Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1625/21.6BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:03/10/2022
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:RECLAMAÇÃO DA DECISÃO DO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
APENSAÇÃO DE EXECUÇÕES FISCAIS
Sumário:I. A execução fiscal corre termos perante o órgão de execução fiscal, pelo que cabe-lhe ponderando razões de economia processual decidir efectuar ou não a apensação dos processos de execução fiscal, que corram contra o mesmo executado, sendo-lhe concedida a possibilidade de não a efectuar quando possa prejudicar o cumprimento de formalidades especiais ou, por outro motivo, possa comprometer a eficácia da execução (cfr. n.º 3 do artigo 179.º do CPPT).

II. Os processos de execução identificados no probatório estão todos na mesma fase, com planos de pagamento em prestações aprovados, não obstante tais planos possam encontrar-se em diferentes momentos de execução.

III. A existência de diversos planos de pagamento em prestações por referência a cada um dos processos de execução fiscal em causa, só por si, não constitui razão legalmente válida para que não se possa proceder à apensação das execuções fiscais.

IV. Ao órgão de execução fiscal não é permitida discricionalidade na sua decisão de apensar ou não apensar as execuções, por a mesma ser obrigatória quando resultem ganhos de eficiência formais e substanciais.

V. O acto reclamado não apresenta qualquer fundamentação, com enquadramento legal, no disposto no n.º 3 do artigo 179.º do CPPT, para justificar o indeferimento da apensação das execuções fiscal, e, por isso, não se vislumbra razões objectivas para que a requerida apensação não tenha lugar.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP (IGFSS) veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou procedente a reclamação deduzida por E....., Lda, e, por consequência, anulou a decisão que indeferiu a apensação de processos requerida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 179.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

2. O Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos presentes, nos termos do qual o Tribunal a quo decidiu julgar procedente por provada a reclamação deduzida e, em consequência, ordenou a anulação do acto reclamado.

2. Decidiu-se na douta sentença que os processos de execução fiscal que se encontram instaurados em nome da Reclamante estão todos na mesma fase, porquanto apesar de uns estarem mais adiantados do que outros, encontram-se em pagamento a prestações e que o órgão de execução fiscal não interpretou de forma correta o regime decorrente do artigo 179° do C.P.P.T., incorrendo em vicio de violação da lei, devendo, por conseguinte ser anulada a decisão do Coordenador da Secção de Processo que negou a apensação dos processos da executada.

3. Não pode o IGFSS,IP conformar-se com tal entendimento, uma vez que os processos de execução fiscal não se encontram todos na mesma fase processual.

4. O artigo 179° do C.P.P.T. refere-se à apensação dos processos de execução fiscal, não se referindo à apensação de planos prestacionais;

5. Ainda que se entendesse que o artigo 179° se refere à apensação de planos prestacionais, verifica- se que os vários planos se apresentam em diferentes estados de execução, nomeadamente quanto ao número de prestações autorizadas;

6. A eventual apensação dos processos defendida pela sentença recorrida não incrementa a celeridade da globalidade das execuções uma vez que, ao admitir a possibilidade de um novo acordo de pagamento em 150 prestações mensais, implicaria um prolongamento da instância executiva por, pelo menos, mais 12 anos (!)

7. O que motiva a apensação de processos são sobretudo razões de economia processual e não motivos relacionados com os direitos e deveres processuais das partes.

Nestes termos, e nos que mais V. Exc.ªs doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso, e consequentemente revogada a sentença recorrida, e substituída por outra no sentido de manter o ato reclamado, com o que se fará a necessária e costumada JUSTIÇA»

3. A recorrida, E....., Lda, veio apresentar as suas contra-alegações, cujas conclusões se reproduzem ipsis verbis:

«a) O Apelante viola grosseiramente o disposto no previsto no n.° 1 do artigo 179.° do CPPT, faz uma incorreta interpretação do mesmo, alegando que esse normativo não prevê a apensação de planos prestacionais.

b) O que o normativo prevê e sempre foi requerido pela Apelada foi a apensação dos processos de execução fiscal não dos planos de pagamento em prestações.

