Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08155/14
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/27/2014
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:ARRESTO
PROPORCIONALIDADE
Sumário:I - As providências cautelares estão sujeitas ao princípio da proporcionalidade, significando isto que não devem ser decretadas quando o prejuízo resultante das mesmas exceda significativamente o dano que se pretende evitar – artigo 368º nº 2 do NCPC - A providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar.

II – No caso, existem já outras garantias constituídas em processos de execução fiscal, pelo que as limitações à disponibilidade do bem onerado já se verificam, não se descortinando em que medida o arresto do bem em causa (mesmo considerando o valor da dívida de € €13.307,76) pode acarretar um prejuízo que exceda significativamente o dano que se pretende evitar.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

O Instituto de Gestão Financeira da Segurança, I.P., inconformado com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leira que indeferiu o pedido de decretamento de arresto do prédio urbano descrito na CRP de Leiria, sob o nº 2033, Freguesia da Barreira, propriedade de José ………………. e de Maria ……………………, arresto que havia sido requerido atenta a qualidade de sócios gerentes das sociedades C………….. …………… Lda e C……………… II - Assistência de Automóveis, Lda., dela vem interpor o presente recurso jurisdicional.

Formula, para tanto, as seguintes conclusões:

«1. O Tribunal a quo determinou improcedência do pedido de arresto sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o n.º2033 da freguesia da Barreira.

2. A improcedência fundamentou-se no facto de que a aceitação do arresto violaria o princípio da proporcionalidade.

3. Para ser decretado o pedido de arresto é necessária a verificação cumulativa de dois requisitos fundamentais, ou seja, por um lado a existência de fundado receio da diminuição da garantia patrimonial.

4. E por outro lado, a existência de um tributo liquidado ou em fase de liquidação.

5. Entre os anos de 2011 a 2014, os contribuintes inscritos na Segurança Social com o NISS ……………., C………….. II - ASSISTÊNCIA …………………… LDA e com o NISS ……………., C…………. COMERCIO ………………. LD entregaram, mensalmente, nos serviços de Segurança Social declarações de remunerações.

6. Com efeito, os tributos devidos, as quotizações retidas nas remunerações efectivamente pagas e não entregues, perfaziam o montante global de € 13 307,76 (treze mil, trezentos e sete euros e setenta e seis cêntimos), presumindo-se nos termos do nº5 do artigo 136º do C.P.P.T, relativamente ao montante das quotizações retidas e não entregues, o fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis.

7. Contudo, o arresto foi indeferido na totalidade, ou seja, ele não foi decretado nem quanto ao tributo quotizações.

8. No âmbito da execução fiscal contra as devedoras originárias não foram apurados bens, não foram apresentadas garantias, pelo que se permite presumir a insuficiência patrimonial das devedoras originárias.

9. Ora, o IGFSS,IP não pode prosseguir com o processo executivo com vista à venda do imóvel uma vez que não tem qualquer garantia registada sobre o referido imóvel no processo de execução fiscal no âmbito do qual se requereu o arresto.

10. Sucede que, a apresentação em anterior processo executivo a correr termos no órgão de execução fiscal de requerimento a indicar a data da celebração de escritura de compra e venda do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o nº……… da freguesia da B………….. e consequente pagamento da dívida à segurança social, sem que tal se tenha concretizado até à data.

11. Bem como, sucessivo adiamento de datas para a venda e consequente adiamento da extinção dos processos, torna evidente a diminuição da garantia patrimonial do património dos responsáveis subsidiários sem que os créditos da segurança social estejam cabalmente acautelados.

12. Donde que, ao concretizar-se a intenção de alienação do imóvel, os requeridos sofrerão uma diminuição dos bens que integram o seu património e verifica-se um fundado justo receio do recorrente na perda a garantia patrimonial do seu crédito.

13. Não se afigura óbvio que, atento o valor patrimonial e efectivo do imóvel e em face dos ónus registados, a sua venda permita o pagamento destes, e ainda, a dívida do PEF ………………… e ap e 1………………….. e ap.

