Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03955/10
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:12/15/2010
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO.
IMPUGNAÇÃO.
Sumário:1.Nos casos de apuramento da matéria tributável mediante o recurso a métodos de avaliação indirecta, não sendo viável o responsável subsidiário requerer ou intervir, por estar concluído, no procedimento de revisão regulado no art. 91.º LGT, pode, contudo, reclamar ou impugnar a liquidação ou a própria avaliação indirecta, por erro na quantificação ou nos pressupostos da sua utilização, sem dependência, exigência, de prévia reclamação/pedido de revisão da matéria tributável.

2. O responsável subsidiário pode, sempre, sem cumprir as condições inscritas nos arts. 86.º n.º 5 LGT e 117.º n.º 1 CPPT, reclamar ou impugnar uma liquidação com fundamento na errónea aplicação e quantificação da matéria tributável por métodos indirectos, mesmo que o devedor principal não tenha solicitado o procedimento de revisão previsto na LGT.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I
ANTÓNIO ......................., com os demais sinais constantes dos autos, deduziu impugnação judicial contra liquidação adicional de IVA e juros compensatórios, relativa ao ano de 2000.
No Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, foi proferida sentença que julgou a impugnação totalmente improcedente, veredicto que o impugnante adversou em recurso jurisdicional, cuja alegação encerra com as seguintes conclusões: «
a) A sentença recorrida julgou totalmente improcedente a impugnação judicial apresentada relativamente à liquidação adicional do IVA, por considerar que da decisão de fixação do rendimento colectável, não cabia impugnação judicial sem prévia reclamação nos termos do artigo 91.º do CPPT e quanto à correcções técnicas relativas à não dedutibilidade do imposto suportado “impende sobre o contribuinte a demonstração de que tais operações não foram simuladas”;
b) Contudo, a referida decisão não tomou em consideração o que foi peticionado e provado, testemunhalmente ou através dos documentos constantes do processo;
c) Quando apreciou as liquidações adicionais do IVA e a forma como a Administração Tributária as realizou entendeu o tribunal recorrido que as correcções efectuadas por métodos indirectos deveriam ter sido submetidas a prévia revisão em conformidade com o artigo 91.º da Lei Geral Tributária;
d) O recorrente, na sequência de uma reversão no âmbito de processo de execução fiscal, actuou em conformidade com o que lhe havia sido ordenado, já que foi notificado para pagar, apresentar reclamação graciosa ou deduzir impugnação judicial, nos prazos dos artigos 70º e 102º do CPPT, pelo que deve ser levado em consideração o que foi notificado ao contribuinte (neste sentido, Acórdão do STA no Proc. n.º 0461/02, de 2009.09.09)
e) Afinal é o próprio tribunal que está a resolver um processo judicial apelando e sonegando o exercício de garantias que a lei concede ao recorrente e que actuou em conformidade com o que lhe havia sido notificado e que é perfilhado pela própria Administração Tributária;
f) O pedido de revisão da matéria tributável não tem por objecto um acto de liquidação, pelo que não se enquadra no âmbito do artigo 22º, nº 4 da LGT. Por este motivo, ao responsável subsidiário tributário não é admitido desencadear o procedimento a que se referem os artigos 91º e 92º da LGT;
g) O responsável tributário subsidiário pode sempre reclamar ou impugnar a dívida, ainda que com fundamento no erróneo recurso a métodos indirectos ou em erro na sua quantificação, mesmo quando o devedor originário não tenha desencadeado o procedimento de revisão da matéria tributável, previsto nos artigos 91º e 92º da LGT;
h) É este o entendimento da DGCI constante do seu Ofício-Circulado n.º 60064/2008, de 2008.10.23 (Processo n.º 2008/0001614).
i) Assim, decidiu mal o tribunal recorrido ao não apreciar a impugnação na parte respeitante às correcções por métodos indirectos, uma vez que considerou ser “condição da impugnação judicial do acto tributário (…) ter reclamado para a Comissão de Revisão - o que não fez”.
