Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:394/13.8BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:10/22/2020
Relator:ANA CRISTINA CARVALHO
Descritores:# PRESSUPOSTO DA REVERSÃO
# INSUFICIÊNCIA DE BENS DA EXECUTADA ORIGINÁRIA
# DILIGÊNCIAS RELATIVAS AO APURAMENTO DA INEXISTÊNCIA DE BENS DA EXECUTADA PRINCIPAL
# FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DESPACHO DE REVERSÃO
Sumário:I- A verificação da circunstância consubstanciada na inexistência de bens penhoráveis do executado originário, prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 153.º do CPPT, basta-se com a consulta das bases de dados em uso na AT e com a elaboração de informação dos serviços aludindo à consulta efectuada e ao resultado dessa consulta.

II - A fundamentação do despacho de reversão relativamente à inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores ou à fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido pode ser efectuada por remissão para informação aludida em I, constante do processo de execução fiscal.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


I - RELATÓRIO

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada que julgou procedente a acção de oposição deduzida por A....., enquanto revertido, no âmbito do processo de execução fiscal nº ..... e aps, instaurado pelo Serviço de Finanças de Palmela, originariamente instaurada contra a sociedade F....., Lda, para a cobrança coerciva de dívidas de IVA, no montante total de € 19 900,60, dela veio interpor o presente recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:

«1. Na douta Sentença, julga-se procedente a presente Oposição, por alegada falta de fundamentação do despacho de reversão, por se entender que não foi feita a demonstração da inexistência dos bens penhoráveis, pelo não pagamento da dívida exequenda de IVA.

2. Decisão, salvo o devido respeito, com a qual não se pode concordar, porque, conforme decorre dos autos, o acto de reversão teve a sua origem no facto de a devedora originária não ter bens suficientes para fazer face às dívidas exequendas e ainda no facto do Oponente ser o gerente de facto da devedora originária, já que quanto à gerência de direito não se coloca qualquer dúvida, face à certidão permanente constante dos autos.

3. E conquanto não haja colocado em causa a gerência de facto, a verdade é que deixou arrastar a situação [(cf. petição inicial) PI – 29.º e ss)], sendo prova disso, a frustração dos créditos tributários na origem da presente execução fiscal.

4. Com efeito, atento o estatuído, à data, pelo artigo 18/1 do Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa (CIRE) - Artigo 18.º “- 1 - O devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 60 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no n.º 1 do artigo 3.º, ou à data em que devesse conhecê-la.”

5. Decorrendo, ainda, do artigo 3.º, sob a epígrafe, Situação de insolvência, que “É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.”

6. Enfim, levando a cabo uma gestão ao arrepio, designadamente, do estatuído no CIRE e, em tudo, menos conforme ao estatuído designadamente no artigo 64.º do Código das Sociedades Comerciais.

7. Gestão, essa, que o decurso do tempo se encarregaria de demonstrar, tratar-se de uma gestão, não somente irrelevante para a sociedade, mas especialmente ruinosa, conduzindo, como conduziu, à insustentabilidade da antedita sociedade.

8. Assim sendo, ao invés do referido na douta Sentença, fica (uma vez mais) provado que o Oponente não conseguiu demonstrar ter feito tudo, quanto lhe era possível, para que a sociedade executada pudesse sobreviver e saldar as suas obrigações fiscais.

9. Na verdade, ao invés do alegado na douta PI, e do concluído pela douta Sentença, tudo acontecendo por não ter observado, em devido tempo, tal como decorre da alínea a), do n.º 1, do art.º 64.º do CSC], o dever de cuidado que a situação exigia, desde logo, como acima referido, não …“revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da actividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado…”

10. Situação que, de todo, não configura acto de gestão diligente e criterioso, por se revelar prejudicial para as contas da sociedade.

11. Constatando-se, assim, a ausência de uma gestão pragmática, compensada por um certo amadorismo, decorrente de eventual impreparação para o cargo.

12. Consequentemente, face à realidade fáctica, conclui-se que, o ora Oponente, enquanto Gerente, não actuou com os deveres de cuidado, bem como com a diligência de um gestor criterioso, a que estava obrigado, tal como decorre designadamente do artigo 64.º do Código das Sociedades Comerciais – CSC.

13. Na verdade, com o devido respeito por opinião melhor fundamentada, se assim é, como se pode alegar que a gerência fez tudo o que estava ao seu alcance para pagar o imposto, defender a empresa e os seus colaboradores?

14. Porém, o ora Oponente, ao consentir na manutenção do arrastar da situação, balanceando entre a cessação da actividade e/ou a continuidade da mesma, mais não fez que escavar o arruinamento da empresa.

15. Daí que a Fazenda Pública entenda que o oponente não logrou provar que não lhe deve ser assacada culpa pela frustração dos créditos tributários.

16. E, em consequência, defenda a improcedência da presente Oposição, por entender, ajuizar, ou julgar, ao invés do referido na douta Sentença, e atento o regime subjacente à presente reversão, que o despacho de reversão preenche os inerentes requisitos legalmente estatuídos, não carecendo de fundamentação, não padecendo do vício que lhe é apontados.

