Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:155/21.0BCLSB
Secção:JUIZ PRESIDENTE
Data do Acordão:12/17/2021
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:JUSTIÇA DESPORTIVA
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
FUMUS BONI IURIS
Sumário:
Votação:DECISÃO SUMÁRIA
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Decisão

(artigo 41.º, n.º 7, da Lei do TAD)


I. Relatório

S…………………………….., com os demais sinais dos autos, intentou no Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), uma providência cautelar contra a Federação Portuguesa de Futebol, pedindo a suspensão da eficácia dos efeitos do Acórdão de 14.12.2021 da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, no âmbito do recurso hierárquico impróprio n.º …………/22, que o condenou numa pena de suspensão pelo período de 15 dias e, acessoriamente, numa pena de multa no montante de EUR 7.650,00.

Indicou como contra-interessada a Liga Portuguesa de Futebol Profissional.

O Requerente da providência veio alegar, essencialmente e ao que a estes autos cautelares importa, que a sua condenação assenta no pressuposto incorrecto de que as declarações que proferiu, na sequência do jogo, e por referência ao mesmo, disputado em 4.02.2021, no Estádio do …………., entre a B………….. SAD e a F ………… SAD, visando a equipa de arbitragem nomeada, em especial o árbitro F………….., eram disciplinarmente censuráveis.

Sustenta que agiu no âmbito, e dentro dos limites, do direito de liberdade de expressão que lhe é constitucionalmente consagrado (art. 37.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa; e ainda, art. 11.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, e art. 10.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos). Alega que “só afirmou o que afirmou porque atendeu a diversa factualidade que lhe permitiu construir uma opinião própria sobre as (erradas) decisões tomadas pela equipa de arbitragem no jogo disputado com a B……………. SAD, a contar para a 17.ª jornada da Liga NOS.

Mais alega que, em abono da sua tese, que “o desporto desperta paixões, exacerba os sentimentos e conduz, as mais das vezes, a um discurso passional e emotivo, pleno de crítica e descontentamento, com expressões fortes, não se coadunando com «punhos de renda»”.

Quanto ao periculum in mora, alega que a condenação proferida pela Requerida, e inerente aplicação da sanção de suspensão de funções, traduz-se numa lesão grave, irreversível e incomportável de direitos fundamentais e constitucionalmente consagrados do Demandante, afastando-o de 2 jogos fundamentais que o F…………. disputará no período da sua suspensão. Neste ponto evidencia que ver-se-á imediatamente impedido de estar presente na zona técnica dos recintos desportivos em que se disputem jogos oficiais desde duas horas antes do início de qualquer jogo oficial e até 60 minutos após o seu termo, falhando jogos importantíssimos para a sua equipa (em especial os dérbis contra a Sport ……………, SAD agendados para dia 23.12 e 30.12.2021).

Juntou o Acórdão proferido pelo Pleno da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, datado de 14.12.2021, e o comprovativo do pagamento da taxa de justiça. Foi junta a procuração forense.



II. Da intervenção do Presidente do TCA Sul

Por despacho de 16.12.2021 do Exmo. Presidente do TAD, foram os autos remetidos a este TCA Sul para apreciação e decisão, com fundamento na circunstância de não ser viável em tempo útil a constituição do colégio arbitral e, assim, estar o TAD em condições de apreciar o pedido cautelar formulado. O despacho em questão é do seguinte teor:

“(…)

Cabe ao signatário apenas o poder/dever funcional de avaliar as condições para o exercício da competência consignada ao TAD pelo n.º 2 do artigo 41.º da LTAD, designadamente informar, para os efeitos do n.º 7 do mesmo artigo e em homenagem ao princípio da tutela jurisdicional efetiva, se, perante a ausência de distribuição do processo e impossibilidade de constituição do colégio arbitral em tempo útil, devem os autos ser remetidos ao Excelentíssimo Desembargador Presidente do Tribunal Central Administrativo do Sul para os efeitos consignados nesse preceito.

Na defesa que faz da verificação do requisito do periculum in mora, alega o Demandante que a providência de suspensão da eficácia da decisão punitiva deve ser decretada a tempo de permitir o exercício da sua atividade de treinador da equipa de futebol do F …………… em “jogos importantíssimos para a sua equipa” que ocorrerão nos dias 23 e 30 do corrente mês (i.e., dentro de 8 dias o primeiro destes eventos).