j) Por outro lado, a douta sentença admitiu como verdade factos que foram extraídos de uma mera análise parcial da situação da contabilidade, ignorando que os mesmos foram escrutinados e objecto de julgamento e decisão no processo n.º 227/03.3IDLSB, que correu termos pelo 2.º Juízo do Tribunal Criminal de Lisboa;
k) O tribunal a quo não podia ignorar - como fez - as sentenças juntas aos autos (Processo n.º ....../03.3IDLSB, do 2.º Juízo do Tribunal Criminal de Lisboa e Processo n.º ......../00.4JGLSB, da 1.ª Vara Criminal de Lisboa), dada a identidade e similitude dos factos que estavam em causa na impugnação judicial e no processo penal;
l) Assim, a actuação da Administração Tributária traduziu-se numa errónea qualificação e quantificação dos factos tributários, bem como no vício da fundamentação legalmente exigida, o que constitui fundamento legal para anulação dos actos tributários impugnados (cfr. artigo 99.º, alínea a) e c) do CPPT;
m) Refira-se ainda que as liquidações adicionais do IVA e dos juros compensatórios, relativas ao ano de 2000, resultaram de um relatório de acção inspectiva interna elaborado pelo Serviço de Inspecção Tributária, que também desencadeou um processo de fraude fiscal pelos mesmos factos.
n) De que o recorrente foi absolvido, por ter sido provado relativamente à empresa que à data dos factos representava e ele próprio não praticaram quaisquer factos lesivos para o Estado;
o) O recorrente contestou a fixação da matéria tributável do IVA por métodos indirectos e do IVA apurado através de correcções técnicas, por não estarem reunidos os requisitos para a determinação do IVA em causa e porque os factos invocados pela DGCI, constantes do relatório elaborado pela inspecção tributária não terem efectivamente ocorrido, conforme resulta da sentença proferida no Procº ...../03.3IDLSB do 2º Juízo Criminal de Lisboa - 3ª Secção;
p) Assim, parece que a intenção da Administração Tributária não visou verificar as obrigações fiscais, designadamente o IVA em falta, mas sim procurar por qualquer meio tentar envolver a sociedade “H..... C...... – C....... and C........, Lda” e o recorrente num pretenso esquema “tipo carrossel” de que foram totalmente alheios, assim como as consequentes vantagens patrimoniais que alguém dela pudesse ter retirado;
q) Foi instaurado ao recorrente o processo crime n.º ...../03.3IDLSB no 2.º Juízo Criminal da Comarca de Lisboa-3ª Secção, com base em que também integrava a rede referida, com o objectivo de subtrair ao Estado os impostos que lhe eram devidos (IVA), não se tendo dado por provados os factos que eram imputados ao recorrente;
r) Considerando que os mesmos factos consubstanciaram e fundamentaram as liquidações de IVA impugnadas é óbvio que não estão reunidos os pressupostos para aplicação dos métodos indirectos, configurando tais correcções uma violação da lei;
s) No que se refere às liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios resultantes de correcções meramente aritméticas, em sede de IVA, no ano de 2000, também as mesmas ficam colocadas em crise face à decisão havida no citado processo crime n.º ......../03.3IDLSB, pois ficou provado que a sociedade “H......... C....... – C...... and C........, Lda” deduziu o IVA que foi correcta e efectivamente suportado nas facturas que documentaram as aquisições efectuadas.
t) De facto, ficou provado que não se estava perante quaisquer “facturas com valor simulado”, pelo que também nesta parte as liquidações adicionais do correspondente IVA devidamente deduzido são ilegais.
u) De acordo com a jurisprudência do TJCE entende-se que uma entidade envolvida numa operação “tipo carrossel”, desde que desconheça a mesma não pode ser prejudicado na dedutibilidade do IVA suportado nas compras efectuadas, até porque foram estas que originaram as suas vendas;
v) A actuação da Administração Tributária traduziu-se numa errónea qualificação e quantificação dos factos tributários geradores, tendo originado também vício na fundamentação legalmente exigida, o que é fundamento de anulação dos actos tributários impugnados (cfr. artigo 99º, alínea a) e c) do CPPT) e que o tribunal a quo assim não entendeu, decidindo sem que tivesse analisado todos os elementos com vista ao apuramento da verdade material;
w) Sendo certo que a existirem dúvidas sobre a existência e quantificação dos factos tributários em causa, as liquidações impugnadas devem ser anuladas, nos termos do n.º 1 do artigo 100.º do CPPT (cfr. Acórdão do TCAN, de 2005.02.24, no Proc. n.º 145/04).

