Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:923/19.3BEALM-A-A
Secção:CA
Data do Acordão:12/16/2021
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:DESOCUPAÇÃO DE CASA CAMARÁRIA
AUTO DE VISTORIA;
REPETIÇÃO DE PROVIDÊNCIA CAUTELAR
Sumário:I. O auto de vistoria que contém a descrição dos factos ocorridos no dia de despejo de casa camarária, em execução de despacho do Presidente da Câmara Municipal, não configura ato administrativo.

II. É legalmente inadmissível a apresentação de segunda providência cautelar com o mesmo conteúdo da anterior, conforme decorre do artigo 362.º, n.º 4 do CPC.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul
I. RELATÓRIO
T... instaurou providência cautelar de suspensão de eficácia de ato administrativo contra o Município do Montijo, pedindo se admita a presente providência com decretamento provisório, com base no caráter de urgência e sem audição prévia da entidade requerida com atribuição de efeito imediato ao pedido de suspensão da eficácia do despacho junto como Doc. 10, bem como que o Município Requerido se abstenha de por qualquer forma criar obstáculos, impedir o normal uso do locado pela Requerente, companheiro e dois filhos menores.
Por decisão de 15/09/2021, o TAF de Almada julgou verificada a impossibilidade da lide quanto à requerida providência cautelar de suspensão de eficácia de ato, com a consequente extinção da instância quanto a este pedido e no mais julgou a ação improcedente e indeferiu a providência cautelar de intimação à abstenção de conduta.
Inconformada, a requerente interpôs recurso daquela decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem:
“1ª
A Recorrente há mais de dois anos que se encontra a habitar na atual habitação por não ter outro sitio para onde ir e há mais de onze anos que a Recorrente aguarda pela, para atribuição de uma casa social mas da Camara Municipal do Montijo, nunca recebeu qualquer resposta.

A Recorrente vive com o companheiro e dois filhos menores não dispondo de qualquer outra habitação.

Tem assistido a entregas de chaves a pessoas que não concorreram tal como sucedeu recentemente que um seu conhecido que tendo aceite a casa atribuída por concurso viu a mesma ser-lhe retirada e ocupada (foi entregue sem concurso pelo Presidente da CML) ao que consta por uma distinta senhora que não concorreu e que lhe ficou com a casa por alegadamente ser mulher de um policia municipal.

Efetivamente, está em causa o direito à vida e à saúde por parte da requerente e dos seus dois filhos menores, o qual direito tem de ser exercido contra a Câmara Municipal do Montijo que enquanto gestora do parque de habitação social está obrigada a tudo fazer para garantir a par do direito de habitação que ao seja posto em causa nem o direito à vida nem à saúde dos moradores! Os filhos menores estão devidamente integrados no seu bairro frequentando todos escolas/creches a meros passos da atual habitação, tal como Doc. 5 e 7 já juntos.

Sem que o nada fizesse prever e muito menos esperar, no dia 5 de Novembro de 2019, a Recorrente e o seu companheiro foram surpreendidos, ao regressar a casa, com a fechadura trocada, impossibilitando a entrada e permanecendo todos os seus pertences e os dos seus dois filhos, à data, com 3 e 9 anos de idade no interior sem os poder sequer levantar em lado nenhum, ficando assim na rua na tentativa de obter informação sobre os fundamentos deste despejo, a Recorrente e a sua companheira dirigiram-se à Camara Municipal do Montijo de forma a tentar entender o porquê deste despejo sem qualquer aviso e sem qualquer Audiência Prévia, razão pela qual se afigura o ato a suspender como nulo.

Desde há 11 anos atras que a Recorrente tem feito tudo para que junto da CMM lhe fosse regularizada a situação visto que pretendia pagar a renda e naturalmente ter recibos na sua posse.

Pelo que há quase dois anos, no fim de setembro de 2019, e estando o imóvel devoluto há cerca de dois anos fazendo a Entidade recorrida tábua rasa da necessidade de responder às carências habitacionais que o município do Montijo tem vindo a atravessar, entraram na atual residência em desespero e grande urgência! Efetivamente, em estado de absoluta necessidade e urgência, pois, em setembro, momento de muitas chuvas e não podendo ir dormir ao relento com estes e encontrando-se a porta aberta a Requerente e ora Recorrente ai entrou para salvaguardar a saúde dos seus dois filhos menores!

O companheiro da Recorrente e a ora Recorrente, estavam em situação de desemprego, não tendo qualquer emprego estável que permita outra solução habitacional, apenas auferindo, à altura o RSI no valor de 379,32 € tal como Doc. 8 já junto. Sendo hoje já recebem o RSI juntos aferindo apenas, em conjunto, 512,8€.

Pelo que não tem alternativa no mercado livre de arrendamento estando-lhes completamente vedado pelos valores que hoje tem dia se têm vindo a praticar. O recurso à habitação social também lhes tem vindo a ser vedado durante mais de 11 anos.
10º
Efetivamente, está em causa o direito à vida e à saúde por parte da requerente e dos seus dois filhos menores, o qual direito tem de ser exercido contra a Câmara Municipal do Montijo que enquanto gestora do parque de habitação social está obrigada a tudo fazer para garantir a par do direito de habitação que ao seja posto em causa nem o direito à vida nem à saúde dos moradores!
11º
Recorde-se que a casa corresponde à residência da Recorrente, do companheiro e dos dois filhos menores e não dispondo de qualquer outra habitação.
12º
A Recorrente nem sequer o RSI aufere não tendo qualquer atividade remunerada, não tendo possibilidades económicas que lhes permitam arrendar uma casa.
13º
A Recorrente, ao concorrer durante estes 11 anos consecutivos e por estar em situação de desespero por ter não ter outro sitio onde viver, adquiriu a legitima expectativa de ter acesso a uma habitação social pois que está demonstrado que carece da mesma.
14º
A Recorrente, não tem qualquer rendimento e apenas tem condições para pagar uma renda de 4 ou 5 euros, o que só é possível numa habitação social.
15º
Com base em estado necessidade o garantir a segurança, a saúde, e até o direito à vida da Recorrente e dos dois filhos menores, faz com que se verifiquem os requisitos objectivos e subjectivos do estado de necessidade não apenas desculpante, mas verdadeiramente dirimente da responsabilidade criminal.
16º
Acresce ainda que tal como resulta do Acórdão do TCAS nº 383/19.9BELSB, estando demonstrada a efectiva carência habitacional tal como a Recorrente alega, a entidade Requerida GEBALIS enquanto entidade de gestora de um parque de habitação social está obrigada, quando confrontada com o requerimento da providência a averiguar a existência de efectiva carência habitacional e sendo a mesma evidente, deverá ser emitido juízo de prognose favorável por parte do Tribunal se a GEBALIS cumprir a obrigação legal imposta pela lei 32/2016 de 24 do 8, facilmente concluirá que o Recorrente afinal tem direito à atribuição de uma habitação social atenta a fragilidade da sua situação económica sob a forma de atribuição em emergência social.
17º
Em suma, a pretensão da Recorrente com base no estado de necessidade e na situação de emergência social tem direito a que seja previamente ouvida a entidade requerida à qual tem a obrigação não apenas de informar mas sobretudo de acompanhar e comunicar ao tribunal se afinal a Recorrente tem ou não carência habitacional em situação de urgência e só depois, eventualmente apos a inquirição das testemunhas se pode concluir pela legalidade ou não do recurso à providencia cautelar de abstenção, a qual nos termos legais deveria merecer um despacho judicial no prazo de 48 horas de deferimento relegando-se para a fase posterior à oposição a apreciação do mérito da providência.
18º
Assim, por se afigurar que a Recorrente tem direito ao deferimento provisório da providência e que o momento oportuno para se conhecer da legalidade ou não da pretensão só tem lugar após a apresentação da oposição por parte da entidade requerida, se Requer a Vexa. se digne deferir provisoriamente a mesma.
19ª
Se a cmm não se dignar fixar o valor da renda à Recorrente, dentro dos parâmetros legais a sobrevivência do agregado familiar estará grave e irremediavelmente afectada.
20º
Este processo ainda se encontra na fase dos articulados, sem sequer ter sido marcada data para julgamento e muito menos haver alguma decisão transitada em julgado.
21º
No dia 26 de fevereiro de 2020 a Camara Municipal do Montijo e ora entidade Recorrida foi citada.
22º
No dia 23 de Junho de 2020 a CMM a Camara Municipal do Montijo e ora entidade Requerida apresentou a sua Contestação.
23º
No dia 2 de julho de 2021, quando a Recorrente e a companheira voltaram a casa de uma ida ao médico, viram afixado um edital de notificação extrajudicial para desocupação do imóvel, que no seu ponto 3 cominava que “não ocorrendo a desocupação voluntária dentro do prazo estabelecido, será ajuizada ação própria visando a recuperação coerciva do imóvel e reintegração da posse”.
24º
Este edital foi junto ao processo 923/19.3BEALM-A.
25º Sem que nada o fizesse prever e muito menos desconfiar e apesar das indicações dadas pela própria entidade requerida estes foram “juíz”, “policia” e “carrasco” de um processo que nunca sequer foi intentado e que o deveria ter sido para a entidade requerida pudesse proceder ao despejo deste agregado familiar com dois filhos menores.
Ou seja, a Recorrente e o seu companheira nunca foram notificados/citados da competente ação de despejo! E já tendo sido banidos os “despejos administrativos”.
26º
O que não impediu, no dia 6 de julho, dois funcionários da CMM, a sr. R…, a Sra. O…, mais dois fiscais municipais, acompanhados por 3 veículos da CMM e ainda pelo menos 13 Agentes da PSP com 4 veículos da PSP tal como Doc. 10 já junto e é o ato administrativo a suspender.
27º
O que provocou um enorme aparato e alarido no quarteirão perante uma postura sempre cooperante e cordial da Recorrente e do seu companheiro, que foram colocados na rua apesar de já estarem há 11 anos pelos menos inscritos no concurso, terem dois filhos menores a cargos, não ter sido apresentada pela CMM alguma alternativa habitacional a este agregado familiar que tem efetiva carência económica por não terem rendimentos e terem dois filhos menores a cargo.
28º
Colocaram a vida dos menores, com apenas 11 e 4 anos, em perigo pois a entidade requerida deixou-os na iminência de irem dormir na rua por não terem outra solução alternativa habitacional. Concretamente a Recorrente com a violência da situação partiu um dedo do pé e o filho da Recorrente padeceu de uma otite por ter sido obrigado a estar na rua durante muito tempo por não ter mais nenhuma casa para poder dormir por ter sido despejado pela entidade recorrida!
29º
Para mais a Recorrente viu no final do mês de Junho e, tanto quanto sabe, sem qualquer atribuição por concurso, à “cedência” de uma habitação social ao Sr. F… e outra a um familiar deste passando, ficando a Recorrente num estado de perplexidade e indignação que não compreende por a recorrente e o seu companheiro estarem inscritos há mais de 11 anos e nada lhe foi atribuído! Nem sequer nenhuma alternativa ao pernoitarem todos num pequeno quarto sem condições e pondo em crise a saúde física e psicológica bem como da dignidade do agregado.
30ª
Nos termos do disposto no artº 65ºnº 1 da CRP todos têm direito para si e para sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.
31ª
Nos termos do disposto no artº 65ºnº 1 da CRP todos têm direito para si e para sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.
32ª
Tal disposição tem como sujeito passivo o Estado e naturalmente que incumbindo-lhe competências quer para gerir um parque habitacional perfeitamente delimitado. Logo, a notificação da CMM no que respeita à omissão culposa da regularização da situação não só era oportuna como perfeitamente ilegal ao abrigo da CRP.
33ª
Efectivamente, ao abrigo da Lei nº 81/2014, de 19 de Dezembro que entrou em vigor em 1 de Setembro de 2016 resulta do artº 28ºnº 6 que os agregados alvos de despejo com efectiva carência habitacional são previamente encaminhados para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais. Trata-se uma disposição naturalmente imperativa.
Nestes termos e nos demais de direito doutamente supridos deve o presente recurso ser admitido, com efeito suspensivo automático, julgado procedente por provado, revogando-se a sentença recorrida e decretando-se a notificada/intimada a Câmara Municipal do Montijo para se abster, sob pena de incorrer no crime de desobediência e de por qualquer forma criarem obstáculos, impedir o normal uso do locado pela Recorrente, do companheiro e dos dois filhos menores, para o fim a que se destina (habitação própria e exclusiva) da casa sita na Rua J…, nº …, …, … Montijo até que lhe seja atribuída uma nova habitação ou fixada uma renda para a atual morada de família”.
O Município do Montijo apresentou contra-alegações, terminando as alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem:
“De tudo o que se deixa demonstrado resulta, necessariamente que, não só não é possível à aqui Recorrida responder, em sede de contra-alegações de recurso, a um qualquer vício ou erro que não foi imputado à douta Sentença proferida nos presentes autos, bem como tudo quanto a Recorrente discorreu (repetidamente) nas “alegações de recurso” a que se responde foi já, antecipadamente, respondido e rebatido em sede de Oposição e (correcta e fundamentadamente) bem apreciado e decidido na douta Sentença proferida nos presentes autos.
A Sentença proferida nos presentes autos é, pois, correcta, está bem fundamentada, não padece de qualquer vício e, como tal, deverá ser mantida.
Termos em que
Deverá o recurso interposto pela Requerente/Recorrente ser totalmente indeferido e, em consequência, ser integralmente confirmada e mantida a douta Sentença Recorrida.”

