Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2389/16.0BELSB
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:10/04/2017
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:NULIDADE DECISÓRIA
CARACTERÍSTICAS TÉCNICAS DA PROPOSTA
AMPLIAÇÃO DO RECURSO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
JUÍZOS DE ORDEM TÉCNICA FEITOS PELO JULGADOR
POSIÇÃO PROCESSUAL DO CONTRA-INTERESSADO
CUSTAS A PAGAR PELO CONTRA-INTERESSADO
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
CONDENAÇÃO AO ACTO DEVIDO
OBRIGAÇÃO DE ADJUDICAÇÃO AO 2.º CONCORRENTE.
Sumário:I - Só ocorre nulidade decisória, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, quando exista uma oposição entre os fundamentos e a decisão que seja grave, patente, que implique uma incongruência absoluta.

II – Se nos documentos do concurso se exige que as características técnicas da proposta sejam comprovadas “de forma inequívoca”, a partir da entrega de “documentação de carácter técnico”, a discussão dessas mesmas características tenderá a ser apreensível por um homem médio, comum, porquanto se apela, na respectiva comprovação, a juízos de evidência, para o que é patente e manifesto.

III - Se o Recorrido pretender ampliar o âmbito do recurso quer à impugnação da matéria de facto, quer à apreciação de fundamento em que haja decaído, deve indicá-lo expressamente nas contra-alegações que apresente.

IV- Visando o Recorrido a impugnação da matéria de facto, há que cumprir os arts.º 636.º, n.º 2 e 640.º, do CPC.

V - O recurso não é o meio adequado para fazer incluir nos autos factos novos, essenciais, de conhecimento não superveniente.

VI – A apreciação do julgador, feita em sede de interpretação de Direito, de que a bateria da mira não afecta aquele “ângulo de visão do atirador”, quando não alicerçada em factos que tenham sido dados por provados, é uma apreciação que inclui juízos de ordem técnica, que extravasavam o foro jurídico, que não é lícito ao julgador fazer.

VII – A indicada apreciação reconduz-se a um facto que tinha de ter sido alegado pelas partes, ou acrescentado oficiosamente e que tinha de ser previamente dado por provado.

VIII – O contra-interessado figura na acção administrativa em litisconsórcio necessário passivo, unitário, com a Administração.

IX – Também para efeitos de custas vale a caracterização da intervenção do contra-interessado como sendo feita em litisconsórcio necessário passivo.

X – Porém, contrariamente ao que ocorre com o litisconsorte na acção cível, o contra-interessado não detém um interesse igual ao da Administração e não faz valer no processo um direito próprio, paralelo ao da Administração. Igualmente, o acto, a norma ou a conduta impugnada não lhe será imputada directa e imediatamente, mas terá sempre de ser imputada à própria Administração.

XI - Também comparando com o regime do processo civil, em termos de direitos processuais, o contra-interessado detém menos direitos que uma parte em litisconsórcio civil. O contra-interessado no processo administrativo apresenta-se com poderes diminuídos e subordinados à própria posição processual da Administração.

XII - As custas correspondem ao pagamento dos encargos de um processo e são repartidas em função do vencimento/decaimento que se teve na acção e dos próprios poderes processuais de cada parte. Tal deriva dos princípios da justiça, da igualdade, da proporcionalidade e dos princípios mais específicos que regem as custas, da causalidade e do proveito.

XIII - A aplicação da lei processual civil e do RCJ ao contencioso administrativo faz-se supletivamente, mas com as decidas adaptações, havendo de respeitar-se os princípios que estão subjacentes a qualquer tributação em custas.

XIV- A regra geral do art.º 528.º, n.º 1, do CPC, da repartição de custas em partes iguais pelos litisconsortes não faz sentido no caso dos contra-interessados em processo administrativo. Há que ler o art.º 528.º, n.º 1, do CPC, em conjugação com o art.ºs 527.º, nº 1 e 2, do mesmo Código.

XV - Nos processos administrativos, verificado o decaimento de uma acção pela Administração e pelos contra-interessados, na sua totalidade, incumbe ao juiz fixar a proporção em cada parte fica vencida

XVI - Será com base em cada caso concreto - nas ocorrências processuais a que o contra-interessado dê causa, na própria conduta que tenha tido no âmbito da relação jurídico-administrativa substantiva e no proveito que possa, para ele, decorrer da acção – que deverá ser fixada, casuisticamente, pelo juiz de 1.ª instância, a proporção do decaimento do contra-interessado, sendo certo que esse decaimento nunca deve ser igual ou superior àquele que for considerado pela Administração.

XVII - Procurando-se a proporção em que o contra-interessado fica vencido, ao lado da Administração, deparamo-nos uma situação paralela, a do assistente, regulada nos art.ºs 538.º do CPC, 13.º, n.º 7, alínea c) e tabela I-B do RCJ. Nesse seguimento, com base numa interpretação do sistema jurídico como um todo unitário e coerente, será razoável afirmar que os contra-interessados ficam sempre vencidos numa proporção que tem de ser menor que aquela que seja imputada à Administração e que poderá ser próxima de metade do correspondente valor que será pago pela Administração, tal como ocorre nos casos da assistência.

XVIII - A condenação em litigância de má-fé pressupõe e exige que a actuação de alguma das partes desrespeite o Tribunal ou a parte que lhe é contrária no processo. Deve a referida conduta estar viciada de dolo ou negligência grave. De fora da litigância de má-fé ficam as situações de erro grosseiro e de lide ousada ou temerária.

XIX - Excluída a proposta concorrente graduado em 1.º lugar, por via da decisão de anulação tomada nos presentes autos, a Administração fica numa situação de obrigação de adjudicação, desta vez à 2.ª concorrente.