c) A apensação poderá autorizada e concretizada, nos termos e para os efeitos do disposto no n.° 1 desse normativo que dispõe que: "1 — Correndo contra o mesmo executado várias execuções, nos termos deste Código, serão apensadas, oficiosamente ou a requerimento dele, quando se encontrarem na mesma fase."

d) A apensação dos processos é princípio geral é regra e justifica-se por razões de economia processual, não é uma faculdade discricionária do órgão de execução fiscal sendo obrigatória, é um poder-dever, devendo efetuar-se oficiosamente ou a requerimento do executado.

e) Nos presentes autos são óbvios os benefícios para a economia processual quer para o Apelante quer para a Apelada, uma vez que, ao invés de se encontrarem a correr 8 processos de execução fiscal, estes já fruto de apensação de outros processos conforme documentos juntos pelo Apelante com a sua oposição nos autos, com diferentes números de prestações aprovadas, passaria a existir apenas um processo e um único plano de pagamento em prestações.

f) A única exceção à regra da apensação é a prevista no n.° 3 do artigo 179.° do CPPT, que determina que; "3 — A apensação não se fará quando possa prejudicar o cumprimento de formalidades especiais ou, por qualquer outro motivo, possa comprometer a eficácia da execução."

g) Ora, não se vislumbra que a apensação nos autos pudesse prejudicar o cumprimento de formalidades especiais muito menos a eficácia da execução que é a cobrança da totalidade da quantia exequenda.

h) A eficácia da execução não se confunde com a rapidez da cobrança, pelo que, não assiste ao Apelante nenhum fundamento válido e atendível para violar a regra da apensação prevista no n.° 1 do mesmo normativo.

i) A recusa do Apelante em apensar os vários processos executivos, não tem qualquer justificação legal, prejudica os direitos da Apelada, e inclusive o próprio fito que se pretende alcançar com a apensação e o pagamento voluntário.

j) A única justificação para a não apensação dos processos executivos requerida pela Apelada, como acaba por confessar o Apelante é não pretender autorizar que a Apelada possa liquidar a dívida integralmente no número máximo de prestações previsto legalmente.

k) Confunde celeridade e economia processual, bem assim eficácia da execução, com rapidez na cobrança da dívida.

l) Como tal, bem andou a sentença da qual recorre o Apelado ao considerar que; "...que o órgão de execução fiscal, não interpretou de forma correta o regime decorrente do artigo 179.° do CPPT, incorrendo em vicio de violação de lei, devendo, por conseguinte, ser anulada a "decisão" que negou, sem as necessárias justificações, a visada apensação de processos por parte da executada e substituída por outra que se pronuncie sobre o requerido, deferindo a apensação dos processos requerida pela Apelada e aprovado um plano único de pagamento em prestações.

Nestes termos, e nos que mais V. Exas. doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao recurso do Apelado, e consequentemente mantida a sentença recorrida, no sentido de declarar infundado e nulo o ato reclamado, substituindo-o por outro que dê deferimento ao requerido pela Apelada, sendo o Apelado condenado em custas e custas de parte, com o que se fará a necessária e costumada JUSTIÇA

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista à Exma. Procuradora-Geral Adjunta, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

5. Com dispensa dos vistos legais, atenta a natureza urgente do processo (artigo 657.º, n.º 4 do CPC e artigo 278.º, n.º 6 do CPPT), vêm os autos à Conferência para julgamento do recurso.


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II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença enferma de erro de julgamento direito ao anular a decisão do órgão de execução fiscal que recaiu sobre a apensação de processos.


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III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida proferiu a seguinte decisão relativa à matéria de facto:

«Com relevância para a decisão a proferir, de acordo com os documentos constantes dos autos, encontram-se provados os seguintes factos:

A. Correm termos na SPE de Leiria do IGFSS contra a sociedade E…., Lda.,, os processos de execução fiscal (PEF) n.° 0301201….. e aps., n.° 0301201….. e aps., n.° 0301201….. e aps., n.° 0301201…. e aps., n.° 0301201…. e aps., n.° 0301201….. e aps., n.° 03012019…. e aps., n.° 0301202….. e n.° 0301202….. e aps.. - (facto alegado no artigo 1.° da p.i. e confirmado pela informação de fls. 285 a 287 dos autos).