14. Ora, é certo que se deve observar o princípio da proporcionalidade, uma vez que o arresto apenas deverá ser ordenado nos bens suficientes e necessários para assegurar o efeito pretendido, pelo que, não entende o recorrente o fundamento em que o tribunal se baseou para decidir que a venda do imóvel será superior ao valor da hipoteca a favor do Banco ………………….. S.A no valor de €. l 000.000,00 e todos os ónus posteriores.

Nestes termos, e nos que mais V. EX.as doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso, e consequentemente, ser revogada a douta sentença recorrida».


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O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência do presente recurso jurisdicional (cfr. fls. 148 a 150).

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Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à Secção de Contencioso Tributário para julgamento do recurso

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Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, lidas as conclusões de recurso, podemos concluir que são duas as questões que constituem o objecto do presente recurso. Assim:

1 – Ainda que expresso de forma imprecisa, aponta-se à sentença recorrida erro consistente na circunstância de aí se ter concluído, em face dos factos alegados, pela não verificação do requisito correspondente ao fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributários (apenas quanto a parte da dívida exequenda, concretamente àquela que respeita a contribuições para a Segurança Social);

2 – Importa saber, ainda, se a sentença recorrida errou ao não decretar o arresto sobre o imóvel supra identificado, por considerar que o decretamento do mesmo violaria o princípio da proporcionalidade.


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2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a matéria de facto constante da sentença recorrida:

«A) Encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial de Leiria, a aquisição por parte de José …………………. e Maria ……………….., do imóvel inscrito sob o artigo ………….. da matriz predial urbana de Leiria e descrito sob o n°………… da freguesia da B……….. - cfr. Ap. 35 de 17/03/2006, constante na certidão do registo predial de fls. 77 dos Autos;

B) Encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial de Leiria, a constituição da hipoteca voluntária a favor do Banco ………………., no valor de 1.000.000,00€, para garantia do empréstimo, sobre o imóvel referido na alínea anterior - cfr. Ap. 36 de 17/03/2006, constante na certidão do registo predial de fls. 77 dos Autos;

C) Foi entregue na Secção de Processos de Leiria do IGFSS,I.P., o instrumento constante a fls. 24 dos Autos, denominado de "requerimento para pagamento em prestações", com data de 16/09/2013, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual Maria ………………., na qualidade de gerente da C…………….. - Comércio ………………, Lda., requer o pagamento da dívida em 12 prestações;

D) Foi entregue na Secção de Processos de Leiria do IGFSS,I.P., o instrumento constante a fls. 25 dos Autos, denominado de "requerimento para pagamento em prestações", com data de 16/09/2013, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual Maria …………….., na qualidade de gerente da C………….. II - Assistência ……….., Lda., requer o pagamento da dívida em 18 prestações;

E) Em 09/10/2013, foi remetido pelo IGFSS,I.P, para a C……….. Comércio …………., Lda., o instrumento constante a fls. 70 dos Autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual é autorizado o pedido de pagamento em prestações das dívidas exigidas no âmbito dos Processos Executivos n°…………….e apensos, com isenção de prestação de garantia;

F) Em 09/10/2013, foi remetido pelo IGFSS,I.P., para a C…………. II – Assistência de Automóveis, Lda., o instrumento constante a fls.69 dos Autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual é autorizado o pedido de pagamento em prestações das dívidas exigidas no âmbito dos Processos Executivos n°…………………….. e apensos, com isenção de prestação de garantia;

G) Em 22/01/2014, foi entregue na Secção de Processos de Leiria do IGFSS,I.P, em nome de José ………………, o instrumento constante a fls. 81 a 83 dos Autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual requereu que não seja designada a venda do imóvel em apreciação até 15/07/2014, data que seria outorgada a escritura de compra e venda do imóvel referido em A) com vista à regularização dos créditos exequendos;

H) Em 28/01/2014, foi emitido pelo Instituto da Segurança Social, I.P, o instrumento constante a fls. 52 dos Autos, denominado de "Certidão de Dívida" n°………./2014, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, em nome de C……………. Comércio …………, Lda., no montante de 2.443,566, relativo a Contribuições de 2013/11;

I) Em 28/01/2014, foi emitido pelo Instituto da Segurança Social, I.P, o instrumento constante a fls. 53 dos Autos, denominado de "Certidão de Dívida" n.°……../2014, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, em nome de C……………. Comércio …………, Lda., no montante de 1.131,76€, relativo a quotizações de 2013/11;