17. E não enfermando de tal vício, também, o mesmo não lhe deve ser assacado, antes devendo ser mantido na ordem jurídica, com todas as consequências legais, daí adevenientes, o que desde já se requer.

DO ERRO DE JULGAMENTO

18. Como antedito, na douta Sentença ora recorrida, o Tribunal “a quo” julgou a Oposição procedente por considerar que não se encontra fundamentada a insuficiência de bens da devedora originária, “… na medida em que o despacho de reversão é omisso quanto às diligências efectuadas, não permitindo ao Oponente perceber se a inexistência de bens ocorreu antes do despacho de reversão ou se à data do dito despacho efectivamente existiam bens.” Destacado, nosso.

19. Decisão com a qual se não pode concordar, nem nos conformar.

20. Com efeito, como resulta do Acórdão do Pleno da Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo, de 24/03/2010, no recurso n° 58/09, disponível em www.dgsi.pt, as normas que determinam a responsabilidade dos gerentes relativamente às dívidas tributárias são normas de carácter substantivo pelo que deverão ser aplicadas as normas que estiverem em vigor à data dos factos a que se reporta a reversão, ou seja, à data a que se reportam os impostos ou contribuições em causa.

21. Ora, a dívida em causa, conforme certidão, é referente a IVA respeitante aos períodos de tributação de 2008 e 2009, determinando o artigo 24°, da LGT, na redacção em vigor à data dos factos, que:

"1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dividas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento. (...)". Sublinhado, nosso.

22. Desta norma resulta que são dois os regimes distintos de responsabilidade dos corpos sociais das sociedades pelas dívidas tributárias onde a responsabilidade assenta sempre na insuficiência do património societário.

23. No caso da alínea a) compete à Administração Fiscal (AF) provar que a falta de pagamento decorre da culpa do gerente na falta ou insuficiência do património societário para fazer face ao pagamento das dívidas fiscais.

24. No caso da al. b) a responsabilidade pela falta de pagamento, porque esta ocorre durante o período da gerência, a lei presume a responsabilidade por essa falta e impende sobre o gerente o ónus da prova da falta de responsabilidade pela falta do pagamento.

25. Prova que, o ora oponente, salvo o devido respeito não fez, não ilidindo o ónus que sobre si impende.

26. Ora, desde logo, de acordo com o disposto no aludido artigo 64.° do CSC, cumpre afirmar que, sobre todos os administradores/gerentes impende o dever de administrar com diligência as sociedades.

27. Ou seja, todos os administradores/gerentes têm o dever ou a obrigação geral de vigilância sendo que este dever não deve ser aferido pelo padrão de referência do bonus pater familiae, mas sim e como estabelece a alínea a) do n° 1 do artigo 64° do CSC, tendo como padrão de referencia a figura do gestor criterioso e ordenado.

28. Será este padrão de referência que servirá para aferir da responsabilidade dos administradores.

29. Porém, sobre os administradores das sociedades comerciais impende ainda o dever de cuidado que se desdobra, entre outros, no dever de monitorizar a actividade da sociedade (duty of monitor) que implica a obrigação de acompanhar e vigiar a actividade social.

30. Embora isto não signifique que o gestor deve saber de tudo o que se passa no dia-a-dia da sociedade, mas impõe o dever de instalar sistemas adequados de vigilância e controlo da informação e eventualmente realizar investigações quando tome conhecimento de factos anómalos.

31. Não estamos aqui perante obrigações de resultado mas sim obrigações de meios, ou seja, da forma como desempenham as suas funções - Prof. António Pereira de Almeida, obra citada, pág. 270.

32. E para que se possa afirmar que os administradores/gerentes violaram os seus deveres para com terceiros, nomeadamente para com os seus credores é necessário que tenham violado normas que se destinem a proteger os credores.

33. No caso das dívidas para com o credor Estado o administrador/gerente tinha que provar que a falta de pagamento não lhe é imputável.

34. Ora, como ficou provado nas presentes alegações, o Oponente nada prova neste sentido.

35. Limitando-se, sem colocar em causa a sua gerência de facto na sociedade, a alegar “…que não contribuiu para a falta ou insuficiência dos bens desta.”

36. O que é verdadeiramente pouco, porque sendo gerente da sociedade, uma das obrigações que sobre si impende e que visa a protecção dos credores, entre outras, é o dever de apresentar a sociedade à insolvência (artigos 18° e 19° do CIRE) quando verifica que o património social não é suficiente para solver as dívidas sociais, entre as quais se encontram as dívidas ao Estado.

37. Presentemente, na sequência da alteração introduzida pela Lei 16/2012, de 20 de Abril, tal deverá acontecer dentro dos 30 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência - Artigo 18.º [...] 1 — “O devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 30 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no n.º 1 do artigo 3.º, ou à data em que devesse conhecê-la.

2 — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

3 — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .”

38. Sendo que, se em sede de CSC a culpa não se presume, já em sede de LGT, mais concretamente do seu artigo 24°, n° 1, a culpa presume-se no caso da alínea b) e no caso da alínea a) é sobre a AF que impende a obrigação de provar a culpa do gerente/administrador.