XX - Essa adjudicação tornou-se um acto devido, por a margem de livre apreciação da Administração, na situação concreta dos autos, ter ficado reduzida a zero.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Recorrente: C………………….NGTT, Lda e Antero …………, Lda
Recorrido: Ministério da Defesa Nacional

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO

C………….. NGTT, Lda, Contra-interessada nos presentes autos, interpôs recurso da sentença do TAC de Lisboa que anulou o despacho de 07-10-2016, do Tenente General QMG do Exército, de adjudicação a esta empresa do fornecimento do lote 3, acto praticado no âmbito do procedimento concursal n.º ............... e que condenou o Ministério da Defesa Nacional (MDN) a retornar o procedimento concursal na parte relativa ao indicado lote 3.
Em alegações são formuladas pelo Recorrente C...................... NGTT, Lda, as seguintes conclusões: “1. De acordo com o Dicionário Porto Editora, 'estanque' significa "que não deixa passar água, bem tapado; que não corre; estagnado; enxuto; seco" e 'submersível' tem o significado de que se pode submergir".
2. De harmonia com os factos provados, as miras a adquirir devem ter, entre outras, as seguintes características, sob pena de 'exclusão do concurso': (...) (12) submersível: > 45 M.
3. Estanque e submersível, ao contrário do pretendido pela A. e postulado pelo Tribunal a quo, não são sinónimos.
4. A mencionada ET n9 1240 01 15, no n2 (12) do seu ponto 3 a), não estabelece, pois, um requisito de estanquicidade, mas de mera submersibílidade.
5. A 'International Electrotechnical Comissíon', na sua norma 1EC IPx8 60529 - de resto equivalente a Norma Europeia 60529 [cfr., iPCode, from Wikipedía) -, classifica e gradua os escalões de protecção contra água em nove graus que vão desde o "0" (não protegido" ou "sem protecção") até ao grau 8 ("protegida contra os efeitos da imersão prolongada em água sob pressão" ou "protegido contra os efeitos de imersão contínua em água").
6. E no que diz respeito ao grau 8, que é o de maior protecção, este é definido como aquele em que "water can enter but oníy in such a manner thot it produces no harmful effects", ou seja, louvando-nos na tradução do aludido doc. Nº 2, "impossível o ingresso de água em quantidade que cause efeitos danosos".
7. O Exército Português exigia que fosse apresentada a concurso uma mira que fosse submergível a profundidades iguais ou superiores a 45 metros e não uma que fosse estanque a essa profundidade ou a condições de pressão equivalentes a tai profundidade.
8. O requisito previsto no n- (12) do ponto 3 a) da ET nº 1240 01 15, de submersibiíidade, não exige que a mira seja estanque, apenas exige que a água que nela ingressar (para usar a expressão do tradutor brasileiro) seja em quantidade que não lhe cause danos.
9. A circunstância de o catálogo do fabricante T............ referir que a mira por si fabricada é impermeável (waterproof) a 30 metros não pode ser confundido com a submersibilidade de tai mira, isto é, a profundidade ou pressão equivalente a que pode ser sujeita sem que a quantidade de água que entrar cause danos na mira e no seu funcionamento
10. A douta sentença recorrida é feita errada interpretação dos factos provados, em resultado do que faz igualmente errada selecção e interpretação da lei aplicável.
11. E, confundindo estanquicidade com submersibilidade, como o faz a Autora e a douta Sentença recorrida, e concluir que o despacho impugnado sofre de vício de violação de lei e é anulável porque não excluiu a proposta da CL por esta não preencher requisitos de estanquicidade que não constam das Especificações Técnicas do concurso constitui uma oposição insanável entre a decisão e os seus fundamentos, que constitui nulidade da sentença, por força do disposto no art. 615º, nº 1, al, c), do Cód. Proc. Civil.
12. O Tribunal a quo anula o despacho impugnado porque este não aplicou um requisito técnico inexistente, qua seja o da estanquicidade da mira
Sempre que assim se possa não entender,
13. A douta decisão proferida, abstendo-se de condenar a R. a praticar o acto adjudicatório peticionado, importa um decaimento da A.
14. A douta decisão quanto a custas deve ser revogada e substituída por outra que, atenta a circunstância de que a A., tendo decaído parcialmente, também deu causa às custas, reparta as custas por A., R. e C.l
Notificado do recurso apresentado pela C...................... NGTT, Lda, o Recorrido MDN não contra alegou.
O Recorrido Antero L........., Lda, nas contra alegações formulou as seguintes conclusões: “1º-0 Tribunal a quo, ao dizer - como disse - que "o compartimento da bateria da mira proposta pela C.I. situa-se no seu interior, pelo que não sai, por via dessa característica, afectado o ângulo de visão do atirador" cometeu um erro de apreciação (por, na verdade, assim não ser).
2º - Ainda com respeito ao "requisito relativo à colocação da bateria", o Tribunal o quo procurou aproveitar a proposta lançando mão de juízos de ordem técnica (fazendo por interpretar as razões que levaram o Exército a optar, em concreto, pela especificação técnica em questão) para os quais, salvo melhor opinião, não está capacitado. Tal como se decidiu no Acórdão do TCAS proferido em 16.03.2006 (Proc. 01459/06, Cristina dos Santos), “no juízo de valoração de conceitos técnicos regem os conhecimentos e regras próprias da ciência ou da técnica que estejam em causa, não cabendo ao Tribunal controlar a boa ciência ou a boa técnica empregues pela entidade administrativa, por manifesta falta de competência nas matérias extra-jurídicas para tanto necessária".
