Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03557/08
Secção:CA-2ºJUÍZO
Data do Acordão:11/23/2017
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:PEDIDO CONDENATÓRIO
PORT. N.º 196-A/2001, DE 10-03
PARECER CAMARÁRIO
DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA
DESPESAS ELEGÍVEIS
Sumário:I – Se no caso concreto não existia uma única situação como legalmente possível, mas antes, a sanação das invalidades que se identificavam no acto do IEFP, remetiam para uma nova procedimentalização e para juízos discricionários da Administração, não havia que se condenar, em abstracto, na prática de um “acto devido”, que não se identifica especificadamente mas, diferentemente, haveria de decidir-se pelo claudicar do pedido condenatório e pela procedência do pedido impugnatório que estava na base, ou estava implícito, ao pedido condenatório.

II – O parecer camarário referido na al. a) do n.º 2 do n.º 24.º da Port. n.º 196-A/2001, de 10-03, é um parecer obrigatório e não vinculativo.

III - A al. b) do n.º 2 do n.º 24.º da Port. n.º 196-A/2001, de 10-03, remete-se para conceitos vagos ou indeterminados, que cumpre à Administração preencher, de acordo com o interesse público do momento. No desenvolvimento desta actividade a Administração goza de uma ampla margem de decisão, inerente ao preenchimento daqueles conceitos indeterminados.

IV - Só na hipótese de erro grosseiro ou manifesto, ou de erro de facto, serão impugnáveis contenciosamente os juízos proferidos em sede de discricionariedade.

V - Do n.º 12 da Port. n.º 196-A/2001, de 10-03, decorre uma obrigação de fundamentação quanto à relevância do investimento por banda do promotor e um poder-dever do IEFP de apreciar aqueles investimentos e respectiva fundamentação quanto à sua relevância para a realização do projecto e consequentemente considerar tais investimentos como ilegíveis ou inelegíveis.

VI - Também esse preceito apela para conceitos vagos ou indeterminados, a preencher pela Administração.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Recorrente: Maria ……………….. e Instituto do Emprego e Formação Profissional, IP
Recorrido: Instituto do Emprego e Formação Profissional, IP e Maria …………………………

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul
I - RELATÓRIO

Maria ……………………… e Instituto do Emprego e Formação Profissional, IP (IEFP) interpuseram recurso da decisão do TAF de Sintra, que julgou prejudicado o conhecimento do pedido indemnizatório e procedente o pedido condenatório, determinando ao IEFP para “retomar o procedimento e praticar o acto administrativo devido”, observando como vinculações “solicitar parecer sobre o projecto, nos termos da alínea a) do n.º2 do n.º 24 da Portaria n.º 196-A/2001, de 10 de Março, à Câmara Municipal de Oeiras, com indicação expressa de que o mesmo deverá conter a adequada fundamentação” e “aferir da elegibilidade das despesas apresentadas pela Requerente, ora Autora, de acordo com o critério estabelecido no n.º 1 do n.º 12 da Portaria n.º 196-A/2001, de 10 de Março – a relevância para a realização do projecto”.
Em alegações de recurso são formuladas pela Recorrente, Maria ……………………. as seguintes conclusões:
«Texto no original»

O Recorrido IEFP nas contra alegações formulou as seguintes conclusões:
“Texto no original»

Em alegações de recurso são formuladas pelo Recorrente, IEFP, as seguintes conclusões: “O parecer emitido pela Câmara Municipal consubstancia apenas a pronúncia de uma entidade com funções consultivas no procedimento, que não vinculou o órgão com competência decisória
O IEFP, IP não se apropriou dos fundamentos do parecer para indeferir a candidatura pelo que se considera totalmente despiciendo retomar o procedimento para solicitar um parecer que já foi pedido (nos termos e para os efeitos da alínea a) do n.º 2 do n.º 24 da Portaria n.0 196-A/2001, de 10 de Março) e que se encontra no processo administrativo e que não é, nem foi relevante para a tomada de decisão final.
Neste sentido, sendo o parecer inimpugnável, não produzindo quaisquer efeitos externos, deve ser considerado totalmente irrelevante a sua fundamentação, na medida em que cabe apenas ao IEFP, IP e não à Câmara Municipal analisar em aprovar/ indeferir as candidaturas que lhe sejam apresentadas, independentemente do teor do parecer que a Câmara.
Acresce que,
2. Não pode este Instituto igualmente concordar que, cabia à entidade demandada demonstrar que as despesas apresentadas pela Autora eram relevantes (ou não) para a realização do projecto.
Na utilização dos dinheiros públicos, o princípio é precisamente o inverso do alegado no acordão. Isto é, todas as despesas são não elegíveis ou não razoáveis até que sejam justificadas.
Efectivamente, aquilo que foi relevante na análise às despesas efectuadas, não foi se o material se encontrava armazenado em caixotes ou exposto em prateleiras, na garagem ou no quarto de brinquedos dos filhos da Autora, mas sim a ausência de correspondência de que o material adquirido seria necessário para efectuar as suas demonstrações ou se se tratava de material próprio ou familiar.
A Autora não conseguiu demonstrar, como lhe competia, que o material adquirido era relevante para a realização do projecto, pelo que sob pena de cometer grave ilegalidade não restava ao Réu outra solução que considerar tais despesas não elegíveis para efeitos de financiamento.
Por outro lado, tendo em conta que o apoio ao investimento só será concedido na medida do necessário, e encontrando-se o mesmo integralmente realizado, seria discutível a necessidade de percepção do referido apoio.”