Ainda que se possa esperar uma especial cooperação das partes e a habitual disponibilidade dos árbitros integrantes da Lista de Árbitros do TAD com vista à constituição, em tempo muito reduzido, de formação arbitral que conheça da pretensão cautelar, não parece ao signatário viável a criação da instância (neste caso constituída por 4 árbitros, v. art. 28.º n.º 8 da LTAD), a tempo de possibilitar a prolação da decisão cautelar antes do primeiro dos eventos, i.e., do jogo a realizar no dia 23/12.

Faz-se notar que, se não ocorrerem fatores que impliquem delongas (p.e., a recusa de aceitação de encargo por árbitro ou árbitros indicados ou estarem os mesmos abrangidos por impedimento, ou serem recusados), as indicações pela Demandada e pela Contrainteressada são feitas nas respetivas oposição e resposta, para as quais têm estes sujeitos processuais, nos termos do artigo 41.º n.º 5 da LTAD, um prazo máximo de cinco dias; designados estes árbitros têm os mesmos três dias para a aceitação, após o que terão de escolher o árbitro presidente do colégio arbitral, devendo este aceitar no mesmo prazo de três dias (v. art.ºs 23.º n.ºs 1 e 2 e 28.º n.º 2 a LTAD).

Atento o que antecede:

Sem prejuízo da citação e do conhecimento imediato do presente despacho aos representantes legais da Requerida Federação Portuguesa de Futebol e da Contrainteressada Liga Portuguesa de Futebol Profissional, deles se informando também o ilustre Árbitro designado pelo Demandante, remeta-se o mesmo, com os autos, ao Excelentíssimo Desembargador Presidente do Tribunal Central Administrativo do Sul, ao abrigo e para os efeitos do disposto no artigo 41.º n.º 7 da LTAD”.

Vejamos se estão reunidos os pressupostos que justificam a intervenção do Presidente do TCA Sul.

No presente caso, vem invocada pelo Exmo. Senhor Presidente do TAD a impossibilidade de constituição do colégio arbitral em tempo útil, atentos os prazos legalmente estabelecidos (v. supra).

Reiterando os fundamentos constantes do despacho transcrito e considerando a necessidade de cumprimento das regras adjectivas previstas na Lei do TAD, de que resultaria a susceptibilidade de fazer perigar a tutela efectiva do direito invocado, terá que entender-se que está preenchido o requisito de que depende a intervenção do Presidente do TCA Sul.



III. Da audição da Requerida

De acordo com o n.º 5 do art. 41.º da Lei do TAD, “[a] parte requerida é ouvida dispondo, para se pronunciar, de um prazo de cinco dias quando a audição não puser em risco sério o fim ou a eficácia da medida cautelar pretendida”.

E o art. 366.º, n.º 1, do CPC estabelece que: “[o] tribunal ouve o requerido, exceto quando a audiência puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência.

Como ensina José Lebre de Freitas, a “[u]tilidade, fim ou eficácia apontam no mesmo sentido: a audiência do requerido não deve ter lugar quando, com ela, haja o risco de se frustrar o efeito prático que concretamente se pretende atingir, isto é, quando o conhecimento da pretensão cautelar pelo requerido ou a demora no deferimento da providência resultante da observância da contraditoriedade aumente o perigo da lesão grave e de difícil reparação que a providência visa evitar” (cfr. Código de Processo Civil Anotado, vol. 2, 2001, p. 24).

A dispensa de audição da parte contrária, que integra um poder-dever do juiz, exige, também, a explicitação das razões que sustentam o entendimento de que essa audição colocará “em risco sério o fim ou a eficácia da providência”.

No caso presente, concretizando, a audição da Requerida, por força do prazo injuntivamente fixado no art. 41.º, n.º 5 da Lei do TAD, é de 5 dias (a que acrescerá o prazo de multa processual pela eventual prática tempestiva do acto), sendo que o primeiro dos jogos abrangidos pela presente providência de suspensão dos efeitos da condenação sofrida de suspensão de 15 dias, que o ora Requerente identifica, ocorrerá no próximo dia 23 do corrente mês. Ou seja, mesmo notificando a entidade Requerida na data de hoje, o decurso do prazo processual seria coincidente, no mínimo, com a data de realização do jogo, o que significaria que estaria comprometida a eficácia da providência requerida.