3º - É necessário ter presente que a ora recorrente nunca assumiu na proposta estar a apresentar uma solução diferenciada, ou que pretendia ir para além das características técnicas definidas. O que na proposta ("Matriz de Satisfação de Requisitos Técnicos - Requisitos Essenciais") a C...................... fez constar foi que o equipamento "cumpre" no que respeita à "(15) Disposição do compartimento da bateria em posição inferior" (cfr. Doc. 5 junto com a p.i., destaques nossos). E a verdade é que não cumpre. Estamos claramente perante uma alteração - não assumida - da ET aplicável, o que é factor de exclusão da proposta: “As características técnicas dos materiais a adquirir têm que obedecer aos Requisitos Essenciais. Entende-se por Requisito Essencial a condição cuja não satisfação, implica a exclusão do concurso, (cfr. n.e l da ET 1240 01 15, sombreados no original -cfr. P.A.).
4* - Sem embargo do exposto, o recurso em questão não tem a mais pequena sustentabilidade.
5º - O que vem dito nas conclusões do recurso começa por ser incompatível com o que a C......................, ora recorrente, fez figurar na própria proposta.
6º - De igual modo, o que agora se lê no presente recurso contradiz o que a ora recorrente antes havia dito nos autos.
7º- Nunca antes havia dito a C...................... que não está em causa um requisito de estanquicidade mas de submersibilidade; nem tal faz o mais pequeno sentido. É por puro desespero que a ora recorrente diz o que diz nas alegações de recurso.
8º - Tem-se por seguro o incumprimento, por parte da ora recorrente, das regras do concurso (especificações técnicas do equipamento a fornecer) desde a primeira hora.
9º - O concurso exigia, sob pena de exclusão, um equipamento que fosse submergível a uma profundidade igual ou superior a 45 metros: "Submergível: > 45 m" (cfr. ET n.s 1240 0115).
10º - A ora recorrente nunca disse na sua proposta que a respectiva mira era submergível a 45 metros ou mais de profundidade. O que disse, diferentemente, é que a mira é estanque/submergível a uma profundidade igual ou inferior a 45 metros: "Submergível £ a 45m". (cfr. ai. I) dos factos assentes).
11º- Tal como ficou igualmente provado, segundo o catálogo do fabricante, a mira é estanque/submergível a 30 metros, (ai. o) dos factos assentes - doc. n.s 7 junto com a P.l, e fls. 173 do P.A.).
12º - A proposta da ora recorrente só não foi excluída pelo júri, como deveria ter sucedido, por manifesta omissão deste aquando da avaliação das propostas.
13º - Neste particular, o Tribunal o quo compreendeu a matéria em disputa, tendo feito uma correcta interpretação dos factos e uma não menos correcta aplicação do direito.
14º - Ao contrário do que pretende a recorrente, não há contradição alguma na sentença em questão. O iter cognoscitivo e valorativo da decisão é perfeitamente apreensível e congruente, pelo que deve a invocada nulidade (artigo 615a, n.s 1, al. c), do CPC) ser totalmente rejeitada.
15º - A ora recorrente litiga de má-fé.
16º - A ora recorrente sabe perfeitamente, desde a primeira hora, que a mira por ela proposta não é "Submergível: > 45 m", tal como impõe a ET (12).
17º - Sabe também a ora recorrente - por tê-lo afirmado expressa e repetidamente - que em momento algum esteve em causa a ora alegada diferença entre submersibilidade e estanquicidade e que, por assim ser - como é - não ocorre contradição na sentença recorrida.
18º - A ora recorrente, atento tudo quanto se deixa dito, mais não pretende senão protelar, por esta via, o trânsito em julgado da sentença, obstando à adjudicação do fornecimento do lote em questão à ora recorrida, com o que lhe vem causando assinalável prejuízo.”
O Recorrido Antero L........., Lda, apresentou também recurso subordinado no qual formula as seguintes conclusões: ”1º - lnterpõe-se o presente recurso subordinado ao abrigo e para os efeitos do disposto no artigo 663a, n.º 1, do CPC ex vi artigo Ia do CPTA, após ter sido a Recorrente notificada do recurso principal interposto pela contra-interessada, ora Recorrida.
2º- A A., ora Recorrente, peticionou a anulação do despacho de adjudicação e, bem assim, a condenação da Entidade Demandada a adjudicar-lhe o lote 3 do procedimento pré-contratual em questão.
3º - Estamos no domínio do contencioso pré-contratual.
4º - O Tribunal o quo decidiu - e bem - anular o despacho que havia adjudicado o indicado lote 3 ao concorrente C......................, ora contra-interessado, por vício de violação de lei (deveria o despacho ter excluído a proposta da contra-interessada por força do disposto no artigo 70a, n.º 2, al. b) do CCP, como se lê na sentença a fls. dos autos dos autos), tendo julgado improcedente o pedido no demais.
Com efeito,
5º - Entendeu o tribunal o quo dever limitar-se a condenar a Entidade Demanda {Ministério da Defesa Nacional) "a retomar o procedimento e a não reincidir no vício de violação de lei acima indicado" (cfr. sentença a fls. dos autos) com este único fundamento: "Como se vê da especificação técnica n.e 1240 01 15, são vários os requisitos técnicos a que o equipamento tem de obedecer. No presente processo não se discutiu se a mira proposta peia A. os preenche a todos, peio que não está o tribunal em posição de condenar o R. a praticar acto de adjudicação que recaia sobre a proposta da A.- n.s 5 do art.s 95- do CPTA", (cfr. sentença a fls, dos autos)
6º- É notório o erro de julgamento do tribunal a quo.