39. Ou seja, no caso da alínea b) incumbe ao gerente a prova de que não foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente para solver as dívidas ao Estado e, no caso da alínea a), é sobre a AF que impende o ónus da prova.

40. Ora, no caso, o Oponente não provou que não por culpa sua que o imposto não foi pago, sendo certo que pelo menos violou os seus deveres de um gestor cuidadoso e criterioso.

41. De facto, enquanto gerente da sociedade deveria assegurar que os orçamentos que fazia eram suficientes para pagar aos seus credores, sejam eles trabalhadores ou Estado.

42. Mais, a situação, como provado nos autos, não somente se deteriorava, cada dia que passava, como se arrastou tempo demais.

Venerandos Juízes Desembargadores,

43. Com a devida vénia, atento o até agora exposto, e atentos os pressupostos, de facto e de direito, em que assenta a presente reversão, torna-se difícil perceber a invalidade, ora sentenciada, do acto de reversão.

44. Porque, salvo melhor entendimento, a argumentação desenvolvida, pelo ora Oponente, e que conduziu à douta Sentença do Tribunal “a quo”, objecto do presente recurso, carece de total fundamento.

45. Voltamos a referir, por que de extrema relevância, que a reversão operou-se com apoio legal na alínea b) do nº 1 do art. 24º da LGT.

46. Ora, atento o facto da reversão em causa ter como base legal a alínea b), do nº 1, do art. 24º da LGT, o mesmo prevendo que: “Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas … são subsidiariamente responsáveis …;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”. Sublinhado, nosso.

47. Ora “In casu”, verifica-se que o Oponente exerceu a gerência de facto no período a que respeita a dívida bem como no período em que decorreu o respetivo prazo legal de pagamento.

48. Tal gerência encontra-se documentalmente provada nos presentes autos e o próprio Oponente confessa que “no exercício das suas funções de gerência da devedora originária, o ora oponente sempre actuou responsavelmente”.

49. Cabendo, ao Oponente/Revertido provar que a falta de pagamento não lhe foi imputável, ao contrário do que alega.

50. Invocando, para o efeito, que “as dificuldades da empresa não decorrem de actos de má gestão, mas, sim, de factores externos”.

51. Porém, neste contexto, não podemos deixar de referir o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 29-10-2009, proc. nº 00228/07.2BEBRG, entendendo que “Para afastar a responsabilidade subsidiária pelas dívidas de impostos cujo termo do prazo para pagamento ou entrega terminou durante o período da sua administração, é necessária a demonstração de que não é imputável aos gerentes ou administradores das sociedades a falta de pagamento ou de entrega do imposto (art. 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT)”.

52. Considerando que, “ao gerente que exercia funções na data em que deveria ter sido entregue o imposto não basta, em sede de oposição à execução fiscal, alegar que a empresa atravessava dificuldades económicas provocadas por motivos exógenos, que ele se esforçou por ultrapassar, e que foi um gestor diligente”. Sublinhado, nosso.

53. O que mais não faz, no presente caso!

54. Consequentemente, o Oponente, não logrou provar que a falta de pagamento não lhe foi imputável, prova essa que lhe competia, nos termos da citada norma, facto que contra si deve ser valorado.

55. Assim, por tudo o que se disse, e demonstrada a inexistência dos bens penhoráveis do devedor principal e a gerência de facto do revertido, não assiste qualquer razão ao ora Oponente, devendo concluir-se pela improcedência de toda a argumentação expendida na douta PI, o que o Tribunal “a quo”, não faz.

56. E dada a referência à alínea a) do nº 1 do art. 24º da LGT, cumpre destacar que a reversão operou-se com base na alínea b) do mesmo preceito legal, conforme resulta do próprio Despacho de Reversão e da citação.

57. Ora, de acordo com o disposto no nº 2 do art. 23º da LGT, “A reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal…”.

58. Por sua vez, do despacho de Reversão resulta que foram efectuadas diligências de modo a aferir da insuficiência de bens da devedora originária.

59. Acrescendo, ainda, que não está legalmente estabelecida qualquer obrigação, da Administração Fiscal, de indicar quais as diligências adoptadas.

60. Com o mesmo entendimento, recorre-se ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 06-02-2013, Proc. nº 01087/12, disponível para consulta em www.dgsi.pt, do qual se destaca o seguinte excerto:

“Não pode, pelo exposto, afirmar-se que o despacho de reversão não se encontra fundamentado, já que foi proferido após diligências que apuraram a inexistência de bens da executada, sendo certo que não exige a lei que no despacho de reversão conste quais as diligências que foram efetuadas.” Destacado, nosso.

61. Fica claro que a insuficiência de bens do devedor originário como um dos pressupostos da obrigação de responsabilidade subsidiária encontra-se devidamente demonstrada nos presentes autos.

62. Além do mais é o próprio Oponente que refere que a “empresa originária viu-se perante graves dificuldades financeiras e inesperadas indisponibilidades de tesouraria”.

63. Para além disso, não demonstrou que existissem quaisquer bens para assim poder contrariar as conclusões da AT.

64. Concluindo-se, assim, que o despacho de reversão, em causa, não merece censura, antes devendo, em consequência, manter-se na ordem jurídica do oponente.