A Recorrida nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “1ª É manifesto que o parecer da Câmara Municipal de Oeiras emitido no procedimento não está fundamentado, na medida em que de acordo com o preceituado no artigo 125.º do CPA, a fundamentação deve ser expressa através da enunciação dos fundamentos de facto e de direito da decisão.
2ª No entanto, essa questão fica prejudicada na medida em que o Douto Acórdão agora em crise padece de erro de julgamento, como já o disse a ora recorrida, nas suas alegações de recurso, para onde se remete.
3ª Com efeito o Tribunal não considerou que o próprio IEFP proferiu decisão autónoma (ainda que no mesmo sentido) sobre o ponto que era versado no parecer da Câmara, e o mesmo Tribunal escusou-se a decidir sobre a questão muito objectiva que havia sido colocada à sua apreciação: a questão de saber se viola o fim habitacional da licença de utilização o facto de alguém realizar, na sua fracção, actividades acessórias da sua actividade profissional, como a de guardar na sua garagem instrumentos de trabalho, e a questão, corolário desta, de saber se isso poderia ser um fundamento válido para que o IEFP indeferisse a candidatura da ora recorrida.
4ª Significa isto que em rigor, deveria ser desnecessária a repetição do parecer da Câmara Municipal de Oeiras, pois o Tribunal tinha todos os dados para decidir a questão jurídica em apreço, da única forma juridicamente correcta, que era a de considerar improcedente este fundamento de indeferimento, e não a decidiu.
5ª Assim, esta questão levantada pelo I EFP nas suas alegações de recurso é irrelevante, já que a ora recorrida confia que na sequência do recurso por si interposto, o Venerando Tribunal Central Administrativo do Sul irá entender que a candidatura da ora recorrida não poderia ter sido indeferida com base neste fundamento, pelo que será de todo em todo irrelevante o parecer dado pela Câmara.
6ª O ora recorrente entende - de uma forma que a recorrida entende reveladora da atitude com a qual o IEFP encara a sua atribuição legal de promoção do próprio emprego - que "todas as despesas são não eleglveis ou não razoáveis até que sejam justificadas. "
7ª Pretende o recorrente fundamentar esta afirmação com um desiderato abstracto de rigor na gestão de dinheiros públicos. Só não explica o recorrente em que medida esse desiderato - que obviamente não se questiona - justifica que se viole um princípio estruturante da nossa ordem jurídica: o princípio da exigência de fundamentação das decisões da Administração Pública - artigo 268.º n.º 3 da CRP, e artigos 124.0 e 125.º do CPA.
8ª É totalmente carecida de fundamento esta invocação de uma suposta presunção de inelegibilidade das despesas: estamos aqui perante um caso, como qualquer outro, onde um particular, considerando que a sua situação preenche a previsão de uma determinada norma que lhe atribui um benefício, solicita à Administração que lhe atribua esse benefício.
9ª A Administração, cumprindo o seu poder-dever de decidir, de duas uma: ou considera que ospressupostos legais dos quais depende a concessão do benefício estão verificados, e atribui esse benefício; ou considera que não estão verificados, e não atribui o benefício. Contudo, se proceder do segundo modo, e ao contrário do que pretende o recorrente, a Administração tem que fundamentar a sua decisão, por referência, precisamente, às normas que possibilitem a concessão do benefício, demonstrando cabalmente que o caso apresentado pelo particular não preenche a previsão dessas normas.
10ª Ao contrário do que afirma o recorrente no seu recurso, o Tribunal não lhe determina que fundamente pela requerente a razão de ser daquelas despesas: isso foi feito pela requerente no seu pedido, que foi apresentado de acordo com o formulário existente para o efeito, e instruído com todos os elementos necessários para demonstrar a elegibilidade de todas as despesas, nomeadamente, com uma descrição exaustiva do projecto Ciência Divertida, das actividades realizadas e do material que necessariamente teria de estar disponível para a realização dessas actividades, cuja aquisição, aliás, era imposta e obrigatória, pelo modelo de franchising em causa - cf r. doc. 3 junto à PI, para o qual remetem as alíneas C) a Q) dos factos dados como provados no douto Acórdão recorrido.
11ª Nos casos dos dois exemplos de despesas dados nas alegações de recurso - material informático e de realização de experiências - a ora recorrente fez aquilo que lhe era exigível: comprometeu-se a aplicar essas despesas no projecto. Se o IEFP considerava que as despesas não eram relevantes para o projecto - é esse o critério, relembra-se, do n.0 1 do n.0 12 da Portaria n.0 196-A/ 2001 - competia-Ihe fundamentá-lo na decisão, o que não foi feito.
12ª Muito simplesmente, o que o Tribunal a quo pretende, e que o IEFP não quer fazer, é que esta instituição fundamente a pretensa ineligibilidade das despesas de acordo com critérios legais e normativos, que sejam objectivos e controláveis, em lugar de o fazer com base em critérios arbitrários e estranhos à ponderação que deveria ser feita no exercício da competência decisória.
13ª Assim, verifica-se que na parte em que aponta ao IEFP, no novo acto de decisão sobre a candidatura da ora recorrida, a vinculação de fundamentar de acordo com o n.º 1 do n.º 12 da Portaria n.º 196-A/ 2001 a pretensa ineligibilidade das despesas, o Douto Acórdão recorrido não merece qualquer censura. “

A DMMP apresentou a pronúncia de fls. 579 e 580 no sentido da procedência do recurso do IEFP.

II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – OS FACTOS

Em aplicação do art.º 663º, n.º 6, do Código de Processo Civil (CPC), ex vi do art.º 1.º e 140.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), por não ter sido impugnada, remete-se a matéria de facto para os termos em que foi decidida pela 1.ª instância.

