Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05386/12
Secção:CT
Data do Acordão:09/29/2016
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA (VÍCIO DE “PETITIONEM BREVIS”).
ARTº.615, Nº.1, AL.D), DO C.P.CIVIL. ARTº.125, Nº.1, DO C.P.P.TRIBUTÁRIO.
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE 1ª. INSTÂNCIA RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO. ÓNUS DO RECORRENTE.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA. PROVA TESTEMUNHAL.
PARÂMETROS LEGAIS DA ACTUAÇÃO DA A. FISCAL NO EXERCÍCIO DA SUA COMPETÊNCIA DE FISCALIZAÇÃO.
I.R.C.
NOÇÃO DE CUSTOS.
FACTURAS FALSAS.
ÓNUS DA PROVA.
Sumário:1. A omissão de pronúncia (vício de “petitionem brevis”) pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes (cfr.artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil).
2. No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no penúltimo segmento da norma.
3. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
4. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
5. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.
6. No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário). Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6.
7. Se a decisão do julgador, no que diz respeito à prova testemunhal produzida, estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
8. A A. Fiscal no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional, designadamente, a prova da verificação dos pressupostos que a determinaram à aplicação dos métodos indirectos de avaliação que suportam a liquidação. Mais devendo chamar-se à colação que a Administração Fiscal, no âmbito do procedimento tributário, está sujeita ao princípio do inquisitório (cfr.artº.58, da L.G.T.), o qual é um corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actuação. Este dever de imparcialidade reclama que a Fazenda Pública procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja revelação seja contrária aos interesses patrimoniais da Administração. Mais se deve realçar que o órgão instrutor pode utilizar, para conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento, todos os meios de prova admitidos em direito (cfr.artº.72, da L.G.T.).
9. A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no artº.3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”. Por outro lado, é no artº.17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artº.23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.
10. Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito. Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico.
11. Independentemente da questão da adequada titulação do custo, a A. Fiscal pode desconsiderar custos reflectidos nos documentos porque lhe suscitam dúvidas quanto à sua existência ou quantificação, hipótese em que deverá concretizar a factualidade indiciária que conduziu a essa situação de dúvida (v.g.pagamento em numerário de quantias avultadas; falta de prova do levantamento da importância de depósito à ordem para o caixa a fim de satisfazer o pagamento, etc.). O contribuinte tem, então, o ónus de comprovar a efectividade do custo e a consequente determinação do seu concreto montante, recorrendo a qualquer meio de prova e, do êxito da prova, depende a medida do exercício do direito à dedução. Por outras palavras, a A. Fiscal tem o ónus de demonstrar a factualidade susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte (cfr.artº.75, da L.G.T.), só então passando a competir ao contribuinte o ónus da prova de que as operações se realizaram efectivamente, sob pena de os valores constantes dos documentos contabilísticos não poderem ser aceites como custos para efeitos de I.R.C. Mais, não é necessário que a A. Fiscal efectue prova dos pressupostos da simulação previstos no artº.240, do C.Civil, sendo bastante a prova de indícios sérios e objectivos que traduzam uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
"A..., L.DA.", com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. do Funchal, exarada a fls.453 a 470 do processo, através da qual julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade recorrente, visando liquidações de I.R.C., relativas aos exercícios de 2003 e 2004 e no montante total de € 62.426,29.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.485 a 524 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-No entender da recorrente, a sentença recorrida é nula pois padece de omissão de pronúncia e erro de julgamento sobre a matéria de facto:
a) Ao não se ter pronunciado sobre os serviços prestados pelas empresas E..., Lda. e V..., Lda. à impugnante, no exercício de 2003, cujo valor de facturação ascendeu a € 139.442,00;
b) Ao não se ter pronunciado sobre a efectividade ou não desses serviços e se os custos subjacentes a essas facturas deviam ou não ser aceites para efeitos fiscais, naquele exercício, factos esses que sustentam a liquidação adicional de IRC n.º ... do ano de 2003;
c) Ao ter incidido toda a sua análise e decisão na parte relativa à liquidação de IRC n.º ..., referente ao ano de 2004;
d) Ao ter considerado que a Administração Fiscal apresentou indícios mais do que suficientes para se duvidar da verdade das declarações fiscais da recorrente;
e) Ao considerar que as facturas “são a única coisa do mundo real, que ligam a A. aos 2 alegados subempreiteiros.”;
f) Ao ter dado como provado o teor integral do relatório de inspecção tributária sem efectuar um juízo crítico sobre o mesmo, no sentido de analisar se os pressupostos da actuação da Administração se verificavam ou não e se existe prova real e concreta dos indícios invocados;
g) Ao ter valorado erroneamente grande parte dos factos dados como não provados, designadamente, os factos vertidos nas alíneas b), c), d), e), f), g), i), j), n), o), p), q), r), s), t), u), v), z), aa), bb) e cc), face a toda a prova documental e testemunhal produzida nos autos;
h) Ao se ter baseado em meros indícios para pôr em causa a substância dos factos, cuja prova foi feita nos presentes autos;
i) Ao considerar que não existiu falta de fundamentação ou fundamentação insuficiente das liquidações por parte da Administração Fiscal;
j) Ao ter feito uma apreciação e valoração inapropriada e incorrecta da prova, prova essa que, a ter sido correctamente apreciada, conduziria, na perspectiva da recorrente, a uma decisão diversa da encontrada pelo Tribunal a quo, designadamente, à conclusão de que os factos subjacentes às facturas efectivamente ocorreram e que as operações em causa não foram simuladas, ou, pelo menos, que a prova produzida foi mais que suficiente para criar uma fundada dúvida sobre a aderência das facturas com a realidade;
2-Termos em que, dando-se provimento ao presente recurso e com o douto suprimento de V. Exas., deve a sentença ora recorrida ser revogada, com todas as consequências legais, assim se fazendo a tão acostumada JUSTIÇA!
X
A entidade recorrida juntou requerimento aos autos no qual adere integralmente aos fundamentos da sentença recorrida (cfr.fls.527 dos autos).
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual pugna pelo não provimento do recurso (cfr.fls.549 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.551 e 552 do processo), vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.453 a 467 dos presentes autos - numeração nossa em função do aparente lapso na numeração sequencial constante da sentença recorrida):
1-A liquidação adicional de IRC da sociedade impugnante, "A..., L.da.", com o n.i.p.c. ..., referente ao ano de 2003 tem por base o relatório junto ao processo nº...., a fls.322 e seg., que aqui se dá por reproduzido:

“Texto e quadros no original”





“Texto e quadros no original”

2-A liquidação adicional de IRC da impugnante referente a 2004 tem por base o citado relatório junto ao processo nº.... a fls.322 a 333, e respectivos anexos de fls.334 a 371;
3-A impugnante foi notificada da ordem de serviço indicando o início do procedimento de inspecção (cfr.documento junto a fls.227 dos presentes autos);
4-A impugnante exerce como actividade principal a pintura e colocação de vidros (cfr.documento junto a fls.225 dos presentes autos);
5-Em 22 de Novembro de 2007, a impugnante foi notificada pelos Serviços de Inspecção da Direcção Regional dos Assuntos Fiscais, do projecto de correcções do relatório da acção de inspecção realizada ao IRC e IVA (cfr.documento junto a fls.51 dos presentes autos);