65. Porque, o ora Oponente é responsável pelo pagamento da dívida de imposto e deve ser considerado parte legítima, na presente execução, mantendo-se o despacho que contra ele decretou a reversão.

66. Ao assim não entender, a douta Sentença recorrida violou, designadamente, o artigo 23.º, n.º 2 e o artigo 24.º, n.º 1 alínea b), ambos da Lei Geral tributária

67. Não podendo a mesma ser mantida, antes devendo ser revogada e substituída por uma decisão que dê provimento à pretensão da recorrente e, em consequência, julgar a oposição improcedente.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a Vossas Excelências se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por TOTALMENTE PROVADO e, em consequência, ser a douta Sentença, ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue improcedente a presente oposição, tudo com as devidas e legais consequências


*


O Recorrido, não apresentou contra-alegações.

*




Foi dada vista ao Ministério Público, e neste Tribunal Central Administrativo, o Procurador–Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da procedência do recurso, acolhendo os argumentos invocados pela recorrente pugnando, ainda, pela revogação da sentença recorrida e pela sua «substitui[ção] por outra que julgue improcedente a oposição apresentada».

*


Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência para apreciação e decisão.

*


II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente no âmbito das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Importa assim, decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar que o despacho de reversão não se encontrava fundamentado, no que concerne ao pressuposto da reversão relativo à inexistência ou fundada insuficiência de bens da primitiva devedora para satisfazer as dívidas exequendas.

III - FUNDAMENTAÇÃO

III – 1. De facto


É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:

« Consideram-se provados os seguintes factos, com interesse para a decisão, de acordo com as várias soluções plausíveis das questões de direito, tudo se dando por integralmente reproduzido:
A) Em 09.01.2006 foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Santa Maria da Feira a constituição da sociedade “F....., Lda”, tendo sido designado gerente A..... (cf. cópia da certidão da conservatória a fls. 6/9 do processo de execução fiscal em apenso).
B) Em 18.05.2012 foi registada a transmissão da quota de A..... (cf. cópia da certidão da conservatória a fls. 6/9 do processo de execução fiscal em apenso).
C) Contra a sociedade “F....., LDA”, foi instaurado a 24.11.2009, pelo Serviço de Finanças de Palmela, o processo de execução fiscal n.º .....por dívidas de IVA dos anos de 2008 e 2009 cuja quantia exequenda ascende a € 19.900,72 (cf. fls. 1 a 3 do processo de execução fiscal em apenso).
D) Em 6.11.2012 foi proferido despacho de projecto de reversão pela Chefe do Serviço de Finanças de Palmela, com os seguintes fundamentos:
“(…) As informações oficiais prestadas referem o seguinte:
1. A sociedade, devidamente matriculada sob o n.° .....na Conservatória do Registo Comercial de Palmela, iniciou a sua actividade para efeitos de fiscais e para a actividade de indústria de cortiça, comércio por grosso de cortiça em bruto e comércio de rolha e discos de cortiça, CAE principal 16294-R3 e CAE secundário 46213-R3, em 09/01/2006, passando por tal facto a ser Sujeito Passivo do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e Sujeito Passivo do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), enquadrada no regime geral a partir desta data;
2. A sociedade cessou a actividade para efeitos fiscais em IVA em 2009-12-31;
3. A Sociedade não se encontra dissolvida ou encerrada;
5. A dívida exequenda da responsabilidade da sociedade ascende já ao total de € 24 738,06 (vinte e quatro mil setecentos e trinta e oito euros e seis cêntimos), discriminada da seguinte forma:
Processo
executivo
Certidão
    Tributo
    Período de Tributação
N.º Documento Original
Data Limite pagarnento
Quantia
Exequenda
    .....
    2009/292616
IVA
0812T
.....
2009-10-31
€ 7.375.00
    2009/292617
IVA
0812T
.....
2009-10-31
€130.12
    .....
    2009/313561
IVA
0909T
.....
2009-11-16
€ 6.850,00
    .....
    2010/39002
IVA
0912T
.....
2010-02-15
€ 5 545,60
TOTAL
€ 19.900,72

Legenda: IVA-imposto sobre o Valor Acrescentado e PF – Pagamento em Falta.


6. Após as diligências efectuadas, nomeadamente consulta a todos os sistemas informáticos, para averiguação de existência de bens, não foi possível encontrar bens penhoráveis em nome da executada e devedora originária, verificando-se assim a circunstância prevista na al. a) do n.° 2 do art ° 153° do CPPT ou seja, a inexistência de bens penhoráveis do devedor originado;

7. Desde a constituição da sociedade até à presente data, foi e é sócio gerente e actualmente representante de cessação, de direito e de facto, da executada e devedora originária, A....., número de identificação fiscal .....casado, no regime de separação de bens, com A..... NIF ....., com domicílio fiscal na R. .....;
8. A forma de obrigar a sociedade depende da assinatura de um gerente, tendo sido a gerência atribuída a A......