II.2 - O DIREITO

As questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas alegações e contra-alegações do recurso interposto por Maria …………………………… e respectivas conclusões, são:
- aferir da nulidade decisória por omissão de pronúncia e do erro decisório, com a violação dos art.ºs. 66.º, n.º 2 e 71.º, n.º 1,do CPTA, por a decisão recorrida ter entendido que não poderia conhecer dos fundamentos impugnatórios relativos ao vício de violação de lei, por violação dos princípios da proporcionalidade, da boa fé e por violação das expectativas legitimas criadas pelo IEFP, porquanto o acto praticado pelo IEFP em 08-11-2004 está fundamentado de facto e de direito, como decorre da alínea l) de fls. 3 do doc. 17 junto à PI e da matéria assente em SS), porque não existe qualquer proibição ou limitação de a A. e Recorrente usar a fracção que é sua habitação também para sede social da sociedade;
- aferir da existência de um erro decisório porque o acto de deferimento do apoio previsto no art.º 16.º da Port. n.º 196-A/2001, é um acto vinculado, pois o projecto da A. garantia a criação do seu emprego e à data da respectiva candidatura esta era beneficiária das prestações de desemprego, devendo, por essa mesma razão, ter sido considerado procedente o vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito e deferido o pedido condenatório.

As questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas alegações e contra-alegações do recurso interposto pelo IEFP e respectivas conclusões, são:
- verificar o erro decisório quando se determinou a retoma do procedimento com a solicitação de parecer à Câmara Municipal de Oeiras (CMO), porque tal parecer já foi produzido, não era vinculativo e era inimpugnável, por não ter produzido efeitos externos e não ter relevado para a decisão final do IEFP, que não se apropriou dos seus fundamentos para indeferir a candidatura;
- verificar do erro decisório por não competir ao IEFP demonstrar que as despesas que a Autora apresentava eram relevantes (ou não) para a realização do projecto, mas, antes, competir à Autora justificar que o material adquirido era necessário para efectuar as suas demonstrações e, portanto, relevante para a realização do seu projecto.

Do recurso de Maria ……………………………………..

Maria ………………………………… vem invocar uma nulidade decisória por omissão de pronúncia por a decisão recorrida ter entendido que não poderia conhecer dos fundamentos impugnatórios relativos ao vício de violação de lei, por violação dos princípios da proporcionalidade, da boa- fé e por violação das expectativas legítimas criadas pelo IEFP, porquanto o acto praticado pelo IEFP em 08-11-2004 está fundamentado de facto e de direito, como decorre da alínea l) de fls. 3 do doc. 17 junto à PI e da matéria assente em SS), porque não existe qualquer proibição ou limitação de a A. e Recorrente usar a fracção que é sua habitação também para sede social da sociedade.
É jurisprudência pacífica que só ocorre a nulidade da decisão por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 668.º, n.º 1, al. d), do anterior CPC (vide actualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC), quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devia apreciar, que são todas as que lhe forem submetidas e que não se encontrem prejudicadas pela solução dada a outras (cf. art.ºs. 660.º, n.º 2, do anterior CPC e 608.º, n.º 2, do actual CPC). Deve o juiz apreciar as questões respeitantes ao pedido e à causa de pedir, e ainda, os argumentos, as razões ou fundamentos invocados pelas partes para sustentarem a sua causa de pedir. Mas só a falta absoluta de fundamentação gera a nulidade da decisão. Também nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 668.º do anterior CPC (que corresponde ao art.º 615.º do actual CPC), para ocorrer a nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e decisão, terá de se verificar uma situação grave, patente, que implique uma incongruência absoluta.
Ora, no caso em apreço, o Tribunal ponderou as questões em litígio e decidiu-as. Para tanto, indicou o Tribunal as razões de facto e de Direito que levavam à sua decisão.
Explicou o Tribunal, na decisão recorrida, de forma escorreita e com uma fundamentação completa, o seu raciocínio. A simples leitura atenta da decisão permitiria à Recorrente entender as razões aduzidas pelo Tribunal e compreender que não existia contradição alguma naquele raciocínio, com o qual podia, apenas, não concordar.
Da mesma forma, o Tribunal recorrido não foi contraditório nos fundamentos, pois apenas considerou que não estavam preenchidos os pressupostos factuais para a prática de um concreto acto devido e que o conhecimento do pedido condenatório obrigava a desprezar os pedidos impugnatórios, que só relevavam enquanto base para a pretensão condenatória. Tal fundamento para a decisão do Tribunal não implica uma incongruência absoluta da fundamentação, mas só poderia conduzir a um erro de Direito.
Em suma, com a fundamentação adoptada pela decisão recorrida ter-se-á de considerar que não ocorre nenhuma nulidade por omissão de pronúncia ou por contradição entre os fundamentos e a decisão.
A Recorrente pode discordar daquela fundamentação, mas a mesma não é reconduzível a uma nulidade da decisão. Evidência de que não existe nulidade alguma na decisão recorrida, pelo que a sua invocação é manifestamente improcedente e impertinente, é a próprio Recorrente arguir a nulidade, e em simultâneo, pelas mesmas razões, o erro na decisão recorrida. Esta invocação simultânea é sinal claro de que a próprio Recorrente reconhece que a decisão não encerrava nulidade alguma, tendo-a arguido desprovido das razões que legalmente fundam a invocação da nulidade decisória.
Por conseguinte, falece manifestamente a invocada nulidade da decisão.