Pelo que, sendo susceptível de pôr em risco a eficácia da medida cautelar pretendida, ao abrigo do disposto no art. 366.º, n.º 1, do CPC, dispensa-se, oficiosamente, a audição da Requerida, procedendo-se de imediato à apreciação do mérito da presente providência cautelar.



IV. Da instância e instrução do processo

As partes são legitimas e o processo é o próprio.

Não existem excepções ou outras questões prévias que devam ser, desde já, conhecidas e que obstem à apreciação do mérito da providência requerida.

Atenta a natureza indeterminável dos interesses em discussão no presente processo, nos termos previstos no art. 34.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, fixa-se ao presente processo o valor de EUR 30.000,01.

Considerando a natureza do processo, entende-se que nenhuma outra prova carece de ser produzida, estando, portanto, o tribunal em condições suficientes para a apreciação do mérito da causa.



V. Fundamentação

V.i. De facto

Com interesse para a decisão da presente providência cautelar, relevam os seguintes factos, documentalmente comprovados:

a) O Requerente foi notificado do Acórdão proferido em 14.12.2021 no âmbito do recurso hierárquico interno n.º ………/22, que confirmou a decisão disciplinar recorrida, pela qual lhe havia sido aplicada a sanção de 15 (quinze) dias de suspensão e uma pena de multa de EUR 7.650,00 (sete mil seiscentos e cinquenta euros), com fundamento no artigo 136.º, n.ºs 1 e 3 do RDLPFP - cfr. documento junto com a p.i. e que se dá por integralmente reproduzido.

b) Do acórdão supra, consta como factualidade provada a seguinte (idem):

1.º - No dia 04…..2021, pelas 19h00, realizou-se no Estádio ………. o jogo melhor identificado sob o n.º .…….., entre a B……… SAD e a F ……….. – Futebol, SAD, a contar para a Liga NOS, e que terminou com o resultado de 0-0.

2.º - A equipa de arbitragem do jogo era composta pelos seguintes elementos: F …………… (Árbitro), B …………….. (Assistente 1), S ………….. (Assistente 2), M …………… (4.º Árbitro), R ………. (VAR) e P ………… (AVAR).

3.º - Após o fim do sobredito jogo, aquando da realização da flash interview à Sport TV, o Arguido S …………….., ora Recorrente, treinador principal da F………. – Futebol, SAD, proferiu as seguintes declarações:

«Não é só esse lance. Sinceramente, há coisa que não compreendo. Jogar neste relvado, para quem assume é mais difícil. É mais fácil defender do que atacar aqui. Não sei como é que marcam jogos com esta qualidade de relvado. E depois há a possibilidade de haver mais lesões. É incrível. […]. Quanto ao jogo, fomos à procura do resultado, pensávamos que marcando um golo as coisas seriam diferentes. O B…………… defendeu-se como pôde, nós criámos oportunidades e não marcámos. E com o decorrer do jogo vimos uma arbitragem que não me lembro… Não sei como este árbitro, que está sob uma polémica incrível, como todos nós sabemos, vem apitar um jogo que pode ser decisivo para o título. Há dois jogadores em três situações que mereceriam o segundo amarelo e deveriam ter sido expulsos. Um, o Ca........., até deveria ter visto o vermelho num lance com o C..........! É inacreditável como não expulsa… Um árbitro que vem de uma polémica e o Conselho de Arbitragem mete-o aqui. É revoltante. O balneário está revoltado. E este penálti, é penálti em todo o lado! É involuntário? Mas alguém faz penáltis de forma voluntária? Hoje, fomos enganados, hoje fomos roubados aqui»».

(…)

9.º - O Arguido S ……………………., ora Recorrente, apresenta antecedentes disciplinares, tendo sido condenado, na época desportiva 2018/2019, pela prática de três infrações disciplinares p. e p. no artigo 136.º, n.º 1, por decisões já transitadas em julgado.

c) O requerente, S …………………, é treinador de futebol principal da F …………. – Futebol, SAD.

d) Do calendário desportivo a disputar pelo FC ………….., constam os seguintes jogos oficiais:

a. FC …………… vs SL …………, a contar para os oitavos de final da Taça de Portugal, a realizar a 23 de Dezembro de 2021.

b. FC ……….. vs SL ……….., I Liga, a realizar a 30 de Dezembro de 2021.