Toda a informação antes relatada fundamenta-se no seguinte:

- Informações averiguações, recolhidas através da consulta aos meios arquivísticos e informáticos disponíveis neste Serviço de Finanças, juntas de fls. 10 a 12;
- Certidão permanente do teor da matrícula, emitida em 2012-10-25 junta a fls. 6 a 9;
- Print informático da Declaração de Início de Actividade, apresentada em 2006-01-06 no Serviço de Finanças de Feira 4, junta a fls. 13 a 17;
- Print informático da Declaração de Cessação de Actividade, apresentada em 2010-12-11 no Serviço de Finanças de Feira 4, junta a fls. 18 a 22;
- Print informático com informação referente às declarações de IVA dos períodos de 0812T, 0909T e 0912T, submetida pelo sujeito passivo sem o respectivo meio de pagamento, junto a fls. 23 a 25.

Verifica-se assim que, desde a constituição da sociedade até à presente data, foi e sócio gerente e actualmente representante de cassação, de direito a de facto, da executada e devedora originária A....., número da identificação fiscal ....., casado, no regime de separação de bens, com A....., NIF ....., com domicílio fiscal na R. ....., funções que exercia efectivamente traduzindo-se estas, na prática de actos reveladores da administração da originária e que contribuíram para o estado falimentar da originária devedora, pelo que, nos termos do art. 23º e alínea b) do n.º 1 do art. 24° da Lei Geral Tributária (LGT), a ele devem ser imputadas as responsabilidades de cariz subsidiária, pelo não pagamento das contribuições e impostos, cujo facto constitutivo e/ou prazo legal de pagamento tenham ocorrido no período do exercício do seu cargo. (…)
Assim o passo seguinte deverá ser a decisão de reversão contra o responsável subsidiário A....., número de identificação fiscal ....., casado, no regime de separarão de bens, com A..... NIF .....com domicílio fiscal na R. ....., em relação à devedora originária, relativamente às dividas que estão na base da instauração dos processos de execução fiscal e seguir discriminados:
Processo
executivo
Certidão
    Tributo
    Período de Tributação
N.º Documento Original
Data Limite pagarnento
Quantia
Exequenda
    .....
    2009/292616
IVA
0812T
.....
2009-10-31
€ 7.375.00
    2009/292617
IVA
0812T
.....
2009-10-31
€130.12
    .....
    2009/313561
IVA
0909T
.....
2009-11-16
€ 6.850,00
    .....
    2010/39002
IVA
0912T
.....
2010-02-15
€ 5 545,60
TOTAL
€ 19.900,72




Para efeitos de accionar os mecanismos conducentes à efectivação da responsabilidade subsidiaria, e atendendo ao disposto no art. 153.°, n.° 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), prepare-se o processo com viste è reversão contra o acima identificado responsável. (cf. fls. 28/30 do processo de execução fiscal em apenso).

E) Em 6.11.2012, foi emitido ofício pelo Serviço de Finanças de Palmela, com vista à notificação do projeto de reversão, no processo de execução fiscal identificado em C), contra o ora oponente, na qualidade de responsável subsidiário (cf. fls. 32/34 do processo de execução fiscal).

F) Em 19.02.2013 foi proferido o seguinte despacho pela Chefe do Serviço de Finanças de Palmela:

"(...) Através da análise de instrução do presente processo, constata-se a inexistência de bens pertencentes à executada e originária devedora, “F..... LDA”, número de identificação fiscal ....., com sede fiscal na R. .....

As informações oficiais prestadas referem o seguinte, relativamente à mesma firma:

1. A sociedade, devidamente matriculada sob o n ° .....na Conservatória do Registo Comercial de Palmela, iniciou a sua actividade, para efeitos fiscais e para a actividade de indústria de cortiça, comércio por grosso de cortiça em bruto e comércio de rolhas e discos de cortiça CAE principal 16294-R3 o CAE secundário 46213-R3, em 09/01/2006, passando por tal facto a ser Sujeito Passivo do imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e Sujeito Passivo do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), enquadrada no regime geral a partir desta data.

2. A sociedade cessou a actividade para efeitos fiscais em IVA em 2009-12-31;

3. A Sociedade não se encontra dissolvida ou encerrada;

4 . A dívida exequenda da responsabilidade da sociedade ascende já ao total de € 24738 06 (vinte e quatro mil setecentos e trinta e oito euros e seis cêntimos):

5. A dívida exequenda nos presentes autos ascende a € 19.900,72 (dezanove mil e novecentos euros e setenta e dois cêntimos), discriminada da seguinte forma:

(…)Toda a informação antes relatada fundamenta-se no seguinte:

- Informações averiguações, recolhidas através da consulta aos meios arquivísticos e informáticos disponíveis neste Serviço de Finanças, juntas de fls. 10 a 12;

- Certidão permanente do teor da matrícula, emitida em 2012-10-25 junta a fls. 6 a 9;

- Print informático da Declaração de Início de Actividade, apresentada em 2006-01-06 no Serviço de Finanças de Feira 4, junta a fls. 13 a 17;

- Print informático da Declaração de Cessação de Actividade, apresentada em 2010-12-11 no Serviço de Finanças de Feira 4, junta a fls. 18 a 22;

- Print informático com informação referente às declarações de IVA dos períodos de 0812T, 0909T e 0912T, submetida pelo sujeito passivo sem o respectivo meio de pagamento, junto a fls. 23 a 25.