B. Por despacho de 05/04/2018 do coordenador da SPE de Leiria, proferido no PEF n.° 0301201…. e apensos, foi deferido plano prestacional em 120 prestações, ao qual foi atribuído o n.° 2564/2018, tendo já sido pagas 36 prestações. - (cf. fls. 764 a 766 dos autos).

C. Por despacho de 05/11/2018 do coordenador da SPE de Leiria, proferido no PEF n° 0301201….. e apensos, foi deferido plano prestacional em 60 prestações, ao qual foi atribuído o n.° 7841/2018, tendo já sido pagas 29 prestações. - (cfr. fls. 767 e 768 dos autos).

D. Por despacho de 27/02/2019 do coordenador da SPE de Leiria, proferido no PEF n.° 0301201….. e apensos, foi deferido plano prestacional em 60 prestações, ao qual foi atribuído o n.° 1850/2019, tendo já sido pagas 26 prestações. - (cf. fls. 769 e 770 dos autos).

E. Por despacho de 18/05/2019 do Coordenador da SPE de Leiria, proferido no PEF n.° 0301201…. e apensos, foi deferido plano prestacional em 60 prestações, ao qual foi atribuído o n.° 3897/2019, tendo já sido pagas 23 prestações. - (cfr. fls. 771 e 772 dos autos).

F. Por despacho de 24/05/2019 do coordenador da SPE de Leiria, proferido no PEF n.° 0301201….. e apensos, foi deferido plano prestacional em 36 prestações, ao qual foi atribuído o n.° 4112/2019, tendo já sido pagas 23 prestações. - (cf. fls. 773 e 774 dos autos).

G. Por despacho de 17/10/2019 do coordenador da SPE de Leiria, proferido no PEF n.° 0301201…… e apensos, foi deferido plano prestacional em 60 prestações, ao qual foi atribuído o n.° 8393/2019, tendo já sido pagas 17 prestações. - (cfr. fls. 775 e 776 dos autos).

H. Por despacho de 26/12/2019 do coordenador da SPE de Leiria, proferido no PEF n.° 0301201…. e apensos, foi deferido plano prestacional em 60 prestações, ao qual foi atribuído o n.° 10887/2019, tendo já sido pagas 15 prestações. - (cfr. fls. 777 e 778 dos autos).

I. Por despacho 03/07/2020 do coordenador da SPE de Leiria, proferido no PEF n.° 0301202…. e apensos, foi deferido plano prestacional em 34 prestações, ao qual foi atribuído o n.° 4162/2020, tendo já sido pagas 13 prestações. - (cf. fls. 779 e 780 dos autos).

J. Por despacho de 14/10/2020 do coordenador da SPE de Leiria, proferido no PEF n.° 0301202….. e apensos, foi deferido plano prestacional em 8 prestações, ao qual foi atribuído o n.° 4659/2020, e que já se encontra extinto por pagamento desde 11/10/2021. - (cfr. fls. 781 dos autos).

K. Em 21/07/2021 a Reclamante, através da sua mandatária e por correio eletrónico, formulou junto da SPE de Leiria requerimento com o seguinte teor:

Na qualidade de mandatária da empresa E..... Lda., NIF: 508….. e NISS: 250……, pelo presente venho expor e requerer a V. Exa. o seguinte;

A empresa identificada supra é executada no âmbito dos seguintes processos;

Processo 0301201…. e apensos - Plano 2564/2018 Processo 030120… e apensos - Plano 7841/2018 Processo 0301201…. e apensos - Plano 1850/2019 Processo 03012…. e apensos Processo 030120…. e apensos - Plano 4112/2019 Processo 030120…. e apensos Processo 0301201…. e apensos - Plano 10887/2019 Processo 03012…. e apensos - Plano 4162/2020 Processo 03012…. e apensos - Plano 4659/2020

Todas as execuções se encontram na mesma fase, estando a decorrer planos de pagamento em prestações, voluntariamente requeridos pela executada, e que se encontram a ser pontualmente cumpridos.