Nada mais importa indiciariamente provar.



V.ii. De direito

Nos termos do disposto no art. 41.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, aprovada pela Lei n.º 74/2013, de 6 de Setembro, “[o] TAD pode decretar providências cautelares adequadas à garantia da efetividade do direito ameaçado, quando se mostre fundado receio de lesão grave e de difícil reparação, ficando o respetivo procedimento cautelar sujeito ao regime previsto no presente artigo. E, de acordo com o n.º 9 desse artigo, “[a]o procedimento cautelar previsto no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, os preceitos legais relativos ao procedimento cautelar comum, constantes do Código de Processo Civil”.

Dispõe o art. 368.º do CPC:

1- A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão.

2 - A providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar.

3 - A providência decretada pode ser substituída por caução adequada, a pedido do requerido, sempre que a caução oferecida, ouvido o requerente, se mostre suficiente para prevenir a lesão ou repará-la integralmente.

4 - A substituição por caução não prejudica o direito de recorrer do despacho que haja ordenado a providência substituída, nem a faculdade de contra esta deduzir oposição, nos termos do artigo 370.º.

Como já se deixou estabelecido anteriormente, são requisitos essenciais destas providências cautelares (cfr., i.a., a decisão de 5.11.2021, proc. n.º 130/21.5BCLSB):

a) A titularidade de um direito que releva do ordenamento jurídico desportivo ou relacionado com a prática do desporto; e

b) O receio fundado da lesão grave e de difícil reparação desse direito.

Sendo que esta titularidade do direito, deve ser séria; ou seja, no sentido de que ao requerente da providência lhe venha a ser reconhecida razão, ainda que essa análise deva ser feita – como não podia deixar de o ser, face à natureza deste meio processual – sob os ditames próprios de uma summario cognitio. Dito de modo diverso, é pressuposto (cumulativo) do decretamento da providência a probabilidade séria (fumus boni juris), embora colhida a partir de análise sumária (summaria cognitio) e de um juízo de verosimilhança, de o direito invocado e a acautelar já existir ou de vir a emergir de acção constitutiva, já proposta ou a propor.

Por sua vez, na demonstração do grau de probabilidade ou verosimilhança em relação à existência do direito invocado pelo requerente da providência, concorre não só o acervo probatório constante do processo e que se revele adequado a formar a convicção do julgador quanto ao grau de probabilidade de existência do direito invocado, como a jurisprudência tirada sobre casos análogos e cuja decisão seja proferida por referência ao mesmo quadro normativo. Não poderá afirmar-se a “probabilidade séria da existência direito” invocado, se esse mesmo direito não é reiteradamente reconhecido nas acções principais que sobre ele versam.

É certo que o fumus boni iuris decorre da suficiência da mera justificação dos fundamentos do mesmo. Mas, como se escreveu no ac. de 19.09.2019 do TR de Guimarães, proc. n.º 97/19.0T8VNC.G1: “na aferição de tal requisito, bem como dos demais, deve ter-se sempre presente uma perspectiva de instrumentalidade hipotética, isto é, de que a composição final e definitiva do litígio no processo respectivo possa vir a ser favorável ao requerente”.

No caso concreto, o Requerente alega que a sanção punitiva é ilegal. Afirma que as declarações por si prestadas e que estiveram na base do procedimento disciplinar em questão e posterior sanção, são admissíveis no quadro do legitimo exercício do direito fundamental à liberdade de expressão e ao direito de crítica. Ou seja, agiu ao abrigo do direito de liberdade de expressão que lhe é constitucionalmente consagrado no art. 37.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e art. 11.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e, ainda, art. 10.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

Em relação ao periculum in mora, alega que a suspensão de eficácia do acto em análise é a única via de garantir a efectividade dos seus direitos subjectivos, que se encontram ameaçados por esse acto. Neste ponto sustenta que com a execução da decisão de suspensão, S ……………. ver-se-á imediatamente impedido de estar presente na zona técnica dos recintos desportivos em que se disputem jogos oficiais desde duas horas antes do início de qualquer jogo oficial e até 60 minutos após o seu termo falhando jogos importantíssimos para a sua equipa (em especial os dérbis contra a Sport ……………, SAD agendados para dia 23/12 e 30/12/2021), nos quais qualquer falha mínima poderá ditar o afastamento da corrida pelo título; // ficando igualmente impedido de intervir publicamente em matérias relacionadas com as competições desportivas (vendo-se, assim, substancialmente limitado no exercício das suas funções profissionais, as quais abrangem, em larga medida, esse tipo de intervenções)”.