A Recorrente vem invocar erro decisório pelas mesmas razões que invocou a nulidade decisória. Assim, vem a Recorrente dizer que a decisão recorrida violou os art.ºs. 66.º, n.º 2 e 71.º, n.º 1, do CPTA, ao entender que não poderia conhecer dos fundamentos impugnatórios relativos ao vício de violação de lei, à violação dos princípios da proporcionalidade, da boa-fé e à violação das expectativas legítimas criadas pelo IEFP, porquanto o acto praticado pelo IEFP em 08-11-2004 está fundamentado de facto e de Direito, como decorre da alínea l) de fls. 3 do doc. 17 junto à PI e da matéria assente em SS).

Considerando que a A. e ora Recorrente tinha formulado um pedido condenatório, a decisão recorrida decidiu que os fundamentos relativos à invalidade do acto praticado pelo IEFP, em 08-11-2004, não haviam de ser conhecidos autonomamente pelo tribunal, tendo em vista a anulação desse mesmo acto administrativo, por aplicação dos art.ºs. 66.º, n.º 2 e 71.º, n.º 1,do CPTA, porquanto ao tribunal só havia que apreciar daquelas razões considerando a pretensão condenatória da A., sendo a invalidade do citado despacho um mero pressuposto do indicado pedido condenatório.
Depois, considerando que o acto impugnado remeteu a sua fundamentação para o parecer da CMO, não obstante julgar-se verificadas algumas das ilegalidades substanciais que vinham imputadas a tal acto, entendeu-se na decisão recorrida que, no caso, não se identificava uma única solução como legalmente possível, mas, antes, havia um campo para a discricionariedade administrativa, pelo que condenou a entidade pública a praticar “o acto administrativo devido” observando duas vinculações: (i) teria que se solicitar um novo parecer à CMO devidamente fundamentado em sede de Direito; (ii) e deveria aferir da elegibilidade das despesas apresentadas pela A. “de acordo com o critério legal constante do n.º 1 do n.º 12 da Portaria n.º 196-A/2001, de 10 de Março”.