Perante as conclusões das alegações da recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir do erro de julgamento da sentença recorrida na verificação da impossibilidade da lide quanto à requerida providência cautelar de suspensão de eficácia de ato e indeferimento da providência cautelar de intimação à abstenção de conduta

Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.
*
II. FUNDAMENTOS
II.1 DECISÃO DE FACTO
Na decisão recorrida considerou-se indiciariamente provada a seguinte factualidade:
A) Em 31/03/2010, nasceu I..., filho de T..., ora Requerente, e de I...(cf. documento n.º 3 do requerimento inicial [r.i.] a fls. 22 a 38 [3] dos autos);
B) Em 22/05/2014, foi emitida declaração, por médico do Hospital de Nossa Senhora do Rosário, da qual resulta que I… apresenta «uma renite alérgica e asma brônquica persistente, necessita de fazer terapêutica diariamente» (cf. documento junto como documento n.º 4 do r.i. a fls. 22 a 38 [4] dos autos);
C) Entre 07/01/2014 a 10/04/2015, a Requerente teve domicílio fiscal na Estrada … (cf. documento constante do PA a fls. 83 dos autos);
D) Entre 10/04/2015 a 11/09/2018, a Requerente teve domicílio fiscal na Rua Dr. A… Montijo (cf. documento constante do PA a fls. 83 dos autos);
E) Em 30/08/2016, nasceu K..., filho de T..., ora Requerente, e de I...(cfr. documento n.º 3 do r.i. a fls. 22 a 38 [3] dos autos);
F) Em 26/02/2018, J... dirigiu uma carta à Requerente, com o assunto «Denúncia do contrato de arrendamento», por via da qual comunica, na qualidade de senhorio, «a não renovação do contrato de arrendamento em vigor, celebrado em 01/10/2017, referente à fracção sita na Rua Dr. …., em Montijo», que «cessará os seus efeitos a partir de 30/09/2018» (cf. documento junto como documento n.º 2 do r.i. a fls. 22 a 38 [2] dos autos);
G) Em 28/03/2018, o médico, Dr. C…., do Centro Hospitalar Barreiro Montijo, E.P.E., atestou que K… apresenta «asma brônquica com necessidade de terapêutica diária» (cf. documento n.º 4 do r.i. a fls. 22 a 38 [6 a 9] dos autos);
H) Em 13/09/2018, a Divisão de Desenvolvimento Social e Promoção da Saúde, do Município do Montijo, emitiu documento comprovativo de que a Requerente entregou a documentação necessária ao concurso para «atribuição de 12 fogos de habitação social em regime de arrendamento apoiado nos bairros da C…, E…, E… e L…» (cfr. documento n.º 1 do r.i. a fls. 22 a 38 [1] dos autos);
I) Em 22/05/2019, a ora Requerente efetuou no Portal das matrículas, a matrícula do filho K…, no ensino pré-escolar, na Escola Básica da L…, Montijo (cfr. documento n.º 7 do r.i. a fls. 22 a 38 [14 e 15] dos autos);
J) Em data não concretamente apurada, a Requerente ocupou, com o seu companheiro e os dois filhos, a habitação sita na Rua J… Montijo (acordo);
K) Em 15/11/2019, a Requerente apresentou o requerimento inicial para adoção de providência cautelar de suspensão de eficácia de ato administrativo, que deu origem ao processo n.º 923/19.3BEALM (cf. fls. 1 a 42 do processo n.º 923/19.3BEALM);
L) No requerimento inicial do processo n.º 923/19.3BEALM, a Requerente concluiu peticionando o seguinte:
«Nestes termos e nos demais de direito doutamente supridos deve a presente providência ser admitida com decretamento provisório, com base no carácter de urgência e sem audição prévia da entidade Requerida com atribuição de efeito imediato ao pedido de suspensão da eficácia do despacho que esta na posse da entidade Requerida e que não foi entregue à Requerente, nos termos do disposto nos artigos 128º e 131º do CPTA, julgada procedente por provada e por via dela ser notificada a Câmara Municipal do Montijo para se abster, sob pena de incorrer no crime de desobediência, de por qualquer forma criar obstáculos, impedir o normal uso do locado pela Requerente, mãe solteira, com dois filhos menores, com 9 e 3 anos de idade, para o fim a que se destina (habitação própria e exclusiva), condenando-se a Requerida em custas e condigna Procuradoria.» (cf. fls. 4 a 14 do processo n.º 923/19.3BEALM);
M) Em 21/11/2019, o Presidente da Câmara Municipal do Montijo exarou despacho com o seguinte teor:
«DESPACHO
Desocupação de fogo propriedade da autarquia
No dia 18/11/2019, os serviços da DDSPS receberam uma denúncia anónima de que o fogo propriedade desta Autarquia, sito na Rua J… no Bairro do E… tinha sido ocupado.
Após deslocação ao local constatámos que o fogo tinha sido desentaipado e a fechadura substituída.
Considerando que:
● Se mantém a ocupação do imóvel supracitado sem titulo legal de atribuição e sem autorização do Município do Montijo, real proprietária do mesmo;
● A posse precária e ilegítima em que V.Exa. se encontra em função da ocupação clandestina do imóvel;
● Foi seguido o procedimento previsto na Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro na sua versão em vigor e no Regulamento de Atribuição, Ocupação e Gestão das Habitações Sociais da Câmara Municipal do Montijo, para tais casos e não se verificou a desocupação do imóvel;
Determino a entrega imediata do fogo livre de pessoas e bens
Mais determino aos serviços competentes que, em caso de incumprimento, procedam à execução coerciva do presente despacho.
Este despacho produz efeitos nesta data.» (cfr. documento n.º 1 junto com a oposição a fls. 100 dos autos);
N) Em 22/11/2019, a Divisão de Desenvolvimento Social e Promoção da Saúde, do Município do Montijo, elaborou a «PROPOSTA N.º 6…/2019», com o seguinte teor:
«ASSUNTO: Desocupação do fogo sito Rua J…. – Ratificação do Despacho do Sr. Presidente de Câmara
No dia 18/11/2019, os serviços da DDSPS receberam uma denúncia anónima de que o fogo propriedade desta Autarquia, sito na Rua J… no Bairro do E… tinha sido ocupado.
Após deslocação ao local constou-se que o fogo tinha sido desentaipado e a fechadura substituída.
Considerando que:
● O imóvel supracitado foi ocupado sem título legal de atribuição e sem conhecimento da Câmara Municipal do Montijo, real proprietária do mesmo pelo que, de acordo com o número 1 do Artigo 53º do Regulamento de Atribuição, Ocupação e Gestão das Habitações Sociais da Câmara Municipal do Montijo, se considera a ocupação sem título;
● Foi seguido o procedimento previsto na Lei nº 81/2014, de 19 de dezembro na sua versão em vigor e no Regulamento de Atribuição, Ocupação e Gestão das Habitações Sociais da Câmara Municipal do Montijo, para tais casos e não se verificou a desocupação do imóvel;
● Se considera urgente a desocupação do fogo para que se cumpra a Lei em vigor e não se permita ocupações ilegais e abusivas causadoras de alarme e de iniquidades na atribuição de habitações sociais;
● O número 3 do Artigo 53º prevê que “O Município do Montijo executará, (…), com caráter de urgência, a desocupação e o despejo e a tomada de posse administrativa dos fogos municipais que se apresentem abusivamente ocupados por quaisquer pessoas e bens”;
● O Senhor Presidente da Câmara determinou, com despacho de 21 de novembro de 2019, a entrega imediata do fogo livre de pessoas e bens.
PROPONHO:
A ratificação do despacho proferido pelo Sr. Presidente da Câmara, que se anexa, nos termos do disposto no número 3 do Artigo 35º da Lei 75/2013 de 12 de setembro na sua redação atual.» (cf. documento a fls. 148 e 149 do processo n.º 923/19.3BEALM);
O) Em 27/11/2019, em reunião de Câmara, foi a proposta «PROPOSTA N.º 6…/2019», a que se refere a alínea N), «aprovada com cinco votos a favor (…) e uma abstenção» (cf. documento a fls. 148 e 149 do processo n.º 923/19.3BEALM;
P) Em 04/12/2019, o Presidente da Câmara Municipal do Montijo emitiu «RESOLUÇÃO FUNDAMENTADA», referente ao processo cautelar n.º 923/19.3BEALM, com o seguinte teor:
«RESOLUÇÃO FUNDAMENTADA
no âmbito do procedimento cautelar n.º 923/19.3BEALM do TAF de Almada
No dia 01 de novembro de 2019, os serviços da DDSPS receberam uma denúncia telefónica de que a porta do … e do n° … da Rua J…, União das Freguesias de Montijo e Afonsoeiro, de que este Município do Montijo é proprietário tinha sido arrombada. Como não existia qualquer informação de que esta estava ocupada e na convicção de que se tratava de uma intrusão na habitação para furto de materiais, no dia 04 do mesmo mês, foi substituída a fechadura e entaipada a porta do fogo.
No dia 18 de novembro, os serviços da DDSPS receberam nova denúncia telefónica por parte de moradores no edifício sito no n° … da Rua J… de que o … havia sido novamente arrombado e estava a ser ocupado por desconhecidos.
Nesse mesmo dia, os serviços da DDSPS verificaram que o fogo tinha sido desentaipado e a fechadura substituída e tomaram conhecimento de que quem estava a ocupar o fogo era a D. T… que recusou assinar o termo da notificação para abandonar a habitação por não ter qualquer título para a ocupar que lhe estava a ser feita.
Na sequência e por não ter sido cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação, nos termos e para os efeitos do disposto nos art.os 28º, n.os 2 e 5, e 35°, n.º 3, da Lei n.º 81/2014, de 19 de Dezembro, alterada pela Lei n.º 32/2016, de 24 de Agosto, e no art.0 53° do Regulamento de Atribuição, Ocupação e Gestão das Habitações Sociais da Câmara Municipal do Montijo aprovado em reunião da Assembleia Municipal do Montijo realizada em 30/04/2018 e publicado no Diário da República, 2a série, n.º 117, de 20/06/2018, em 21 de Novembro de 2019, foi proferido despacho pelo Presidente desta Câmara Municipal para desocupação da habitação aqui em causa.
Posteriormente, no dia 25 de novembro de 2019, o Município do Montijo foi citado para o procedimento cautelar que lhe foi movido pela referida munícipe em 15 de novembro de 2019 e onde esta pede que o Município do Montijo se abstenha de, “por qualquer forma, criar obstáculos, impedir o normal uso do locado pela Requerente, mãe solteira, com dois filhos menores, com 9 e 3 anos de idade, para o fim a que se destina (habitação própria e exclusiva)n, procedimento cautelar que, sob o n.º 923/19.3BEALM, está a correr os seus normais termos pelo TAF de Almada.