Vejamos então se ocorre ou não probabilidade séria da existência do direito invocado.

Face ao que ficou provado em b) supra, teremos que evidenciar o seguinte:

“(…)

E com o decorrer do jogo vimos uma arbitragem que não me lembro… Não sei como este árbitro, que está sob uma polémica incrível, como todos nós sabemos, vem apitar um jogo que pode ser decisivo para o título. Há dois jogadores em três situações que mereceriam o segundo amarelo e deveriam ter sido expulsos. Um, o Ca........., até deveria ter visto o vermelho num lance com o C..........! É inacreditável como não expulsa… Um árbitro que vem de uma polémica e o Conselho de Arbitragem mete-o aqui. É revoltante. O balneário está revoltado. E este penálti, é penálti em todo o lado! É involuntário? Mas alguém faz penáltis de forma voluntária? Hoje, fomos enganados, hoje fomos roubados aqui”.

Será que nos movemos no estrito âmbito da liberdade de expressão? É lícito a um treinador de futebol proferir publicamente uma opinião como a acabada de transcrever, em que afirma peremptoriamente que determinado árbitro, num determinado jogo de futebol acabado de disputar, defraudou conscientemente e com dolo a verdade desportiva?

Vejamos, como o fizemos em recente decisão sumária por nós proferida recentissimamente (decisão de 15.12.2021, proc. n.º 154/21.2BCLSB), o que a jurisprudência do STA tem dito nesta matéria, para o que se convoca o discurso fundamentador do acórdão de 10.09.2020, no processo 38/19.4BCLSB, que cita outros acórdãos desse mais alto tribunal:

Dispõe o artº 112º do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional (RDLPFP), sob a epígrafe, “Lesão da honra e da reputação dos órgãos da estrutura desportiva e dos seus membros”:

«1. O clube que use de expressões, desenhos, escritos ou gestos injuriosos, difamatórios ou grosseiros para com órgãos da Liga ou da FPF e respetivos membros, árbitros, dirigentes, clubes e demais agentes desportivos, nomeadamente em virtude do exercício das suas funções desportivas, assim como incite à prática de atos violentos, conflituosos ou de indisciplina, é punido com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 75 UC e o máximo de 350 UC.

2. (…)

3. Em caso de reincidência, os limites mínimo e máximo das multas previstas nos números anteriores serão elevados para o dobro.

4. O clube é considerado responsável pelos comportamentos que venham a ser divulgados pela sua imprensa privada e pelos sítios na Internet que sejam explorados pelo clube, pela sociedade desportiva ou pelo clube fundador da sociedade desportiva, diretamente ou por interposta pessoa».

E o artº 136º do mesmo diploma legal, sob a epígrafe: “Lesão da honra e da reputação e denúncia caluniosa”:

«1. Os dirigentes que pratiquem os factos previstos no n.º 1 do artigo 112.º contra órgãos da Liga ou da FPF respetivos membros, elementos da equipa de arbitragem, clubes, dirigentes, jogadores, demais agentes desportivos ou espectadores, são punidos com a sanção de suspensão a fixar entre o mínimo de um mês e o máximo de dois anos e, acessoriamente, com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 50 UC e o máximo de 300 UC.

2. Os dirigentes que pratiquem os factos previstos no n.º 1 do artigo 112.º-A são punidos com a sanção de suspensão a fixar entre o mínimo de seis meses e o máximo de três anos e, acessoriamente, com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 50 UC e o máximo de 300 UC.

3. Em caso de reincidência, os limites mínimo e máximo das sanções previstas nos números anteriores são elevados para o dobro.

