Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:249/15.1BEBJA
Secção:CT
Data do Acordão:11/19/2020
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:IVA,
FACTURAS FALSAS
Sumário:Coligidos indícios sólidos e suficientes que traduzam uma probabilidade séria e elevada de que estamos perante uma operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura que obsta à dedução do IVA (cf. n.º 3 do art. 19.º do CIVA), cessa a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita prevista (art. 75.º da LGT), cabendo ao contribuinte o ónus da prova da realidade das transações.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

"F..., Cortiças - Unipessoal, Limitada", veio deduzir IMPUGNAÇÃO Judicial contra as liquidações de IVA relativas a diversos períodos dos anos de 2010, 2011e 2012, respetivamente computando para cada um destes imposto a pagar nos valores de 169.997,50 €, 207.782,00 € e 173.919,10 €.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, por decisão de 17 de junho de 2019, julgou parcialmente procedente a impugnação.

Inconformada, a impugnante veio recorrer contra a referida sentença, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:
«I. A presente ação foi julgada parcialmente procedente, no tocante à impugnação deduzida contra as liquidações de IVA, relativamente anos de 2010, 2011 e 2012, não considerando, contudo, igual pedido relativamente à sociedade fornecedora B... Cortiça, Unipessoal, Lda.

II. A Impugnante/Recorrente, contudo, entende que deveria ser na íntegra julgado procedente o pedido formulado na petição inicial e dai a sua discordância considerando a existência de violação da lei por falta de fundamentação.

III. E, ainda também, a quebra do princípio da neutralidade, que deveria ocorrer no tocante à questão do ónus de prova, este imputado à A.T. e em face desta não ter realizado quaisquer diligencias ou prova produzida, desde a elaboração do relatório, que não meras conclusões.

IV. E, pois assim, a prova produzida em desfavor da impugnante contraria o determinativo legal constante do artigo 76º da LGT e do artigo 123º do CPPT.

V. Conforme demonstram os presentes autos, foi o resultado do Relatório de Inspeção que conduziu àquelas liquidações e, no caso agora em apreço, no tocante às duas sociedades, a Impugnante e a sociedade B... Cortiça, Unipessoal, Lda, com o argumento que não se estaria na presença de transações reais.

VI. Ora, desde logo, se não compreende como a justificação que serviu para a procedência, relativamente às demais sociedades fornecedoras, o não foi considerada pelo Tribunal a quo, relativamente a estas transações e, exclusivamente, em sede de IVA.

VII. Desde logo, pois, não se pode deixar de referir que, nos termos do disposto no artigo 75º da LGT, em sede de IVA, o Ónus da Prova incumbe à Fazenda Nacional e, pois, esta ao que se crê, nos presentes autos, deveria ter feito prova, em face das contrariedades ab initio, em relação à Impugnante, relativamente àquele Relatório de Inspeção e, daí, como se constata, no decurso do mesmo, colaborou ativamente na inspeção, possibilitando de imediato o acesso aos respetivos documentos, fossem eles de contabilidade ou bancários.

VIII. Tem, pois, especial pertinência, afinal daquele relatório inspetivo, ter a Impugnante /Recorrente exercido o seu Direito de Participação, nos termos que melhor constam do respetivo processo e, em síntese, mantendo-se o teor da Reclamação Graciosa apresentada, com os fundamentos aí vertidos, significando, pois, ter sido a Impugnante, sempre, coerente com a sua posição, contrapondo-se pois ao entendimento diverso da A.T.

IX. Assim é que, a recorrente comprovou a violação da lei, por parte da AT, por erro manifesto nos pressupostos de facto, fazendo prova da factualidade que permitiu afastar as conclusões da Fazenda Nacional.

X. Contudo, contrariamente ao alegado, a ora reclamante comprovou a efectividade dos custos suportados naquelas transacções, através de factos concretos, de documentos fiscalmente válidos, designadamente, facturas de compra, que reúnem todos os requisitos de legalidade, devidamente registadas na sua contabilidade; meios de pagamento utilizados (cheques e/ou numerário); recibos de quitação; documentos comprovativos da “ Justificação das Operações Bancárias”, exigidas pela Lei nº 25/2008, de 05-05; contrato de compra e venda das mercadorias em questão, documentos que foram comprovados pelo agente inspectivo e constam dos anexos ao Relatório Final, ou seja, neste particular, para precaver situações futuras, para além dos documentos acima referidos, que são os instituídos no nosso ordenamento jurídico/fiscal para comprovar aquelas transações, é importante que a AT de uma vez por todas esclareça, que outro tipo de documentos existem, ou que reconhecem como válidos, para comprovar aquele tipo de operações.

XI. Aliás, em momento algum do Relatório as facturas correspondentes às compras de cortiça foram objecto de qualquer reparo por quem teve à responsabilidade de as analisar e não podia ser doutra forma porquanto reúnem todos ao requisitos formais e legais, referidos na alínea a), nº2, artigo 19º e artigo 36º, ambos, do CIVA, e daí, salvo o devido respeito, rejeita-se, por falta de fundamento, a extrapolação feita no Projecto de Relatório - 5º Parágrafo, fis 12/13- que aquelas facturas não cumpriam com a forma legal estabelecida.

XII. Posto isto, considera-se que a posição assumida pela AT é incoerente, quando, indiciariamente, em sede de IVA, considera que as facuras de compra processadas à ora reclamante pelos fornecedores C..., M..., M..., P..., A... Unipessoal Lda e B... Cortiças Unipessoal Lda., advêm de “ operações simuladas”, mas, para efeitos de IRC, esses custos não foram desconsiderados, ou seja, titulam “ operações reais”, aspeto que não mereceu qualquer análise e ponderação em sede do despacho em análise.

XIII. Por outro lado, não obstante competir à AT o ónus de demonstrar os factos suscetíveis de abalar a presunção da veracidade das operações, no caso em apreço, isso não sucedeu, porquanto, os argumentos invocados no relatório, que são idênticos aos utilizados em situações congéneres, nomeadamente, à circunstância “dos fornecedores não possuírem uma estrutura adequada ao desenvolvimento da actividade declarada; não existirem viaturas, nem trabalhadores necessários à actividade facturada; não sendo possível comprovar o efectivo recebimento dos valores facturados por aqueles à ora reclamante, dado que os respectivos pagamentos foram efectuados em dinheiro e aqueles que o foram por cheque também foram inconclusivos porque levantados ao balcão não sendo possível conhecer o destino desses valores em dinheiro não obstante o serem de valor igual! ou muito próximo dos montantes das transferências ou dos depósitos de valores provenientes de clientes”: que levou a considerar as operações em causa como simuladas, não assentam em pressupostos objectivos, em indícios sérios, mas em meras suposições ou juízos de natureza subjectiva, ou seja, foi incapaz de fazer prova suficientemente sólida e segura para permitir com a garantia necessária chegar à conclusão que chegou.

XIV. Ora, a fundamentação insuficiente, obscura e contraditória equivale à falta de fundamentação, tendo por efeito a invalidade dos actos de liquidação controvertidos.