Na sequência da mencionada citação e em cumprimento do disposto no art.0 128°, n.º 1, do CPTA, não foi, desde então, praticado qualquer outro ato ou diligência tendente à desocupação da habitação aqui em causa.
Acontece que o diferimento da execução do despacho de desocupação da habitação social aqui em causa prejudicará, gravemente, o interesse público.
De facto, a D. T… foi excluída do concurso para atribuição de habitação social promovido em 2018 por esta Câmara Municipal do Montijo por não cumprir com o disposto na alínea c) do n° 1 do artigo 5o do programa do mencionado Concurso que impõe, como condição geral de acesso, “Residir, comprovadamente, na área do Município do Montijo há 5 anos de forma ininterrupta”, na medida em que resultava do documento da Autoridade Tributária anexo à candidatura pela própria candidata que esta residia no concelho do Montijo, de forma ininterrupta, apenas desde 07 de janeiro de 2014, isto é, naquela data, há menos de 5 anos.
Toda a factualidade que acima descrita foi já considerada como provada e assente por Despacho proferido no procedimento cautelar que, sob o n.º 923/19.3BEALM, corre termos pelo TAF de Almada.
Ao referido concurso candidataram-se 160 famílias, das quais 55 foram excluídas por não cumprirem com as condições de acesso e 93 foram classificadas como suplentes dos quais 12 já foram, entretanto, realojadas.
Manter a situação de ocupação ilegal que se verifica seria reconhecer que o interesse desta munícipe é mais importante do que o direito à habitação de todos aqueles munícipes que, tendo ficado classificados como suplentes, nutrem naturais e legítimas expectativas de lhes ver ser atribuída uma habitação.
Estaríamos a permitir a subversão total das regras legais de atribuição de habitação social.
Estaríamos a aceitar a ilegalidade e a violência.
Estaríamos a premiar a conduta totalmente ilícita de um munícipe, em detrimento da conduta lícita de todos os outros munícipes.
Mas, mais grave, estaríamos a encorajar novas ocupações por parte daqueles que, tendo capacidade física para arrombar o poderiam fazer, ultrapassando outros que, estando quiçá melhor classificados, não adotam este tipo de comportamento, quer por respeito ao cumprimento da Lei quer por não ter condições físicas para tais atos.
Desde e por causa dos acontecimentos do dia 18 de novembro, passaram a chegar relatos aos serviços de que alguma população tem já a intenção de invadir e ocupar as habitações municipais que estiverem livres que, neste momento, apenas estão a aguardar o desenvolvimento da ocupação ilícita da habitação aqui em causa para saberem se poderão proceder de igual forma.
Estão em fase de conclusão de obras onze fogos que deverão ser entregues no dia 23 de dezembro de 2019 aos concorrentes classificados para o efeito e teme-se pela ocupação destas casas, sendo que o risco de tal acontecer é, efetivamente, real e eminente.
A não execução da desocupação da habitação social aqui em causa será, assim e inevitavelmente, gravemente prejudicial ao interesse público que impõe que, com urgência e em estrito cumprimento da lei, se prossiga com os atos necessários e tendentes à cessação da ocupação ilegal da habitação e à execução do supra referido despacho de desocupação.
Reconheço, nos termos do art.º 128°, n.º 1, do CPTA e com os fundamentos expostos, que a não execução imediata da desocupação da habitação sita no … do n.º … da Rua J…, União das Freguesias de Montijo e Afonsoeiro, de que este Município do Montijo é proprietário se traduz num grave prejuízo para o interesse público, pelo que determino a sua prossecução e execução.» (cfr. documento n.º 2 junto com a oposição a fls. 101 a 104 dos autos);
Q) Em 10/12/2019, foi elaborado o «EDITAL N.º 2…/2019», com o seguinte teor:
«EDITAL N.º 2…/2019
TERMO DE NOTIFICAÇÃO
N…, Presidente da Câmara Municipal de Montijo, faz saber que, T… fica notificada para, nos termos da Lei 81/2014, de 19 de dezembro, alterada pela Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto e do art.º 53.º do Regulamento de Atribuição, Ocupação e Gestão das Habitações Sociais da Câmara Municipal do Montijo e no prazo de 3 dias úteis, abandonar o fogo sito na Rua J… – Bairro do E… em Montijo uma vez que o mesmo foi ocupado sem título legal habilitante à ocupação do mesmo.» (cfr. documento a fls. 252 do processo cautelar n.º 923/19.3BEALM);
R) A Requerente aufere o rendimento social de inserção («RSI»), no valor de € 379,32 (cfr. documento n.º 8 do r.i. a fls. 22 a 38 [16] dos autos);
S) Em 13/01/2020, o Presidente da Câmara Municipal do Montijo proferiu despacho, de cujo teor se extrai o seguinte:
«DESPACHO
Desocupação de fogo propriedade da autarquia
No dia 18/11/2019, os serviços da DDSPS receberam uma denúncia anónima de que o fogo propriedade desta Autarquia, sito na Rua J… no Bairro do E… tinha sido ocupado.
Após deslocação ao local constatámos que o fogo tinha sido desentaipado e a fechadura substituída.
Considerando que:
 O imóvel supracitado é ocupado ilicitamente por quem não tem título legal de atribuição e nem autorização do seu proprietário, o Município do Montijo, para a ocupar;
 Nos termos da notificação aos ocupantes efetuada no âmbito do procedimento de desocupação e entrega da habitação e do prazo nela fixado, a habitação tinha de ter sido entregue e desocupada até ao dia 13 de dezembro de 2019;
 Até à presente data, não foi cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação por nenhum dos seus ocupantes;
Foram cumpridas todas as formalidades legais previstas e prescritas na Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, alterada pela Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto e no Regulamento de Atribuição, Ocupação e Gestão das Habitações Sociais da Câmara Municipal do Montijo, aprovado em reunião da Assembleia Municipal do Montijo realizada em 30/04/2018 e publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 117, de 20/06/2018, para a desocupação e entrega da habitação ocupada sem título.
Nestes termos e ao abrigo do disposto nos art.ºs 28º, n.ºs 2 e 5 e 35.º, n.º 3 da mencionada Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, e no art.º 53º do Regulamento Municipal supra referido e, ainda ao abrigo e em cumprimento da Resolução Fundamentada proferida no passado dia 4 de dezembro de 2019 e junta ao processo cautelar n.º 923/19.3BEALM a correr termos pelo TAF de Almada no passado dia 5 de dezembro de 2019,
Determino se proceda, de imediato, à desocupação e despejo da habitação supra identificada e à sua tomada de posse administrativa por parte deste Município.
Este despacho produz efeitos nesta data.» (cf. documento n.º 4 junto com o r.i. a fls. 109 a 110 dos autos);
(cf. documento n.º 4 junto com a oposição a fls. 109 e 110 dos autos);
T) Em 17/02/2020, a Requerente enviou para este Tribunal, via SITAF, Petição Inicial, intentando ação administrativa contra a Entidade Requerida, na qual peticionou o seguinte:
«Nestes termos e nos demais de direito doutamente supridos deve a presente ser admitida, julgada procedente por provada e por via dela:
A) Ser declarada a existência entre a A e a Ré de um contrato de arrendamento com efeitos a 1 de Janeiro de 2014 relativo à casa sita na Rua J… Montijo, com uma renda de € 8,00, com base no concurso de atribuição realizado em 2014 no qual a A foi admitida e deveria ter sido contemplada pois que estando em 17 lugar deveria ter visto ser-lhe atribuída uma habitação antes de terem sido efectuadas as atribuições com base no concurso de 2016; supletivamente, se declarando a nulidade da exclusão no concurso de 2018 para todos os efeitos.
B) Supletivamente, deve ser declarada a nulidade do despacho do Exmo Presidente da CM do Montijo junto como Doc. 9, datado de 13 de Janeiro de 2020 e notificado em 23 de Janeiro de 2020;
C) Mais deve a Ré ser condenada a imediatamente restabelecer o fornecimento de água à A, condenando-se a Ré a pagar, a titulo de sanção pecuniária compulsória, a quantia de € 500,00, por cada dia em que por qualquer forma prejudique, afecte ou impossibilite o normal gozo do locado identificado pela A, bem como em custas e condigna procuradoria.» (cf. fls. 35 a 46 dos autos do Processo n.º 923/19.3BEALM-A);
U) Em 25/02/2020, foi proferida sentença no processo n.º 923/19.3BEALM na qual consta, nomeadamente, o seguinte:
«(…)
Ora, no caso em apreço, na data em que a Requerente deu entrada do requerimento inicial, 15/11/2019, (alínea T) do probatório), o (alegado) ato suspendendo não havia sido praticado.
Com efeito, resulta dos autos que, na sequência da denúncia efetuada aos serviços do Município Requerido, no sentido de que a porta da habitação sita na Rua J…, Bairro do E..., havia sido arrombada (alínea M) do probatório), em 04/11/2019, os funcionários da Câmara Municipal do Montijo deslocaram-se à referida habitação (alínea N) do probatório), que se encontrava vazia (alínea O) do probatório), tendo a respetiva fechadura sido trocada (alínea P) do probatório) e entaipada a porta da habitação (alínea Q) do probatório).
Mais resulta que, nessa data, o Município Requerido não tinha conhecimento de que a Requerente e o seu agregado familiar ocupavam a habitação em causa, pelo que não havia sido solicitada, até então, a entrega voluntária da referida habitação.
Resulta, ainda, que foi na sequência de uma segunda denúncia efetuada aos serviços do Município Requerido (alíneas V) e W) do probatório), que, em 18/11/2019 (já depois de a presente ação ter sido instaurada), os funcionários da Câmara Municipal do Montijo se deslocaram novamente à referida habitação (alínea W) do probatório), tendo notificado a Requerente para, no prazo de três dias, desocupar o imóvel, que havia sido ocupado sem título legal habilitante (alínea Y) do probatório) e que só em 21/11/2019, por despacho do Presidente da Câmara Municipal do Montijo (alínea CC) do probatório), ratificado em reunião de Câmara de 27/11/2019 (alíneas EE) e GG) do probatório) foi determinada a entrega imediata da habitação livre de pessoas e bens, tendo sido afixado o respetivo edital na porta da habitação (alíneas II) e JJ) do probatório).