Diga-se, desde já, que o recurso procede no que diz respeito a este erro decisório. De facto, a decisão recorrida fez uma aplicação dos art.ºs. 66.º, n.º 2 e 71.º, n.º 1, do CPTA, que acabou por desvirtuar a própria razão de ser destes preceitos.
O que se pretendeu com a instituição da acção condenatória foi permitir aos tribunais administrativos condenar a Administração em situações em que se verificasse a existência de uma conduta devida, porque totalmente vinculada quanto ao momento e ao seu conteúdo.
Ora, no caso, como se afirma na própria decisão recorrida, não existia uma única situação como legalmente possível, mas antes, a sanação das invalidades que se identificavam no acto do IEFP remetiam para uma nova procedimentalização e para juízos discricionários da Administração.
Portanto, o que se haveria de ter decidido, não era condenar a Administração, em abstracto, na prática de um “acto administrativo devido”, que não se identifica especificadamente - e que antes até se afirma que inexiste – mas, diferentemente, haveria de decidir-se pelo claudicar do pedido condenatório e pela procedência do pedido impugnatório que estava na base, ou estava implícito, ao pedido condenatório. Desta forma, com a anulação judicial do acto praticado pelo IEFP, em 08-11-2004, ficava a Administração obrigada à reconstituição da situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado, com a consequente reponderação da situação, eventualmente à luz de vinculações – concretas - que resultassem explicitas da lei aplicável.
Como já se referiu, no caso em apreço, o acórdão do TAF de Sintra resolveu condenar em abstracto num “acto devido”. Depois, determinou-se uma primeira vinculação - a retoma da consulta à CMO. Acontece, que a retoma desta consulta, como adiante se explicitará melhor, não era um acto devido à luz da Port. n.º 196-A/2001, de 10-03. Como segunda vinculação, a decisão recorrida remeteu à Administração ao simples cumprimento da lei, a saber, ao cumprimento do n.º 1 do n.º 12 da Port. n.º 196-A/2001, de 10-03. Ou seja, a segunda vinculação indicada no acórdão do TAF de Sintra, nada acrescentou ou determinou em termos efectivos.
Em suma, a decisão recorrida errou quando frente a uma situação em que não se identificava a existência de um acto vinculado, resolveu condenar a Administração num “acto devido”, porquanto anteriormente havia considerado ilegal o acto que estava na base daquele pedido condenatório e, em simultâneo, havia entendido que o pedido impugnatório não poderia ser conhecido autonomamente. Visto de outra forma, a decisão recorrida terá tentado conhecer do pedido condenatório para acautelar o melhor possível a situação da A. e nessa tentativa entrou num equívoco: o de condenar num pretenso acto devido, que não se identificava no caso, por ali existir margem de discricionariedade administrativa.
Assim, a decisão recorrida começou por conhecer do invocado erro nos pressupostos de Direito, julgando, a final, que esse erro não existia, porque, face aos factos apurados, concluía-se que o IEFP não tinha considerado o parecer da CMO como vinculativo.
Nesta parte a decisão está totalmente acertada, pelo que se mantém nos seus precisos termos.
Depois, a decisão recorrida analisou a invalidade daquele acto de 08-11-2004, por se basear num parecer da CMO desfavorável, que tinha revogado implicitamente um acto de deferimento tácito, aqui julgando que o parecer desfavorável da CMO padecia de falta de fundamentação de Direito e violava o art.º 141.º, n.º 1, do (antigo) CPA, invalidade essa que implicava a invalidade consequente do acto de 08-11-2004 do IEFP.
A partir daqui, entendeu a decisão recorrida que o tribunal não tinha elementos para conhecer dos restantes vícios invocados – de violação de lei, por não existirem limitações ao uso da fracção da A., em simultâneo, para habitação e para o seu negócio e de violação dos princípios da proporcionalidade, da boa fé – primeiro, porque faltava a fundamentação de Direito ao parecer da CMO, e depois, porque essa aferição remetia para competências discricionárias do IEFP.
Ora, neste ponto já não se pode acompanhar a decisão recorrida, pois está errada.
Na verdade, decorre dos factos provados em KK) a SS), que o acto do IEFP não remeteu para o parecer da CMO, não se apropriando dos seus fundamentos. Diversamente, o acto de 08-11-2004 do IEFP adopta uma fundamentação própria e autónoma face àquele parecer.
Como resulta dos factos provados de KK) a SS), contrariamente ao afirmado na decisão recorrida, o acto praticado pelo IEFP em 08-11-2004 está fundamentado de facto e de Direito, ali se indicando em termos claros e até relativamente detalhados, as razões de facto e de Direito que justificavam a decisão de indeferimento tomada.
Consta do teor do acto de 08-11-2004 - facto provado em PP) – que as instalações onde a A. e Recorrente pretendia desenvolver a sua actividade eram a garagem da casa em que vivia e que essa mesma garagem não estava licenciada para o desenvolvimento de actividades comerciais.
Refira-se, ainda, que dali também consta, de forma clara e expressa, que “independente parecer da Câmara Municipal de Oeiras ser desfavorável em relação ao exercício desta actividade num espaço que não está devidamente licenciado para o efeito (…) cabe ao IEFP, em última instância, a análise e decisão da candidatura. Essa decisão terá de ter em consideração o relatório que resulta da visita prévia às instalações do projecto”.
Mais se assinale, que da factualidade referida em KK) a QQ), retira-se, que a referência feita na informação referida em II) à vinculatividade do parecer da CMO, não subsistiu na fundamentação do acto final.
Pelo exposto, não é certa a afirmação feita na decisão recorrida de que o acto de 08-11-2004 do IEFP remete e se apropria dos fundamentos do parecer da CMO.
Logo, não também não está certa a decisão recorrida quando julga que aquele acto do IEFP padece de invalidade consequente, por se ter apropriado de um parecer da CMO não fundamentado em sede de Direito.
Mais se indique, que se o parecer da CMO não era vinculativo, ainda que o mesmo não estivesse devidamente fundamentado, essa falta de fundamentação também não se repercutiria na decisão final (que não remeteu para esse mesmo parecer).
No demais, o IEFP deu cumprimento ao exigido na alínea a) do n.º 2 do n.º 24.º da Port. n.º 196-A/2001, de 10-03, não havendo que solicitar agora novo parecer CMO, por essa mesma obrigação estar já cumprida e não resultar da lei a obrigação de o IEFP requerer um novo parecer.
Portanto, com este enquadramento, tem de proceder os fundamentos do recurso de Maria Margarida Carvalho Alvarenga Nunes quando invoca a existência de um erro decisório, por não ter de ser renovado o parecer da CMO e o acto do IEFP estar fundamentado de facto e de Direito e nesta perspectiva não se poder defender, como se fez na decisão recorrida, que o Tribunal não dispunha dos elementos necessários para conhecer das invocadas ilegalidades.
Todavia, conhecendo-se agora em substituição do tribunal recorrido acerca das invocadas violações, terão as mesmas, sempre, de improceder.
Conforme n.º 2 do n.º 24.º da Port. n.º 196-A/2001, de 10-03, compete ao IEFP a instrução, análise e decisão dos procedimentos de candidatura ao programa de estímulo à oferta de emprego. Nesse âmbito compete ao IEFP solicitar um parecer - obrigatório e não vinculativo - sobre o projecto à câmara respectiva – cf. al. a) do n.º 2 do n.º 24.º da Portaria e art.º 98.º, n.º 2, do (antigo) CPA.
Mais compete ao IEFP efectuar uma vistoria prévia às instalações do promotor, por forma a aferir da existência de condições para o desenvolvimento deste último – cf. al. b) do n.º 2 do n.º 24.º da Portaria.
Conforme factos provados em I), W) a Z), DD) a SS), a A. e Recorrente declarou que pretendia desenvolver a sua actividade na sua habitação, nomeadamente numa garagem ampliada que não está licenciada para comércio, e aquando da visita do IEFP, verificou-se, que parte do material estava na garagem e num quarto de brinquedos dos filhos e não num “espaço isolado e independente”. Apreciadas aquelas instalações, o IEFP entendeu que não tinham condições para o desenvolvimento da indicada actividade.
Ou seja, atendendo à factualidade apurada e às normas aplicáveis, a apreciação das condições das instalações e da sua aptidão para o desenvolvimento do projecto cabe ao IEFP, que aqui goza de uma ampla margem de apreciação.
Na al. b) do n.º 2 do n.º 24.º da Port. n.º 196-A/2001, de 10-03, remete-se para conceitos vagos ou indeterminados, que cumpre à Administração preencher, de acordo com o interesse público do momento. No desenvolvimento desta actividade a Administração goza de uma ampla margem de decisão, inerente ao preenchimento daqueles conceitos indeterminados.
De facto, a concretização de tais conceitos indeterminados apela para uma valoração autónoma ou complementar e para a necessidade de um preenchimento “criativo” por parte da Administração. Trata-se de situações em que “claramente o legislador remete para a Administração a competência de fazer um juízo baseado na sua experiência e nas suas convicções, que não é determinado, mas apenas enquadrado por critérios jurídicos”. Quer dizer, a Administração têm aí de, considerando as circunstâncias de interesse público, descobrir, segundo o seu critério a solução mais adequada” (in AMARAL, Diogo Freitas do - Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Livraria Almedina, Coimbra, 2002, pp. 110 e 111).
Discricionariedade administrativa é aqui entendida enquanto um poder-dever jurídico concedido pelo legislador à Administração, a fim de que esta, dentro dos limites legalmente estabelecidos, escolha, de entre várias soluções possíveis, aquela que lhe parecer a melhor ou a mais adequada ao interesse público. Tais elementos ou competências discricionárias encerram um juízo de mérito, essencialmente técnico, derivado dos especiais conhecimentos e da experiência do órgão da Administração que o emite, que só pode ser formulado pela própria Administração, porquanto não está prescrito na lei. Tal juízo de mérito não pode, portanto, ser apreciado pelo tribunal, pois extravasa o foro jurídico.
Só na hipótese de erro grosseiro ou manifesto, ou de erro de facto, serão impugnáveis contenciosamente os juízos proferidos em sede de discricionariedade.
Ora, atendendo à referida factualidade, que ora não vem impugnada, não haverá, neste caso, nenhum erro grosseiro ou manifesto, passível de ser sindicado judicialmente.
Ainda que a A. diga que não precisa de um espaço comercial e que vai desenvolver um negócio em sistema de franchising, não é manifestamente desadequado o juízo desenvolvido pelo IEFP de que uma garagem não é um local adequado para uma actividade comercial, ou que a colocação de equipamentos - um PC portátil -num quarto de brinquedos dos filhos, também não apresente essas condições.
Igualmente, não há qualquer ofensa aos princípios da proporcionalidade e da boa fé, pelo facto de o IEFP ter feito esse juízo. Quanto à invocação da A. e Recorrente de que o IEFP lhe deu expectativas de poder efectuar a sua actividade a partir da sua habitação, para além de não estar suportada em factos, também sempre seria improcedente, porquanto não se alega nos autos que a A. tenha adstrito uma sala ou quarto, autónomos e independentes, onde passasse a desenvolver a sua nova actividade. Diversamente, o que se está a discutir nos autos é a possibilidade de a A. desenvolver num espaço dentro de uma garagem e num quarto que também serve de brinquedos aos filhos, uma actividade comercial, indicando esses mesmos espaços como a sede da sua nova empresa. Está-se a discutir a apresentação de instalações que são de uso partilhado pelos restantes membros da família, ou que não se mostram com um uso próprio, autónomo e independente. Neste enquadramento fáctico e jurídico, manifestamente, claudicam as invocações da Recorrente.
Pelas mesmas razões improcede a invocação da Recorrente relativas ao erro decisório por não existir qualquer proibição ou limitação no uso da fracção em que a A. habita também para sede social da sociedade.
Em suma, procede o erro decisório que vem assacado neste recurso à decisão recorrida, mas conhecendo-se em substituição as ilegalidades invocadas nos autos, improcedem as alegações que são feitas nos autos pela Recorrente.