XV. Não logrando a Administração Tributária fazer a prova do bem fundado da formação do seu juízo, isso tem de ser valorado contra ela, e é impeditivo da análise sobre se o contribuinte conseguiu, ou não, provar a existência dos factos tributários que subjazem, por exemplo, a dedução de imposto que efetuou.

XVI. Não se pode considerar que a Administração Tributária recolheu indícios suficientes de que os bens e/ou serviços titulados por documentos contabilísticos classificados não foram efetivamente comercializados ou prestados, na situação em que a mesma conclua pela simulação, com a fundamentação, por exemplo, de que os documentos foram emitidos no final do ano, e/ou com valor exagerado face ao volume de negócios, ou que o contribuinte tem sede efetiva num pais de regime fiscal privilegiado ou, bem assim, por que o pagamento foi efetuado por caixa, ou mesmo por que os documentos contabilísticos — a fatura e o recibo — têm a mesma data, ou ainda por se tratar de uma prestação de serviços que dificulta a comprovação do negócio.

XVII. E, pois assim, foi coerente o Tribunal, ao considerar que aqueles juízos genéricos sobre as transações não eram válidos, exceção feita, inacreditavelmente, à sociedade B... Cortiça, Unipessoal, Lda.

XVIII. Quer isto dizer, pois, que a questão de substância que o Tribunal deve apreciar, se aquela, fundamento primordial para não considerar válidas tais liquidações, impugnadas nesses termos e com as explicitações vertidas em todos os atos da Impugnante, reúne os necessários requisitos para poder valer como prova, ilidindo o ónus a que esta sujeita a A.T.

XIX. Não se pode deixar de considerar o que melhor consta dos arts. 6.º, 7.º, 8.º, 26.º, 29.º, 30.º a 33.º, 49.º e 51.º, da Impugnação e quando a presente liquidação, o foi via correção aritmética, incumprindo-se, pois, sem qualquer fundamentação válida, o Principio da Legalidade a que a Administração Tributária esta adstrita, perante o reconhecimento da mesma quando aceita a veracidade da contabilidade apresentada pela mesma Impugnante.

XX. Ora, aliás, poderá acrescentar-se, em terceiro lugar, que cabe a esta não só demonstrar a existência da declaração formal que fundamenta o seu juízo subjetivo — quanto a presença de operações —, como também provar a pertinência desse juízo — pela enunciação de elementos fáctico-jurídicos convincentes —, e ainda demonstrar a adequação e correção desse juízo — o que se alcança através da enunciação de indícios sérios —, que traduzam uma probabilidade elevada de que as operações referidas nos documentos contabilísticos são simuladas.

XXI. Crê-se, em face dos autos, e até porque mais nenhuma prova foi apresentada, apenas o foi o relatório inspetivo, e sendo que cabia à AT fazer a prova dos factos, o que não fez por clara e manifesta falta de prova.

XXII. Nesta linha de argumentação, não parece curial qualificarem-se aquelas circunstâncias como indícios suficientes para suportar a conclusão, a retirar pela Administração Tributária, da missão por parte do contribuinte de “documentos de favor”, porque tal não implica que essa seja a sua única “atividade”, uma vez que este pode emitir “documentos de favor” numas circunstancias, e documentos contabilísticos que titulam operações reais noutras – repare-se, por exemplo, que o facto do contribuinte não entregar as declarações de IVA não significa necessariamente que não exerça a sua atividade,

XXIII. Contudo, e de forma paradigmática, e no que respeita a IRC, a AT aceitou os documentos contabilísticos apresentados pela Impugnante.

XXIV. Assim, sempre terá de se entender que a Administração Tributária não cumpre o dever que sobre si impende de recolher indícios sérios e credíveis sobre a inveracidade da contabilidade apresentada pelo contribuinte sempre que, menosprezando os lançamentos contabilísticos e respetivos documentos de suporte – v.g. faturas emitidas -, conclua que bens e/ou serviços não foram transacionados ou prestados, inexistindo, consequentemente, fundamento minimamente aceitável para as correções contabilísticas que aquela venha a levar a cabo.

XXV. O que acontece é que a AT não recolheu indícios fortes e sérios para demonstrar que as suas dúvidas são fundadas e inverter o ónus da prova para a esfera do contribuinte, tarefa que cabe àquela primeira, por força da lei, para depois concluir pela não credibilidade do contribuinte.

XXVI. Deveria, pois assim, em face de reiteradamente ter a Requerente impugnado o Relatório Inspetivo e nele ter colaborado de forma livre e aberta, e a AT nenhuma prova ou diligencias ter efetuado ao arrepio do estatuído, alterar-se a matéria de facto, relativamente aos factos provados e o facto não provado, todos acima transcritos.

XXVII. Aliás, tal conclusão, tem até suporte na douta sentença recorrida, porquanto, o critério utilizado pela AT, relativamente aos demais fornecedores, é o mesmo relativamente à fornecedora B... Cortiça, Unipessoal, Lda, apenas com a diferença de que nenhum interveniente desta prestou depoimento no tribunal, mas inquira-se, por óbvio, o que de resto já consta no mesmo relatório, que as faturas o são verdadeiras e, pois assim, independentemente do cumprimento da lei processual, crê-se que não seria essa presença fator decisivo para contrariar o que se crê já estar contrariado.

XXVIII. Nem se diga que a sociedade B... Cortiça, Unipessoal, Lda, não possui estrutura, dado que no Relatório é dito: “verificou-se que a sociedade B... Lda não possui uma estrutura adequada ao exercício da atividade faturada, nomeadamente devido ao facto de não possuir viaturas, instalações e trabalhadores necessários ao volume de transmissões faturadas, pelo que se conclui que as faturas emitidas não correspondem a verdadeiras transações de bens, pelo que o imposto nelas contido não confere o direito à dedução, nos termos do n.º 2 e 6 do artigo 19º do CIVA”

XXIX. Pois, resulta o contrário, normal neste tipo de negócio, e esta sociedade teve exatamente o mesmo comportamento que todas as demais.

XXX. Deveria ser julgado, então, e in totum, procedente o pedido da Impugnante/Recorrente e, em consequência, serem anuladas as liquidações, referentes à sociedade B... Cortiça, Unipessoal, Lda, por vício de violação de lei, por inobservância do dever de fundamentação conforme pedido já formulado na P.I.