Por outro lado, na pendência do presente processo cautelar, a Requerente não requereu a substituição ou ampliação do pedido, com fundamento em alteração superveniente dos pressupostos de facto, de modo a que o Tribunal pudesse atender à evolução ocorrida para conceder a providência adequada à situação existente no momento em que se pronuncia, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 113.º, n.º 4 do CPTA.
Donde, verificando-se, no caso em apreço, um vazio decisório, na medida em que a Requerente pretende a suspensão de eficácia de um ato (o «despacho de despejo») que inexistia à data da propositura do requerimento inicial, forçoso será concluir que inexiste o objeto da providência cautelar de suspensão de eficácia requerida, pelo que será apreciada, apenas, a providência cautelar de intimação do Município Requerido a abster-se de executar o despejo da habitação em causa, por ser aquela que, atendendo à situação fáctica dos presentes autos, reunidos os pressupostos previstos na lei, se mostra legalmente possível e adequada a assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal.
(…)
Da factualidade assente nos presentes autos resulta que a Requerente ocupou, sem título, uma habitação social, para na mesma habitar com os seus filhos menores (alínea R) do probatório).
Mais resulta dos autos que os filhos menores da Requerente (alíneas A) e F) do probatório) padeciam, em 2014 e em 2018, de problemas de saúde, a saber renite alérgica e asma brônquica (alíneas B) e H) do probatório).
Do probatório resulta, também, que a Requerente se encontra desempregada, a auferir o rendimento social de inserção (alínea KK) do probatório), não obstante tenha realizado obras na habitação (alínea LL) do probatório), de valor que a própria estimou em € 5.000,00, e mobilado a mesma (alínea MM) do probatório)
Do arrazoado no requerimento inicial, não se extrai quaisquer factos que permitam concluir pelo fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado ou de prejuízos de difícil reparação.
Com efeito, embora faça apelo à necessidade de uma habitação, para si e para os seus filhos, o certo é que a Requerente vivia com os seus filhos em casa da sua irmã (alínea PP) do probatório), da qual saiu, voluntariamente, para ocupar a habitação dos autos, que estava devoluta e sem condições para ser habitada.
Mais resulta dos autos que a Requerente continua, nos dias de hoje, a deslocar-se a casa da sua irmã para fazer a sua higiene e a dos seus filhos, bem como para fazer algumas refeições (alínea QQ) e RR) do probatório).
Com efeito, embora a Requerente tenha celebrado um contrato de eletricidade (alínea OO) do probatório) – ainda que sem qualquer título válido para a habitação que ocupa – o certo é que lhe foi recusado o fornecimento de água, pelos serviços municipalizados do Montijo (alínea DD) do probatório).
Acresce que a Requerente nada alega – e consequentemente nada prova – que permita concluir que, sem a manutenção da ocupação do referido imóvel, o estado de saúde dos filhos menores irá agravar-se ou que a vida dos mesmos ficará em risco, até porque os atestados juntos aos autos datam de 2014 e 2018 (alíneas C) e H) do probatório).
Em primeiro lugar, porque a Requerente alega ter saído do quarto onde vivia, em casa da Irmã, porque estava cheio de humidade, mas o certo é que, a casa que ocupou também tinha humidade – o que resulta claro das fotografias juntas aos autos pela Requerente e terá, aliás, motivado as pinturas e reparações feitas na habitação aquando da segunda ocupação (alíneas O) e LL) do probatório).
Em segundo lugar, porque o agravamento da saúde dos seus filhos não resulta direta e necessariamente da desocupação da habitação aqui em causa, sendo certo que a Requerente – ao contrário do que alega – não «ficará na rua», nem deixará os «filhos ao relento».
Não obstante, forçoso será ainda ponderar se uma eventual situação de carência económica é suscetível de gerar danos irreversíveis, ou de difícil reparação, que justifiquem a adoção de uma providência cautelar, que assegure o efeito útil da sentença a proferir na ação principal, nomeadamente quando tal situação de carência não permita a satisfação das necessidades básicas e elementares, isto é, um mínimo digno de subsistência.
Certo, porém, é que a conduta da Requerente não é idónea a concluir por uma «situação de pobreza e de emergência social».
Com efeito, a Requerente defende a sua permanência numa habitação social, que ocupou sem título, atendendo à situação precária em que vive, sem rendimentos (alínea II) do probatório) – sendo o único rendimento do agregado familiar conhecido, o rendimento social de inserção que aufere – mas o certo é que é a própria Requerente quem evidencia ter colocado a habitação «em excelente estado», ter feito obras (alínea II) do probatório) e equipado e decorado a habitação com vários bens que, como sustenta o Município Requerido, «não são bens de primeira necessidade» (alínea JJ) do probatório).
Não se revela, pois, possível concluir que o não decretamento da presente providência arrastaria consigo necessárias e sérias dificuldades (irreparáveis) na gestão e equilibro da sua vivência, não pondo em risco, ou não fazendo perigar, a satisfação de necessidades pessoais elementares.
Reitera-se que a Requerente criou a situação de facto que agora pretende fazer valer e consumar, introduzindo-se numa habitação que sabia não ser sua, nem a ela ter direito, que se encontrava fechada e à qual apenas logrou aceder por meio de arrombamento, não só uma vez, como o fez novamente, já na pendência dos presentes autos. Acresce que quando a Requerente ocupou a habitação em discussão nos autos, a mesma não tinha as condições necessárias para albergar condignamente o seu agregado familiar, carecendo de água e eletricidade, encontrando-se devoluta e a necessitar de obras (alínea O) do probatório), e, na presente data, carece, ainda, do fornecimento de água, indispensável para a higiene e confeção de refeições (alíneas QQ) e RR) do probatório).
Face ao exposto, não se julga verificado, quer na vertente de fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado (i.e. reconstituição natural, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade), quer na vertente de fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação, o requisito relativo ao periculum in mora.
Tal seria suficiente para concluir que não se encontram preenchidos os pressupostos (cumulativos) necessários ao decretamento da providência requerida. Em qualquer caso, porém, adianta-se, os demais pressupostos também não se mostram preenchidos. Senão, vejamos.
(ii) Fumus boni iuris
(…)
Cumpre, assim, avaliar, ainda que sumariamente, qual seria o grau de probabilidade da procedência da pretensão a formular no processo principal, sendo certo que a providência só poderia ser adotada – verificando-se os demais pressupostos – se se considerasse provável que a sua pretensão viria a ser julgada procedente.
Alega, a este respeito, a Requerente que «é evidente a ilegalidade do ato», porquanto foi praticado «sem qualquer aviso e sem qualquer audiência prévia» e que o mesmo viola o disposto no artigo 28.º, n.º 6 da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro.
Sustenta a Requerente, ainda que numa certa contradição, por um lado, que «retira-se do despacho da Camara Municipal do Montijo, que deve ser junto pela Entidade Requerida, pois não foi dado à Requerente apesar das tentativas já descritas, que daquela norma [artigo 28.º, n.º 6 da Lei n.º 81/2014] não resulta que deva ser atribuída, sem mais, uma habitação na sequência da determinação da desocupação, mas sim que os ocupantes sejam encaminhados para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais, que foi o que a entidade gestora fez, ao informar o requerente dos programas de acesso à habitação e de apoio ao arrendamento de que dispunha e aos quais poderia aceder» e, por outro, que «tal informação, ao contrário do sustentado no despacho que vai ser junto pela entidade Requerida, não se afigura suficiente para dar cumprimento ao citado normativo», acrescentando, ainda, que «o normativo refere-se a agregados com efetiva carência habitacional, o que naturalmente pressupõe uma prévia averiguação da respetiva situação financeira, o que, ao que se sabe, não se mostra concretizada». Mais aduziu a Requerente que, nos termos previstos no artigo 65.º da CRP, todos têm direito «para si e para a sua família a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar», sendo que, desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 81/2014, o senhorio da habitação social é obrigado a aceitar a proposta de regularização de prestações que lhe seja endereçada.
Assim, conclui «a aparência do bom direito, consubstanciada na provável violação do referido normativo».
Dissente o Município Requerido, alegando que «é manifesta a improcedência de qualquer causa principal (qualquer que ela seja) que a Requerente possa vir a intentar, uma vez que nenhum dos atos praticados com vista à desocupação da habitação aqui em causa está ferido de qualquer vício».
Apreciando e decidindo, tendo presente, como sobredito, que não se cuida aqui de conhecer da validade do ato do Presidente da Câmara Municipal do Montijo, praticado em 21/11/2019, e ratificado em 27/11/2019, porquanto não foi requerida a ampliação do pedido (artigo 113.º, n.º 4 da CRP), ónus que recaía sobre a Requerente.
O direito à habitação consagrado no artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa («CRP»), comporta duas vertentes: uma de natureza positiva e outra de natureza negativa.