Perante a informação que antecede conclui-se que o sócio gerente, de direito e de facto, da executada e devedora originária, A....., número de identificação fiscal ....., casado, no regime de separação de bens com A..... NIF ....., com domicílio fiscal na R ....., foi responsável pelos actos decorrentes da actividade da devedora originária, nomeadamente no que diz respeito ao período de origem das dívidas, bem como ao tempo da liquidação e/ou cobrança das mesmas.

O processo em questão tem por base as declarações de IVA dos períodos de 0812T, 0909T e 0912T, submetida pelo sujeito passivo sem o respectivo meio de pagamento.

Assim se cumpriu.

Em 08/11/2012, foi remetida, para a morada constante do cadastro, a notificação para audição prévia através de carta registaria para os efeitos dos artº 23°. n ° 4 e artº 60° da LGT, ao responsável subsidiário, A....., número de identificação fiscal ....., casado, no regime de separação de bens com A....., NIF ....., com domicílio fiscal na R. ....., tendo a mesma sido devolvida em 13-11-2012, o mesmo é considerado notificado.

Face ao exposto, constatada a inexistência de bens da originária devedora e tendo como fundamento legal o disposto na alínea a) do n° 2 do art.º 153° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), ORDENO A REVERSÂO DA EXECUÇÃO, contra o responsável subsidiário A....., número de identificação fiscal ....., casado, no regime de separação de bens com A....., NIF ....., com domicílio fiscal na R. ....., nos termos dos art°s 23° e alínea b) do n° 1 do 24° da Lei Geral Tributária (LGT) e do art.º. 8º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) por toda a quantia exequenda em dívida nestes autos e a seguir discriminada:
Processo
executivo
Certidão
TributoPeríodo de Tributação
N.º Documento Original
Data Limite pagarnento
Quantia
    Exequenda
.....2009/292616
IVA
0812T
.....
2009-10-31
€ 7.375.00
2009/292617
IVA
0812T
.....
2009-10-31
€130.12
.....2009/313561
IVA
0909T
.....
2009-11-16
€ 6.850,00
.....2010/39002
IVA
0912T
.....
2010-02-15
€ 5 545,60
TOTAL
€ 19.900,72






Legenda: IVA - Imposto sobre o Valor Acrescentado, PF- Pagamento em falta.

A decisão agora produzida funda-se no facto de não ter sido provado que não lhe é imputável a falta de pagamento da dívida, o quando o prazo legal de entrega da documentação terminou em período de exercício do cargo (art.º 24º, n.º 1 al. b) da LGT), baseada nas informações oficiais e provas documenteis inclusas nos autos.

Os períodos de vigências da legislação invocada e que antes se expressaram, vigoram não só para o período a que respeita a dívida como também para aquele em que decorreu o respectivo prazo legal de pagamento.

Atenta a fundamentação supra, proceda-se à citação do executado por reversão, nos termos do art° 160° do CPPT, tendo em atenção o disposto no artº 191º, n.º 3 do mesmo Código, para pagar no prazo de 30 (trinta) dias, a quantia que contra si reverteu sem juros de mora nem custas (n º 5 do artº 23° da LGT).

(cf. fls. 36/39 do processo de execução fiscal em apenso).
G) Pelo Serviço de Finanças de Palmela foi emitido ofício dirigido ao ora Oponente, sob registo e aviso de recepção, com vista à citação da reversão referida na alínea antecedente, onde consta como "Fundamentos da Reversão" o seguinte:
"Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art. 23.2/n.2 2 da LGT):
Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24.2/n.2 1/b) LGT].
Com os fundamentos do Despacho de que se junta cópia, bem como cópia das certidões de dívida" (cf. fls. 40/42 do processo de execução fiscal em apenso).

*
Consta ainda da mesma sentença que «Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa» e que «A decisão da matéria de facto assenta na análise dos documentos constantes dos autos, nomeadamente das informações oficiais e dos documentos juntos, não impugnados, conforme referido a propósito de cada alínea do probatório.».
*

III – 2. De direito

Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, como referimos antes, é pelas conclusões com que o recorrente extrai das suas alegações, que se determina objecto do recurso e o âmbito de intervenção deste tribunal, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas as questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Nas conclusões deve o recorrente indicar, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida, conforme resulta do disposto no artigo 639.°, n.° 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho).

Antes de mais, para melhor percebermos o alcance do recurso jurisdicional que nos vem dirigido importa ter presente o âmbito da decisão proferida.