Termos em que se requer que seja concedido provimento ao presente recurso, com as legais e devidas consequências, assim se fazendo JUSTIÇA!»
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A recorrida, devidamente notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.
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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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A questão invocada pelo Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito porquanto a AT não cumpriu com o seu ónus da prova, sendo que a prova produzida contraria o art. 76.º da LGT e art. 123.º do CPPT.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«A) A sociedade Impugnante é uma sociedade unipessoal detendo como sócia única F...;

B) A sociedade tem por objeto o exercício da atividade de "Comércio por grosso de cortiça; Indústria Transformadora de Cortiça" encontrando-se para tal com atividade declarada nos CAE's 46213 e 16293;

C) A Impugnante, como tal, encontra-se enquadrada no regime de IVA sendo em periodicidade trimestral até 31/12/2011e periodicidade mensal desde 01/01/2012;

D) Cumpriu, nos anos fiscais de 2011, 2012 e 2013 as suas obrigações declarativas em matéria de IVA;

E) A Impugnante foi submetida a ação de inspeção tributária credenciada pela Ordem de Serviço nº 01201300517, emitida em 22/07/2013;

F) Na sequência desta ação foi elaborado relatório final no qual consta, além do mais, capítulo respeitante aos fundamentos das correções meramente aritméticas à matéria tributável que são determinadas com o seguinte teor:
«Imagem no original»
G) Concluindo do seu seguinte modo:
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H) NA sequência de tais conclusões foram extraídas as seguintes ilações no relatório em matéria de IVA decorrente das correções produzidas:



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I) Resumindo-se desta forma as correções em matéria de IVA propostas




J) Nesta sequência foram emitidas as seguintes liquidações de IVA:
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K) Em matéria de IRC não foram determinadas quaisquer correções de acordo com o que ficou explanado:
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L) Não se conformando com as liquidações oficiosas em matéria de IVA a sociedade Impugnante apresentou, em 27/02/2015, reclamação graciosa contra as mesmas;

M) Nesta reclamação graciosa foi elaborada informação pela Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Setúbal em que assentou o projeto de decisão de indeferimento com o seguinte teor:









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N) Após exercício do direito de audição sobre tal projeto e apreciação do mesmo foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa em 25/05/2015;

O) A sociedade Impugnante tomou conhecimento de tal despacho em 27/05/2015;

P) Mantendo a sua inconformação apresentou em 30/06/2015 petição inicial que deu origem à presente impugnação;

Q) A fatura emitida pela fornecedora M..., com o NIF 1..., a que correspondeu o n9 37, datada de 19/07/2010, contém menção na designação "cortiça amadia a granel";

R) A fatura emitida pelo fornecedor M…, com o NIF 1…, a que correspondeu o n9 2792, datada de 04/11/2010, contém menção nas quantidades "1" e na designação "pilha de cortiça a globo";

S) A fatura emitida pelo fornecedor J… com o NIF 1…, a que correspondeu o n9 172, datada de 10/12/2010, contém menção nas quantidades "2" e na designação "pilhas de cortiça amadia";

T) A fatura emitida pelo fornecedor Sociedade Agrícola da N…, C… e E.., com o NIF 5…, a que correspondeu o n^ 96, datada de 14/12/2010, contém menção nas quantidades "1" e na designação "pilha de cortiça a globo";

U) A fatura emitida pelo fornecedor Sociedade de Agricultura G…, Lda, com o NIF 5…, a que correspondeu o n^ 7, datada de 03/06/2011, contém menção nas quantidades "uma unidade" e na designação "cortiça amadia";

V) Existem diferentes formas de concretizar o negócio de compra e venda de cortiça dependendo do local em que a mesma se encontra e da existência de uma balança para a pesar;

W) Na falta de balança os vendedores e compradores estipulam um valor pelo volume que a mesma ocupa quando empilhada, desse modo definindo o preço;

X) Essa forma de negócio é transposta para as faturas que são emitidas, delas fazendo constar os vendedores as menções de "cortiça a globo" ou "pilha de cortiça" quando a pesagem não é possível, assim pretendendo designar a quantidade de produto vendido;

Y) É usual a concretização de negócios de compra e venda de cortiça no campo sem a presença de balança para pesar;

Z) As faturas emitidas a respeito desses negócios com frequência contêm essas indicações para referir a quantidade de cortiça vendida;

AA) Em 27/03/1984 foi emitida uma informação por um supervisor tributário pertencente à Direção de Serviços de Fiscalização Geral do Ministério das Finanças a respeito da indicação das quantidades de mercadorias nas faturas nos casos de produtos florestais e em que não é possível a pesagem dos mesmos;

BB) Em tal informação foi feito constar o seguinte "(...) no sentido de facilitar o cumprimento da obrigação, sem contudo deixar de cumprir o que legalmente se encontra estabelecido, somos de parecer que, exclusivamente com aplicação aos produtos florestais, provindos da floresta, a simples referência de uma "carrada de ..." poderia aceitar-se sempre no pressuposto de que, tal como pode inculcar-se do respetivo vocábulo e consta do dicionário (...) carrada é a quantidade que pode carregar um carro (...)";

CC) Existem diferentes tipos de cortiça dependentes da sua qualidade;

DD) Esses tipos de cortiça são por vezes separados e vendidos em lote pela respetiva qualidade ou empilhados indistintamente daquela qualidade;

EE) O preço da cortiça varia em função dessa qualidade;

FF) No negócio de compra e venda de cortiça existe atividade de intermediação exercida por parte de quem detém o conhecimento dos produtores da matéria-prima a quem adquirem e vêm a vender posteriormente;

GG) Essa intermediação tem lugar por diferentes formas, quer com o transporte da cortiça para local pertencente ao próprio intermediário quer com transporte efetuado diretamente pelo adquirente final, ou outro intermediário, no local em que o produtor a mantém após recolhida das árvores;

HH) Independentemente da sua qualidade a cortiça é um produto com
elevado valor no mercado sendo o volume de negócios de quem trabalho no ramo sempre significativo;

II) Esta atividade de intermediação na compra e venda de cortiça é de cariz sazonal, limitando-se ao período prévio e durante a época da recolha da cortiça na árvore, que ocorre entre maio e setembro;

JJ) A intermediação pode ter lugar meramente por via de transmissão contratual da cortiça entre produtor e comprador final sem que o intermediário necessite proceder ao seu transporte com veículo apto para o efeito ou armazenagem em local próprio ou arrendado para tal;

KK) A intermediação depende do conhecimento dos produtores da cortiça mas não depende da detenção de meios para recolha, transporte, armazenagem ou pesagem da mesma;

LL) A intermediação na compra e venda de cortiça é com frequência exercida por conta de grandes compradores da matéria prima sedeados no norte do país para transformação;

MM) Estes fazem adiantamentos de valores aos intermediários para que consigam realizar os negócios com os produtores locais da cortiça;

NN) Tais adiantamentos têm, por vezes, lugar através da entrega de dinheiro em numerário;

OO) Os produtores apresentavam aos compradores da cortiça a preferência em receber o pagamento em dinheiro;

PP) A sociedade Impugnante detinha à data um estaleiro na Aldeia do Futuro, sendo um terreno livre que se encontrava à sua disposição para colocar cortiça;

QQ) Nos exercícios em referência as compras que a sociedade realizou foram convertidas em vendas, inexistindo stock ao final do ano;

RR) A sociedade cessou atividade em 31/12/2014 para efeitos de IVA;

SS) Era o marido da sócia única da sociedade, J…, quem detinha comando geral sobre a atividade da sociedade, designadamente estabelecendo contatos e contratos em nome dela com fornecedores, clientes e Técnico Oficial de Contas;