7º - No que aos factos diz respeito e no que agora mais interessa considerar, deu-se por provado o seguinte: "a) O Réu abriu o procedimento concursal n.s B0158-2015 destinado à aquisição de acessórios para armamento ligeiro, destinando-se o lote n.º 3 à aquisição de miras «red dot espingarda de assalto» - doc. n.s 3 junto com a P.I.; b) o critério de adjudicação fixado foi o do mais baixo preço - doc. n.s 3 junto com a P.I.;
(...) m) Em 26/02/2016, o Júri deu a conhecer um relatório Preliminar, em que se propunha admitir as propostas apresentadas pela A. e pela Cl. - doc. n.º 6 junto com a P.I.;
(...) r) O júri procedeu à elaboração de nova audiência prévia, onde propunha a exclusão da proposta da C.l. para o lote 3 por não cumprimento do requisito relativo à autonomia do equipamento - doc. n.s 10 junto com a P.I.;
u) Em 25/05/2016, o júri readmitiu a proposta da C.I. (...);
v) A A. insurgiu-se ao longo do procedimento contra a decisão de admissão da proposta da C.I., alegando que esta não observava o requisito relativo à autonomia, tendo o Júri mantido a decisão de admissão (...)" (cfr. sentença a fls. dos autos).
8º - Para além destes factos, tal como oportunamente alegado (art. 1372 da PI a fls. dos autos) e evidenciado (cfr. Doc. n.2 l junto com a PI - 62 Relatório Finai elaborado, em 07.10.2016) para o lote 3 foi apresentada proposta apenas por dois concorrentes; a saber: ANTERO L........., LDA., ora A. e C...................... NGTT, LDA. ora contra-interessada (cfr. quadro constante do ns 1 do Relatório indicado - “Em 26 de Janeiro de 2016 procedeu-se à abertura das propostas verificando-se terem apresentado propostas para cada um dos lotes, os concorrentes abaixo elencados Doc. n.2 1 junto com a PI).
9º - Nos presentes autos não se discutiu - como não tinha que se discutir - se a mira proposta pela A. preenche os requisitos constantes da indicada especificação técnica. O preenchimento de tais requisitos, por parte da mira proposta pela A., ora Recorrente, não é matéria controvertida nos autos, sendo um dado adquirido. Nem os demais concorrentes (a ora contra-interessada, leia-se) nem o júri do procedimento alguma vez colocaram em causa, em sede própria (audiências prévias e relatórios, respectivamente), o equipamento proposto pela ora A..
Assim,
10º- E diferentemente do que resulta da sentença, nada há a retomar no procedimento aos autos.
11º - o artigo 95º, n.s 5, do CPTA foi erradamente interpretado e aplicado.
12º - Como se lê no Acórdão do TCAS de 26.04.2012, "A adjudicação é um ato legalmente devido - arts. 762-1, 792-1 e 802 CCP -, e é um ato constitutivo de direitos" (Proc. 08634/12, Paulo Pereira Gouveia).
13º - A cumulação de pedidos no contencioso pré-contratual resulta inquestionável (artigo 52 do CPTA). Como apontam MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CAD1LHA, com a autoridade que lhes é reconhecida na matéria, "O contencioso pré-contratual deve ser, pois, entendido como uma via, tanto impugnatória, como de condenação à prática de actos administrativos, (cfr. "Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos", Almedina, 3§ ed. Revista, 2010, pag. 668). O que está em causa, no limite, é a tutela jurisdicional efectiva consagrada no artigo 268®, n.e 4, da CRP - cfr. Ob. cit., pag. 671).
14º - No caso dos autos, o acto de adjudicação constitui-se como um acto legalmente devido.
15º - Tal como foi decidido no Acórdão do STA de 208.09.2016: "II - (...) ficando a Recorrente graduada em primeiro lugar, uma vez que o critério estabelecido no concurso é o do mais baixo preço (sendo o por ela apresentado o maís baixo), o acto de adjudicação constltui-se como um acto legalmente devido, já que a decisão de adjudicação é um dever do órgão competente para contratar (cfr. arts. 362 e 762 do CCP), salvo as excepções previstas no art. 792 do CCP, que aqui não estão em causa.
III - Considerando que os actos a praticar pela entidade adjudicante corresponderão ao pedido condenatório, que foi julgado inteiramente procedente, está a Administração concretamente vinculada a praticar os actos referidos com o conteúdo pretendido, estão reunidos todos os pressupostos necessários para a condenação nos precisos termos do pedido, sem necessidade de formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa (art, 959, n.s 3 do CPTA).
IV- Seria, pois, de condenar a Administração a adjudicar os serviços, sem prejuízo do disposto no art. 779, n.9 2 do CCP, e a celebrar o contrato respectivo. (Proc. 0568/16, Teresa de Sousa).
16º - Em resultado da exclusão da proposta da contra-interessada para o lote 3 em questão (nos exactos termos em que foi anulado o despacho impugnado), a proposta da A., ora Recorrente, passa a ser a única para o referido lote 3 (cfr. Relatório Final elaborado, em 07.10.2016 - Doc. n.s 1 junto com a PI). E sendo a única - como é - a solução legalmente possível passa pela adjudicação do fornecimento à A., ora Recorrente.
Afinal,
17º - Convenhamos, tratar-se-á de solução igual àquela que foi adoptada relativamente aos lotes 2, 4 e 5 postos a concurso, nos quais e segundo as palavras do próprio júri, acabou por ser identificada apenas uma proposta “cumprindo todos os requisitos exigidos nas peças do presente procedimento” (cfr. Relatório Final de 07.10.2016 - Doc. n.s 1 junto com a PI).”
Notificados do recurso subordinado, os Recorridos MDN e C...................... NGTT, Lda, não contra alegaram. O Recorrido C...................... NGTT, Lda, também não apresentou resposta à invocada litigância de má-fé.
O DMMP apresentou a pronúncia de fls. 581 a 583, no sentido da improcedência dos recursos.
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS

Pela sentença recorrida foram dados por assentes, por provados, os seguintes factos, que se mantém:
a) O Réu abriu o procedimento concursal n° ………… destinado à aquisição de acessórios para armamento ligeiro, destinando-se o lote n.° 3 à aquisição de miras “red dot espingarda assalto” - doc. n.° 3 junto com a P.I.;
b) O critério de adjudicação fixado foi o do mais baixo preço -— doc. n.° 3 junto com a P.I.;
c) Nos termos do art.° 13.° do P.C., a proposta deveria ser acompanhada, entre outros elementos, dos seguintes:
“f. Documentação de carácter técnico relativa a todos os bens propostos que comprove, de forma inequívoca, o cumprimento de todos os requisitos exigidos pelo presente procedimento, que deve ser obrigatoriamente redigida em Português, podendo ser complementada por outros documentos/manuais do fabricante, redigidos em inglês;”
d) Estatui o n.° 16 do art.° 13.° do P.C., que “A não observância do disposto neste artigo determina a exclusão das propostas” - doc. n.° 2 junto com a P.I.;
e) As miras a adquirir devem ter, entre outras, as seguintes características, sob pena de “exclusão do concurso”:
“(...) (8) Dimensões e Peso (montagem Standard):
(a) Comprimento < 120mm
(b) Altura: < 75 mm
(c) Largura: < 75 mm
(d) Peso: < 380mm
(9) Não necessita de ferramentas para instalação:
(10) Autonomia: > 80.000 horas (temp. aprox. de 15g a 20gC);
(11) Configuração para diferentes intensidades de brilho;
(12) Submergível: > 45 m
(13) Temperatura de funcionamento: < 45gC a > 71gC;
(14) Sem uso de componentes radiativos;
(15) Disposição do compartimento da bateria em posição inferior;
- cfr. especificação técnica n.° 1240 01 15, que constitui o doc. de fls. 24 do P.A.;
f) Admite-se que a proposta seja entregue com a seguinte documentação técnica:
(1) Documentação a entregar com a proposta:
(a) Catálogos técnicos;
(b) Requisitos de manutenção e programa de manutenção associado;
(c) Ficha técnica do material em aquisição
(...) - cfr. especificação técnica n.° 1240 01 15, que constitui o doc. de fls. 24 do P.A.;
g) Na especificação técnica n.° 1240 01 15 estatui-se ainda no seu ponto 5, sob o título “memória descritiva”: “A Proposta deverá ser tecnicamente a mais detalhada possível descrevendo os respetivos materiais, especificando-se em termos de características, funcionalidade e normas, bem como todas as condições propostas de fornecimento dos diferentes módulos.
A proposta deve conter um documento à parte (matriz de satisfação de requisitos técnicos) que responda sequencialmente a todos os requisitos contidos na presente Especificação Técnica (Anexo I). Esta resposta terá que ser efetuada em termos de cumprimento ou incumprimento de cada requisito com a evidência objectiva da resposta dada por referência ao catálogo técnico do fabricante, nominalmente, a todos os requisitos essenciais constantes deste documento, para os casos em que é aplicável.
Em alternativa à proposta base, poderão ser apresentadas outras soluções para além do preconizado que satisfaçam ou ultrapassem as características técnicas definidas.” - doc. de fls. 24 do P.A.;
h) A A. apresentou proposta para o lote n.° 3 - doc. n.° 4 junto com a P.I.;
i) Tendo junto um catálogo do fabricante das miras da série CompM4, onde se afirma que as mesmas incluem eficiência energética melhorada que proporciona até 8 anos de uso contínuo com uma única bateria AA - doc. n.° 4 junto com a P.I.;
j) A C.I. apresentou proposta para o lote n.° 3, tendo descrito em documento por si elaborado as características da mira que se propõe vender, em que, entre o mais, afirmou: - “alimentação mediante uma pilha CR 2032 e com uma autonomia contínua superior a 80.000 horas” -“Estanquidade/Submergível até 45 metros de profundidade” - doc. de fls. 132 do P.A.;
k) No quadro relativo às “características principais”, a C.I. indicou: “Estanquidade/Submergível Até 45 metros de profundidade»
(...) “Vida Bateria > 80.000 horas” - doc. de fls. 132 do P.A.;
l) Na Matriz de Satisfação de Requisitos Técnicos escreveu a C.I. o seguinte:
“(10) Autonomia: 80.000 horas (temp. aprox. de 15-° a 20.°C)” -“(12) Submergível < a 45m”;
-“(15) Disposição do compartimento da bateria em posição inferior” - doc. de fls. 185 do P.A.;
m) Em 26/02/2016, o Júri deu a conhecer um Relatório Preliminar, em que se propunha admitir as propostas apresentadas pela A. e pela C.I. - doc. n.° 6 junto com a P.I.;
n) A A. pronunciou-se, opondo-se à admissão da proposta apresentada pela C.I., alegando que a mira que esta se propunha vender não cumpria o requisito relativo às 80.000 horas - doc. de fls. 166 do P.A.;
o) Tendo junto cópia de um catálogo do fabricante da mira proposta pela C.I. em que, entre o mais, se refere:
-bateria de lítio única 5 anos de uso contínuo no nível de intensidade diurno 3 (nível 5 de 8) a 70°F com a bateria de lítio CR2032 fornecida;
- estanquicidade/submergível a 30 metros; - doc. n.° 7 junto com a P.I. e fls. 173 do P.A.;
p) Em resposta a pedido do Júri, a C.I. referiu que:
“Lote 3— Mira Red Dot Espingarda de Assalto
No que toca a esta matéria, designadamente quanto a notação autonomia: > 80.000 horas ...“ sublinha-se que o requisito do ponto 3.a. (10) da ET 1240 01 15 se encontra insuficientemente especificado pois que se não esclarece se a autonomia é da mira (cujas especificações são conhecidas) ou se é da bateria (que varia de fabricante para fabricante) e em que posição de uso se deve aferir tal autonomia. Todavia, e com baterias compatíveis com as miras Red Dot, como tal aceites pela T............ (cujo certificado de qualidade se anexa) a autonomia de funcionamento em modo de uso normal é superior a 80.000 horas caso a “shelf life” da bateria o permita” -docs. n.s 8 e 9 junto com a P.I.;
q) Juntou ainda uma informação do fabricante, datada de 05/04/2016, com o seguinte teor: “Informação sobre a Expectativa de Duração da Bateria do MRO®
A electrónica eficiente utilizada na T............ Miniature Rifle Optic (MRO) torna os testes físicos impraticáveis para a maioria dos níveis de intensidade. Por esse motivo, as estimativos de duração da bateria do MRO são principalmente baseados em cálculos usando princípios de análise de circuitos eléctricos. Para calcular as estimativas de duração de bateria, a voltagem através da fonte de iluminação do MRO foi medida com precisão em cada um dos oito níveis de Intensidade do MRO (n, N, 1, 2, 3, 4, 5, e 6).