Porém, e para efeitos de melhor gestão interna, a Executada vem requerer a V. Exas., nos termos e para os efeitos do disposto no n.° 1 do artigo 179.° do CPPT, a apensação de todos os processos de execução em curso, a fim de melhor gerir o pagamento voluntário da dívida.

Mais requer, na sequência da apensação de todos os processos em curso, a aprovação de um plano único de pagamento em prestações, em 150 prestações, de molde a poder fazer uma mais eficiente gestão de tesouraria, e poder dar cumprimento ao pagamento voluntário da dívida na sua integra, sem comprometer o pagamento pontual das contribuições e cotizações mensais que se vão vencendo.’’. - (cfr. fls. 69 dos autos).

L. Na mesma data e pela mesma via a SPE de Leiria informou a Reclamante que:

"Informa-se que a apensação e/ou reformulação de planos prestacionais em execução fiscal não tem previsão legal.

Encontramo-nos disponíveis para o esclarecimento de quaisquer dúvidas sobre o processo de execução fiscal em curso.". - (cf. fls. 68 dos autos).

M. Na mesma data e pela mesma via a Reclamante respondeu da forma seguinte:

Na sequência da vossa resposta, sou a reiterar o seguinte:

O requerido pela executada não foi a apensação e/ou reformulação de planos prestacionais em execução fiscal.

O que a Executada pretende é a apensação de todos os processos de execução em curso, como prevê o disposto no n.° 1 do artigo 179.° do CPPT.

Na sequência da apensação dos processos num processo único, necessariamente tem de ser revisto os planos de pagamento em prestações que de vários planos deverão ser integrados num plano único para um processo único.

Nessa medida reitera-se o solicitado. - (cfr. fls. 67 dos autos).

N. Ainda na mesma data e pela mesma via, em resposta ao requerimento identificado na alínea antecedente a SPE de Leiria informou o seguinte:

Reitera-se que, no caso concreto, a apensação requerida não tem enquadramento legal (os processos de execução fiscal não se encontram na mesma fase porque os vários planos prestacionais apresentam neste momento diferentes estados de execução, nomeadamente no que ao número de prestações autorizadas diz respeito).

Encontramo-nos disponíveis para o esclarecimento de quaisquer dúvidas sobre o processo de execução fiscal em curso." - (cfr. fls. 63 dos autos).

O. Em resposta ao teor do email descrito no ponto que antecede a ora Reclamante remeteu à SPE de Leiria novo email onde consta designadamente o seguinte:

Exmos. Srs.

Entendendo a vossa posição, não é porém essa a informação que nos é transmitida pelos contactos gerais do IGFSS, que nos informaram da possibilidade de apensação dos processos num processo único, requerendo, posteriormente, um plano de pagamento em prestações também ele único, ao invés da emissão mensal de várias guias.

A alternativa, que seria deixar de cumprir com os pianos de prestações em curso, de forma a determinar a sua revogação, não é de todo o que pretende a executada, pois existe realmente vontade em cumprir e proceder ao pagamento voluntário.

Mais informo que esta solução tem tido aceitação noutras secções de processo, não sendo levantado qualquer obstáculo a essa possibilidade.

Solicito realmente a atenção de vossas Exas. para esta situação, pois a não apensação dos processos num processo único e a não aprovação de um piano de pagamento único dificulta a gestão de tesouraria da executada colocando em causa a sua atividade e os postos de trabalho dos seus funcionários.

Grata pela atenção dispensada e a vossa pronta resposta.". - (cfr. fls. 63 e 64 dos autos).

P. O email identificado na alínea anterior como “email anexo" encontra-se datado de 21/07/2021 e possui o seguinte teor:

Ex.mo(s) Senhor(es)

O pedido já foi objeto de resposta, com as seguintes notas adicionais:

i) não são contactos gerais (telefónicos ou outros) que proferem decisões nos processos concretos;

ii) a alternativa indicada ("deixar de cumprir com os planos de prestações em curso, de forma a determinar a sua revogação") implicaria a realização de penhoras nos termos legais e determinaria a impossibilidade de recurso a novo regime prestacional.". - (cfr. fls. 62 dos autos).