J) Em 11/06/2014, foi entregue na Secção de Processos de Leiria do IGFSS,I.P, o instrumento constante a fls. 23 dos Autos, denominado de "Requerimento para pagamento em prestações", cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual José …………………..identifica-se como sendo gerente da C………… II ………………., Lda.;

K) Em 11/06/2014, foi emitido peto Instituto da Segurança Social, I.P, o instrumento constante a fls. 54 dos Autos, denominado de "Certidão de Dívida" n°……/2014, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, em nome de C………. Comércio ……………., Lda., no montante de 2.240,33€, relativo a quotizações de 2011/02 a 2014/03;

L) Em 11/06/2014, foi emitido pelo Instituto da Segurança Social, I.P, o instrumento constante a fls. 55 dos Autos, denominado de "Certidão de Dívida" n.°…………./2014, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, em nome de C……………. Comércio …………, Lda.., no montante de 4.843,486, relativo a Contribuições de 2011/02 a 2014/03;

M) Em 24/06/2014, foi emitido pele Instituto da Segurança Social, I.P, o instrumento constante a fls. 56 dos Autos, denominado de "Certidão de Dívida" n°…………../2014, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, em nome de C……………. Comércio …………, Lda.., no montante de 2.469,736, relativo a quotizações de 2011/01 a 2014/04;

N) Em 24/06/2014, foi emitido pelo Instituto da Segurança Social, I.P, o instrumento constante a fls. 58 dos Autos, denominado de "Certidão de Dívida" n.° ………/2014, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, em nome de C……………. Comércio …………, Lda., no montante de 5.348,28€, relativo a Contribuições de 2011/01 a 2014/04;

O) Em 25/08/2014, foi emitido pelo Instituto da Segurança Social, I.P, o instrumento constante a fls. 60 dos Autos, denominado de "Certidão de Dívida" n.° ………../2014, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, em nome de C……………. Comércio …………, Lda.., no montante de 1.589,426, relativo a Contribuições de 2014/06;

P) Em 25/08/2014, foi emitido pelo Instituto da Segurança Social, I.P, o instrumento constante a fls. 61 dos Autos, denominado de "Certidão de Dívida" n.°………./2014, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, em nome de C……………. Comércio …………, Lda., no montante de 736,146, relativo a quotizações de 2014/06;

Q) Em 11/06/2014, foi emitido pelo Instituto da Segurança Social, I.P, o instrumento constante a fls. 62 dos Autos, denominado de "Certidão de Dívida" n°…./2014, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, em nome de C………. II - Assistência ………, Lda., no montante de 12.609,94€, relativo a Contribuições de 2013/12 a 2014/02;

R) Em 11/06/2014, foi emitido peta Instituto da Segurança Social, I.P, o instrumento constante a fls. 63 dos Autos, denominado de "Certidão de Dívida" n.°………/2014, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, em nome de C………. II - Assistência ………, Lda., no montante de 5.840,40€, relativo a quotizações de 2013/12 a 2014/02;

S) Em 24/06/2014, foi emitido pelo Instituto da Segurança Social, I.P, o instrumento constante a fls. 64 dos Autos, denominado de "Certidão de Dívida" n.°……./2014, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, em nome de C………. II - Assistência ………, Lda., no montante de 232,056, relativo a Contribuições de 2014/04;

T) Em 24/06/2014, foi emitido pelo Instituto da Segurança Social, I.P, o instrumento constante a fls. 65 dos Autos, denominado de "Certidão de Dívida" n.°……../2014, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, em nome de C………. II - Assistência ………, Lda., no montante de 107,47€, relativo a quotizações de 2014/04;

U) Encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial de Leiria, a hipoteca legal a favor do IGFSS, I.P., relativamente ao imóvel referido em A), para garantia da dívida de 87.728,55€ - cfr. Ap 3068 de 2014/02/07, constante na certidão do registo predial de fls. 79 dos Autos;

V) Encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial de Leiria, a penhora a favor do IGFSS, I.P, relativamente ao imóvel referido em A), para garantia da dívida de 87.728,55€ no âmbito do Processo Executivo n.°……………… e apensos - cfr. Ap 2620 de 2014/05/13, constante na certidão do registo predial de fls. 79 dos Autos;

W) Em data não concretamente apurada, foi entregue na Secção de Processos de Leiria do IGFSS,I.P, em nome de José ……………, o instrumento constante a fls. 87 a 91 dos Autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual se requer o "levantamento da penhora e da hipoteca legal";

X) Encontra-se registada na Conservatória do Registo Comercial de Leiria, a nomeação dos Requeridos enquanto gerentes da sociedade " C………. II - Assistência ………, Lda.," - cfr. certidão do registo comercial junta aos autos nos termos do art. 412°, n.°2, in fine, do CPC.

Y) Encontra-se registada na Conservatória do Registo Comercial de Leiria, a nomeação dos Requeridos enquanto gerentes da sociedade "C………….. - Comércio ………………, Lda." - cfr. certidão do registo comercial junta aos autos nos termos do art. 412°, n.°2, in fine, do CPC;

Z) A sociedade C………. II - Assistência ………, Lda.,., obrigava-se pela assinatura de um gerente - cfr. certidão do registo comercial junta aos autos nos termos do art.412°, n°2, in fine, do CPC;

AA) A sociedade C……… - Comércio ……………., Lda. obrigava-se pela assinatura de um gerente - cfr. certidão do registo comercial junta aos autos nos termos do art. 412°, n°2, in fine, do CPC;

BB) A presente acção foi apresentada em 01/09/2014 no TAF de Leiria, conforme decorre do carimbo aposto na primeira página da p.i. contante a fls. l dos Autos».


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Motivação da Decisão de Facto

A convicção que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou no teor dos documentos constantes nos autos, conforme discriminado em cada uma das alíneas dos Factos Assentes, e nos documentos de conhecimento judicial nos termos do art. 412°, n.° 2 do CPC, os quais, foram juntos aos autos.


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Factos Não Provados

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados”.


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2.2. De direito

Como dissemos, o presente recurso envolve a apreciação de duas questões, correspondendo a primeira ao apontado erro consistente na circunstância de a sentença ter concluído, em face da factualidade alegada, pela não verificação do requisito correspondente ao fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributários (apenas quanto a uma parte da dívida exequenda, concretamente àquela que respeita a contribuições para a Segurança Social).

Ainda que tal erro se mostre invocado de forma pouco clara, a leitura das conclusões 10, 11 e 12 permite que se autonomize a referida questão.

Vejamos, então, não sem antes fazemos um pequeno enquadramento para melhor balizarmos aquilo que efectivamente nos ocupa.

Temos, assim, que a Segurança Social requereu o decretamento do arresto sobre um bem imóvel, propriedade de José ………………e de Maria ………….., com vista a acautelar a garantia/pagamento de dívidas em cobrança coerciva em execuções fiscais instauradas contra as sociedades C………. II - Assistência ………, Lda., e C……… Comércio ………….., Lda, relativamente às quais os requeridos seriam subsidiariamente responsáveis.

A dívida exequenda ascende, conforme resulta dos autos, a € 42.042,83, reportando-se a contribuições e quotizações para a Segurança Social dos anos de 2011 a 2014.

Por sentença proferida no TAF de Leiria foi considerado que apenas relativamente ao montante de € 13.307,76, referente a quotizações, se mostravam verificados os requisitos do arresto, isto porque, e em síntese, relativamente ao restante valor não gozava a Segurança Social da presunção contida no artigo 136º, nº5 do CPPT, sendo que, in casu, a Requerente não havia logrado provar factos que permitissem concluir pelo fundado receio da diminuição da garantia de cobrança dos créditos – lê-se na sentença, “... quanto às Contribuições não existem elementos nos autos que possam levar ao Tribunal chegar à mesma conclusão. Neste caso, impunha-se à requerente, IGFSS, IP, que demonstrasse o fundado receio da diminuição da garantia de cobrança desses créditos, nos termos previstos na al. a), do nº 1 do artigo 136º do CPPT. Mas no caso dos autos, analisados os factos alegados e a respectiva prova, não podemos concluir que o IGFSS,I.P. tenha logrado em demonstrar aquilo que lhe competia quanto ao fundado receio da diminuição da garantia de cobrança dos créditos. Não existe nenhum facto provado que demonstre que os requeridos estejam a dissipar o seu património com vista à frustração dos créditos fiscais”.