Na sua vertente positiva, e como salientam J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA «[c]omo direito social, o direito à habitação não confere um direito imediato a uma prestação efectiva dos poderes públicos, mediante a disponibilização de uma habitação; mas, para além das obrigações públicas tendentes a assegurar a oferta de habitações, o direito à habitação garante critérios objectivos e imparciais no acesso dos interessados às habitações oferecidas pelo sector público» (in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Volume I, 2007, 4.ª ed., p. 835). No mesmo sentido, JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS sustentam que «[s]obressai no direito à habitação, enquanto direito a ter uma morada decente ou condigna, a dimensão social de “um direito a prestações, de conteúdo não determinável ao nível das opções constitucionais, a pressupor, antes, uma tarefa de concretização e de mediação do legislador ordinário, cuja efectividade está dependente da reserva do possível, em termos políticos, económicos e sociais» (in “Constituição Portuguesa Anotada”, Tomo I, 2005, pp. 667 e 668).
Na sua vertente negativa, e como salientam J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA «[c]onsiste (…) no direito de não ser arbitrariamente privado da habitação ou de não ser impedido de conseguir uma; neste sentido, o direito à habitação reveste a forma de «direito negativo», ou seja, de direito de defesa, determinando um dever de abstenção do Estado e de terceiros, apresentando-se, nessa medida, como um direito análogo aos «direitos, liberdades e garantias» (cfr. art. 17°)» (in ob. cit., p. 834). E como explicitam JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS «[p]or outro lado, a consagração de um direito fundamental à habitação não se compadece com soluções que admitam a privação arbitrária sem fundamento razoável, do direito a uma morada digna» (in ob. cit., p. 672).
A Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, em concretização do «direito social» à habitação, previsto no referido artigo 65.º da CRP, veio estabelecer o novo regime do arrendamento apoiado para a habitação e regular a atribuição de habitações neste regime (artigo 1.º da Lei n.º 81/2014 de 19 de dezembro).
Este regime é aplicável, designadamente, às habitações detidas, a qualquer título, por autarquias locais, que por elas sejam arrendadas ou subarrendadas com rendas calculadas em função dos rendimentos dos agregados familiares a que se destinam (artigo 2.º, n.º 1 da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro).
O referido diploma veio, assim, contemplar um regime de habitação social, que permite a ocupação de fogos por parte de agregados familiares com menores rendimentos, mediante o pagamento de uma renda “social” ou “apoiada”, ou seja, inferior à de mercado.
Como vem sendo salientado pela jurisprudência, à qual se adere, por com ela se concordar «[a] habitação social é, em si mesma, um bem escasso e que visa acudir à satisfação das necessidades básicas da população mais carenciada, pelo que, a ocupação da mesma deve ser atribuída após uma ponderação concreta das necessidades dos indivíduos e famílias elegíveis para o efeito, de modo a que se possa equilibradamente proceder a uma distribuição correta das habitações existentes» (neste sentido, acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 01/02/2007, processo n.º 01321/04.9BEPRT, de 20/05/2016, processo n.º 01688/11.2BEPRT e de 30/05/2018, processo n.º 00224/13.0BEPRT, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Nessa medida, porque o que está em causa é a atribuição de um bem escasso (habitação social) a um determinado agregado familiar - o que é feito necessariamente em detrimento de outras famílias - o legislador prevê um conjunto de exigências de que faz depender o direito a atribuir a habitação social.
As medidas exigíveis ao Estado na atribuição de uma habitação social, decente ou condigna, não podem implicar o incumprimento das regras de acesso ao arrendamento apoiado para habitação, mormente as regras que garantem condições de igualdade dos cidadãos no acesso a essas habitações que, como é sabido, visam acudir situações de carência económica cuja gravidade importa hierarquizar.
Em consonância, no que se refere às ocupações sem título, estabelece o artigo 35.º da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, com a redação dada pela Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto, em vigor à data dos factos, o seguinte:
(…)
Do referido preceito normativo resulta que são considerados sem título as situações de ocupação de habitações sociais por quem não detém contrato ou documento de atribuição ou de autorização que a fundamente (n.º 1), que o ocupante sem título está obrigado a desocupar a habitação e a entregá-la até ao termo do prazo para o efeito fixado (n.º 2) e que, caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega de habitação, há lugar a despejo, nos termos do art.º 28º (n.º 3).
O artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, para o qual o referido preceito remete, estabelece, por seu turno, seguinte:
(…)
Prevê-se, ainda, a este respeito, e para o que aqui releva, no Regulamento de Atribuição, Ocupação e Gestão das Habitações Sociais da Câmara Municipal do Montijo, publicado em Diário da República, 2.ª série, n.º 117, de 20 de junho de 2018, que:
(…)
Vejamos, então.
Como resulta da factualidade assente nos autos, a Requerente, no ano de 2018, concorreu ao concurso, aberto pelo Município Requerido, para «atribuição de 12 fogos de habitação social em regime de arrendamento apoiado nos bairros da C…, E..., E... N… e L…» (alínea I) do probatório), tendo sido excluída, por não reunir os pressupostos de que dependia a sua admissão (alínea J) do probatório).
Mais resulta dos autos que a Requerente vem ocupando a habitação em causa sem qualquer título que a legitime (alínea R) do probatório), e que, tendo sido notificada para desocupar a habitação no prazo de três dias (alínea Z) do probatório), não o fez voluntariamente (alínea AA) do probatório).
Perante a ocupação abusiva e sem título e, por isso, ilegal, da habitação municipal em causa, resultante de um ato de intrusão na mesma (alínea S) do probatório), o Município Requerido estava legalmente vinculado a determinar a cessação da ocupação, nos termos previstos no artigo 35.º, n.º 3 da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro.
Como salienta a jurisprudência, «encontrando-se uma habitação social ilegalmente ocupada – por falta absoluta de título – por uma família, não recai sobre a Câmara Municipal a obrigação de legalizar a ocupação, mas ao contrário é-lhe permitido efetuar o despejo» (neste sentido, acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 01/02/2007, processo n.º 01321/04.9BEPRT, disponível em www.dgsi.pt).
(…)
Por outro lado, a exigência prevista no n.º 6, do artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, de reencaminhamento prévio para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais, destina-se a salvaguardar «agregados alvos de despejo com efetiva carência habitacional».
Ora, da factualidade assente nos autos não se pode concluir, sem mais, que a Requerente e o seu agregado familiar têm uma «efetiva carência habitacional». E a circunstância de estar disponível para regularizar o pagamento das rendas, não se revela decisiva para a sua pretensão cautelar, até porque o regime de rendas em atraso não logra aplicação para quem, como a Requerente, carece de contrato de arrendamento ou outro título válido de ocupação do imóvel.
Assim, e como se decidiu no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18/12/2013, processo n.º 1373/13, disponível em www.dgsi.pt, «[c]arecendo a recorrente de um título legitimador da ocupação que promoveu e em que persiste, a pretensão de que suspenda a eficácia do acto que ordenou tais desocupação e demolição soçobra, por falta do indispensável «fumus boni iuris»”, acrescentando-se, ainda, que «[a] situação de carência habitacional em que a recorrente se encontra merecerá, porventura, a adopção dos meios assistências que estejam adaptados às circunstâncias. Mas essas necessidades da recorrente não se satisfazem pela via judicial, dada a certeza de que ela não dispõe de um qualquer direito oponível ao município que lhe permita permanecer na habitação.».
Acresce que a necessidade de encaminhamento para soluções legais de acesso à habitação ou prestação de outros apoios, prevista no artigo 28.º, n.º 6 da Lei n. º 81/2014, configura-se como uma garantia no procedimento administrativo e que não pressupõe que uma efetiva alternativa habitacional (que poderá não depender do Município, mas de outras entidades), mas antes que os ocupantes sejam informados e esclarecidos das prerrogativas e alternativas legais ao seu dispor.
Mais. O direito à habitação nunca seria absoluto e não poderia contender com a posição jurídica subjetiva dos restantes cidadãos necessitados de habitação e que respeitam os procedimentos e regras reguladoras da atribuição das habitações municipais disponíveis, como é o caso daqueles que, tendo-se candidatado ao concurso de atribuição de habitação social promovido pelo Município do Montijo e logrando graduar-se como suplentes, no respeito pelas regras legais, aguardam, agora, a atribuição de uma habitação.
Por último, não se vá sem dizer que o alegado vício de violação de lei, por preterição de audiência prévia, não se vislumbra como procedente, na medida em que nada impedirá o Município Requerido de, no próprio ato que vier a ser praticado, conceder à Requerente prazo para, querendo, se pronunciar, ou dispensar a referida audiência prévia nos termos legalmente previstos (neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19/12/2012, processo n.º 0368/12, disponível em www.dgsi.pt). E, ainda, a decisão do Município Requerido configura-se como vinculada em face dos normativos legais aplicáveis, pelo que a preterição de audiência prévia redundaria em preterição de formalidade não essencial (artigo 163.º, n.º 5, alínea a), do Código do Procedimento Administrativo).
Em face do exposto, e numa análise perfunctória, afigura-se ao Tribunal que não é provável que a pretensão formulada no processo principal venha a ser julgada procedente, não se dando, por essa via, verificado o requisito do fumus boni iuris.
(iii) Ponderação de interesses
(…)