Invoca a Recorrente um erro decisório porque o acto de deferimento do apoio previsto no n.º 16.º da Port. n.º 196-A/2001, é um acto vinculado, pois o projecto da A. garantia a criação do seu emprego e à data da respectiva candidatura esta era beneficiária das prestações de desemprego, devendo, por essa mesma razão, ter sido considerado procedente o vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito e deferido o pedido condenatório.
Ora, também aqui claudicam as alegações da Recorrente.
Da aplicação conjugada dos n.ºs.º 4.º, 9.º, 11.º, 13.º, 17.º da Port. n.º 196-A/2001, de 10-03, verifica-se, que o n.º 16 pressupõe a apresentação de um projecto de emprego que seja viável e obedeça previamente a vários requisitos, nomeadamente que se relacionam com a criação de postos de trabalho, com o enquadramento indicado no n.º 4.
Na apreciação desses requisitos também se concede uma larga margem de discricionariedade à Administração. Portanto, desde logo por esta circunstância tinha de falecer o pedido condenatório.
O n.º 16 remete para um projecto que tinha de ser avaliado pelo IEFP e só em situações de erro de facto, grosseiro ou manifesto nessa apreciação, poderia aquela actividade do IEFP ser sindicada. Ou seja, aquele preceito não estabelece uma competência totalmente vinculada e face à factualidade apurada nos autos não se verifica existir um erro de facto, grosseiro ou manifesto na apreciação que foi feita pelo IEFP ao projecto da A.
Acresce, que dos autos também resulta que o projecto da A. não implica a criação líquida de postos de trabalho – para além do seu próprio - como exige o n.º 4 da Portaria (cf. neste sentido o Ac. do STA n.º 522/02, de 03-02-2005).
Consequentemente, é manifesto que a pretensão condenatória da A. e Recorrente tinha fatalmente que improceder.
Em suma, face ao enquadramento legal da questão e à factualidade concreta que a envolve, a A. e Recorrente não tem direito algum a exigir da Administração a aprovação do seu projecto e o pagamento de uma só vez do respectivo montante global.
Nestes termos, sem embargo de algumas alegações de Maria …………………….. procederem, o correspondente recurso de acaba por claudicar na sua essencialidade.