Ora, é precisamente quanto a este aspecto, isto é quanto à (não) demonstração da verificação do fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributários, na exacta medida em que a Segurança Social não gozava a seu favor da presunção daquele requisito do arresto (o que equivale a dívidas de € 28.735,07, respeitantes a contribuições para a Segurança Social, resultado este da diferença entre € 42.042,83 e os € 13.307,76), que a Recorrente se insurge.

E tal discordância, quanto à não verificação do apontado requisito, assenta na consideração dos seguintes factos:

- foi apresentado, em anterior processo executivo a correr termos no órgão de execução fiscal, requerimento a indicar a data da celebração de escritura de compra e venda do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o nº….. da freguesia da B………. e consequente pagamento da dívida à segurança social, sem que tal se tenha concretizado até à data;

- houve sucessivo adiamento de datas para a venda e consequente adiamento da extinção dos processos;

Vejamos, por partes.

Pretendendo a Recorrente pôr em causa o julgamento da matéria de facto, concretamente para ver aditados factos alegados e não incluídos no probatório, como parece suceder, impunha-se que tivesse dado cumprimento ao disposto no artigo 640º do CPC, nos termos do qual:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.

Ora, a leitura das alegações e conclusões do recurso interposto permite afirmar, sem hesitações, que a Recorrente não deu o mínimo cumprimento ao ónus de impugnação que consta do preceito transcrito, pelo que nenhuma alteração à matéria de facto se impõe. Clarificando, para que não subsistam dúvidas, a alegação do facto de que houve sucessivo adiamento de datas para a venda e consequente adiamento da extinção dos processos, não foi acolhido no probatório fixado na sentença, nem pelas razões expostas, o pode ser nesta fase.

Mas, como dissemos, a Recorrente sustenta, igualmente, que foi apresentado em anterior processo executivo a correr termos no órgão de execução fiscal requerimento a indicar a data da celebração de escritura de compra e venda do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o nº………. da freguesia da B………… e consequente pagamento da dívida à segurança social, sem que tal se tenha concretizado até à data. Para prova deste facto, invocado no requerimento inicial, foi junto o documento 21, o qual se mostra junto aos autos a fls. 81 a 83, sendo certo que o seu teor foi dado por reproduzido no ponto G da matéria de facto.

Com efeito, na alínea G) do probatório lê-se o seguinte:

G) Em 22/01/2014, foi entregue na Secção de Processos de Leiria do IGFSS,I.P, em nome de José …………….., o instrumento constante a fls. 81 a 83 dos Autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual requereu que não seja designada a venda do imóvel em apreciação até 15/07/2014, data que seria outorgada a escritura de compra e venda do imóvel referido em A) com vista à regularização dos créditos exequendos”.

Ora, é deste facto e do documento em que o mesmo se mostra suportado que a Recorrente pretende retirar relevantes consequências jurídicas que, como aponta, o Tribunal a quo não retirou, em concreto a verificação do fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributários.

Como está bom de ver, nenhuma razão assiste à Recorrente, sendo de manter, nesta parte, aquilo que foi entendido na sentença recorrida. Na verdade, lido e analisado o apontado documento, temos que o mesmo se destinou a um processo executivo instaurado pela Segurança Social, aí se requerendo tão-somente que não fosse designada, até determinada data, a venda do imóvel inscrito na CRP de Leiria sob o nº ………/B………., sob o qual impendia uma hipoteca a favor da exequente, data em que previsivelmente seria outorgada escritura de compra e venda de tal imóvel a um investidor estrangeiro.

Independentemente da oportunidade/ adequação do apontado requerimento, é bom ter em devida conta que o mesmo encerra apenas um pedido dirigido à exequente, um pedido para que adie uma venda de um bem já onerado a favor da Segurança Social, ora Recorrente. Ou seja, perante este requerimento, falar em diminuição da garantia de cobrança de créditos tributários pressuporia que a exequente tivesse consentido tal actuação, o que, porém, sempre levaria a que se questionasse se, em tal caso, se podia falar em fundado receio.