6-A referida acção de inspecção teve por base a Ordem de Serviço Interna nº. ..., de 26 de Junho de 2007 e por objecto o IRC e IVA da impugnante referente aos anos de 2003 e 2004 (cfr.relatório de inspecção junto a fls.322 a 333 dos presentes autos);
7-Segundo aqueles serviços, nos exercícios de 2003 e 2004, a impugnante recebeu facturas emitidas por contribuintes que não procederam à entrega das respectivas declarações de IVA e de IRC (cfr.relatório de inspecção junto a fls.322 a 333 dos presentes autos);
8-Não concordando com os argumentos apresentados pela Administração Fiscal no projecto de correcções, a impugnante viria a exercer o direito de audição prévia no dia 30 de Novembro de 2007 (cfr.documento junto a fls.64 dos presentes autos);
9-Perante os factos alegados pela impugnante, considerou a Administração Fiscal não existirem razões para anular ou rectificar as correcções propostas, tendo-as, por essa razão, convertido em definitivo (cfr.relatório de inspecção junto a fls.322 a 333 dos presentes autos);
10-Nessa conformidade, em 21 de Dezembro de 2007, a impugnante seria notificada do relatório final de inspecção, o qual se limitou a aderir às conclusões tomadas em sede de projecto de correcções (cfr.relatório de inspecção junto a fls.322 a 333 dos presentes autos);
11-Em 11 de Janeiro de 2008, a impugnante seria então notificada da liquidação adicional de IRC n. ... e respectiva nota de cobrança identificada com o número ..., relativas ao ano de 2004, que tinham como termo de prazo para pagamento voluntário o dia 11 de Fevereiro de 2008, tal como da liquidação e respectiva demonstração de acerto de contas relativas ao ano de 2003 e cujo termo do prazo de pagamento voluntário foi fixado em 6/2/2008 (cfr.documentos juntos a fls.68 e 69 dos presentes autos; documentos juntos a fls.67 e 68 do processo de impugnação nº.... apenso);
12-Daquelas liquidações resultou um montante total a pagar de € 62.426,29 (cfr. documentos juntos a fls.68 e 69 dos presentes autos; documentos juntos a fls.67 e 68 do processo de impugnação nº.... apenso);
13-Relativamente aos emitentes das facturas, E... LDA e P... LDA estes sujeitos passivos não apresentaram quaisquer declarações periódicas de IVA ou Modelos 22 de IRC nos anos 2003 e 2004, nem entregaram nos cofres do Estado o imposto liquidado nas facturas referenciadas no projecto de relatório de inspecção (cfr.relatório de inspecção junto a fls.322 a 333 dos presentes autos);
14-O sócio gerente daquela 1ª empresa, E..., veio declarar que o gerente da impugnante - o Senhor A... - solicitava-lhe facturas de favor e que as mesmas foram passadas no C..., bem como refere que era o próprio Senhor A... que escrevia os trabalhos e os valores que entendia (cfr.cópia de auto de declarações junta a fls.353 a 355 dos presentes autos);
15-Mais declarou o citado E... que os cheques eram emitidos em seu nome, sendo o dinheiro depois levantado no banco pelo próprio Sr. A..., que entregava ao Sr. E... no exterior da dependência bancária um montante pecuniário a título de comissão (cfr.cópia de auto de declarações junta a fls.353 a 355 dos presentes autos);
16-Antes de trabalhar com as referidas empresas, a sociedade impugnante fez questão, através da sua contabilista - a Senhora D. E... - de questionar a Administração Fiscal sobre a situação fiscal das mesmas (cfr. depoimento da testemunha E..., conforme acta de inquirição junta a fls.408 a 410 dos presentes autos);
17-A sociedade E..., Lda. facturaria, no ano de 2004, os valores constantes das facturas n.ºs 1161, 1162, 1164, 1166, 1211, 1212, 1246 e 1248, as quais ascenderam a € 72.263,50 (cfr.relatório de inspecção junto a fls.322 a 333 dos presentes autos);
18-As sociedades E..., Lda., V..., Lda. e P..., Lda. não têm alvará de construção (cfr.relatório de inspecção junto a fls.322 a 333 dos presentes autos);
19-As sociedades citadas não têm viaturas em seu nome, nem trabalhadores registados na Segurança Social, à data dos factos (cfr.relatório de inspecção junto a fls.322 a 333 dos presentes autos);
20-No decurso do ano de 2004, a impugnante através de concurso privado, obteve a adjudicação das seguintes empreitadas:
a) Restauração e manutenção da parte interior dos apartamentos do Hotel..., onde se incluem trabalhos de pedreiro, aplicação de massas, isolantes, tratamento de ferro - conforme cópia do orçamento apresentado à “M...” (cfr.documento junto a fls.162 dos presentes autos);