4. Caso as infrações previstas nos nºs 1 e 2 sejam praticados através de meios de comunicação social, nomeadamente em programa televisivo ou radiofónico que se dedique exclusiva ou principalmente à análise e comentário do futebol profissional, as sanções nele previstas são elevadas para o dobro».

Ora, nos presentes autos, o que se discute consiste precisamente em saber se as declarações proferidas pelos arguidos nos pontos 1, 2, 3 e noticiadas (quanto ao arguido A……….) e nos pontos 4, 5, 6 e 7 (quanto ao arguido B…………), preenchem os tipos de infracção disciplinar previstos no nº 1 do artº 112º e, nº 1 do artº 136º ambos do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional (RDLPFP).

E cremos não restarem dúvidas de que os mesmos se mostram preenchidos [aliás de acordo com o que vem sendo decidido por este Supremo Tribunal – cfr. Acórdãos de 26.02.2019, in proc. nº 066/18.7BCLSB, de 04.06.2020, in proc. nº 0154/19.2BCLSB e de 21.05.2020, in proc. nº 0139/19.9BCLSB].

Com efeito, estamos no âmbito de uma responsabilidade disciplinar, que não depende do preenchimento dos tipos legais de crime de difamação ou de injúrias, mas apenas da violação dos deveres gerais e especiais a que estão adstritos os clubes, e respectivos membros, dirigentes e demais agentes desportivos em relação a órgãos da Liga ou da FPF, respectivos membros, e elementos da equipa de arbitragem, entre outos, no âmbito dos regulamentos desportivos e demais legislação aplicável à realização das competições desportivas.[sublinhado nosso].

Estes deveres resultam exclusivamente, da conjugação dos artºs 19º e 112º do citado RDLPFP, não sendo necessário o recurso ao Código Penal para preencher o respectivo tipo disciplinar.

No nº 1 do artº 19º do RD em questão, estabelece-se que todos os clubes e agentes desportivos que, a qualquer título ou por qualquer motivo, exerçam funções ou desempenhem a sua actividade no âmbito das competições organizadas pela Liga Portugal «devem manter conduta conforme aos princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e rectidão em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva, económica ou social» [sublinhado nosso].

E no nº 2 da citada norma, prevê-se de forma explícita a inibição daqueles mesmos sujeitos de «exprimir publicamente juízos ou afirmações lesivos da reputação de pessoas singulares ou colectivas ou dos órgãos intervenientes e seus agentes, nas competições organizadas pela Liga».

Ora, as declarações proferidas pelos arguidos visando os árbitros intervenientes, as decisões do Conselho de Arbitragem, designadamente do seu Presidente, não podem, nem devem considerar-se dentro da liberdade de expressão, nem constituir somente um excesso de linguagem “permitida” no mundo do futebol; ao invés, violam o bom nome e a reputação dos visados – árbitros e Presidente do Conselho de Arbitragem – quer perante a comunidade desportiva, quer perante toda a demais comunidade que ouviu e/ou leu as expressões proferidas, tentando ainda fazer uma pressão inadmissível sobre a arbitragem e seus agentes.

Com efeito, a denominada “linguagem desportiva” não permite que se profiram insultos e se façam difamações dirigidas aos árbitros e muito menos a quem os nomeia.

Mal seria que as expressões utilizadas pelos arguidos, se enquadrassem numa crítica meramente opinativa no seio do fervor desportivo, dado que não se limitam a enunciar factos objectivos ou a exprimir opiniões acerca da sua qualificação à luz das regras do jogo; pelo contrário, são de molde, a colocar em crise, quer objectiva, quer subjectivamente, a arbitragem em Portugal, a honra e reputação dos árbitros em questão e, em particular, a do Presidente do Conselho de Arbitragem, configurando insultos, injúrias e difamações em relação aos visados, que extravasam o direito de liberdade de expressão [artº 37º da CRP].

Veja-se a propósito da integração deste género de imputações, o que se deixou consignado no Ac. de 26.02.2019, in proc. nº 066/18.7BCLSB, onde se refere:

«Imputações estas que atingem não só os árbitros envolvidos, como assumem potencialidade para gerar um crescente desrespeito pela arbitragem e, em geral, pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem e disciplinam o futebol em Portugal, sendo o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros necessário para a prevenção da violência no desporto, já que tais imputações potenciam comportamentos violentos, pondo em causa a ética desportiva que é o bem jurídico protegido pelas normas em causa».