Q. Em 08/09/2021 a Reclamante dirigiu ao Coordenador da SPE de Leiria requerimento a solicitar a apensação de todos os processos executivos que correm contra si e autorizar a aprovação de um plano único de pagamento em prestações que permita à Executada solver a sua dívida no número máximo de 150 prestações. - (facto alegado no artigo 2.° da p.i. e confirmado por fls. 39 a 49 dos autos).

R. Em 09/09/2021 a SPE de Leiria remeteu à Reclamante, por correio eletrónico, informação onde consta, além do mais, o seguinte: "Verificámos no nosso sistema informático que o seu pedido já foi anteriormente objeto de resposta (cfr. e-mail anexo). (...).". - (cfr. fls. 60 dos autos).

S. O email identificado na alínea anterior como “email anexo” encontra-se datado de 21/07/2021 e encontra-se identificado no ponto G. supra. - (cfr. fls. 62 dos autos).

T. Em 21/09/2021 deu entrada na SPE de Leiria a petição inicial da presente reclamação. - (cfr. informação de fls. 285 a 287 dos autos).


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Factos não provados

Não se vislumbram outros factos alegados cuja não prova seja relevante para a decisão da causa.


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Motivação da decisão de facto

A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto provada “fundou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, conforme remissão feita a propósito de cada alínea do probatório”.»


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2. DE DIREITO

Está em causa a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou procedente a reclamação judicial apresentada pela ora Recorrida, e anulou o acto reclamado, por violação de lei, ao não ter interpretado de forma correcta o regime decorrente do artigo 179.º do CPPT e por ter negado, sem as necessárias justificações, a visada apensação, deve ser substituída por outra que se pronuncie sobre o requerido.

O Recorrente, Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, discorda da decisão da 1.ª instância alegando, em síntese, que os processos de execução fiscal não se encontram todos na mesma fase processual e que o artigo 179.º do CPPT refere-se à apensação dos processos de execução fiscal e não à apensação de planos prestacionais.

A Recorrida nas suas contra-alegações pugna pelo não provimento do recurso.

Vejamos

A apensação de execuções está prevista no artigo 179.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 179.º do CPPT, correndo contra o mesmo executado várias execuções, serão apensadas, oficiosamente ou a requerimento dele, quando se encontrem na mesma fase.

A execução fiscal corre termos perante o órgão de execução fiscal, pelo que cabe-lhe ponderando razões de economia processual decidir efectuar ou não a apensação dos processos de execução fiscal, que corram contra o mesmo executado, sendo-lhe concedida a possibilidade de não a efectuar quando possa prejudicar o cumprimento de formalidades especiais ou, por outro motivo, possa comprometer a eficácia da execução (cfr. n.º 3 do artigo 179.º do CPPT).

Sobre esta matéria escreveu-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18/01/2017, proferido no processo n.º 01374/16, o seguinte:

«Portanto, por um lado a apensação dos processos deve seguir uma lógica economicista, isto é, devem ser apenas praticados os actos estritamente necessários para o bom andamento dos processos, devendo, por isso, reunir-se num único todos os processos em que seja previsível que sejam praticados no mesmo espaço temporal os mesmos actos processuais relativamente ao mesmo sujeito, e por outro, uma lógica de eficácia do julgamento, se é previsível que o mesmo sujeito discuta a “legalidade” da própria execução, cfr. artigo 204º do mesmo CPPT, invocando razões que, inerentes a si próprio se estendem e são idênticas nas diversas execuções e sua tramitação, o “bom” julgamento só se obterá se for uno e abranger as diversas execuções.

E, por estas razões, louvando-se nestas regras e princípios, é que o legislador estabeleceu que, (1) correndo contra o mesmo executado várias execuções, nos termos deste Código, serão apensadas, oficiosamente ou a requerimento dele, quando se encontrarem na mesma fase, admitindo mesmo que a “fase” em que as execuções se encontram não se deva reportar a um momento processual instantâneo, mas antes a um momento processual mais alargado e dinâmico, ao impor que (2) a apensação será feita à mais adiantada dessas execuções; ou seja, admite que dentro do mesmo momento processual dinâmico e evolutivo, possa haver execuções que estando na mesma fase, mas umas no início e outras no fim, impondo-se, ainda assim, que a apensação se dê.
E as mesmas razões e princípios que impõem a apensação, também impõem que, caso não se verifiquem ou mesmo se oponham, essa apensação não ocorra, cfr. n.º 3, ou seja ordenada a desapensação, cfr. n.º 4.