O recorrido apresentou oposição ao processo de execução fiscal, na qualidade de revertido, invocando que, para que possa ser legitimamente investido na qualidade de responsável subsidiário deverão ter-se por verificados determinados requisitos essenciais, que considera não se verificarem no caso dos autos. Em concreto, o oponente invocou que o despacho de reversão não contém a fundamentação legalmente exigível, já que é omisso quanto à “referência integral a todas as provas obtidas, quer através de documentos obtidos, quer através de diligências dos serviços da administração fiscal que levaram à reversão. (…) apenas refere no ponto 6 do despacho que «após diligências efectuadas, nomeadamente consulta a todos os sistemas informáticos, para averiguação de existência de bens, não foi possível encontrar bens penhoráveis em nome da executada».” Colocou assim em dúvida a verificação do pressuposto de reversão relativo à insuficiência patrimonial, por ausência de documentos que atestem a realização de quaisquer diligências nesse sentido, concluindo que não podia dar-se por verificado tal requisito essencial da decisão de reversão, sem que tenha sido junto qualquer comprovativo.

O oponente invocou ainda, a falta de legitimidade com fundamento na ausência de culpa pelo facto do património do devedor originários se ter tornado insuficiente para a satisfação das dívidas.

A sentença sob recurso julgou a acção procedente, anulou o despacho de reversão e absolveu o oponente da instância executiva. Depois de eleger como primeira questão a decidir a da culpa, na assumpção de que tal precedência conferiria maior tutela garantística, considerou que o caso dos autos se subsumia à alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT.

Da análise às conclusões do recurso apresentado pela Fazenda Pública resulta patente que o mesmo foi estruturado em duas vertentes:

i) Nas conclusões 3 a 15, 20 a 42, 45 a 54 e 56, o ataque à sentença é direccionado à consideração de que ocorreu erro de julgamento, defendendo a Fazenda Pública que a oposição devia ter sido julgada improcedente por não ter o recorrido/oponente logrado provar que não lhe era imputável a falta de pagamento das dívidas exequendas, pugnando a Fazenda Pública, a final, pela revogação da sentença nesta parte;

ii) Nas conclusões 1, 2, 16, 18, 43, 55, 57 a 67 a discordância da Fazenda Pública reporta-se à procedência do julgamento efectuado em 1ª instância relativamente à questão da fundamentação do despacho de reversão, no que se refere às diligências efectuadas reativas ao apuramento da inexistência de bens da executada principal.

Como se alcança do que supra se deixou dito, a sentença sob recurso considerou que estavam reunidos os pressupostos da reversão por falta de prova de que actuou com a «diligência e critério, assegurando os direitos dos credores da empresa, maxime do Estado» e assim sendo, a Fazenda não ficou vencida quanto a esta questão, não sendo de conhecer o recurso nesta parte.

Prosseguiremos assim, com a apreciação e decisão da questão relativa à fundamentação do despacho de reversão, no que se refere ao pressuposto da insuficiência de bens da devedora originária.

Invocava o oponente na petição inicial que o despacho de reversão não está fundamentado, já que não contém a «referência integral a todas as provas obtidas, quer através de documentos obtidos, quer através de diligências dos serviços da administração fiscal que levaram à reversão. (…)» apenas referindo, no ponto 6 do despacho, que «após diligências efectuadas, nomeadamente consulta a todos os sistemas informáticos, para averiguação de existência de bens, não foi possível encontrar bens penhoráveis em nome da executada.» Considerou assim, o oponente que está colocada em causa a tese da “administração fiscal” quanto a uma “suposta insuficiência patrimonial”, por ausência de documentos que atestem a realização de quaisquer diligências nesse sentido, concluindo que não podia dar-se por verificado tal requisito essencial da decisão de reversão, sem que tenha sido junto qualquer comprovativo.

Na sentença sob censura, foi consignado que, «para se chegar à conclusão de que a sociedade devedora originária não possuía bens, deveria ter carreado para o processo as diligências tendentes a averiguar da existência de bens penhoráveis e obter provas, ou, pelo menos, indícios seguros que permitam concluir, com segurança, pela inexistência de bens penhoráveis», concluindo pela manifesta inexistência de fundamentação do despacho de reversão quanto à insuficiência patrimonial.

É contra o assim decidido que a recorrente não se conforma, por considerar que do despacho de reversão resulta que foram efectuadas diligências de modo a aferir da insuficiência de bens da devedora originária, não estando legalmente estabelecida qualquer obrigação da Administração Fiscal no sentido de indicar quais as diligências adoptadas, resultando também da petição inicial que é o próprio oponente que refere que “a empresa teve graves dificuldades financeiras e inesperada indisponibilidade de tesouraria”.

Está, pois, em causa, saber se a prova da insuficiência de bens como pressuposto da reversão se basta com a menção das diligências que foram feitas para esse apuramento, ou se, como decidiu a Meritíssima Juíza, subscrevendo o raciocínio desenvolvido na petição inicial, é exigível a junção de prova, ainda que apenas indiciadora, de que o património da devedora originária não integrava quaisquer bens penhoráveis.

No caso dos autos, conforme resulta da alínea D) da fundamentação de facto, pelos serviços da AT foi prestada informação, constando no seu ponto 6, o seguinte: «após as diligências efectuadas, nomeadamente consulta a todos os sistemas informáticos, para averiguação de existência de bens, não foi possível encontrar bens penhoráveis em nome da executada e devedora originária, verificando-se assim a circunstância prevista na al. a) do n.° 2 do art ° 153° do CPPT ou seja, a inexistência de bens penhoráveis do devedor originado;».