E ainda o que se deixou consignado, a propósito da liberdade de expressão e informação, no Acórdão proferido em 04.06.2020, in proc. nº 0154/19.2BCLSB:

«(…)

Naturalmente, a liberdade de expressão e de informação não protege tais imputações, quando as mesmas não consubstanciem factos provados em juízo, ou objetivamente verificáveis, pois aquelas liberdades não são absolutas e tem de sofrer as restrições necessárias à salvaguarda de outros direitos fundamentais, como são os direitos de personalidade inerentes à honra e reputação das pessoas, garantidos pelo nº 1 do art.º 26.º da Constituição.

O disposto nos artigos 19.º e 112.º do RDLPFP não é, por isso, inconstitucional, nem os mesmos podem ser interpretados no sentido de que a liberdade de expressão e de informação se sobrepõe à honra e reputação de todos aqueles que intervém nas competições desportivas organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, nomeadamente a dos respetivos árbitros, tanto mais que não está em causa a liberdade de expressão e de informação de órgãos de comunicação social independentes, mas da imprensa privada do próprio clube – cfr. art.º 112.º/4 do RDLPFP.

Acresce ainda, na linha do que se decidiu no Acórdão desta Secção, de 26 de fevereiro de 2019, atrás citado, que o respeito estrito pelos deveres de lealdade, probidade, verdade e retidão inerentes ao regime disciplinar estabelecido pelas normas em apreciação é indispensável à prevenção da violência no desporto, que é também um valor constitucional legitimador da compressão da liberdade de expressão e de informação dos clubes desportivos, nos termos do n.º 2 do art.º 79.º da CRP [sublinhado nosso]. O que nos permite responder afirmativamente à questão colocada no Acórdão Preliminar proferido nestes autos, sobre «(…) até que ponto se pode disciplinarmente reagir – com base em normas disciplinares, aliás similares às do estrangeiro – contra declarações dos clubes que, para além de excitarem anormalmente os ânimos dos seus adeptos e assim induzirem comportamentos rudes, contribuam para o descrédito das competições desportivas e do negócio que as envolve». Não só se pode, como se deve reagir sempre que os clubes extravasem o âmbito estrito da mera informação ou opinião, e ofendam a honra e a reputação dos árbitros e de todos aqueles que intervém nas competições desportivas organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional».

Assim e sem necessidade de quaisquer outras considerações, conclui-se que as multas em causa foram correctamente aplicadas pelo Conselho de Disciplina da FPF, devendo, por isso manter-se o ali decidido, ao invés do que foi determinado no Acórdão recorrido.

Posição que aqui se acompanha, como aliás este TCAS já o fez, como resulta dos acórdãos de 9.09.2021, nos proc. n.º 21/20.7BCLSB e 122/19.4BCLSB; para além da decisão sumária por nós proferida e supra identificada.

O direito à crítica, se constitui uma afirmação do valor da liberdade de pensamento e expressão, consagrado no artigo 37.º, n.º 1, da CRP, não é, porém, ilimitado, devendo respeitar outros direitos ou valores igualmente dignos de protecção legal e constitucional, nomeadamente o direito ao bom nome e reputação, previsto também ele na Constituição da República Portuguesa, especificamente no seu artigo 26.º, n.º 1 (vide o recente ac. deste TCAS de 7.10.2021, proc. n.º 77/21.5BCLSB).

Entendemos ser, também, de evidenciar, contrariando a ideia que parece perpassar na alegação do Requerente de que na linguagem do futebol – e, portanto, dos seus principais agentes desportivos – existe uma margem de tolerância acrescida, estando legitimada a utilização de expressões que noutros contextos sociais não seriam tolerados, a relação entre essa actuação e o fenómeno da violência no desporto; fenómeno que urge combater. O sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros mostra-se necessário para a prevenção da violência no desporto – prevenção geral -, já que tais imputações potenciam comportamentos violentos, pondo em causa a ética desportiva que é o bem protegido pelo ordenamento jurídico (cfr. neste exacto sentido os ac.s do STA de 26.02.2019, proc. n.º 66/18.7BCLSB e de 4.06.2020, proc. n.º 154/19.2BCLSB). Como a jurisprudência do STA uniformemente conclui, em situações análogas à presentes dos autos: “tais imputações atingem não só os árbitros envolvidos, como assumem potencialidade para gerar um crescente desrespeito pela arbitragem e, em geral, pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem e disciplinam o futebol em Portugal, sendo o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros necessário para a prevenção da violência no desporto, já que tais imputações potenciam comportamentos violentos, pondo em causa a ética desportiva que é o bem jurídico protegido pelas normas em causa”.