Nestes termos, deve o presente recurso anular a sentença recorrida proferida por não ter em consideração regras e princípios fundamentais do sistema jurídico-tributário e ser a douta sentença recorrida substituída por decisão que conclua pela procedência da impugnação judicial, declarando ilegais as liquidações adicionais do IVA, relativas ao ano de 2000, quanto aos factos impugnados e, em consequência, mandar anular as respectivas liquidações, como é de elementar JUSTIÇA. »
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Não há registo da apresentação de contra-alegações.
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A Exma. Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer, no sentido de que deve improceder o recurso.
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Apostos os vistos de lei, compete conhecer.
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II
Mostra-se consignado, na sentença: «
Fundamentação
x
Factos Provados
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a sua decisão:
1- No âmbito de uma acção de inspecção efectuada a um fornecedor da impugnante, foi desencadeado uma acção de fiscalização à sociedade “H...... C....... – C........ & C......., Ldª”, da qual resultou determinadas correcções efectuadas ao IVA dedutível do ano de 2000 e procedeu-se à liquidação adicional de imposto para aquele ano com recurso a métodos indirectos de determinação da base tributável de imposto, e correspondentes juros compensatórios, no valor total de € 173.337,53 – cfr “prints informáticos” de fls. 218 a 223, Documento de Cobrança de imposto e de juros, de fls. 227 a 248, do P.A. apenso.
2- As correcções mencionadas supra resultam do Parecer de Despacho, de 30.09.04 e de 30.10.04, de fls. 43 v e 44 efectuadas com base nas “conclusões do relatório” de fls. 263, fundamentadas no Relatório elaborado pelos serviços de inspecção, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido e do qual consta, designadamente, que a sociedade mencionada em 1, deduziu indevidamente imposto suportado naquele ano, no valor de € 46.917,33, por se tratar de operações simuladas relativamente às vendas de bens efectuadas pelo fornecedor Fernando ................. e por Manuel .................., pelos seguintes factos: na facturação das fornecedoras à H....... C......, a um preço semelhante ao valor de aquisição intracomunitária das mercadorias no mercado interno efectuada por parte da sociedade “Bem Barato”, acrescida de IVA sobre esse valor, os fornecedores não entregavam o IVA liquidado nessas vendas … sendo que a Bem Barato não declarou qualquer actividade tributável, nem o Fernando .............. e o Manuel ............... declararam qualquer aquisição intracomunitária de bens, e o IVA liquidado nas facturas à H....-C.... é anulado no âmbito do fornecedor Fernando ....................., pelo IVA dedutível com base em imposto que não suportou. Procedeu-se à liquidação do imposto com base em métodos indiciários em resultado do apuramento de vendas de mercadorias que não foram contabilizadas nem declaradas, face à existência de pagamentos não evidenciados na contabilidade e a compra de mercadorias sem comprovativo documental, do qual veio a resultar a elaboração da “Nota de Apuramento Modelo 382” relativo a IVA não liquidado e a imposto não dedutível, nos termos do disposto no artº 84º e nº 3, do artº 19º, ambos do CIVA – cfr. Despacho e Parecer de 31.10.03, e Relatório da I.T. de fls. 260 a 408, do P.A apenso aos autos.
3- Do resultado fixado por aplicação de métodos indirectos notificado à sociedade inspeccionada com as conclusões do relatório mencionado em 2, não foi apresentado um pedido de revisão da matéria tributável nos termos previstos no artº 91º da LGT – cfr. Mandado, e correspondente postal, de fls. 404 a 408, do P.A. apenso.
x
Factos Não Provados
Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.
x
Motivação da decisão de facto
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, sendo que o depoimento das testemunhas arroladas nos autos não permitem retirar a conclusão de que as concretas operações desconsideradas pela Adm. Fiscal se traduziram na efectiva aquisição dos bens por parte da sociedade. »
***
A sentença sob escrutínio elegeu como questões a solucionar, por referência, explícita e prévia, à matéria dada como provada, “a análise da legalidade do acto de liquidação de imposto apurado ao impugnante em resultado das correcções efectuadas ao IVA dedutível e da liquidação efectuada com base da (na) decisão de fixação da base tributável por métodos indiciários”. Quanto a esta última, foi veiculado o entendimento de que o impugnante, detendo a específica condição de responsável subsidiário (1), confrontado com uma decisão de fixação da matéria tributável por métodos indirectos, tinha de ter reclamado para a “Comissão de Revisão”, o que, não tendo feito, implicou a preclusão do direito de impugnação judicial, pretendido exercer neste processo, nos termos dos arts. 86.º n.º 5 LGT e 117.º n.º 1 CPPT.