Não se mostrando reunidos os pressupostos de que depende o deferimento da(s) providência(s) cautelar(es) requeridas, é de indeferir a pretensão da Requerente.
(…)
4. DECISÃO
Nestes termos e nos das disposições legais citadas:
a) Julgo a presente ação improcedente, por não provada, e, em consequência, indefiro as providências cautelares requeridas;
b) Condeno a Requerente no pagamento das custas, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia;
c) Fixo o valor da ação em € 30.000,01.
Registe e notifique» (cf. fls. 299 a 350 do processo n.º 923/19.3BEALM);
V) Em 24/09/2020, o Tribunal Central Administrativo Sul negou provimento ao recurso interposto pela Requerente da sentença melhor identificada na alínea anterior, resultando do respetivo acórdão, nomeadamente, o seguinte:
«(…)
Como decorre da matéria factual apurada, a A. ocupou ilegalmente uma habitação camarária, fazendo-o através do uso da força, por via do arrombamento da respectiva porta, que estava fechada e entaipada. Fê-lo se ter qualquer título legítimo.
A atribuição de uma habitação social não decorre imediata e directamente do art.º 65.º da CRP, mas depende de uma concretização e mediação legislativa. Assim, a Lei nº 81/2014, de 19/12, (alterada pela Lei n.º 32/2016, de 24/08) consagrou um regime de habitação social assente na ocupação dos fogos por agregados familiares que apresentem baixos rendimentos, seleccionados após um procedimento concursal, que está dependente de várias condições e requisitos.
A A. e Recorrente ocupou a dita habitação social, que é um bem escasso, à revelia da indicada lei, sem respeitar as condições e requisitos legais e em detrimento de outras famílias (mais) necessitadas.
Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira “como direito social, o direito à habitação não confere um direito imediato a uma prestação efectiva dos poderes públicos, mediante a disponibilização de uma habitação; mas, para além das obrigações públicas tendentes a assegurar a oferta de habitações, o direito à habitação garante critérios objectivos e imparciais no acesso dos interessados às habitações oferecidas pelo sector público.” - in dos Autores - Constituição da República Portuguesa Anotada. Vol I, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, 4.ª Ed, p. 835.
Logo, porque o art.º 65.º da CRP não é uma norma exequível por si mesma, directamente invocável pelos particulares frente ao Estado, que confira a esses particulares, imediatamente, um direito subjectivo, certo e já determinável, não basta a invocação desta norma para se poder exigir do Estado uma habitação social ou, como no caso, o direito à permanência numa habitação social (cf. neste sentido, entre muitos, os Acs. do TCAS n.º 09712/13, de 21/03/2013, n.º 383/19.9BELSB, de 06/06/2019, n.º 1299/17.9BELSB, de 15/02/2018, n.º 334/20.8BELSB, de 18/06/2020, n.º 1553/18.2BELSB, de 28/05/2020 ou do TCAN n.º 01688/11.2BEPRT, de 20/05/2016 ou n.º 00720/19.6BEPRT, de 26/07/2019).
Como se refere no Ac. do STA n.º 01203/05, de 29/03/2006, o direito à habitação assegurado no art.º 65.º da CRP “é um direito da generalidade dos cidadãos, inserindo-se no âmbito da sua concretização as iniciativas autárquicas para construção de habitações sociais, de forma a possibilitar o acesso a esse direito por parte de pessoas carenciadas de recursos económicos. Como um direito de todos, ele não é necessariamente afectado quando é retirado a determinado agregado familiar o direito a ocupar uma habitação social para o atribui a outro agregado, pois também a este aquele art. 65.º reconhece o direito à habitação. Por outro lado, por força do princípio da justiça, ínsito no princípio do Estado de Direito democrático (art. 2.º da CRP), quando existirem mais candidatos a habitações sociais do que o número de habitações disponíveis, justificar-se-á que as entidades que concedem o direito de as habitar dêem preferência àqueles que tenham maior necessidade dele, quer pelo número de membros do agregado familiar ou sua situação de carência, quer pelo nível de possibilidades económicas.”
Quanto as condições previstas na Lei nº 81/2014, de 19/12, a A. e Recorrente não demonstrou cumpri-las.
Assim, esta constatação basta para se ter por certa a verificação, no caso, de uma situação de fumus malus iuris.
Quanto ao invocado art.º 28.º, n.º 6, da Lei n.º 32/2016, de 24/08, é aqui aplicável por via da remissão dos n.ºs 3 e 4 do art.º 35.º da Lei nº 81/2014, de 19/12, na redacção dada pela Lei n.º 32/2016, de 24/08, que regula a ocupação sem título. Isto é, no caso em apreço não se discute um despejo tal como vem previsto no art.º 28.º, n.º 6, da Lei n.º 32/2016, de 24/08, por a A. e Recorrente ser titular de um prévio contrato de arrendamento social e legítima detentora do locado. Diversamente, no caso em análise, discute-se uma ordem de desocupação de uma habitação ilegalmente ocupada pela A., que forçou a fechadora, arrombando a porta do locado, que estava fechado e entaipado.
Conforme o n.º 2 do art.º 35.º da citada Lei, “o ocupante está obrigado a desocupar a habitação e a entregá-la, livre de pessoas e bens, até ao termo do prazo que lhe for fixado, não inferior a três dias úteis, na comunicação feita para o efeito, pelo senhorio ou proprietário, da qual deve constar ainda o fundamento da obrigação de entrega da habitação.” – cf. no mesmo sentido o art.º 53.º do Regulamento de Atribuição, Ocupação e Gestão das Habitações Sociais da Câmara Municipal do Montijo (RAOGHS), publicado em DR, 2.ª série, n.° 117, de 20/06/2018.
Deriva da matéria factual indiciariamente apurada, que o imóvel em questão estava devoluto de pessoas e bens em 04/11/2019, a data em que foi fechada e entaipada a sua entrada. Entretanto, tendo tal imóvel sido ocupado pela A. e Recorrente, o Município diligenciou pela respectiva desocupação, notificando da ordem de despejo aos respectivos ocupantes, em 18/11/2019. Apesar de a A. e Recorrente ter-se recusado a assinar o correspondente termo de notificação, a referida ordem foi-lhe efectivamente comunicada, quer oralmente, quer porque lhe foi entregue cópia da mesma - cf. factos M) a AA).
Também como decorre do facto Z), a comunicação que foi feita em 18/11/2019 à A. e Recorrente para a desocupação do locado, confere-lhe o prazo de 3 dias úteis para efectuar tal desocupação.
Sem embargo, em 10/12/2019 foi publicado um edital a determinar novamente aquela desocupação, concedendo à A. e Recorrente um novo prazo de 3 dias úteis para esse efeito - cf. factos LL) e JJ).
Portanto, neste enquadramento factual, não é nada provável que esteja violado o art.º 35.º, n.º 2, da Lei n.º 81/2014, de 19/12, como a Recorrente invoca.
Mais se indique, que não estando em causa nos autos um despejo decorrente e enquadrável no âmbito de um contrato de arrendamento civil, não há aqui que invocar a referida lei do arrendamento e as obrigações da generalidade dos senhorios, que têm de recorrer aos Tribunais para executar o correspondente despejo. Na situação em análise discute-se a entrega de um fogo social, que foi ilicitamente ocupado pela A. e Recorrente, recorrendo ao arrombamento da respectiva porta, fora de qualquer procedimento contratual. Assim, não há que invocar a legislação civilista relativa ao arrendamento de imóveis, mas as regras publicistas relativas aos fogos sociais e à sua atribuição, que conferem aos respectivos proprietários públicos prorrogativas diversas dos senhorios – particulares – cf. art.ºs 35.º da Lei nº 81/2014, de 19/12 e º 53.º RAOGHS.
Quanto à preterição do art.º 28.º, n.º 6, aplicável por via do art.º 35º, n.º 4, da Lei nº 81/2014, de 19/12, só ocorreria se a A. e Recorrente provasse nos autos uma “efectiva carência habitacional”, o que não foi feito, porquanto da matéria factual apurada deriva que a Recorrente e os seus filhos menores tinham uma solução habitacional, residindo na casa da irmã da Recorrente, onde ocupavam um dos quartos. Da matéria factual apurada decorre, ainda, que a Recorrente residiu até 30/09/2018 numa casa que lhe estava arrendada, tendo ido habitar junto com a sua irmã logo após a denúncia desse contrato. Mais resulta indiciariamente provado, que a A. e Recorrente e os seus filhos se mantêm a frequentar a casa da referida irmã, onde fazem a sua higiene diária e onde tomam, diariamente, as suas refeições – cf. factos E), G) e PP) a RR).
Ou seja, no caso, não se está a discutir uma situação de total carência habitacional, por inexistência de alternativas habitacionais, mas está-se frente a um agregado que pretende adquirir uma autonomia habitacional, passando a viver em casa própria, autónoma e não em casa da família próxima.
Ademais, tal como decorre da matéria factual apurada, a A. e Recorrente tem pleno conhecimento das soluções legais de acesso às habitações sociais e à prestação de apoios sociais, porquanto já concorreu a um concurso para efeito de lhe ser atribuída uma habitação social e já é beneficiária do rendimento mínimo de inserção - cf. factos B), L), J), K), KK).
Assim, no caso em apreço não estará violado o alegado art.º 28.º, n.º 6, da Lei nº 81/2014, de 19/12.
Em suma, no caso em apreço ocorre uma situação de fumus malus iuris (e não de fumus boni iuris) que determina, de imediato, o claudicar da providência, por a verificação dos seus requisitos ser cumulativa.
Há, portanto, que acompanhar a decisão recorrida e julgar não verificado o requisito fumus boni iuris.
Sem embargo, indique-se, ainda, que na decisão recorrida julgou-se igualmente não verificado o requisito periculum in mora, apreciação que, neste recurso, não vem sindicada. Assim, bastaria a manutenção da decisão recorrida quanto a tal aspecto – julgamento com o qual a Recorrente se conforma - para justificar a improcedência da providência que foi requerida.
III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida.
- custas pela Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que goze (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).»
(cf. fls. 398 a 424 do processo n.º 923/19.3BEALM);
W) Em 06/07/2021, foi lavrado “Auto de Vistoria” de cujo teor se extrai o seguinte:
«Imagem no original»