Portanto, a apensação/desapensação de execuções deve ser aferida por uma análise objectiva do caso concreto, em que irreleva a vontade do interessado, bem como do órgão de execução fiscal. E irreleva, também, para tais efeitos, os encargos processuais acrescidos que a não apensação possa trazer ao interessado, bem como irreleva a incapacidade do sistema informático da administração tributária e aduaneira para proceder a tal apensação.

Cabendo sempre ao juiz o controle da aplicação e concretização de tal preceito legal –sendo certo que a competência para ordenar a apensação de execuções fiscais é do órgão de execução fiscal e não do juiz (arts. 151º e 179º do CPPT), cfr. acórdão datado de 03.08.2016, recurso n.º 0934/16- e das regras e princípios que lhe são inerentes, cfr. artigo 103º da LGT, a legalidade da apensação/desapensação passará sempre pela conformidade da adequação da actuação do órgão de execução fiscal face ao caso concreto e perante as circunstâncias próprias do caso que o tornam único, singular e diferente dos restantes, não sendo possível aqui deixar de se fazer uma apreciação casuística, sob pena de se ofender os princípios da legalidade e da igualdade na diferença.”.» (disponível em www.dgsi.pt/).

Nesta linha de entendimento, que acompanhamos, a decisão do órgão de execução fiscal que indefere a apensação de execuções é impugnável através da reclamação prevista nos artigos 276.º e segs. do CPPT (cfr. neste sentido acs. do STA de 30/11/2016, processo n.º 01233/16 e de 18/01/2017, processo n.º 01374/16, disponíveis em www.dgsi.pt/).

Conforme resulta do probatório a Recorrida requereu, em 21/07/2021, a apensação de todos os processos de execução fiscal, em que estão a decorrer planos de pagamento em prestação, e a posterior aprovação de um plano único de pagamento em prestações (cfr. ponto K. do probatório).

Sobre o aludido requerimento recaiu, na mesma data, a seguinte decisão: «Informa-se que a apensação e/ou reformulação de planos prestacionais em execução fiscal não tem previsão legal. (…)» (cfr. ponto I. do probatório).

Na mesma data, a Reclamante/Recorrida esclareceu que pretendia a apensação de todos os processos de execução fiscal em curso, como prevê o disposto no n.º 1 do artigo 179.º do CPPT (cfr. ponto M. do probatório).

O Órgão de Execução Fiscal respondeu na mesma data informando que «Reitera-se que, no caso concreto, a apensação requerida não tem enquadramento legal (os processos de execução fiscal não se encontram na mesma fase porque os vários planos prestacionais apresentam neste momento diferentes estados de execução, nomeadamente no que ao número de prestações autorizadas diz respeito).» (cfr. ponto N. do probatório).

A Recorrida apresentou em 08/09/2021 novo pedido de apensação das execuções fiscais, tendo obtido em 09/09/2021 resposta que o pedido já foi anteriormente objecto de resposta (cfr. pontos K. e R. do probatório).

Ora, nada na lei impede que se apresente segundo pedido de apensação das mesmas execuções fiscais, uma vez que, se num determinado momento as execuções não possam ser apensadas, por estarem em fases distintas, poderão sê-lo posteriormente, se se encontrarem na mesma fase, como também se vierem a ser apensadas, poderão ser desapensadas se deixarem de estar na mesma fase.

É possível retirar, desde já, do acto reclamado que parece confundir apensação de execuções com apensação de planos prestacionais e, neste errado entendimento, acaba por inquinar a decisão de indeferimento de apensação das execuções fiscais.

Com efeito, diferentes estados de execução de planos prestacionais não é equivalente a diferentes fases das execuções fiscais.

Como também é salientado na sentença recorrida, o CPPT não indica quais as diversas fases do processo de execução fiscal, nem o que deve considerar-se como constituindo uma fase (vide ac. do TCAS de 17/01/2019, proc. n.º 1159/18, disponível em www.dgsi.pt/).