Do recurso do IEFP

Vem o IEFP alegar um erro decisório quando se determinou a retoma do procedimento com a solicitação de parecer à CMO, porque tal parecer já foi produzido, não era vinculativo e era inimpugnável, por não ter produzido efeitos externos e não ter relevado para a decisão final do IEFP, que não se apropriou dos seus fundamentos para indeferir a candidatura.
Como decorre do acima exposto, a presente alegação do IEFP procede.
A decisão recorrida errou quando determinou a retoma do procedimento com a solicitação de parecer à CMO, porque tal solicitação já foi efectuada pelo IEFP e o parecer da CMO já foi proferido - cf. alínea a) do n.º 2 do n.º 24.º da Port. n.º 196-A/2001, de 10-03.
Tratava-se de um pedido de parecer obrigatório e essa formalidade foi correctamente cumprida.
No restante, como se disse, tratou-se de um parecer não vinculativo e para o qual o acto do IEFP não remeteu.
Como o IEFP alega, tal parecer também não produziu efeitos externos e lesivos, pois foi um mero acto procedimental, não final, que não vinculou o IEFP.
Nessa perspectiva, o parecer da CMO seria inimpugnável autonomamente, como bem indica o Recorrente.
Porém, no caso em apreço, o parecer da CMO não foi impugnado directamente, mas apenas se requereu uma condenação a um acto devido e foi ao abrigo desse pedido que a decisão recorrida conheceu da ilegalidade do parecer. Tratou-se de uma apreciação incidental, o que era lícito fazer-se.
Procede, pois, em termos parciais, a alegação do IEFP e há que revogar a decisão quando determinou a retoma do procedimento com um novo pedido de parecer à CMO, pois esse novo pedido não tem qualquer enquadramento legal.

Igualmente, procede a alegação do IEFP quando refere a existência de um erro decisório por não competir ao IEFP demonstrar que as despesas que a Autora apresentava eram relevantes (ou não) para a realização do projecto, mas, antes, competir à Autora justificar que o material adquirido era necessário para efectuar as suas demonstrações e, portanto, relevante para a realização do seu projecto.
Ou seja, a decisão recorrida errou novamente quando determinou a título de vinculações a obrigação do IEFP de “aferir da elegibilidade das despesas apresentadas pela Requerente, ora Autora, de acordo com o critério estabelecido no n.º 1 do n.º 12 da Portaria n.º 196-A/2001, de 10-03 – a relevância para a realização do projecto”, porquanto, tal como decorria da factualidade trazida aos autos, aquela aferição já havia sido feita pelo IEFP e não padecia das invalidade invocadas nestes autos.
Como decorre dos factos provados em DD), GG) a MM) e PP) a SS), o IEFP, após visita às instalações da A. e Recorrida, verificou que A. da não dispunha de nenhum espaço isolado e independente para o seu projecto: o equipamento informático – um PC portátil- estava instalado numa sala que era em simultâneo o quarto de brinquedos dos filhos e que as obras de ampliação que se invocavam foram feitas numa garagem na casa de habitação da promotora e sua família, onde estava guardado “dentro de grandes caixotes de cartão” o equipamentos básico, alegadamente para experiências e para demonstrações nas escolas e ATL`s.
Neste seguimento, o IEFP considerou não elegível como investimento o valor das obras de ampliação da garagem, por esta servir como complemento da sua habitação, não estar licenciada, e ainda, porque a garagem não se apresentava como um espaço autónomo e independente, onde tivesse sido instalado o negócio da A..
Igualmente, o IEFP considerou não ilegível o investimento feito no equipamento básico que estava encaixotado na garagem e o investimento feito no PC portátil que estava no quarto de brinquedos dos filhos da promotora. Para tanto, o IEFP atendeu ao facto de tais equipamentos estarem colocados em áreas usadas pelos restantes membros da família e não se distinguirem dos restantes bens da família. Quanto ao equipamento básico para demonstração em escolas e em outros locais, entendeu o IEFP, ainda, que o facto de este estar armazenado em grandes caixotes na garagem, colidia com a invocação da necessidade da sua aquisição para efeitos do negócio.
Ao assim apreciar, o IEFP acabou por considerar que não estava devidamente fundamentada - pela promotora - a relevância daquele investimento que se dizia efectuado em prol do projecto. Nessa medida, aplicando os poderes que lhe são conferidos pelo n.º 12 da Port. n.º 196-A/2001, de 10-03, o IEFP considerou inelegíveis os invocados investimentos.
Ora, o que resulta do citado n.º 12 da Port. n.º 196-A/2001, de 10-03, é isso mesmo: uma obrigação de fundamentação quanto à relevância do investimento por banda do promotor e um poder-dever do IEFP de apreciar aqueles investimentos e respectiva fundamentação quanto à sua relevância para a realização do projecto e consequentemente considerar tais investimentos como ilegíveis ou inelegíveis.
Ou seja, mais uma vez a lei – o n.º 12 da Port. n.º 196-A/2001, de 10-03 – atribui ao IEFP uma larga margem de decisão, apelando para conceitos vagos ou indeterminados a preencher pela Administração, de acordo com o interesse público do momento. Apela-se aqui a uma discricionariedade técnica.
Quanto à impugnação dos juízos feitos pela Administração, só podem ocorrer na hipótese de erro grosseiro, manifesto ou de facto.
Nestes termos, no enquadramento acima-referido, contrariamente ao afirmado na decisão recorrida, não se pode dizer que sejam “absurdas” as referências feitas pelo IEFP ao modo e local de armazenamento dos materiais.
Igualmente, não se pode dizer, como se faz na decisão recorrida, que a invocação pelo IEFP da falta de condições das instalações para o desenvolvimento do projecto seja um novo fundamento, que não é subsumível no legal, no referido no n.º 12 da Port. n.º 196-A/2001, de 10-03, e relativo à relevância do investimento para a realização do projecto.
No caso dos autos, o que ocorre é que a discussão da relevância do investimento na ampliação da garagem é algo que fica aquém do que o IEFP constatou: essa garagem – ampliada ou não – não servia de espaço autónomo e independente para o desenvolvimento do projecto. Antes era uma garagem usada para complemento da habitação da promotora e da sua família, onde não estavam alocados todos os restantes equipamentos do projecto. Essa garagem apenas servia para guardar grandes caixotes com algum equipamento. No restante, não visaria a realização do projecto, mas ser uma garagem complementar à casa de habitação da promotora. Portanto, se a garagem não servia para ser a sede e o local onde a promotora iria realizar o seu negócio e onde concentraria todos os equipamentos, obviamente, que também não estava fundamentada a relevância deste investimento, pelo que o mesmo não foi considerado elegível.
Quanto ao equipamento que a promotora disse estar encaixotado, o IEFP não considerou que estivesse a ser utilizado para a realização do projecto, mas antes, considerou que os caixotes não se distinguiam das restantes coisas que estavam guardadas conjuntamente e que seriam bens de uso da promotora e da família da promotora.
Refira-se, ainda, que nos termos da Port. n.º 196-A/2001, de 10-03, e nomeadamente nos termos do seu n.º 12, é à promotora que incumbe o dever de demonstrar a relevância das despesas que pretende ver como elegíveis e não o inverso. Ou seja, não é ao IEFP que incumbe fazer a uma demostração fundamentada da não elegibilidade. A este Instituto cabe apenas fundamentar a sua decisão, no caso de indeferimento da pretensão da promotora, nos termos gerais em que se exige a fundamentação de um acto administrativo.
Em suma, face à factualidade apurada e ao preceituado no n.º 12 da Port. n.º 196-A/2001, de 10-03, não se pode concluir pela existência de qualquer erro grosseiro, manifesto ou de facto por banda do IEFP, quando considerou não elegíveis as despesas apresentadas pela promotora.
Em suma, procede o recurso do IEFP.