TT) Pesembora essa administração a cargo de J…, marido da sócia, esta levava a cabo tarefas no âmbito da atividade da sociedade quer administrativas, junto de bancos, contactos com o Técnico Oficial de Contas e fornecedores;

UU) Foi adquirida pela Impugnante ao fornecedor C…, no ano de 2010, a cortiça representada pelas faturas emitidas pelo mesmo nesse período com os números 184,194, 195 e 282;

VV) Tais faturas encontram-se registadas na conta de fornecedor com o nº 221111005;

WW) No decurso dos anos de 2010 e 2011 a Impugnante entregou a este fornecedor, com referência a contas por si tituladas no B…, 21 cheques como meio de pagamento das compras tituladas por aquelas 4 faturas;

XX) Os cheques em causa foram recebidos por C... ao balcão da instituição bancária à exceção de 5 que foram diretamente recebidos pela sócia única F... e 3 que foram depositados em contas de outras entidades;

YY) A cortiça vendida por C... à Impugnante foi na sua totalidade transportada pelo próprio com recurso a veículos por si detidos, concretamente dois pesados e um ligeiro, quer do local da compra para o seu estaleiro quer do seu estaleiro para o estaleiro da sociedade Impugnante;

ZZ) Este procedeu ao seu carregamento nas herdades em que procedia à recolha da cortiça nas árvores com equipa de trabalhadores que contratou para o efeito pagos através de recibos verdes;

AAA) A compra da cortiça foi, em parte, efetuada pelo fornecedor C... diretamente aos produtores ainda em árvore, decorrendo a respetiva tiragem a seu cargo;

BBB) Noutra parte este fornecedor comprou a cortiça já tirada aos produtores ou a outros intermediários;

CCC) C... foi objeto de inspeção tributária aos exercícios de 2010 e 2011, não tendo sido questionadas as suas vendas à Impugnante;

DDD) Este empresário em nome individual passou a desenvolver atividade de intermediário na compra e venda de cortiça por via da constituição da sociedade "A... Unipessoal, Lda" em 2011;

EEE) A A... desenvolvia a sua atividade nos mesmos termos que C... já exercia em nome individual;

FFF) Em ambos os casos de exercício da atividade C... operava da mesma forma;

GGG) Era o próprio C... que levantava o dinheiro em numerário ao balcão, ou assim o solicitava a F..., para efetuar o pagamento aos funcionários que contratava para a tiragem da cortiça das árvores e transporte da mesma;

HHH) Foi, deste modo, adquirida pela Impugnante ao fornecedor A... Unipessoal, Lda, no ano de 2011, a cortiça representada pelas faturas emitidas pelo mesmo nesse período com os números 40, 34, 35, 30 21, 17;

III) No decurso do ano de 2011 a Impugnante entregou a este fornecedor, com referência a contas por si tituladas no B...e C…, 8 cheques como meio de pagamento das compras tituladas pela fatura nº 21;

JJJ) Os cheques em causa foram recebidos por C... ao balcão da instituição bancária;

KKK) Os cheques em causa foram registados na contabilidade da Impugnante relativamente ao fornecedor C..., sócio da sociedade;

LLL) Os demais pagamentos a esta entidade tiveram lugar em numerário mediante emissão de documento de quitação;

MMM) A prática do pagamento em numerário quer a trabalhadores de tiragem e carregamento ou aos produtores ou proprietários da cortiça era muito frequente nos anos de 2010 e 2011 somente tendo sido ultrapassada mais recentemente assumindo o cheque e a transferência bancária maior preponderância;

NNN) Quer produtores quer trabalhadores exigiam o pagamento em dinheiro por variados motivos;

OOO) A tiragem da cortiça ocorre entre junho e agosto sendo que a venda ocorre ao longo de todo o ano;

PPP) A Impugnante detinha nesse período um estaleiro junto da Aldeia do Futuro constando de espaço com a área de 3 a 4 hectares onde armazenava a cortiça que ía adquirindo a produtores e intermediários para posterior venda;

QQQ) A Impugnante detinha, pelo menos, um veículo para transporte da cortiça;

RRR) A cortiça é empilhada em modo mais ou menos uniforme, isto é, de dimensão certa, para que possa ocorrer a cubicagem e ser determinado pelos compradores e vendedores com erro mínimo o respetivo peso;

SSS) Foi adquirida pela Impugnante ao fornecedor M…, nos anos de 2011 e 2012, a cortiça representada pelas faturas emitidas pelo mesmo nesses períodos, respetivamente com os números 1, 4, 11, 15, 17, 48 e 49;

TTT) No decurso do ano de 2011 a Impugnante entregou a esta fornecedora sempre numerário como meio de pagamento de tais compras;

UUU) A exigência por tal meio de pagamento partia da própria fornecedora que sempre pagava aos produtores da cortiça por essa forma, como os próprios também pretendiam;

VVV) A fornecedora M... exercia atividade como intermediária encontrando-se para tal coletada fiscalmente, adquirindo a cortiça já tirada das árvores aos produtores e vendendo-a posteriormente;

WWW) Esta fornecedora procedia ao transporte da cortiça por intermédio de veículos que pedia emprestados;

XXX) Foi adquirida pela Impugnante ao fornecedor M…, nos anos de 2011 e 2012, a cortiça representada pelas faturas emitidas pelo mesmo nesses períodos, respetivamente com os números 1, 4, 11, 15, 17, 48 e 49;

YYY) No decurso do ano de 2011 a Impugnante entregou a esta fornecedora sempre numerário como meio de pagamento de tais compras assinando documento de quitação que fazia parte da contabilidade;

ZZZ) A exigência por tal meio de pagamento partia da própria fornecedora que sempre pagava aos produtores da cortiça por essa forma, como os próprios também pretendiam;

AAAA) A fornecedora M... exercia atividade como intermediária encontrando-se para tal coletada fiscalmente, adquirindo a cortiça já tirada das árvores aos produtores e vendendo-a posteriormente;

BBBB) Esta fornecedora procedia ao transporte da cortiça por intermédio de veículos que pedia emprestados;

CCCC) Foi adquirida pela Impugnante ao fornecedor P…, nos anos de 2011 e 2012, a cortiça representada pelas faturas emitidas pelo mesmo nesses períodos, respetivamente com os números 8, 11, 21, 33, 32, 35, 42 e 49;

DDDD) No decurso do ano de 2011 a Impugnante entregou a este fornecedor sempre numerário como meio de pagamento de tais compras mediante assinatura de documento em que atestava o recebimento;

EEEE) A exigência por tal meio de pagamento partia do próprio fornecedor que sempre pagava aos produtores da cortiça por essa forma, como os próprios também pretendiam por se tratar de pequenas quantidades a cada um deles, e ainda para pagar aos trabalhadores que consigam trabalhavam;

FFFF) O fornecedor P... exerceu nos citados anos atividade como intermediário encontrando-se para tal coletado fiscalmente, adquirindo a cortiça já tirada ou ainda nas árvores, retirando-a com trabalhadores que recrutava para o efeito, e vendendo-a posteriormente;

GGGG) Este fornecedor procedia ao transporte da cortiça por intermédio de veículo próprio e com destino ao estaleiro que mantinha no quintal da sua residência;