Estes valores, acompanhados dos valores de resistência do circuito conhecidos, voltagem da fonte de alimentação e eficiência da fonte de alimentação foram então usados para calcular o fluxo de corrente retirado à bateria.
Estes valores de consumo de corrente foram então divididos pelas 225 miliamperes-hora de uma bateria CR2032 (Li/Mn02) normalizada, produzindo os seguintes resultados: n: + de 500 anos N: + de 260 anos 1: + de 108 anos 2: + de 26 anos 3: 50.000 horas (+ de 5 anos)
4: 10.000 horas (+ de 1 ano)
5: 120 dias 6: 25 dias
Por acréscimo, a T............ realizou testes físicos de duração de bateria nos níveis de intensidade 5 e 6 e verificou que os resultados coincidiram com os valores previstos. Logo, por extrapolação, a T............ está confiante que as estimativas calculadas para os outros níveis de intensidade também são razoavelmente precisos.
Deve ser notado que as estimativas pressupõem o uso de uma bateria CR2032 nova totalmente carregada, e operação contínua à temperatura nominal de 70° F. O uso de baterias velhas ou a operação a temperaturas significativamente mais altas ou mais baixas vai influenciar negativamente a duração da bateria. Obviamente, as estimativas de duração para os níveis inferiores a 3 não são fisicamente realizáveis devido às limitações da tecnologia das baterias, que proporcionam apenas 7-15 anos de vida útil.” - doc. n.° 9-A junto com a P.I.;
r) O Júri procedeu à elaboração de nova audiência prévia, onde propunha a exclusão da proposta da C.I. para o lote 3 por não cumprimento do requisito relativo à autonomia do equipamento - doc. n.° 10 junto com a P.I.;
s) Tendo a C.I. apresentado resposta onde defendeu que a mira preenchia o requisito das 80.000 horas- doc. n.° 11 junto com a P.I.;
t) Tendo ainda junto um documento datado de 18/04/2016, da autoria do fabricante, onde reafirmava a informação já prestada através do documento de 05/04/2016- doc. n.° 11-A junto com a P.I. e fls. 229 do P.A.;
u) Em 25/05/2016, o Júri readmitiu a proposta da C.I., alegando que na especificação técnica n.° 1240 01 15 refere-se que a mira deve ter uma autonomia igual ou superior a 80.000 horas, “não definindo claramente em que circunstâncias” - doc. n.° 12 junto com a P.I.;
v) A A. insurgiu-se ao longo do procedimento contra a decisão de admissão da proposta da C.I., alegando que esta não observava o requisito relativo à autonomia, tendo o Júri mantido a decisão de admissão com o fundamento de que: - “(...) na especificação técnica relativa ao lote 3, refere-se que deverá ter uma autonomia maior ou igual a 80.000 horas, e que deverá possuir configuração para diferentes intensidades de brilho, características constantes do bem proposto pelo concorrente C....................... Não é exigido na especificação técnica que a autonomia de 80.000 horas seja em todas as posições de brilho” - 3.° Relatório Final, doc. n.° 14 junto com a P.I.;
w) E de que: “No que respeita ao lote 3, é entendimento deste júri que a estimativa de autonomia declarada pelo fabricante T............ para os níveis de intensidade, nos termos em que o foi, e sustentada, ainda que por extrapolação, em testes rigorosos, é suficiente para criar junto deste a convicção de que o produto apresentado a concurso pelo Concorrente C...................... NGTT, Lda, cumpre todos os requisitos exigidos pelas peças do presente procedimento, pelo que se mantém a decisão de aceitar a proposta deste concorrente para o lote em questão, não se dando assim provimento à pronuncia do concorrente (...)” - 6° Relatório Final, doc. n.° 20 junto com a P.I.;
x) E ainda de que: “As regras estabelecidos pela entidade adjudicante nos diversos procedimentos aquisitivos que promove são regras standardizadas, devendo a exigência do seu cumprimento ser adequada à realidade do caso concreto e aos padrões de qualidade da indústria, bem como às regras do bom senso. A exigência constante da alínea f) do ponto 3 do artigo 13 do Programo do Concurso, a ser literal e Inflexivelmente interpretada, implicaria, no caso concreto, que só pudessem ser aceites a concurso equipamentos lançados no mercado há mais de 9 anos (visto ser este aproximadamente o período correspondente às 80.000 horas de autonomia exigidas na ET N° 1240 01 15), pois que apenas estes estariam em condições de ter sido inequívoca e cabalmente testados. O que, a verificar-se, não só configuraria uma limitação pouco desejável do princípio da Concorrência, como excluiria inclusivamente a possibilidade de apresentação o concurso de equipamentos mais recentes, e consequentemente tecnologicamente mais avançados. Parafraseando o próprio concorrente Antero L........., Lda. (no ponto 18° da sua pronuncia ao 5.° Relatório Final) “O fabricante conhece melhor do que ninguém o seu próprio produto”, afirmação com que se concorda. Assim, tendo em conta as dificuldades a nível de exequibilidade prático dos testes relativos a períodos tão extensos de autonomia, bem como à metodologia de testes aplicada e descrita pelo fabricante T……., (na sua declaração apresentada pelo concorrente C...................... NGTT, lda
s) o Júri do presente procedimento mantém o seu entendimento, já expresso no ponto 22.b) do presente relatório final de que a proposta apresentada por este concorrente cumpre todos os requisitos técnicos exigidos pela ET N. 1240 01 15, pelo que se mantém a decisão de aceitar a proposta do Concorrente C...................... NGTT, Lda para o lote 3 (...)”- 7.° Relatório Final, doc. n.° 1 junto com a P.I.,
y) O compartimento da bateria da mira proposta pela C.I. situa-se no interior desta - doc. de fls. 174 e 175 do P.A.;
z) A C.I. fez um teste em que submeteu uma mira igual às que se propõe vender a uma pressão equivalente à existente a 45 metros de profundidade, tendo tal mira mantido a estanquicidade - doc. n.° 2 junto com a Contestação e depoimentos de Eduardo…………, Eng° Electrotécnico e de João Osório, trabalhador da C.I..