b) Pintura de toda a parte exterior e interior de um bloco de apartamentos no ..., no ..., onde se incluem trabalhos de pedreiro, aplicação de massas, isolantes, tratamento de ferro- conforme cópia do orçamento apresentado à sociedade “J...” (cfr.documento junto a fls.164 dos presentes autos);
c) Pintura de toda a parte exterior e interior de um bloco de apartamentos situado na Rua …, onde se incluem trabalhos de pedreiro, aplicação de massas, isolantes, tratamento de ferro - conforme cópia do orçamento apresentado à sociedade N... (cfr.documento junto a fls.166 dos presentes autos);
d) Limpeza e pintura de toda a parte interior do túnel do C..., onde se incluem trabalhos de pedreiro, aplicação de massas, isolantes, tratamento de ferro conforme cópia do orçamento apresentado à sociedade “N...” (cfr.documento junto a fls.168 dos presentes autos);
e) Pintura de toda a parte exterior e interior de quatro moradias no P..., onde se incluem trabalhos de pedreiro, aplicação de massas, isolantes, tratamento de ferro - conforme cópia do orçamento apresentado à sociedade D..., Lda. (cfr. documento junto a fls.170 dos presentes autos);
f) Restauração e manutenção de toda a parte interior dos quartos e corredores do Hotel..., onde se incluem trabalhos de pedreiro, aplicação de massas, isolantes, tratamento de ferro - conforme cópia do orçamento apresentado a Direcção do Hotel (cfr. documento junto a fls.172 dos presentes autos);
21-Nessa altura, a impugnante, regra geral, não celebrava contratos escritos com os subempreiteiros, ficando tudo acordado verbalmente, nomeadamente, o preço m2 ou o valor/hora para os trabalhos;
22-Em 2004, foram emitidas diversas facturas que identificam a realização em simultâneo de diversas obras em sítios diferentes, nomeadamente, no Túnel do C..., Rua …, P..., …. Hotel, ..., Hotel... (cfr. relatório de inspecção junto a fls.322 a 333 dos presentes autos);
23-As obras existem;
24-No decurso do ano de 2004, a impugnante através de concurso privado, obteve a adjudicação de outras duas empreitadas:
a) Pintura de toda a parte exterior e interior de vários blocos de apartamentos situados na …, onde se inclui os trabalhos de pedreiro, aplicação de massas, isolantes, tratamento de ferro - conforme contrato informal celebrado com a sociedade N… (cfr.documento junto a fls.198 dos presentes autos);
b) Pintura de toda a parte interior do …, onde se inclui os trabalhos de pedreiro, aplicação de massas, isolantes, tratamento de ferro - conforme cópia do orçamento apresentado à "S…" (cfr.documento junto a fls.192 dos presentes autos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Factos não provados
a) No caso concreto, a Impugnante nunca foi notificada de qualquer despacho ou ordem de serviço indicando o início do procedimento de inspecção (V. doc. 3 da contestação).
b) Por sua vez, o Senhor A... conheceu o Senhor E... numa obra, tendo este questionado o primeiro se necessitava de pessoal para a execução das suas obras.
c) No seguimento dessa abordagem e face às diversas obras em curso por conta da Impugnante, o Senhor A..., na qualidade de sócio gerente da Impugnante, solicitou, alguns dias depois, ao Senhor E..., informação sobre os preços praticados pela sociedade E..., Lda. para uma eventual cedência de pessoal para algumas obras.
d) O Senhor E... apresentou os seus preços verbalmente, os quais seriam por sua vez aceites pelo Senhor A....
e) Seria acordado que os trabalhadores seriam cedidos para as seguintes obras, durante o exercício de 2004:
- Lido;
- ...;
- …;
- P...;
- Túnel do C...;
- ….
f) Facturas essas que seriam, entretanto, pagas na totalidade pela Impugnante, como adiante se demonstrará.
g) A Impugnante jamais solicitou ao Senhor E... que passasse facturas de favor, muito menos, foi o Senhor A... que escreveu e colocou preços nas facturas, no C... era o Senhor E... que passava as facturas nas próprias obras.
h) Não é verdade que os pagamentos foram feitos em dinheiro e que era o próprio Sr. A... a levantar as importâncias no banco e depois as entregava ao Senhor E... no exterior das dependências bancárias, como de seguida demonstraremos.