Com o devido respeito, sem alongamentos, não comungamos desta abordagem da problemática em apreço. Efectivamente, na esteira do Ac. STA de 28.4.2010, rec. 0876/09 (2), cujos argumentos nos dispensamos de reproduzir, julgamos mais consentâneo com o quadro legal aplicável defender que, nos casos de apuramento da matéria tributável mediante o recurso a métodos de avaliação indirecta, não sendo viável o responsável subsidiário requerer ou intervir, por estar concluído, no procedimento de revisão regulado no art. 91.º LGT, pode, contudo, reclamar ou impugnar a liquidação ou a própria avaliação indirecta, por erro na quantificação ou nos pressupostos da sua utilização, sem dependência, exigência, de prévia reclamação/pedido de revisão da matéria tributável. Por outras palavras, o responsável subsidiário pode, sempre, sem cumprir as condições inscritas nos arts. 86.º n.º 5 LGT e 117.º n.º 1 CPPT, reclamar ou impugnar uma liquidação com fundamento na errónea aplicação e quantificação da matéria tributável por métodos indirectos, mesmo que o devedor principal não tenha solicitado o procedimento de revisão previsto na LGT.
Posto isto, torna-se tautológico afirmar o erro de julgamento perpetrado no tribunal recorrido, com relação a este aspecto, motivo suficiente e adequado para, desde logo, nesta parte, se revogar a sentença em apreço.
Estabelecida esta consequência, estaria destinado a este tribunal conhecer dos fundamentos coligidos pelo impugnante, caso dispusesse de todos os elementos necessários. Ora, sucede que o julgamento factual produzido em 1.ª instância se apresenta ausente e totalmente insuficiente, na medida em que foi gizado no pressuposto de que o impugnante não podia impugnar a decisão de fixação de matéria tributável por métodos indirectos, pelo que, tendo este soçobrado se impõe, por parte do tribunal recorrido, a ponderação e valoração de todos os elementos probatórios disponíveis e a sequente fixação da factualidade provada e não provada, relevante para o julgamento do mérito da pretensão do impugnante. Acresce, ser esta necessidade de renovada actividade instrutória e decorrente julgamento factual extensível às questões que envolvem o estabelecimento de matéria tributável por correcções técnicas, respeitantes a eventual dedução indevida de IVA, por estarem em causa operações simuladas.
Efectivamente, dos factos julgados assentes na sentença não é possível retirar mais do que parcas conclusões, apontadas como inscritas no relatório de fiscalização, mostrando-se, portanto, imprescindível ampliar a base factual que a elas conduz, actuação que implica, além do mais, ponderar e versar a factualidade, sobre o tema, alegada pelo impugnante, de forma diversa da que, deficiente e redutoramente, foi adoptada de mencionar, em singelo, não se terem provado os factos que não constam dos provados.
Assim, embora nesta última parte fosse de, correctamente, afirmar, ex officio, uma anulação da sentença recorrida por deficiente/insuficiente julgamento da matéria de facto, para lograr coerência e simplificação decisória, tornando o efeito revogatório extensível a toda a sentença, tem o tribunal recorrido de, realizadas as pertinentes diligências instrutórias, fixar a factualidade provada/não provada que competir e proferir novel decisão sobre o mérito, integral, da causa.
*******
III
Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, acorda-se:
- conceder provimento ao presente recurso jurisdicional e revogar a sentença recorrida;
- ordenar a volta do processo à 1.ª instância, para os fins acima traçados.
*
Sem tributação.
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(Elaborado em computador e revisto, com versos em branco)
Lisboa, 15 de Dezembro de 2010
Aníbal Ferraz (por vencimento e em substituição)
Eugénio Sequeira
Lucas Martins (vencido quanto à decisão tomada, no que concerne ao recurso à metodologia indirecta, em que não daria provimento ao recurso na linha da doutrina do Ac. do STA de 2010Mar17, tirado no Proc.nº999/09).
(1) Circunstância que, apesar de omitida no julgamento da 1.ª instância, decorre inequívoca dos autos.
(2) No sítio, www.dgsi.pt.