«Imagem no original»

(cf. documento n.º 10 junto com o r.i. a fls. 17 a 21 dos autos);
X) Em 19/07/2021, a Requerente apresentou, via SITAF, o requerimento inicial que deu origem aos presentes autos, no qual, com os fundamentos do mesmo constantes e que se dão por integralmente reproduzidos, a Requerente conclui:
«Nestes termos e nos demais de direito doutamente supridos deve a presente providência ser admitida com decretamento provisório, com base no carácter de urgência e sem audição prévia da Entidade Requerida com atribuição de efeito imediato ao pedido de suspensão da eficácia do despacho junto como Doc. 10, nos termos do disposto nos artigos 128.º e 131.º do CPTA, julgada procedente por provada e por via dela ser notificada a Câmara Municipal do Montijo para se abster, sob pena de incorrer no crime de desobediência, de por qualquer forma criar obstáculos, impedir o normal uso do locado pela Requerente, companheiro e dois filhos menores, com 11 e 4 anos de idade, para o fim a que se destina (habitação própria e exclusiva), condenando-se a Requerida em custas e condigna Procuradoria» (cf. fls. 4 a 16 dos autos).
*

II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Conforme supra enunciado, a questão a decidir cinge-se a saber se ocorre erro de julgamento da sentença recorrida na verificação da impossibilidade da lide quanto à requerida providência cautelar de suspensão de eficácia de ato e indeferimento da providência cautelar de intimação à abstenção de conduta.