Na mesma data foi elaborado projecto de decisão que incorporou aquela informação, entre outras. De salientar que o ofício de notificação, com vista à audição prévia, no campo destinado ao projecto de reversão refere «inexistência dos bens penhoráveis do devedor principal e devedores solidário, sem prejuízo do benefício da excussão (art.º 23.º/n.º 2 da LGT) (…)». Ora, o oponente foi notificado para se pronunciar, querendo, sobre este projecto e foi esse projecto que foi convertido em decisão de reversão mantendo aquela alusão às diligências efectuadas e à impossibilidade de se encontrarem bens penhoráveis. Já no ofício de notificação da decisão fez-se menção à inexistência/insuficiência. Contudo, a notificação constitui um meio de dar a conhecer ao seu destinatário o conteúdo do acto, é-lhe exterior e com ele não se cofunde. No caso dos autos estamos em presença de um acto praticado em massa, contendo campos pré preenchidos que devem ser adaptados pelo órgão da execução fiscal em função de cada caso em concreto.

Recordando o bloco legal aplicável, estabelece o artigo 23.º, n.º 2 da LGT que «a reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão». Preceitua o n.º 3 da citada norma que, ainda assim, «caso, no momento da reversão, não seja possível determinar a suficiência dos bens penhorados por não estar definido com precisão o montante a pagar pelo responsável subsidiário, o processo de execução fiscal fica suspenso desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do executado, sem prejuízo da possibilidade de adopção das medidas cautelares adequadas nos termos da lei».

Por sua vez, o n.º 2 do artigo 153.º do CPPT estatui que o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias: a) Inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores; b) Fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido.

A verificação da circunstância consubstanciada na inexistência de bens penhoráveis do devedor, prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 153.º do CPPT, supra citada, basta-se com a consulta das bases de dados em uso na AT e com a elaboração de informação dos serviços aludindo à consulta efectuada e ao resultado dessa consulta.

No caso dos autos, considerou a Meritíssima Juíza que, «quer no despacho de reversão quer na decisão que fundamenta a reversão, bem como na citação, não é feita qualquer alusão, não é alegado qualquer facto, nem feita qualquer remissão para qualquer informação constante do processo de execução fiscal», concluindo pela verificação da «total omissão quanto à fundamentação da inexistência ou insuficiência do património da devedora originária».

Contudo, resulta da matéria de facto apurada que previamente à decisão de reversão foi exarada uma informação indicando os factos apurados, que menciona expressamente: «6. Após as diligências efectuadas, nomeadamente consulta a todos os sistemas informáticos, para averiguação de existência de bens, não foi possível encontrar quaisquer bens penhoráveis em nome da executada e devedora originária, verificando-se assim, a circunstância prevista na al. A) do n.º 2 do art.º 153º do CPPT, ou seja a inexistência de bens penhoráveis do devedor originário (…)», reiterando em seguida que foram tais «informações/averiguações recolhidas através da consulta aos meios arquivísticos e informáticos disponíveis neste Serviço de Finanças». Tal informação foi reproduzida no projecto de reversão e no despacho de reversão. É referida expressamente a consulta aos arquivos e sistemas informáticos e que tais diligências, para averiguar e apurar da existência de bens, se revelaram infrutíferas. Tal informação serviu de fundamento à elaboração do projecto e à decisão de reversão, como neles se refere, constituindo elementos suficientes para se dar como comprovada a inexistência de bens.

Neste sentido pode ver-se o Acórdão datado de 06/02/2013, proferido pelo STA no processo n.º 01087/12 inteiramente transponível para a situação sub judice:

«VI.1. Refere a recorrente nas 1ª e 2ª conclusões que o despacho de reversão deve especificar, em si ou por remissão para as informações juntas aos autos que comprovem a realização de diligências para a identificação da existência de bens, a inexistência de bens ou a insuficiência de bens, devendo neste caso identificar os bens conhecidos e os seus valores, nada disso constando do referido despacho, não se sabendo que diligências foram realizadas para se concluir pela inexistência de bens. Deste modo, o despacho não está fundamentado.

Ora, ao contrário do afirmado (…)na notificação para o exercício do direito de audição era feita referência a tais diligências (v. fls. 45 do apenso).

Não pode, pelo exposto, afirmar-se que o despacho de reversão não se encontra fundamentado, já que foi proferido após diligências que apuraram a inexistência de bens da executada, sendo certo que não exige a lei que no despacho de reversão conste quais as diligências que foram efetuadas. No caso concreto, a recorrente foi informada dessas diligências sobre as quais não se pronunciou no exercício do seu direito de audição, pelo que nem sequer pode alegar que desconhece as diligências efetuadas

Nesta conformidade, há que conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, julgar a oposição improcedente.


*

IV - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogando a sentença na parte em que considerou o despacho de reversão não fundamentado por falta de demonstração a inexistência de bens penhoráveis, julgando a oposição improcedente.

Custas pelo Recorrido apenas na 1ª instancia por não ter apresentado contra-alegações.

Lisboa, 22 de Outubro de 2020.


_________________________________
(Ana Cristina Carvalho)
_________________________________
(Ana Pinhol)
_________________________________
(Isabel Fernandes)