i) O que sucedeu efectivamente foi que todos os pagamentos ao Senhor E... foram feitos em cheques, emitidos a ordem daquele Senhor.
j) Mediante o pagamento dos serviços, o Senhor E... passava a respectiva factura, no mesmo valor, ao Senhor … ou seu sócio, tal como acontece com qualquer subempreiteiro com quem a Impugnante trabalha.
k) Facturas essas que foram entregues nas obras pelo próprio Senhor E....
l) Muitos subempreiteiros, nessa altura, tal como sucede actualmente, não tinham alvará e realizavam trabalhos por todo o país, facturando e exercendo a sua actividade.
m) As obras não foram todas executadas no mesmo mês.
n) A factura n. 1161, de 25 de Julho de 2004, refere-se a trabalhos efectuados numa obra no..., que seria posteriormente facturada à sociedade M…, executada entre 1 e 25 de Julho de 2004;
o) A factura n. 1162, de 30 de Agosto de 2004, refere-se a trabalhos efectuados numa obra no ..., posteriormente facturada à sociedade J..., executada entre 1 de Julho de 2004 e 25 de Agosto de 2004;
p) A factura n. 1164, de 30 de Agosto de 2004, refere-se a trabalhos efectuados numa obra na Rua…, executada entre 2 e 30 de Agosto de 2004, posteriormente, facturada a sociedade N…;
q) A factura n. 1166, de 1 de Setembro de 2004, refere-se a trabalhos efectuados na mesma obra no..., igualmente facturada à sociedade M. …, por trabalhos executados entre 12 de Agosto e 25 de Agosto de 2004;
r) A factura n. 1211, de 10 de Outubro de 2004, refere-se a trabalhos efectuados no Túnel do C..., a qual decorreu efectivamente entre 11 de Setembro e 8 de Outubro de 2004 e que seria posteriormente facturada à sociedade N...;
s) A factura n. 1212, de 30 de Outubro de 2004, refere-se a trabalhos efectuados noutra obra na Rua …, executada entre 1 de Outubro e 30 de Outubro de 2004, e posteriormente facturada à sociedade N….
t) A factura n. 1246, de 22 de Dezembro de 2004, refere-se a trabalhos efectuados numa obra realizada no P..., no Funchal, executada entre 1 de Setembro de 2004 e 17 de Dezembro de 2004, posteriormente facturada à sociedade D..., Lda;
u) A factura n. 1248, de 22 de Dezembro de 2004, refere-se a trabalhos efectuados numa obra executada no Hotel..., executada entre 2 e 31 de Dezembro de 2004, posteriormente facturada à sociedade M....
v) Os trabalhadores daquelas empresas eram na maior parte das vezes transportados em viaturas da própria Impugnante.
w) Os cheques foram descontados pelo próprio beneficiário do cheque, o senhor E..., no balcão da dependência bancária.
x) Por essa razão, vem o cheque assinado por trás por aquele Senhor, após a inscrição da respectiva identificação
y) Em 2004, aquela sociedade prestou diversos serviços à Impugnante, os quais ascenderam a € 48.840,86 (quarenta e oito mil, oitocentos e quarenta euros e oitenta e seis cêntimos).
z) Durante o mês de Março e Abril de 2004, aquela sociedade prestou trabalhos à Impugnante numa obra no ..., no ..., da qual resultaram as facturas n.ºs 231 e 232, datadas de 30 de Abril e 25 de Abril de 2004, respectivamente, as quais seriam posteriormente facturadas à sociedade J....
aa) Por sua vez, durante o mês de Maio, a sociedade prestou serviços à Impugnante numa obra na …, da qual resultou a factura n.º 233, datada de 30 de Maio de 2004, posteriormente facturada à sociedade N....
bb) Por fim, durante todo o mês de Junho de 2004, aquela sociedade prestou serviços à Impugnante numa obra na …, da qual resultou a factura n. 234, datada de 30 de Junho de 2004, posteriormente facturada à própria sociedade ITI.
cc) Além disso, estas obras não eram executadas única e exclusivamente por trabalhadores dos emitentes das facturas, tendo a Impugnante, em certos casos, trabalhadores seus a trabalharem nas mesmas obras.
dd) Os trabalhadores da Impugnante nessa altura trabalhavam, na sua grande maioria, noutras obras…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…O depoimento de parte da A. pouco ajudou. Nenhuma confissão surgiu e apenas se reafirmou o que já invocara na. p.i.