Como é evidente, nenhum facto foi carreado para os autos e para o probatório que permita concluir pela verificação do fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributários, sabido que tal implica um “perigo logicamente justificado, uma probabilidade séria, com fundamentos objectivos baseados em regras da experiência comum, de que os patrimónios dos titulares de bens que servem de garantia à cobrança de créditos tributários (…) diminuam de valor a ponto de se tornarem insuficientes para a cobrança dos créditos tributários” (in J. Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, 6ª edição 2011, Áreas Editora, Vol. II, pág. 447).

Por conseguinte, não há que alterar a sentença quando externou a conclusão de que “quanto às Contribuições (…) impunha-se à requerente, IGFSS, IP, que demonstrasse o fundado receio da diminuição da garantia de cobrança desses créditos, (…). Mas no caso dos autos, analisados os factos alegados e a respectiva prova, não podemos concluir que o IGFSS,I.P. tenha logrado em demonstrar aquilo que lhe competia quanto ao fundado receio da diminuição da garantia de cobrança dos créditos”.

Portanto, atalhando, esta primeira questão está incontornavelmente condenada ao insucesso, devendo improceder as respectivas conclusões da alegação de recurso.

Isto visto, passemos à segunda questão que nos ocupa, a saber: se a sentença recorrida errou ao não decretar o arresto sobre o imóvel supra identificado, por considerar que o decretamento do mesmo violaria o princípio da proporcionalidade.

Vejamos.

Não obstante relativamente ao montante de €13.307,76 o Tribunal a quo ter considerado que se mostravam verificados os requisitos da providência (o que aqui não está em causa), no caso o arresto sobre o identificado bem imóvel não foi decretado por o Mmo. Juiz a quo ter considerado que tal arresto, a incidir sobre o prédio em causa, violaria o princípio da proporcionalidade – lê-se na decisão recorrida que “… caso o Tribunal aceitasse o arresto deste bem estaria a violar de forma grosseira, o princípio da proporcionalidade, o que não é admitido”. E foi com este fundamento que a requerida providência cautelar não foi concedida.

Para fundamentar a alegada violação do princípio da proporcionalidade, o Mmo. Juiz alinhou o seguinte discurso fundamentador que aqui se deixa transcrito:

“(…)

Chegados aqui, feita a análise dos requisitos do arresto e da extensão dos créditos que o mesmo visa acautelar, importa agora apreciar a questão relativa ao bem sobre os qual o mesmo incidirá, isto porque, conforme resulta da certidão predial, o imóvel tem registado uma hipoteca a favor do B…… no valor de 1.000.000,00€, valor esse que deverá ser o valor aproximado do imóvel.

Dito isto, como é importante sublinhar, o Tribunal, nos termos do disposto no artigo 393º, nº 2 do CPC e do 51º da LGT, deve observar o princípio da proporcionalidade, fazendo incidir o arresto em bens suficientes para a segurança normal do crédito tributário, reduzindo os bens a apreender ao(s) necessário(s) a assegurar aquele efeito.

E como vimos, o montante total dos créditos tributários, maxime as quotizações a garantir com o bem cujo arresto se requer cifra-se em 13.307,76€.

Por outro lado, e voltamos a sublinhar, o bem imóvel cujo arresto foi pedido, o valor da hipoteca a favor do B…… indicia que o valor do imóvel rondará 1.000.000,00€.

Para além disso, devemos destacar que o mesmo imóvel já está onerado com penhoras e hipotecas a favor do requerente e também a outras entidades cujo valor garantido é sempre superior à dívida do IGFSS.

Portanto, caso o Tribunal aceitasse o arresto deste bem estaria a violar de forma grosseira, o princípio da proporcionalidade, o que não é admitido.

Razão, pois, para que a presente providência requerida seja indeferida, o que se determinará na parte dispositiva da sentença”.

É contra o assim decidido que a Recorrente se insurge, porquanto a aceitação do arresto não violaria o princípio da proporcionalidade.

Vejamos.