E aqui em questão estão, nomeadamente, os direitos de personalidade inerentes à honra e à reputação do árbitro (art. 26.º, n.º 1 da CRP) e a prevenção da violência no desporto (art. 79.º, n.º 2 da CRP).

Por outro lado, e nessa sequência, carece de sustentação a alegação de que o direito ao livre exercício de funções profissionais está a ser afectado de forma ilegal, pois que a limitação operada se impõe por via da aplicação de uma sanção disciplinar, com cabimento na lei e aplicada pela entidade competente.

E se o ora Requerente também pretende questionar que a sanção disciplinar aplicada é discriminatória, desproporcionada e desadequada ao grau da ilicitude e à intensidade da culpa na adopção dos comportamentos sancionados, também aqui, uma análise perfunctória, não lhe assiste razão. De acordo com a análise sumária que é própria das providências cautelares, verificamos que a medida da pena está contida nos parâmetros definidos nos respectivos tipo de ilícito. Relevam aqui as disposições conjugadas dos artigos 136.º, n.ºs 1 e 3 e 112.º, n.º 1, do RDLPFP. De igual modo se entende por preenchidos os pressupostos subjectivos da infracção – ilicitude e culpa -, pois que o arguido e ora Requerente imputou, voluntariamente, ao árbitro do jogo uma actuação imparcial e não isenta, acusando-o de “roubar” pontos ao FC ………….., não desconhecendo o requerente, por via das suas funções, os deveres e obrigações, gerais e especiais, a que está adstrito enquanto agente desportivo.

Donde, num juízo de prognose de summaria cognitio - que é o que aqui se impõe -, não se pode concluir pela verificação de uma titularidade séria do direito invocado pelo Requerente.

Na sequência do que a título introdutório deixamos estabelecido, temos para nós que, sendo características comuns das providências cautelares a provisoriedade e a instrumentalidade, não é possível decretar a pretendida providência cautelar, se através dela se visa apenas retardar a execução do acto, e não, como seria sua função e vocação, acautelar o efeito útil da acção principal destinada à anulação daquele mesmo acto. Entre a providência cautelar e a acção principal deve existir, portanto, uma relação que permita afirmar que o direito acautelado será provavelmente reconhecido na acção definitiva (cfr. o recente ac. do TR de Lisboa de 26.10.2021, proc. n.º 3T8FNC-B.L1-7). É que as providências cautelares, como também já tivemos oportunidade de o afirmar, visam impedir que, durante a pendência de qualquer acção principal, a situação de facto se altere de modo a que a decisão nela proferida, sendo favorável ao requerente – é isso que significa a tutela de um direito -, perca toda a sua eficácia ou parte dela (cfr., i.a., o ac. de 22.09.2016 deste TCAS, proc. n.º 13468/16; idem a decisão sumária de 15.12.2021, proferida no proc. n.º 154/21.2BCLSB).

Assim sendo, concluindo, não se dando por verificado o requisito do fumus boni iuris, desnecessário se torna, por prejudicado, conhecer do alegado a propósito do periculum in mora – que, sem embargo, se aceita como susceptível de ocorrer nos termos que vêm alegados -, uma vez que o decretamento da providência sempre depende da sua verificação cumulativa.

Nada mais, nesta sede, cumpre, portanto, apreciar.



VI. Decisão

Pelo exposto, julga-se a presente providência cautelar improcedente e absolve-se a Federação Portuguesa de Futebol do pedido, mantendo-se integralmente a decisão suspendenda.

Custas a cargo do Requerente.

Notifique pelo meio mais expedito.

Lisboa, 17 de Dezembro de 2021

Pedro Marchão Marques
(Juiz presidente)