Na decisão recorrida julgou-se prejudicado o conhecimento do pedido de responsabilidade civil extra-contratual, por facto ilícito, apresentado pela A. contra IEFP.
As partes não impugnaram em recurso este segmento decisório.
A A. na PI e depois em requerimento de aperfeiçoamento, invocou a ilicitude da conduta do R., fundando-a não só nas invalidades que ora se conheceram, mas ainda, porque entendeu que o IEFP desconsiderou os prazos legais de decisão, onerando-a em termos de recurso a crédito e limitando os seus lucros cessantes. Diz também a A., que nas sucessivas actuações procedimentais o IEFP garantiu um investimento de confiança, que acabou logrado.
No despacho saneador de fls. 288, que transitou em julgado, considerou-se que para a apreciação do mérito da causa apenas se exigia prova documental, pelo que o processo seguiu para alegações e posterior julgamento, o que ocorreu com o proferimento do acórdão recorrido.
Portanto, as partes aceitaram, nomeadamente a A., que para a aferição das suas pretensões não havia lugar à abertura de um momento de instrução e prova, nomeadamente testemunhal.
Ou seja, as partes - designadamente a A. - não vieram opor-se à decisão de 1.ª instância que entendeu que não havia que produzir mais prova, v.g. testemunhal. Igualmente, as partes não se opõem ao acórdão recorrido na parte em que entendeu o conhecimento do pedido indemnizatório como prejudicado pela procedência do pedido condenatório.
Como decorre do acima exposto, face às alegações da A., constantes da PI e do seu requerimento de aperfeiçoamento, para a eventual procedência do pedido indemnizatório seria necessária a produção de prova, desde logo, testemunhal.
Relativamente às alegações de que o IEFP desconsiderou os prazos legais de decisão e que teve uma conduta procedimental que se mostrou ofensiva da boa-fé e da confiança, gerando com essas atitudes danos na esfera jurídica da A. em termos de crédito bancário e a título de lucros cessantes, tratam-se de invocações factuais que não ficaram provadas na decisão ora sindicada. Igualmente, tratam-se de alegações cuja prova não pode ser feita por via da documentação trazida à lide.
Nos termos do art.º 665.º, n.º 2, do CPC, este TCA tinha poderes para conhecer em sede de recurso das questões que tivessem sido julgadas prejudicadas pelo tribunal recorrido. Porém, esse conhecimento em substituição tem pressuposto, primeiro, que as partes mostrem pretender recorrer da decisão de 1.ª instância quanto ao segmento cujo conhecimento foi julgado prejudicado; depois, o conhecimento em substituição pela 2.º instância tem como condição, que dos autos resultem os elementos necessários a essa apreciação.
Ora, através deste recurso as partes não reagiram contra o segmento da decisão de 1.ª instância que julgou prejudicado o pedido indemnizatório. Igualmente, as partes não reagiram contra o despacho anterior que prescindiu da prova testemunhal. Ambas as decisões firmaram-se nos autos.
O TCA não pode conhecer oficiosamente acerca da decisão de não produção de prova em 1.ª instância, ou acerca da decisão constante do acórdão recorrido da prejudiciadade do pedido indemnizatório, estando sujeito a um princípio do pedido e do dispositivo das partes.
Logo, porque as partes não impugnaram a decisão de 1.ª instância que dispensou mais prova e não impugnaram a decisão recorrida na parte em que considerou prejudicado o conhecimento do pedido indemnizatório, essas mesmas decisões não podem agora ser conhecidas.

III- DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam:
- em conceder provimento parcial ao recurso interposto por Maria Margarida Carvalho Alvarenga Nunes;
- em conceder provimento ao recurso interposto pelo IEFP;
- revogar a decisão recorrida na parte em que vem impugnada e, em substituição, absolver o IEFP dos pedidos impugnatórios e condenatórios, com a fundamentação ora adoptada;
- custas em 1.ª instância por Maria …………………………………..;
- custas em 2.ª instância por Maria ……………………………., atentos os princípios da causalidade e do proveito e por se entender que acabou vencida, na essencialidade das suas alegações, em ambos os recursos.


Lisboa,23 de Novembro de 2017.
(Sofia David)
(Nuno Coutinho)
(Carlos Araújo)