Nos termos dos art.ºs 662.º, n.º 1 e 665.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, dão-se por assentes, por provados, os seguintes factos:

aa) Em 07-10-2016 reuniu o júri do procedimento concursal n.º B0158-2015 e elaborou o 6.º Relatório Final, nos termos do qual se entendeu graduar, para o lote 3, em 1.º lugar a proposta do concorrente C...................... NGTT, Lda, pelo valor de 73.440,00 e em 2.º lugar a proposta do concorrente Antero L........., Lda, pelo preço de 82.836,00€, os únicos concorrentes que se apresentaram e esse lote (cf. doc. 1 junto à PI).
ab) No âmbito do procedimento concursal n.º …………… por despacho de 07-10-2016 do Tenente General OMG, foi adjudicado o fornecimento do lote 3 à concorrente C...................... NGTT, Lda (cf. doc. 1 junto à PI).

II.2 - O DIREITO

As questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas alegações e contra alegações do recurso principal e respectivas conclusões, são:
- verificar se a decisão recorrida é nula por falta de apreciação clara e contradição insanável nos seus argumentos, por ter confundido um requisito de estanqueidade com um requisito de submersibilidade;
- verificar se a decisão recorrida fez uma errada interpretação dos factos e do Direito, por ter confundido um requisito de estanqueidade com um requisito de submersibilidade e nomeadamente apreciar se a Especificação Técnica (ET) n.º 12400115, no n.º 12, ponto 3, quando indica que a mira deve ser submersível a profundidades iguais ou superiores a 45 metros exige, no que concerne à protecção contra água, um requisito de mera submersibilidade e não de estanquidade, no sentido de não exigir que a mira seja estanque, mas apenas que uma vez submersa, a água que nela ingressar seja em quantidade a não lhe causar danos;
- verificar se a indicação do catálogo do fabricante T............, ao referir que a mira por si fabricada é impermeável a 30 metros, cumpre o requisito da ET relativo à submersibilidade da mira;
- verificar se a decisão recorrida errou quando atribuiu custas integrais ao MDN e à Contra-interessada C...................... NGTT, Lda, em partes iguais, ao invés de as repartir por todas as partes em litigio;
- verificar se a decisão recorrida errou e lançou mão a juízos de ordem técnica, que extravasavam os conhecimentos jurídicos, quando fez decair os fundamentos da acção relativos à invocação de que a proposta da C...................... NGTT, Lda, não cumpria a ET 12400115 15, quanto à disposição do compartimento da bateria em posição inferior, arrogando-se a apreciações meramente técnicas, que não competiam ser feitas pelo juiz;
-verificar da invocada litigância de má-fé do Recorrente C………………, NGTT, Lda.

Quanto às questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas alegações do recurso subordinado e respectivas conclusões, são:
- verificar da existência de um erro de julgamento no que respeita à pronúncia condenatória e a uma violação do art.º 95.º, n.º 5, do CPTA, porque tendo sido anulado o despacho de adjudicação por vício de violação de lei, por a proposta da C...................... NGTT, Lda, não preencher o requisito relativo à estanquidade e dever ser excluída do concurso, não tendo havido mais concorrentes ao concurso, a proposta da Antero L........., Lda, passar a ser a única a subsistir. Assim, há que verificar se considerando a fase concursal em questão e que a Administração já admitiu que a Antero L........., Lda, preenche os requisitos do concurso, a única condenação legalmente possível era a de determinar a adjudicação à concorrente Antero L........., Lda, ao invés de se mandar repetir actos anteriores do concurso.