Quanto às testemunhas:
- …, TOC da A. desde 1999: não afirmou com conhecimento pessoal e directo a prestação da subempreitada pelos 2 subempreiteiros aqui em causa. No essencial, chamou a atenção da A. para ter cuidado com as empresas como sendo "contribuintes”.
- …, pintor, trabalhador da A. desde 2002: nada de relevante adiantou, com conhecimento directo e pessoal, quanto ao facto de os montantes das facturas corresponderem a obras feitas pelos cits. subempreiteiros.
- …, pintor, trabalhador da A. desde há mais de 10 anos: nada de relevante adiantou, com conhecimento directo e pessoal, quanto ao facto de os montantes das facturas corresponderem a obras concretas feitas pelos cits. subempreiteiros (questão principal).
- …, pintor, trabalhador da A. desde há mais de 25 anos: nada de relevante adiantou, com conhecimento directo e pessoal, quanto ao facto de os montantes das facturas corresponderem a obras concretas feitas pelos cits. subempreiteiros, num depoimento vago e inseguro.
-…, pintor, trabalhador da A. desde há mais de 10 anos: nada de relevante adiantou, com conhecimento directo e pessoal, quanto à cit. questão principal.
-Trata-se de um conjunto de depoimentos de pessoas mais ou menos dependentes da A., que não foram concretas e seguras quanto ao essencial: (1) o facto de os montantes e discriminações constantes das facturas corresponderem ou não a obras concretas feitas pelos cits. subempreiteiros e (2) os pormenores das actividades dos alegados subempreiteiros nas diversas obras. A verdade lógica e o senso comum dizem-nos que pouco se poderia provar sem contratos escritos, sem autos de medição e sem os gerentes ou trabalhadores das alegadas subempreiteiras…”.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida considerou, em síntese, julgar totalmente improcedente a presente impugnação, em consequência do que manteve os actos tributários objecto do processo (cfr.nºs.11 e 12 do probatório).
X
Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O apelante discorda do decidido aduzindo, em primeiro lugar e em síntese, que a sentença recorrida é nula pois padece de omissão de pronúncia. Que não se pronunciou sobre os serviços prestados pelas empresas "E..., Lda." e "V..., Lda." ao recorrente, no exercício de 2003, cujo valor de facturação ascendeu a € 139.442,00. Que não se pronunciou sobre a efectividade ou não desses serviços e se os custos subjacentes a essas facturas deviam ou não ser aceites para efeitos fiscais, factos esses que sustentam a liquidação adicional de I.R.C. do ano de 2003. Que a sentença recorrida somente incidiu a sua análise e decisão na parte relativa à liquidação de I.R.C. referente ao ano de 2004 (cfr.conclusões 1, als.a), b) e c) do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar uma nulidade da decisão recorrida devido a omissão de pronúncia.
Analisemos se a sentença recorrida sofre de tal pecha.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “petitionem brevis”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, no penúltimo segmento da norma (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.911 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.50/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.7029/13).
"In casu", a decisão recorrida considerou provada factualidade relativa ao ano fiscal de 2003, tal como ao ano fiscal de 2004, a começar pelo relatório de inspecção, o qual abarca ambos os anos fiscais (cfr.v.g.nºs.1, 7 e 13 do probatório).
Por outro lado, do exame do enquadramento jurídico constante da sentença do Tribunal "a quo" (cfr.fls.467 a 470 dos autos), em momento algum a decisão recorrida individualiza qualquer das liquidações objecto dos presentes autos. Pelo contrário, o discurso jurídico utilizado abarca sempre ambas as liquidações (2003 e 2004), tanto quando examina a alegada falta de fundamentação dos actos tributários, como quando decide que se encontram provados indícios suficientes da falta de aderência à realidade das facturas postas em causa pela A. Fiscal.