HHHH) Nesse local ía armazenando a cortiça que posteriormente vendia;

llll) Este fornecedor foi alvo de inspeção tributária em relação ao período em apreço, tendo-lhe sido liquidado imposto adicional cujo pagamento se encontra a concretizar em prestações;

JJJJ) Obteve conhecimento quanto à Impugnante e atividade de compra de cortiça que exercia através de pessoas conhecidas de ambos;

KKKK) O fornecedor P... reside em Águas de Moura, zona em que muitas pessoas exercem esta atividade de intermediação na compra e venda de cortiça por se tratar de negócio com alta rentabilidade;

LLLL) Os fornecedores deste P..., por lhe venderem pequenas quantidades de cortiça, não emitiam fatura;

MMMM) P... é irmão do fornecedor M… e conhece o relacionamento comercial entre este e a Impugnante;

NNNN) M... encontrava-se no exercício de 2010 coletado para o exercício de comércio de cortiça em bruto;

OOOO) Faturou à Impugnante por duas ocasiões;

PPPP) A Impugnante procedeu ao pagamento em parte do valor assim faturado mediante a emissão de 5 cheques relativos à sua conta do B…, os quais foram levantados ao balcão pelo próprio M...;

QQQQ) O remanescente foi pago pela Impugnante a tal fornecedor em numerário como atestam as justificações de operações bancárias disponibilizadas pelo B...;

RRRR) P... desconhece o paradeiro de M...;

SSSS) Foram emitidas pelo fornecedor B... Cortiças, Unipessoal, Lda, nos anos de 2011 e 2012, e destinadas à Impugnante como compradora faturas com os números 1, 2, 7, 9, 11, 12, 14, 16, 18, 19, 20, 21, 23, 24 e 25 respeitantes a venda de cortiça;

TTTT) Na contabilidade da Impugnante constam documentos processados e assinados pelo sócio da sociedade, J..., que entregou como quitação do pagamento;

UUUU) A gerência deste fornecedor é efetivamente levada a cabo por J... por via de procuração emitida a seu favor;

VVVV) A ora Impugnante passou a desenvolver a atividade que já anteriormente era desenvolvida pelo seu administrador efetivo, o mesmo J…;

WWWW) Em ambos os casos o escopo da atividade das sociedades é reunir cortiça comprada a pequenos produtores e intermediários em local detido para o efeito a fim de a revender a industriais de transformação de cortiça;

XXXX) Esses pequenos negócios de compra de cortiça eram nos anos de 2010 e 2011 habitualmente realizados com dinheiro à vista;

YYYY) Atualmente alterou-se tal forma de concretização dos negócios por forma a permitir a sua demonstração a terceiros se necessário.

6.1.
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos dos autos, designadamente juntos com a petição inicial e constantes do processo administrativo que contém o relatório da inspecção tributária realizada aos elementos contabilísticos da Impugnante e respectivos anexos. Quanto a estes destacam-se os documentos anexos ao relatório de inspeção e nele oportunamente referenciados conforme transcrição vertida no probatório.
Além destes considerou-se a prova testemunhal produzida.
Considerou-se, em particular, o depoimento do contabilista certificado, à data TOC da sociedade Impugnante que depôs de modo credível e conhecer da matéria sobre a qual depôs, não hesitando nas suas respostas. Especialmente atendeu-se ao conhecimento que o mesmo demonstrou, tratando-se de profissional com idade e experiência que se entendeu relevante, no que tange à atividade em questão, de compra e venda de cortiça e da atividade de intermediação para concretização da mesma.
No que tange à testemunha C... que interagiu com a sociedade Impugnante enquanto fornecedor como empresário em nome individual e através da sociedade que constituiu com a designação A... afigurou-se ao Tribunal ter o mesmo deposto em termos convincentes no sentido de confirmar a veracidade dos negócios titulados pelas diversas faturas que emitiu relativamente à mesma. Com efeito esclareceu o modo como operava na compra e venda da cortiça em termos que se mostraram consentâneos com a realidade em causa e já observada pelo Tribunal em diversos outros processos de idêntico objeto.
Considerou-se, ainda, a veracidade das suas declarações no que tange à necessidade dos recebimentos em numerário, a detenção de veículos que o relatório de inspeção não afastou bem como a titularidade de espaço físico apto a servir de estaleiro onde armazenava a cortiça até à efetividade da venda. Do mesmo modo se entendeu credível o funcionamento com trabalhadores a recibos verdes, prática que decorre da experiência funcional do Tribunal ser frequente em trabalhos sazonais como é o caso. Quanto à questão dos seus próprios fornecedores não restaram ao Tribunal dúvidas de que existiram porquanto dada como assente a realidade das vendas que efetivou à Impugnante têm que se dar como assentes as compras.
O depoimento da testemunha A... afigurou-se ao Tribunal relevante por demonstrar o relatório de inspeção ter sido um dos fornecedores no período em análise daí decorrendo quer conhecimento da prática negociai do ramo da cortiça quer da concreta prática da sociedade Impugnante. Igualmente se tratou de testemunha relevante para apreender o modo como os sujeitos passivos de IVA e comerciantes de cortiça procedem aos negócios e preenchem as faturas a eles relativos. Também resultou do seu depoimento a convicção para o Tribunal de que a fórmula encontrada para designação de um conjunto de cortiça sem pesagem é falível pelo que as quantidades apostas nas faturas não revelam as quantidades de bens transmitidos.
A testemunha M... apresentou-se titubeante no seu depoimento, procurando responder às questões de forma evasiva. No entanto, e no essencial do que objetivamente lhe foi perguntado e logrou responder entendeu o Tribunal resultar a convicção da efetividade do seu relacionamento negociai com a Impugnante nos moldes traduzidos nas faturas. Em concreto quanto aos pagamentos em dinheiro considerou-se provada a sua versão por corroborar a prática que as demais testemunhas já haviam adiantado.
A testemunha P... mostrou-se isento no seu depoimento afirmando com notória seriedade como decorriam os negócios entabulados com a Impugnante e como decorriam, em geral, aqueles que realizava e como desenvolvia a atividade de compra e venda de cortiça. Como forma de atestar a sua credibilidade afirmou perante o Tribunal ter faltado às suas obrigações fiscais em razão do que foi fiscalizado, apurado imposto em causa que está em fase de pagamento.
Quanto ao relacionamento da sociedade Impugnante com os destinatários finais da cortiça adquirida e no geral na evolução da atividade negocial subjacente atendeu-se em particular à testemunha A..., industrial da transformação da cortiça há largas décadas em negócio familiar já pré-existente. Para além do conhecimento genérico da atividade demonstrou profundo conhecimento daquela que concretamente a Impugnante, sócia única e marido, desenvolvem também há muito tempo e atestou as suas condições como compradores e intermediários e o modus operandi do negócio.

