargos (concretamente na ambivalência de sentidos dos pontos 1 e 8, do respectivo anexo III) -, os efeitos da pronúncia revogatória projectam-se nesse desenrolar, causando a eliminação do passo procedimental afectado e da actuação administrativa que, a seguir, lhe deu sequência, mas, e correspondentemente, todos os actos do procedimento anteriores àquele em que o vício emergiu ficam a coberto da pronúncia revogatória, de modo que a execução da deliberação de 26.3.2014, e face ao disposto no art. 173º do CPTA, consistirá em refazer, a partir do ponto viciado, os termos do procedimento que sofreram os efeitos desse vício.

Sendo as coisas assim, a execução dessa deliberação de 26.3.2014 implica que o concurso se retomasse no exacto passo em que o CHLC vislumbrou o vício causal da revogação.

Ora, o C……… considerou que o afrontamento dos princípios da igualdade e da imparcialidade se iniciou com o caderno de encargos - concretamente com a ambivalência de sentidos criada por uma das suas cláusulas que conduziu a uma incerteza jurídica para os concorrentes -, o qual se reflectiu nas propostas apresentadas e, consequentemente, no acto final de adjudicação, razão pela qual esta foi anulada.

Assim, a execução dessa deliberação de 26.3.2014 implica [excepto se, face ao lapso de tempo, entretanto, decorrido e tendo em conta o período de vigência do contrato, já não for possível a sua celebração ou inexistir qualquer utilidade em retomar o procedimento, na medida em que, quando este terminar, já não será possível a celebração do contrato – cfr. art. 112º, do CPA] a reformulação (e a aprovação dessa reformulação) da cláusula do caderno de encargos que permitiu uma ambivalência de sentidos e, seguidamente, a prática dos subsequentes actos do procedimento do concurso (v.g. publicação do anúncio do procedimento, apresentação de propostas, elaboração do relatório preliminar, audiência prévia, relatório final e adjudicação), sendo que os actos do concurso situados a montante [in casu, a deliberação de contratar (que não se confunde e é necessariamente anterior à aprovação das peças do procedimento), a qual não foi posta em causa pela deliberação de 26.3.2014] permanecem indemnes – neste sentido, entre outros, Acs. do STA de 8.7.99, proc. n.º 31.932-A, 6.4.2000, proc. n.º 41.906-A, e 23.3.2006, proc. n.º 1.057/04.

Conclui-se, assim, que a recorrida pretende a anulação da deliberação de revogação de 26.3.2014 num segmento (revogação da decisão de contratar) que a mesma não contém e a decisão recorrida considerou que tal deliberação viola o art. 79º, do CCP, quando tal normativo não é aplicável, pois nessa deliberação de 26.3.2014 não consta qualquer decisão de não adjudicação fundada em razões de interesse público (pelo que também não é aplicável o art. 80º n.º 1, do CCP), mas antes uma revogação do acto de adjudicação de 29.1.2014 (e não também da decisão de contratar) por invalidade.

Nestes termos, cumpre conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE, revogando o acórdão recorrido na parte em que julgou procedente o pedido de anulação da deliberação revogatória de 26.3.2015 e, em consequência, julgar improcedente tal pedido.


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Uma vez que a recorrida, Beckman ………………., Lda., ficou vencida, deverá suportar as custas, em ambas as instâncias, (art. 527º n.ºs 1 e 2, do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA).

Face ao estatuído no art. 6º n.º 7, do RCP (dado que o valor da presente causa ascende a € 710 932), será de dispensar a recorrida do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nesta instância de recurso (em que é aplicável a tabela I-B, anexa ao RCP – cfr. os respectivos arts. 6º n.º 2 e 7º n.º 2; na 1ª instância esta questão não se coloca, pois é aplicável a tabela II-A, anexa ao RCP – cfr. o respectivo art. 7º n.º 1 -, ou seja, o montante da taxa de justiça é fixo, ascendendo a 2 UC), pois os recursos jurisdicionais não apresentam especial complexidade e a conduta das partes limitou-se à discussão das questões jurídicas em causa, pelo que seria desproporcionado o montante da taxa de justiça que seria devido caso não houvesse lugar a tal dispensa.

III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul o seguinte:

I – a) Conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pela recorrente Emílio ………………, SA, e, em consequência, declarar a nulidade do acórdão recorrido no segmento em que julgou procedente a presente acção quanto ao pedido de condenação do Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE, a proferir decisão de adjudicação do Lote 11 à proposta da recorrida Beckman …………………., Lda., com fundamento na ilegalidade da proposta apresentada pela recorrente Emílio …………………, SA.

b) Em substituição, julgar improcedente a presente acção quanto ao pedido de condenação do Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE, a proferir decisão de adjudicação do Lote 11 à proposta da recorrida Beckman ………………, Lda., absolvendo o referido Centro Hospitalar deste pedido.

II – Conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE, revogando o acórdão recorrido na parte em que julgou procedente a presente acção quanto ao pedido de anulação da deliberação revogatória de 26.3.2014 e, em consequência, julgar improcedente a presente acção quanto a tal pedido, absolvendo o referido Centro Hospitalar deste pedido.

III – Condenar a recorrida, Beckman …………………., Lda., nas custas, em ambas as instâncias, dispensando a mesma, nesta instância de recurso, do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
IV – Registe e notifique.

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Lisboa, 14 de Maio de 2015

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(Catarina Jarmela - relatora)

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(Maria Helena Canelas)

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(António Vasconcelos)



(1) Que corresponde à 2ª parte da al. d) do n.º 1 do art. 615º, do CPC de 2013.
(2) Que corresponde à 2ª parte do n.º 2 do art. 608º, do CPC de 2013.
(3) Que corresponde ao n.º 2 do art. 608º, do CPC de 2013.
(4) Que corresponde à al. d) do n.º 1 do art. 615º, do CPC de 2013.
(5) Que corresponde grosso modo ao art. 608º, do CPC de 2013.
(6) Que corresponde grosso modo ao n.º 1 do art. 608º, do CPC de 2013.
(7) Que corresponde à al. d) do n.º 1 do art. 615º, do CPC de 2013.
(8) Isto é, da decisão de contratar.