Jorge Lopes de Sousa, sobre o que deve considerar-se como constituindo uma fase do processo de execução fiscal diz o seguinte: «(…) deverão entender-se como tal cada um dos conjuntos de normas que visam uma determinada finalidade.

Assim, poderão distinguir-se no processo de execução fiscal seis fases:

- a fase introdutória, que decorre desde a autuação até à citação do executado;

- a fase da oposição à execução fiscal, se ela for deduzida;

- a fase da penhora;

- a fase da convocação de credores e reclamação e verificação de créditos;

- a fase da venda;

- a fase do pagamento e extinção da execução.» (in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6.ª edição, 2011, Áreas Editora, nota 4 ao artigo 179.º, págs. 316 a 317; no mesmo sentido ac. deste TCAS de 17/01/2019, processo n.º 1159/18, disponível em www.dgsi.pt/).

De acordo com a divisão da tramitação da execução fiscal supra referida, o pagamento em prestações dos presentes autos pode enquadrar-se na fase da penhora ou na fase de pagamento, caso tenha sido prestada garantia, sendo que os autos não esclarecem sobre se esta foi ou não prestada para efeitos de suspensão das execuções fiscais (vide ac. do STA de 8/7/92, recurso n.º 13922, AP-DR de 30/6/95, pág. 2101, que autonomiza uma fase de pagamento em prestações, citado por Jorge Lopes de Sousa, ob. cit, em pé de pagina nota (2), pág. 316).

Os processos de execução identificados no probatório estão todos na mesma fase, com planos de pagamento em prestações aprovados, não obstante tais planos possam encontrar-se em diferentes momentos de execução.

Dito por outras palavras, encontram-se todos dentro do mesmo momento processual dinâmico e evolutivo, embora os planos prestacionais tenham diferentes números de prestações, com diferentes estados de execução.

Efectivamente, no âmbito de todos os processos de execução foi autorizado o pagamento faseado (cfr. pontos A. a K. do probatório), pelo que, caso tenha sido prestada garantia, nos termos do artigo 52.º, n.º 1 da LGT, aqueles processos executivos estão suspensos, apenas retomando o seu normal andamento por falta de pagamento, após notificação prévia por parte da Administração Fiscal (cfr. artigo 200.º do CPPT), sem prejuízo da suspensão da execução fiscal, sem prestação de garantia, determinada por regimes excepcionais e temporários de cumprimento de obrigações fiscais.

Resulta do acto reclamado (considerando os dois momentos em que toma posição, para o qual remete a resposta ao segundo pedido de apensação) que este nega a apensação por a reformulação de planos prestacionais em execução fiscal não ter previsão legal, por os planos prestacionais se encontrarem em diferentes estados de execução e que, por isso, os processos de execução não se encontram na mesma fase.

Nas conclusões da alegação de recurso, o Recorrente vem sustentar essa decisão.

Mas sem razão, como se viu, o que foi requerido foi a apensação de execuções, que se encontram todas na mesma fase e cuja decisão de apensação pode acarretar a consequência da revisão dos planos prestacionais.

Com efeito, as razões avançadas no acto reclamado, sustentadas pelo Recorrente, não se enquadram nos fundamentos legalmente previstos no artigo 179.º do CPPT.

A existência de diversos planos de pagamento em prestações por referência a cada um dos processos de execução fiscal em causa, só por si, não constitui razão legalmente válida para que não se possa proceder à apensação das execuções fiscais.

Portanto, o órgão de execução fiscal ao indeferir a apensação das execuções fiscais alicerçado no entendimento supra referido violou o disposto no n.º 1, do artigo 179.º do CPPT, uma vez que as execuções estão todas na mesma fase, com planos de pagamento em prestações autorizados e em execução.

Por outro lado, a única excepção prevista na lei para não se proceder à apensação de execuções fiscais é quando a apensação se mostre inconveniente por prejudicar o cumprimento de formalidades especiais ou, por qualquer outro motivo, possa comprometer a eficácia da execução (cfr. n.º 3, do artigo 179.º do CPPT).