Consta da decisão recorrida a seguinte fundamentação:
Cumpre apreciar e decidir, para o que se impõe aferir se o “auto de vistoria” junto pela Requerente consubstancia ato administrativo impugnável e, consequentemente, cuja eficácia possa ser suspensa.
Em conformidade com o previsto no artigo 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP), vem o artigo 51.º, n.º 1 do CPTA prever que «[a]inda que não ponham termo a um procedimento, são impugnáveis todas as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta, incluindo as proferidas por autoridades não integradas na Administração Pública e por entidades privadas que atuem no exercício de poderes jurídico-administrativos».
Dissecando o disposto no sobredito normativo legal diremos que o conceito de ato contenciosamente impugnável parte da noção de ato administrativo – a qual resulta do artigo 148.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07/01 (com entrada em vigor em 08/04), nos termos do qual são atos administrativos as decisões dos órgãos da Administração que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta –, mas destaca o carácter de externalidade do ato.
O elemento decisivo no conceito de ato administrativo, que o permite distinguir de outras condutas administrativas, é que seja expressão de uma declaração de vontade pela qual se determina a solução de um determinado caso concreto. Apenas os atos que tenham um conteúdo decisório podem ser qualificados como atos administrativos. Dele ficam, portanto, excluídas as declarações de ciência, juízos de valor ou opiniões, como as informações, pareceres (não vinculativos), atos opinativos, confirmativos e atos instrumentais, que não têm qualquer conteúdo decisório.
Conforme sobredito, para que um ato seja impugnável, deve revestir-se de eficácia externa, ou seja, «da suscetibilidade de produzir efeitos jurídicos que se projetem para fora do procedimento onde o ato se insere» (v. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo n.º 0140/09, de 16/12/20091).
Revertendo ao caso dos autos e como o probatório elege, o “Auto de Vistoria” lavrado em 06/07/2021 (alínea W) do probatório) não configura qualquer ato administrativo, sendo, antes, um ato instrumental, que descreve os factos ocorridos naquele dia em execução dos despachos do Presidente da Câmara Municipal do Montijo dos dias 21/11/2019 e 13/01/2020 (alíneas M) e S) do probatório), estes sim com a natureza de atos administrativos.
Destarte, facilmente se conclui que aquele “auto de vistoria” não é suscetível de ter a sua eficácia suspensa, nos termos requeridos pela Requerente, por não assumir a natureza de ato administrativo e não produzir, por si só, efeitos jurídicos numa situação individual e concreta, in casu na esfera jurídica da Requerente. É, pois, impossível o objeto da primeira medida cautelar requerida pela Requerente, que assim claudica.
E ainda que se considere que a Requerente visou, nos presentes autos, a suspensão dos atos do Presidente da Câmara Municipal do Montijo dos dias 21/11/2019 e 13/01/2020, que determinaram a entrega imediata da habitação livre de pessoas e bens (alíneas M) e S) do probatório), o certo é que estes atos já foram executados, como demonstra o “auto de vistoria” e a Requerente admite no respetivo articulado inicial, posto que já não se encontra a residir na habitação em discussão nos autos.
Acresce que não vislumbra aqui a aplicação do disposto no artigo 129.º do CPTA, sob a epígrafe “Suspensão de eficácia do ato já executado”, no qual se pode ler que «[a] execução de um ato não obsta à suspensão da sua eficácia quando desta possa advir, para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender, no processo principal, utilidade relevante no que toca aos efeitos que o ato ainda produza ou venha a produzir». Desde logo, porque nada alegou a Requerente a este respeito, tendente à demonstração do interesse na suspensão de atos já executados, com a concretização da desocupação da habitação.
Donde, não logra qualquer utilidade a eventual suspensão dos atos que determinaram a desocupação e entrega imediata do fogo sito R.., no Montijo, que, em qualquer caso, não foi requerida pela Requerente.
Termos em que procede a questão prévia invocada pela Entidade Requerida de impossibilidade do objeto da primeira medida cautelar requerida quanto à suspensão do “auto de vistoria”, o que acarreta a extinção da instância quanto a este pedido (artigo 277.º, alínea e) do CPC, ex vi do artigo 1.º do CPTA).
(ii) Da inadmissibilidade das primeiras e segunda medidas cautelares requeridas nos termos do artigo 362.º, n.º 4 do CPC
A Entidade Requerida alegou, ainda, que a Requerente «[a] pretexto de um (alegado) novo ato administrativo ilegal, […] vem propor a presente providência cautelar que tem exatamente o mesmo conteúdo que o da providência cautelar por si intentada em 15/11/2019 previamente à propositura da ação principal de que a presente providência é agora dependente e apenso». Para tanto, argumenta que os pedidos formulados em ambas as providências cautelares têm o mesmo fim, a saber continuar a viver com o seu companheiro e filhos na habitação em causa nos autos, com fundamento nos mesmos factos, e encontrando-se as duas ações apensas ao mesmo processo principal.
Dissente a Requerente, para o que alega que «não há qualquer coincidência entre as duas providências visto que o que a CMM considera de 14 fatos irrelevantes na verdade trata-se de 14 factos novos que consubstanciam a causa de pedir da segunda providência».
Vejamos.
Pode ler-se no artigo 362.º, n.º 4 do CPC, sob a epígrafe “Âmbito das providências cautelares não especificadas”, o seguinte: «Não é admissível, na dependência da mesma causa, a repetição de providência que haja sido julgada injustificada ou tenha caducado».
A este propósito, como se sumariou no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 2560/10.9TBPBL-A.C1, de 08/09/2015, que se acompanha:
«1. Verifica-se a repetição de providência cautelar quando ocorra semelhança essencial, pelo que importará analisar se o receio é o mesmo, se é a mesma a possibilidade de lesão do direito e a mesma dificuldade de reparação e, ainda, se é o mesmo o direito provavelmente existente - art.º 362º, n.º 4, do CPC.
2. Com a referida estatuição pretende-se, por um lado, afirmar/concretizar os princípios da economia e da celeridade processuais e, por outro lado, a autoridade e prestígio das decisões (prevenção de eventuais pronúncias de sinal contraditório ou de conteúdo repetitivo sobre o mesmo objecto).
3. A proibição que dela decorre assenta, pois, em fundamentos algo semelhantes aos subjacentes ao instituto do caso julgado, traduzidos na repetição de uma causa, para a qual a lei exige a verificação da chamada tripla identidade plasmada no art.º 581º, do CPC» (destacado nosso).
O mesmo entendimento tem sido expresso, também, na jurisprudência dos Tribunais Administrativos, sendo, pois, indubitável a aplicação daquele preceito legal no contencioso administrativo.
Assim, decidiu-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 02639/17.6BELSB, de 27/11/2018, em sentido que se subscreve, que:
«I - O art. 362°, n.º 4, do CPC proíbe a repetição de providências cautelares, isto é, a dedução sucessiva de meios do género na dependência da mesma causa e com o mesmo objecto.
II - Assim, e por se afigurar exacta a decisão das instâncias, não é de admitir a revista em que se questiona o indeferimento de uma suspensão de eficácia por ser idêntica a outra, já definitivamente indeferida por apenso à mesma acção.»
E, também, no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 1067/19.3BELSBm de 21/11/2019, se entendeu, com relevância, o seguinte:
« I – Por aplicação dos art.ºs. 362.º, n.º 4, do CPC e 116.º, n.º 2, al. d), do CPTA, deve entender-se como inadmissível a repetição de providência já julgada injustificada, na dependência de uma mesma causa;
II - Interpretando o art.ºs. 362.º, n.º 4, do CPC, a jurisprudência e a doutrina civilistas vêm indicando unanimemente a inadmissibilidade da repetição da providência que tenha o mesmo conteúdo da anteriormente caducada ou julgada injustificada e se baseie nos mesmos fundamentos de facto.»
Isto visto e descendo ao caso concreto, vejamos.
Compulsado o teor do requerimento inicial que deu origem ao processo n.º 923/19.3BEALM e, bem assim, o requerimento inicial apresentado nos presentes autos, é forçoso concluir, com meridiana clareza, pela repetição das providências cautelares ora requeridas, pelas razões que ora se expõem.
Desde logo, ambos os processos se encontram apensos à ação principal que corre termos neste Tribunal como processo n.º 923/19.3BEALM, ou seja, encontram-se ambas as providências cautelares «na dependência da mesma causa». Com efeito, o processo cautelar n.º 923/19.3BEALM foi apresentado, em 15/11/2019, como preliminar à ação principal que viria a ser intentada em 17/02/2020 e à qual foi atribuído o n.º 923/19.3BEALM-A (cf. alíneas K), L) e T) do probatório). Os presentes autos foram intentados em 19/07/2021, por apenso àquela ação, tendo-lhe sido atribuído o n.º 923/19.3BEALM-A-A (cf. alínea X) do probatório).
Por outro lado, ambas as providências cautelares visam o mesmo efeito jurídico, como resulta evidente dos pedidos formulados nos respetivos requerimentos iniciais (cf. alíneas L) e X) do probatório). Assim, em ambas as ações se peticiona a suspensão de eficácia de ato (de despejo) e a intimação do Município Requerido para se abster de criar obstáculos e impedir o normal uso da habitação por si e pelo seu agregado familiar como habitação própria e exclusiva. Em suma, em ambos os processos visa a Requerente permanecer a habitar no fogo sito na Rua J..., Montijo, com o respetivo agregado familiar.
Relativamente à fundamentação subjacente à pretensão da Requerente, constata-se que, em ambas as providências cautelares, argumentou, para sustentar o pressuposto do fumus boni iuris, a violação do disposto no artigo 28.º, n.º 6 da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, e no artigo 65.º da CRP, que consagra o direito à habitação, e, ainda, que, desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 81/2014, o senhorio da habitação social é obrigado a aceitar a proposta de regularização de prestações que lhe seja endereçada. Em sede de periculum in mora, alegou que «mesmo que venha a obter ganho na causa principal, nunca virá a ser indemnizada pelos danos entretanto produzidos, na medida em que o agravamento do estado de saúde e quiçá a perda do direito à vida deixarão naturalmente de ser compensados» (cf. alíneas K), L) e X) do probatório).
Na verdade, a única diferença discernível entre uma e outra providência cautelar não resulta da fundamentação aduzida pela Requerente quanto ao preenchimento dos pressupostos de que depende o decretamento da(s) providência(s) cautelar(es) requerida(s), mas antes da descrição dos factos que precedem a providência cautelar, a saber os atos materiais de execução dos atos que determinaram a desocupação da habitação e que se mostra patente no “auto de vistoria” (cf. alínea W) do probatório). E daqui não se pode extrair que se trata de diferente causa de pedir como propugna a Requerente, sendo certo que, não se vá sem dizer, omitiu do respetivo articulado inicial outros factos que relevariam, igualmente, para esclarecer a tramitação administrativa e judicial que precedeu a execução dos atos administrativos que determinaram a desocupação.
Mais se denota que no processo cautelar n.º 923/19.3BEALM foi proferida decisão, confirmada por acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, que, concluindo pelo não preenchimento dos pressupostos ínsitos no artigo 120.º do CPTA, indeferiu as providências cautelares requeridas (cf. alíneas U) e V) do probatório). Dito de outro modo, a providência cautelar primeiramente requerida foi julgada injustificada.
Dimana, pois, de tudo o exposto, que se verifica uma clara repetição de providências cautelares, tendo por base, no essencial, os mesmos factos e visando o mesmo efeito jurídico, na dependência da mesma causa, ou seja, existe uma patente tríplice identidade de partes, fundamentos e pedido.
E porque assim é, a violação do disposto no artigo 326.º, n.º 4 do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA, impõe a rejeição liminar da(s) providência(s) cautelar(es) requerida(s), ou, na presente fase, o seu indeferimento, o que, a final, se determina.
Ficam, pelos motivos acima expostos, prejudicadas as demais questões e argumentos invocados pelas partes.
Vejamos então.
Como bem assinala a entidade recorrida, a recorrente não ensaia propriamente um ataque à decisão objeto de recurso, antes se limitando a repisar as alegações já expostas com o requerimento inicial.
Contudo, conforme decidiu o Supremo Tribunal Administrativo em acórdão de 17/01/2019 (proc. n.º 02715/17.5BELSB, disponível em www.dgsi.pt), desde que se possa descortinar “um ataque à sentença, visto ser impugnado o julgado que nesta foi efetuado sobre o ato impugnado, com a explicitação das razões da discordância do recorrente relativamente à solução que naquela fora adotada, não se pode, assim, considerar que o recorrente, na sua alegação, ignorou completamente a sentença recorrida, ou que não fez, ainda que de forma indireta, qualquer reparo ou crítica, nem, muito menos, que seja patente que se alheou das razões que a fundamentaram.”
Será o caso dos autos, em que, em suma, se invoca o direito à vida e à saúde por parte da requerente e dos seus dois filhos menores e o direito à atribuição de uma habitação social atenta a fragilidade da sua situação económica sob a forma de atribuição em emergência social, como amparo da tutela cautelar requerida, por contraposição ao que se decidiu na sentença, quanto à verificação da impossibilidade da lide quanto à requerida providência cautelar de suspensão de eficácia de ato e indeferimento da intimação à abstenção de conduta.
Vejamos então as duas questões objeto de decisão na sentença recorrida.
No que concerne à impugnabilidade do auto de vistoria lavrado em 06/07/2021, é patente que não estamos perante ato administrativo, mas antes ato instrumental, contendo a descrição dos factos ocorridos no dia em questão, quando foram executados os despachos do Presidente da Câmara Municipal do Montijo de 21/11/2019 e 13/01/2020, conforme pontos M) e S) do probatório.
Nem sequer é sustentável defender que estamos perante pedido de suspensão de eficácia de ato já executado, nos termos do artigo 129.º do CPTA, pois como se assinala na decisão recorrida, nada vem alegado pela requerente neste sentido.
Como tal, verifica-se a impossibilidade do objeto da primeira medida cautelar requerida quanto à suspensão do auto de vistoria.
Pelo que será de manter o decidido quanto a esta primeira questão.
No mais, é inelutável que a presente providência cautelar tem precisamente o mesmo conteúdo da anterior providência, instaurada em 15/11/2019.
O que implica a sua inadmissibilidade conforme decorre do artigo 362.º, n.º 4 do CPC, segundo o qual não é admissível, na dependência da mesma causa, a repetição de providência que haja sido julgada injustificada ou tenha caducado.
Porquanto:
- ambas as providências se encontram apensas à ação principal que corre termos neste Tribunal como processo n.º 923/19.3BEALM, assim dependendo da mesma causa;
- visam o mesmo efeito jurídico, como resulta dos pedidos formulados nos respetivos requerimentos iniciais;
- a fundamentação subjacente às pretensões da requerente é idêntica em ambas as providências cautelares.
Diferindo, é certo, quanto à descrição dos atos materiais de execução dos atos que determinaram a desocupação da habitação, o que irreleva para o caso, conforme decorre da resposta à primeira questão colocada nos autos.
E já transitou a decisão proferida na primeira providência cautelar, na qual se concluiu pelo não preenchimento dos pressupostos da tutela cautelar.
Ocorrendo a repetição de providências cautelares, não merece qualquer censura a decisão de indeferimento, proferida pelo Tribunal a quo.

Em suma, será de negar provimento ao presente recurso.

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III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário.

Lisboa, 16 de dezembro de 2021
(Pedro Nuno Figueiredo)

(Ana Cristina Lameira)

(Catarina Vasconcelos)