Em suma, não se vê que a decisão recorrida tenha omitido pronúncia e, nestes termos, improcedendo este fundamento do recurso.
Mais alega o recorrente, em síntese, que a sentença recorrida efectuou um errado julgamento sobre a matéria de facto. Que a decisão recorrida deu como provado o teor integral do relatório de inspecção tributária sem efectuar um juízo crítico sobre o mesmo, no sentido de analisar se os pressupostos da actuação da A. Fiscal se verificavam, ou não, e se existe prova real e concreta dos indícios invocados. Que valorou erroneamente grande parte dos factos dados como não provados, designadamente, os factos vertidos nas alíneas b), c), d), e), f), g), i), j), n), o), p), q), r), s), t), u), v), z), aa), bb) e cc), face a toda a prova documental e testemunhal produzida nos autos. Que a decisão recorrida fez uma apreciação e valoração inapropriada e incorrecta da prova, prova essa que, a ter sido correctamente apreciada, conduziria, na perspectiva do recorrente, a uma decisão diversa da encontrada pelo Tribunal "a quo", mais exactamente, à conclusão de que os factos subjacentes às facturas efectivamente ocorreram e que as operações em causa não foram simuladas, ou, pelo menos, que a prova produzida foi mais que suficiente para criar uma fundada dúvida sobre a aderência das facturas com a realidade (cfr.conclusões 1, als.f) a j) do recurso). Com base em tal alegação pretendendo consubstanciar, segundo percebemos, erro de julgamento de facto da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181).
Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 10/04/2014, proc.7396/14).
Por outro lado, no que concretamente diz respeito à produção de prova testemunhal, refira-se que se a decisão do julgador estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.6280/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6418/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13).
No caso concreto, não pode deixar de estar votado ao insucesso o fundamento do recurso em análise devido a manifesta falta de cumprimento do ónus mencionado supra, desde logo, quanto aos concretos meios probatórios (essencialmente relativos à prova documental e testemunhal produzida, segundo defende o apelante), constantes do processo e que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela sentença recorrida.
Concluindo, este Tribunal não tem obrigação de conhecer do presente esteio do recurso.
Aduz, por último, o apelante que o Tribunal "a quo" errou ao considerar que a A. Fiscal apresentou indícios mais do que suficientes para se duvidar da verdade das declarações fiscais do recorrente. Que igualmente errou ao considerar que as facturas são a única coisa do mundo real, que ligam a sociedade recorrente aos dois alegados subempreiteiros (cfr.conclusões 1, als.d) e e) do recurso), com base em tal alegação pretendendo, supomos, consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Deslindemos se a decisão recorrida comporta tal vício.
A A. Fiscal no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional. Mais deve chamar-se à colação que a Administração Fiscal, no âmbito do procedimento tributário, está sujeita ao princípio do inquisitório (cfr.artº.58, da L.G.T.), o qual é um corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actuação. Este dever de imparcialidade reclama que a Fazenda Pública procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja revelação seja contrária aos interesses patrimoniais da Administração. Mais se deve realçar que o órgão instrutor pode utilizar, para conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento, todos os meios de prova admitidos em direito (cfr.artº.72, da L.G.T.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/5/2012, proc.2956/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.3216/09).
A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no artº.3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”.
Por outro lado, é no artº.17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artº.23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.
Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.5721/12; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, Lex Lisboa 2000, 2ª. Edição, pág.237 e seg.; António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pág.101 e seg.).
Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.206 e seg.).
Independentemente da questão da adequada titulação do custo, a A. Fiscal pode desconsiderar custos reflectidos nos documentos porque lhe suscitam dúvidas quanto à sua existência ou quantificação, hipótese em que deverá concretizar a factualidade indiciária que conduziu a essa situação de dúvida (v.g.pagamento em numerário de quantias avultadas; falta de prova do levantamento da importância de depósito à ordem para o caixa a fim de satisfazer o pagamento, etc.). O contribuinte tem, então, o ónus de comprovar a efectividade do custo e a consequente determinação do seu concreto montante, recorrendo a qualquer meio de prova e, do êxito da prova, depende a medida do exercício do direito à imputação de custos.