7.
FACTOS NÃO PROVADOS
Não resultaram por provar os factos alegados que se mostrem contrários aos julgados assentes.
Além desses, e especificadamente, não resultou provado que:
- o fornecedor B... Cortiças Unipessoal, Lda tenha vendido à Impugnante a cortiça titulada nas faturas que com referência à mesma nos anos de 2011 e 2012 emitiu;
- a Impugnante, consequentemente, tenha efetuado pagamentos a este fornecedor em numerário relativos a tais negócios.

7.1.
A falta de prova da matéria supra deve-se à circunstância de nada ter sido apresentado nesse sentido por forma a infirmar as conclusões plasmadas no relatório de inspeção tributária que indiciam a faturação falsa entre ambas as sociedades pelos motivos aí consignados. Com efeito, a matéria alegada na petição relativamente a tal fornecedor é meramente conclusiva, não tendo sido apresentada qualquer prova no sentido de a demonstrar e de infirmar a matéria atinente ao mesmo constante do relatório de inspeção, a prova reunida quanto ao mesmo e ilações daí retiradas pela Administração Tributária no sentido de considerar faturas simuladas.»

****


Com base na matéria de facto supra transcrita o tribunal a Meritíssima Juíza do TAF de BEJA julgou parcialmente procedente a impugnação, nomeadamente.

Efetivamente, julgou-se improcedente a impugnação, nomeadamente, na parte referente às faturas emitidas por “B... Cortiça, Unipessoal, Lda.” entendendo-se que “Assim já se não entende quanto ao fornecedor sociedade comercial B..., Cortiças, Lda. porquanto a Impugnante nada logrou demonstrar que permitisse sequer abalar as conclusões, aliás, fundadas, que permitem concluir, como conclui a Administração Tributária no relatório de inspeção, pela simulação dos negócios vertidos nas faturas. Para tanto é suficientemente indiciador a circunstância de ser o mesmo o gerente de facto de ambas as sociedades, J..., marido da sócia única da sociedade Impugnante, e de os pagamentos da mercadoria alegadamente transacionada - no valor total de 589.379,10 € - terem sido efetuados em numerário. Ora, considerando o montante elevado e a experiência do homem médio tal afigura-se estranho e escapar àquela que é a atuação comum.”

A recorrente não se conforma com a sentença recorrida na parte que lhe é desfavorável, invocando erro de julgamento de facto e de direito porquanto a AT não cumpriu com o seu ónus da prova, sendo que a prova produzida contraria o art. 76.º da LGT e art. 123.º do CPPT.

Apreciando.

Vejamos, antes mais, o direito aplicável ao caso dos autos.

Está em causa nos autos correções de IVA ao abrigo do disposto no art. 19.º, n.º 3 do CIVA.

O IVA assenta numa estrutura de entrega e respetiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir.

Este imposto funciona, pois, pelo método indireto subtrativo, de acordo com o qual o sujeito passivo deduz, ao imposto liquidado nos seus outputs, o imposto liquidado nos respetivos inputs.

Como determina o 2.º parágrafo, do n.º 2, do artigo 1.º, da Diretiva IVA (Diretiva 2006/112/CE, de 28 de novembro), “[e]m cada operação, o IVA, calculado sobre o preço bem o serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.”.

O direito à dedução é um elemento essencial do funcionamento do imposto, devendo garantir a sua principal característica que é a neutralidade. No entanto, o exercício desse direito obedece a requisitos objetivos e subjetivos.

O exercício do direito à dedução do imposto tem por requisitos objetivos o facto de o imposto suportado dever constar de fatura passada na forma legal (36.º, n.º 5, do CIVA), de se tratar de IVA português, e não se tratar de uma despesa excluída do direito à dedução, nos termos do disposto no artigo 21.º do CIVA, e como requisitos subjetivos exige-se que o sujeito passivo tenha direito à dedução do IVA, e que os bens e serviços deverão estar diretamente relacionados com o exercício da atividade em causa.

Por outro lado, “não confere direito à dedução de IVA o «imposto que resulte de operação simulada», constante de vulgarmente chamadas “faturas falsas” – de acordo com o n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA.” – Acórdão do STA de 27/02/2008, proc. n.º 01062/07 (atualmente, dispõe o n.º 3 do art. 19.º do CIVA na Redação do DL nº 197/2012, de 24 de agosto, com entrada em vigor em 1 de janeiro de 2013 que “[n]ão pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura”).

Do acórdão de Tribunal de Justiça (TJ) do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), Bonik, de 6 de dezembro de 2012, C-285/11, reiterado pelo acórdão Maks Pen EOOD, de 13 de fevereiro 2014, C-18/13 resulta que constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA, instituído pela legislação da União o direito dos sujeitos passivos a deduzir do IVA sobre os bens adquiridos e os serviços que lhes foram prestados a montante.

Seguindo de perto aqueles acórdãos, temos que o direito a dedução previsto nos artigos 167. ° e seguintes da Diretiva 2006/112 faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Porém, a luta contra a fraude, a evasão fiscal e os eventuais abusos é um objetivo reconhecido e incentivado pela Diretiva IVA, pelo que os sujeitos passivos não podem fraudulenta ou abusivamente invocar as normas do direito da União, competindo às autoridades e aos órgãos jurisdicionais nacionais recusar o direito a dedução se se demonstrar, à luz de elementos objetivos, que este direito é invocado fraudulenta ou abusivamente, seja quando o próprio sujeito passivo comete uma fraude fiscal, seja quando um sujeito passivo sabia ou deveria saber que, com a sua aquisição, participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA, o que faz que seja considerado participante nessa fraude, independentemente da questão de saber se retira ou não benefícios da revenda dos bens ou da utilização dos serviços no quadro das operações tributadas que efetuou a jusante, incumbindo às autoridades fiscais competentes fazer prova bastante de que os elementos objetivos estão reunidos (neste segundo caso, de acordo com o TJ, o direito a dedução só pode ser recusado a um sujeito passivo se, à luz de elementos objetivos, se demonstrar que este sujeito passivo, ao qual foram fornecidos os bens ou prestados os serviços que estão na base do direito a dedução, sabia ou deveria saber que, ao adquirir estes bens ou estes serviços, participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA cometida pelo fornecedor ou por outro operador a montante ou a jusante na cadeia destes fornecimentos ou destas prestações) e aos órgãos jurisdicionais nacionais verificar se as autoridades fiscais em causa provaram a existência desses elementos objetivos.

No Despacho proferido pelo Tribunal de Justiça (TJ) do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no Caso Menidzherski Biznes Reshenia, Processo C-572/11, de 4 de Julho de 2013 decidiu que “[o]s artigos 168.°, alínea a), e 203.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, bem como os princípios da neutralidade fiscal e da proteção da confiança legítima, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que seja recusado ao destinatário de uma fatura o direito a deduzir o imposto sobre o valor acrescentado mencionado nessa fatura quando as operações a que esta última se refere não foram efetivamente realizadas, ainda que o risco de perda de receitas fiscais não exista por o emissor da referida fatura ter pago o imposto sobre o valor acrescentado nesta indicado. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, de acordo com as regras nacionais relativas à produção de prova, uma apreciação global de todos os elementos e de todas as circunstâncias de facto do litígio que lhe foi submetido para determinar se tal sucede com as operações a que as faturas em causa no processo principal dizem respeito.”