Ao órgão de execução fiscal não é permitida discricionalidade na sua decisão de apensar ou não apensar as execuções, por a mesma ser obrigatória quando resultem ganhos de eficiência formais e substanciais.

O Mmo. Juiz a quo para anular a decisão que indeferiu a apensação requerida, depois de ter feito o devido enquadramento legal e citado pertinente jurisprudência concluiu, o seguinte: «(…) é seguro que o órgão de execução fiscal, não interpretou de forma correta o regime decorrente do artigo 179.° do CPPT, incorrendo em vicio de violação de lei, devendo, por conseguinte, ser anulada a “decisão” que negou, sem as necessárias justificações, a visada apensação de processos por parte da executada e substituída por outra que se pronuncie sobre o requerido, nos termos acima explicitados.»

No caso presente, o acto reclamado ao negar a apensação por «os planos prestacionais em execução fiscal não t[er]em previsão legal», por «os processos de execução fiscal não se encontrarem na mesma fase porque os vários planos prestacionais apresentam neste momento diferentes estados de execução», viola os pressupostos de facto e de direito previstos no artigo 179.º, n.º 1 do CPPT.

O acto reclamado não apresenta qualquer fundamentação, com enquadramento legal, no disposto no n.º 3 do artigo 179.º do CPPT, para justificar o indeferimento da apensação das execuções fiscal, e, por isso, não se vislumbra razões objectivas para que a requerida apensação não tenha lugar.

Não acompanhamos, assim, a decisão da 1.ª instância na parte em que na fundamentação de direito determina que o Exequente deve proferir nova decisão em que se pronuncie sobre o requerido, uma vez que este já proferiu decisão de indeferimento alicerçada no errado entendimento que as execuções fiscais não se encontram na mesma fase, pelo que, encontrando-se, como se viu, todas as execuções na mesma fase e não tendo o Exequente avançado outras justificações, com assento legal no n.º 3, do artigo 179.º do CPPT, tal determina, como decidido pela 1.ª instância, a anulação da decisão de indeferimento, mas com a consequente admissão da requerida apensação, por não se justificar que o Exequente volte a analisar a requerida apensação de execuções, por já o ter feito.

Pelo exposto, impõe-se negar provimento ao recurso, mantendo-se, em consequência, a sentença recorrida, nos termos e com a fundamentação supra.


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Conclusões/Sumário:

I. A execução fiscal corre termos perante o órgão de execução fiscal, pelo que cabe-lhe ponderando razões de economia processual decidir efectuar ou não a apensação dos processos de execução fiscal, que corram contra o mesmo executado, sendo-lhe concedida a possibilidade de não a efectuar quando possa prejudicar o cumprimento de formalidades especiais ou, por outro motivo, possa comprometer a eficácia da execução (cfr. n.º 3 do artigo 179.º do CPPT).

II. Os processos de execução identificados no probatório estão todos na mesma fase, com planos de pagamento em prestações aprovados, não obstante tais planos possam encontrar-se em diferentes momentos de execução.

III. A existência de diversos planos de pagamento em prestações por referência a cada um dos processos de execução fiscal em causa, só por si, não constitui razão legalmente válida para que não se possa proceder à apensação das execuções fiscais.

IV. Ao órgão de execução fiscal não é permitida discricionalidade na sua decisão de apensar ou não apensar as execuções, por a mesma ser obrigatória quando resultem ganhos de eficiência formais e substanciais.

V. O acto reclamado não apresenta qualquer fundamentação, com enquadramento legal, no disposto no n.º 3 do artigo 179.º do CPPT, para justificar o indeferimento da apensação das execuções fiscal, e, por isso, não se vislumbra razões objectivas para que a requerida apensação não tenha lugar.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida na parte em que anulou a decisão que indeferiu a apensação dos processos de execução fiscal, com a presente fundamentação e a consequência supra extraída.

Custas pelo Recorrente.

Notifique.

Lisboa, 10 de Março de 2022



Maria Cardoso - Relatora
Catarina Almeida e Sousa – 1.ª Adjunta
Isabel Fernandes – 2.ª Adjunta

(assinaturas digitais)