Nas situações em que a Fazenda Pública desconsidera as facturas/documentos equivalentes que reputa de falsos, em virtude de documentarem operações simuladas, aplicam-se as regras do ónus da prova (cfr.artº.74, da L.G.T.) incumbindo à A. Fiscal a produção da prova de que estão verificados os indícios sérios/fundados de que as operações em causa não correspondem à realidade. Efectuada esta prova, passa então a incidir sobre o sujeito passivo do imposto o ónus probatório da veracidade da transacção. Por outras palavras, não tem a Fazenda Pública que provar a falsidade dos documentos contabilísticos em causa (e muito menos os pressupostos da simulação previstos no artº.240, do C.Civil), bastando-lhe alegar factos que traduzam uma probabilidade elevada de as operações referidas nos mesmos não serem verdadeiras, abalando-se, desta forma, a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados que constam na sua contabilidade (cfr.artº.75, nº.1, da L.G.T.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6418/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/5/2014, proc.6694/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 5/3/2015, proc.5680/12; Joaquim Manuel Charneca Condesso, Operações simuladas em sede de I.V.A. e de I.R.C. Perspectiva da jurisprudência tributária, CEJ, Ciclo de Conferências, Temas de Direito Tributário, Junho de 2015).
E recorde-se que a utilização de facturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação real subjacente, mesmo sem existir nenhuma outra circunstância tipificada na lei, chega para que se encontre preenchido o tipo de crime de fraude qualificada, o que revela a intenção do legislador no sancionamento acrescido desta conduta (cfr.artº.104, nº.2, do R.G.I.T.).
Revertendo ao caso dos autos, como resulta do exame do probatório (cfr.nºs.1, 7, 13 a 15, 18 e 19 da factualidade provada) no âmbito da acção de inspecção a A. Fiscal concluiu que as facturas identificadas no relatório de inspecção e emitidas pelas sociedades "E..., Lda.", "V..., Lda." e "P..., Lda." não correspondem a serviços efectivamente prestados pelas mesmas à empresa recorrente.
Efectivamente, se as sociedades alegadamente prestadoras dos serviços não têm trabalhadores, se o sócio de uma das empresas admite a passagem de facturas de favor à sociedade recorrente, se as sociedades em causa não tem alvará de construção, se as facturas apresentam irregularidades, se delas não é sequer possível extrair quais os serviços concretamente prestados, em que dias e em que obras, então as regras da experiência dizem que existem indícios fortes para concluir pela não prestação dos serviços.
Deste modo conclui-se que a Administração Tributária assentou a desconsideração dos custos alegadamente suportados pelo recorrente com a contratação dos serviços das sociedades "E..., Lda.", "V..., Lda." e "P..., Lda." em indícios que se considera serem sérios e bastantes para afastarem o princípio da presunção de verdade da declaração apresentada pelo sujeito passivo e, assim, questionar a veracidade das operações económicas subjacentes à emissão das facturas descritas no nº.1 da fundamentação de facto (cfr.artº.75, nºs.1 e 2, al.a), da L.G.T.).
Consequentemente, incumbia ao recorrente o ónus de demonstrar a efectiva prestação dos serviços postos em causa.
Ora, do probatório decorre, linearmente, que o recorrente não fez prova dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de ver considerados as alegadas despesas suportadas com a aquisição de serviços às ditas sociedades (serviços prestados e pagamentos efectuados), como custos para efeitos de apuramento da matéria colectável de I.R.C., quanto aos exercícios de 2003 e 2004.
Desta forma, conclui-se que as correcções ao I.R.C. dos exercícios de 2003 e 2004 e que deram origem às liquidações objecto do presente processo são legais, não padecendo de qualquer erro, contrariamente ao defendido pelo recorrente e, nesta medida, se confirmando a decisão recorrida, também quanto a este segmento.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas.
X
Registe.
Notifique.
Ofício junto a fls.553 dos autos: satisfaça, remetendo cópia do presente acórdão.
D.N.
X
Lisboa, 29 de Setembro de 2016


(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)


(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)