Relativamente às regras do ónus da prova vigente no nosso direito interno, nas situações em que as faturas (ou documentos equivalentes) são emitidas na forma legal, mas que não correspondem a qualquer realidade, porque as operações que era suposto refletirem não tiveram lugar, é à AT que cabe o ónus da prova da verificação dos respetivos indícios ou pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua atuação, considerando o princípio da legalidade administrativa. Por outro lado, ao contribuinte cabe provar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito, ou seja, a efetiva existência das alegadas transações (cf. Acórdãos do STA de 30/04/2003, proc. n.º 0241/03, de 24/04/02, proc. n.º 102/02, de 17/04/02, proc. n.º 26.635, de 09/10/02, proc. n.º 871/02 e de 14/11/01, proc. n.º 26.015).

Na verdade, o art. 75.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) estabelece uma presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita: “[p]resumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”.

O que significa que, se a AT não demonstrar a falta de correspondência com a realidade do teor das declarações, contabilidade e da escrita, estas são consideradas verdadeiras (nesse sentido, cf. Diogo Leite de campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada, 4.ª ed., Vislis, 2012, p. 664).

Para tanto, é suficiente que a AT demonstre a existência de “indícios fundados” (indícios que devem ser objetivos, sólidos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada de que os documentos não titulam operações reais) para fazer cessar a presunção de veracidade a favor do contribuinte, prevista no art. 75.º da LGT, não se impondo a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente reflectem e comprovam.

Por outras palavras, a AT não necessita de demonstrar a falsidade das faturas, basta-lhe evidenciar a consistência daquele juízo, invocando factos que traduzam uma probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade (art. 75.º da LGT).

A AT também não necessita de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratório, no intuito de enganar terceiros – cf. art. 240.º do CC) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende (cf. nesse sentido, entre outros, acórdãos do Pleno da secção do CT do STA de 16/11/2016 e proc. n.º 0600/15, de 19/10/2016, proc. n.º 511/15).
“ (…) II - Para que a AT proceda à correcção do lucro tributável por desconsideração dos custos suportados por facturas existentes na escrita do contribuinte e relativamente às quais considera não se terem efectivamente realizado as operações nelas consubstanciadas, não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240.º do CC) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende.
III - Basta à AT provar a factualidade que a levou a não aceitar esses custos, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito de deduzir os custos ao lucro tributável) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente e ocorrem os pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.” - cf. acórdão do Pleno da secção do CT do STA de 16/11/2016, proc. n.º 600/15.

Por conseguinte, se necessário, a AT poderá recorrer à prova indireta “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, de ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém diretamente, mas indiretamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” (cf. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, 1972, pág. 154).

A Autoridade Tributária pode lançar mão de elementos obtidos através de fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, porém, não se pode bastar com esses elementos (indícios externos), tem necessariamente de obter alguns indícios junto do contribuinte (indícios internos) que, ainda que conjugado com aqueles outros, conduzam à elevada probabilidade de que as faturas não correspondem a operações efetivas (faturas falsas ou fictícias).

É que nos termos do disposto no art. 63.º da LGT sob a epígrafe, “Inspeção”, “os órgãos competentes podem, nos termos da lei, desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes”, e diremos que se trata de um poder-dever, considerando o princípio do inquisitório consagrando no art. 58.º do mesmo diploma: “A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido.”

Face ao direito supra exposto aplicável ao caso dos autos, importa desde já concluir que a sentença recorrida não enferma de erro de julgamento, na medida em que, por um lado a AT logrou cumprir com o seu ónus da prova, recolhendo indícios objetivos, sólidos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada de que os documentos não titulam operações reais que legitimam a sua atuação, e por outro lado, a impugnante não logrou provar a materialidade das operações subjacentes às faturas do fornecedor

Efetivamente o conjunto dos elementos (obtidos quer internamente na contabilidade da impugnante, quer ainda externamente através de uma ação de fiscalização à contabilidade do emitente das faturas) coligidos pela AT no âmbito da ação de inspeção traduzem uma probabilidade elevada de que os documentos não titulam operações reais que legitimam a sua atuação, designadamente, ao concluir que as faturas emitidas pela sociedade “B... Cortiças, Lda.” à Impugnante, não correspondem a verdadeiras operações, e nessa medida, não há direito a dedução do IVA nos termos do artigo 19.º, n.º 3 do CIVA.

Desde logo, e enquanto indícios apurados junto da contabilidade da Impugnante nos anos respeitantes às faturas em causa (2011 e 2012), e com carácter geral, vemos enunciado no ponto III.1.1. do relatório de inspeção:

_ os movimentos efetuados na conta B… não estão de acordo com os valores contabilizados;
_ sempre que se verifica uma entrada de valores, no próprio dia, ou num dia próximo são efetuados levantamentos ao balcão de valores aproximados aos das entradas desconhecendo-se o destino dado ao dinheiro;
_ a maioria dos cheques levantados ao balcão foram-no também pela sócia da Impugnante;
-_ em 2011 todos os movimentos financeiros da Impugnante foram efetuados pela conta Caixa, o que impediu comprovar o recebimento das faturas emitidas, bem como o pagamento das faturas recebidas, concluindo-se que não se deu cumprimento ao art. 63.º-C da LGT;
_ a documentação dos recebimentos dos montantes das faturas é efetuada através de documentos de suporte interno, designadamente declarações dos fornecedores em que declaram que receberam em numerário os valores por si faturados.

Por outro lado, a AT apurou ainda indícios de carácter especificamente relacionado com o fornecedor ora em causa no presente recurso, descrito no ponto III.1.2.2.12 “B... Cortiças, Lda.”, indícios apurados quer junto da contabilidade da impugnante, quer ainda externamente através de uma ação de fiscalização à contabilidade a este fornecedor:

_ encontram-se na contabilidade da impugnante diversas declarações de pagamento em numerário assinadas pelo sócio da sociedade “B... Cortiças, Lda.”, o que não permitiu apurar o efetivo recebimento dos montantes faturados, concluindo-se pela violação do disposto no n. º3, do art. 63.º_C da LGT;
_ a gerência da sociedade “B... Cortiças, Lda.” é exercida através de procuração passada ao gerente de facto da Impugnante;
_ a sociedade “B... Cortiças, Lda.” tem por principal cliente a Impugnante, na proporção de 92% da faturação;
_ os pagamentos efetuados pela “B... Cortiças, Lda.” têm por único documento contabilístico de suporte a fatura emitida;
_ os recebimentos da sociedade “B... Cortiças, Lda.” encontram-se titulados apenas por documentos internos denominados por “entrada de caixa” ou “aviso de lançamento”;
_ a sociedade “B... Cortiças, Lda.” exerce a sua atividade no local da sede da Impugnante;
_ os três únicos fornecedores da sociedade “B... Cortiças, Lda.” (para além da Impugnante) encontram-se indiciados pela AT como emitentes de faturas falsas;
_ a “B... Cortiças, Lda.” não possui uma estrutura adequada ao exercício da atividade faturadas, nomeadamente, não possui viaturas, instalações, trabalhadores, face ao volume de transmissões faturadas (2011 – 276.750€, e 2012 – 589.379,10€).