As providências cautelares estão sujeitas ao princípio da proporcionalidade, significando isto que não devem ser decretadas quando o prejuízo resultante das mesmas exceda significativamente o dano que se pretende evitar – artigo 368º nº 2 do NCPC - A providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar. Isto é assim, sem prejuízo de a jurisprudência propender para aceitar uma certa margem de excesso no valor dos bens arrestados sobre o montante que se pretende acautelar (neste sentido, entre muitos outros, o Ac. Da Relação de Coimbra, de 13/04/10, processo nº 42404/08.7YIPRT-A:C1).

Atentemos, então, ao que temos nos autos.

Desde logo, surpreende-se a circunstância de não resultar dos autos a indicação do valor do bem, isto não obstante a sentença referir que o valor do imóvel rondará 1.000.000,00€. Tal circunstância, que em abstracto poderia levantar dificuldades na análise da proporcionalidade da medida cautelar em apreciação, acaba por não ser relevante nesta apreciação.

Desde logo porque não resulta da sentença recorrida, nem do teor do articulado inicial, que os Requeridos sejam proprietários de outros bens para além daquele cujo arresto vem pedido - imóvel inscrito sob o artigo ………… da matriz predial urbana de Leiria e descrito sob o n°………..da freguesia da B…………… (cfr. ponto A da matéria de facto).

Por outro lado, o que se verifica é que, não obstante a dívida a garantir com o arresto ora requerido se cifrar em cerca de € 13.000,00, sobre tal prédio já recaem inúmeros ónus. Com efeito, sobre o prédio em causa encontram-se registadas:

- Na Conservatória do Registo Predial de Leiria, a constituição da hipoteca voluntária a favor do Banco ……………….., no valor de 1.000.000,00€, para garantia do empréstimo, sobre o imóvel em causa (cfr. ponto B da matéria de facto);

- Na Conservatória do Registo Predial de Leiria (AP ………., de 2014/02/07), a hipoteca legal a favor do IGFSS, I.P., relativamente ao imóvel em causa, para garantia da dívida de 87.728,55€ (cfr. ponto U da matéria de facto);

- Na Conservatória do Registo Predial de Leiria (AP 2620, de 2014/05/13), a penhora a favor do IGFSS, I.P, relativamente ao imóvel em causa, para garantia da dívida de 87.728,55€ no âmbito do Processo Executivo n.°……………….. e apensos (cfr. ponto V da matéria de facto).

Ou seja, o valor dos ónus ascende a € 1.175.457,10.

Existem já outras garantias constituídas em processos de execução fiscal, pelo que as limitações à disponibilidade do bem onerado já se verificam, não se descortinando em que medida o arresto do bem em causa (mesmo considerando o valor da dívida de € €13.307,76) pode acarretar um prejuízo que exceda significativamente o dano que se pretende evitar.

Por conseguinte, não podemos concluir, como fez o Tribunal a quo, que se verifica uma violação grosseira do princípio da proporcionalidade. Daí que, a sentença que decidiu nos apontados termos, não se possa manter.

Procedem, nesta parte, as conclusões da alegação do recurso.

Significa isto que, mostrando-se acautelado o princípio da proporcionalidade, nos termos expostos, e mostrando-se verificados os requisitos do arresto com vista à garantia da dívida de €13.307,76 (tal como resultaram apreciados na sentença recorrida), impõe-se revogar a sentença e conceder provimento à providência requerida nos termos que abaixo se explicitarão.

3 - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em conceder parcial provimento ao recurso e em consequência:

- manter a sentença recorrida na parte em que julgou não verificados os requisitos legais do arresto relativamente às dívidas correspondentes a contribuições para a Segurança Social;

- revogar a sentença recorrida na parte restante e, nessa medida, decretar o arresto do bem imóvel inscrito sob o artigo ………… da matriz predial urbana de Leiria e descrito sob o n°………..da freguesia da B………, propriedade de José ………… e Maria ……….., com vista à garantia da dívida de €13.307,76;

- ordenar a baixa dos autos à 1ª instância com vista à concretização do arresto e das notificações que se impõem.

Custas pelo Requerente, em ambas as instâncias (539º do CPC).

Lisboa, 27 de Novembro de 2014


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Barbara Tavares Teles)

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(Pereira Gameiro)