Portanto, como se poderá facilmente constatar, são múltiplos os indícios coligidos pela AT, e ao contrário do que entende a recorrente não são juízos genéricos, pois em conjunto, consubstanciam indícios objetivos, sólidos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada de que as faturas em causa nos autos do fornecedor “B... Cortiças, Lda.” não titulam operações reais, e nessa medida, sustentam o entendimento da AT de que não há direito a dedução do IVA nos termos do artigo 19.º, n.º 3 do CIVA.

Ademais, não colhe a argumentação vertida nas conclusões X a XII e XIX a XXV, porque o facto de as faturas estarem passadas de acordo com a forma legal exigida pelo art. 36.º do CIVA, não obsta à correção efetuada, porque a correção assentou não na preterição de formalidades das faturas, mas na falta de materialidade subjacente às mesmas. Por outro lado, como vimos, os indícios coligidos para efeitos de IVA, todos em conjunto, constituem sólidos e consistentes que traduzam uma probabilidade elevada de que as faturas não titulam operações reais, o que tanto basta para legitimar a atuação da AT. Não obsta a essa conclusão o alegado pela recorrente a respeito de a AT não ter efetuado a correção dos custos suportados com a transação em sede de IRC, porque a AT fundamentou no relatório tal opção, face à inexistência de elementos credíveis sobre os rendimentos efetivamente obtidos, optou por também não corrigir custos (cf. ponto III.3), não se verificando qualquer violação do princípio da legalidade.

Reitere-se, são o conjunto dos elementos coligidos e não um que conduzem à conclusão de que a AT cumpriu o seu ónus, e nessa medida, não colhe a argumentação de que tais indícios são insuficientes porque se deu como provado na sentença recorrida que nos pequenos negócios de compra de cortiça nos anos de 2010 e 2011 eram habitualmente realizados em dinheiro, até porque não se deu como provado que essa “habitualidade” de modo de pagamento abrangeu o ano de 2012. Por outro lado, tal facto dado como provado, ainda assim não exclui a conclusão de que a AT se viu impossibilitada de efetuar um controle efetivo dos meios de pagamentos e dos beneficiários efetivos dos pagamentos das faturas, para além de que, tal como se refere no relatório de inspeção, o procedimento da Impugnante viola as regras vigentes na matéria, nomeadamente o disposto no art. 63.º-C a LGT.

Portanto, não se verifica qualquer violação das regras do ónus da prova, e foram coligidos indícios sólidos e suficientes que traduzam uma probabilidade séria e elevada de que estamos perante uma operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura que obsta à dedução do IVA (cf. n.º 3 do art. 19.º do CIVA), e portanto, cessa a presunção legal de veracidade das declarações da Impugnante, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita prevista (art. 75.º da LGT), cabendo-lhe o ónus da prova da realidade das transações, o que não logrou fazer.

Na verdade, a impugnante não satisfez o seu ónus da prova, pois não basta “a coerência” que afirma ter tido desde o exercício do direito de audição e posição adotada em sede de reclamação graciosa, importava fazer prova da materialidade das operações subjacentes às faturas ora em causa.

Sucede que a recorrente se insurge contra os factos dados como não provados na sentença recorrida, porque deveria ter aplicado a este fornecedor o mesmo juízo de facto que fez para os restantes.

Contudo tal argumentação não colhe, não havendo qualquer contradição na apreciação da prova, porque, desde logo, a análise deverá ser feita casuisticamente fornecedor a fornecedor, e nessa medida, os indícios apurados relativamente a um deles, poderão ser suficientes para se concluir pela inexistência de materialidade nas operações, e relativamente a outros poderão ser coligidos indícios suficientes. De igual modo a prova produzida pela Impugnante poderá suficiente relativamente a um fornecedor, e insuficiente em relação a outro.

Relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto dada como não provada, face à prova documental e testemunhal produzida nos autos, importa sublinhar que não tendo cumprido o ónus previsto no art. 640.º, n.º 1 e n.º 2 do CPC, é de rejeitar tal impugnação (cf. conclusões XXVI a XXX). Efetivamente, a recorrente não indicou os concretos meios probatórios constantes do processo que impunham decisão diversa (alínea b) do n.º 1, do art. 640.º do CPC), bem como não cumpriu o disposto na alínea a) do n.º 2 daquele preceito legal, ao não ter indicado com exatidão as passagens da gravação em que se funda o recurso. Refira-se ainda que apesar de ser referir aos anexos do relatório de inspeção na conclusão X não identifica concretamente os documentos, sendo certo que analisados todos os anexos ao relatório de inspeção estes são mais de mil documentos, e, portanto, também aqui não se encontra cumprido o ónus da recorrente.

Em suma, cabendo à recorrente o ónus da prova da realidade das transações, não o logrando fazer, importa confirmar a sentença recorrida.

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. Vencida na presente causa a recorrente, esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respetivas custas (n.º 1, 1.ª parte).

Por outro lado, considerando que o valor da presente causa é superior a 275.000,00€, e que a questão da dispensa do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do disposto no art. 6.º, n.º 7 do RCP é de conhecimento oficioso (cf. Ac. do STA de 07/05/2014, proc. n.º 01953/13), sempre se dirá que se encontram reunidos os pressupostos do n.º 7 do art. 6.º do RCP. Na verdade, in casu, está o valor da ação é de 551.698,60€. Ponderado o montante da taxa de justiça que será devida com base neste valor, face ao concreto serviço prestado, revela-se adequado e necessário face ao princípio da proporcionalidade, dispensar o remanescente da taxa de justiça, verificando-se os pressupostos do n.º 7 do art. 6.º do RCP.

O presente recurso não apresentou complexidade, pois para além de se ter tratado tão-somente da análise relativamente a uma correção tributária, é pacífica a existência de jurisprudência dos tribunais superiores sobre a matéria, e considerando ainda que a conduta processual das partes foi a normal e adequada, verificam-se os pressupostos do art. 6.º, n.º 7 do RCP, para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pelo presente recurso.
****


Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

Coligidos indícios sólidos e suficientes que traduzam uma probabilidade séria e elevada de que estamos perante uma operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura que obsta à dedução do IVA (cf. n.º 3 do art. 19.º do CIVA), cessa a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita prevista (art. 75.º da LGT), cabendo ao contribuinte o ónus da prova da realidade das transações.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
****
Custas pela recorrente, dispensando-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Oportunamente informe da prolação do presente acórdão o Magistado do Ministério Público – Procuradoria da república da Comarca de Setúbal, DIAP, 2.ª secção, processo n.º 24/15.3IDSTB.
D.n.

Lisboa, 19 de novembro de 2020.


A Juíza Desembargadora Relatora

Cristina Flora


A Juíza Desembargadora Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Juízes Desembargadores Tânia Meireles da Cunha e António Patkoczy.