Não obstante não ter feita expressa menção à prorrogativa do art.º 636.º, n.º 1, do CPC, de ampliação do âmbito do recurso relativamente a um fundamento da defesa que tenha decaído, face ao conteúdo das contra-alegações de recurso ter-se-á de entender que o Recorrido Antero L........., Lda, pretendeu alargar o âmbito do recurso principal à questão que já havia suscitado na contestação relativa ao incumprimento da ET 12400115 15 pela proposta da C...................... NGTT, Lda. Esse fundamento foi julgado pela sentença recorrida, mas considerado improcedente.

A decisão recorrida anulou o despacho de 07-10-2016, do Tenente General QMG do Exército, de adjudicação do lote 3 à concorrente C...................... NGTT, Lda, acto praticado no âmbito do procedimento concursal n.º B0158-2015 e condenou o MDN a retornar o procedimento concursal na parte relativa ao indicado lote 3. Para o efeito, considerou a sentença sindicada que tal despacho padecia de vício de violação de lei, por não ter excluído a proposta de C...................... NGTT, Lda, por a mira que apresentara não preencher o requisito de estanqueidade previsto na ET n.º 12400115, n.º 12, ponto 3. Mais se entendeu, que aquela proposta não violava a ET n.º 124001 15, pois tal especificação previa a possibilidade de apresentação de outras soluções para além do preconizado, que satisfizessem ou ultrapassassem as características técnicas definidas, o que aconteceu no caso. Pedido pela A. para lhe ser adjudicado o fornecimento do lote 3, o Tribunal entendeu o seguinte: “Como se vê da especificação técnica n.° 1240 01 15, são vários os requisitos técnicos a que o equipamento tem de obedecer. No presente processo não se discutiu se a mira proposta pela A. os preenche a todos, pelo que não está o tribunal em posição de condenar o R. a praticar acto de adjudicação que recaia sobre a proposta da A.” Assim, o Tribunal apenas determinou a condenação do R. MDN a “retomar o procedimento na parte relativa ao lote 3”.

Do recurso principal:

Vem o Recorrente dizer que a decisão recorrida é nula por falta de apreciação clara e contradição insanável nos seus argumentos, por ter confundido um requisito de estanqueidade com um requisito de submersibilidade.
É jurisprudência pacífica que só ocorre a nulidade da decisão por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devia apreciar, que são todas as que lhe forem submetidas e que não se encontrem prejudicadas pela solução dada a outras (cf. art.º 608.º, nº 2, do CPC). Deve o juiz apreciar as questões respeitantes ao pedido e à causa de pedir, e ainda, os argumentos, as razões ou fundamentos invocados pelas partes para sustentarem a sua causa de pedir. Mas só a falta absoluta de fundamentação gera a nulidade da decisão. Também nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, para ocorrer a nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e decisão, terá de se verificar uma situação grave, patente, que implique uma incongruência absoluta.
Ora, no caso em apreço, o Tribunal ponderou as questões em litígio e decidiu-as. Para tanto, indicou o Tribunal as razões de facto e de Direito que levavam à sua decisão.
Explicou o Tribunal, na decisão recorrida, de forma escorreita e com uma fundamentação completa, o seu raciocínio. A simples leitura atenta da decisão permitiria ao Recorrente entender as razões aduzidas pelo Tribunal e compreender que não existia contradição alguma naquele raciocínio, com o qual podia, apenas, não concordar.
Da mesma forma, o Tribunal recorrido não foi contraditório nos fundamentos, pois apenas considerou que as regras técnicas exigiam que a mira fosse submergível, estanque, a uma profundidade igual ou superior a 45 metros e entendeu as expressões como sinónimas. Tal fundamento para a decisão do Tribunal não implica uma incongruência absoluta da fundamentação, mas só poderia conduzir a um erro de Direito.
Em suma, com a fundamentação adoptada pela decisão recorrida ter-se-á de considerar que não ocorre nenhuma nulidade por omissão de pronúncia ou por contradição entre os fundamentos e a decisão.
O Recorrente pode discordar daquela fundamentação, mas a mesma não é reconduzível a uma nulidade da decisão. Evidência de que não existe nulidade alguma na decisão recorrida, pelo que a sua invocação é manifestamente improcedente e impertinente, é o próprio Recorrente arguir a nulidade, e em simultâneo, pelas mesmas razões, o erro na decisão recorrida. Esta invocação simultânea é sinal claro de que o próprio Recorrente reconhece que a decisão não encerrava nulidade alguma, tendo-a arguido desprovido das razões que legalmente fundam a invocação da nulidade decisória.
Por conseguinte, falece manifestamente a invocada nulidade da decisão.

O Recorrente vem também dizer que a decisão recorrida errou quando entendeu o requisito de estanqueidade com um requisito de submersibilidade. Alega o Recorrente, que a ET n.º 12400115, no n.º 12, ponto 3, quando indica que a mira deve ser submersível a profundidades iguais ou superiores a 45 metros exige, no que concerne à protecção contra água, um requisito de mera submersibilidade e não de estanquidade, no sentido de não exigir que a mira seja estanque, mas apenas que uma vez submersa, a água que nela ingressar seja em quantidade a não lhe causar danos.
Exigia-se no ET n.º 12400115, no n.º 12, ponto 3, que a mira fosse “submergível:≥ 45m” (cf. facto provado em e)).
Portanto, exigia-se uma mira submergível, isto é, que pudesse operar debaixo de água, que resistisse a funcionar com as suas características intactas e plenas, a uma profundidade igual ou maior que 45 metros.
Ainda nos termos do concurso cumpria aos concorrentes provar o cumprimento dessa característica técnica, “de forma inequívoca”, a partir da entrega de “documentação de carácter técnico” sob pena de exclusão da sua proposta. – cf. art.º 13.º do Programa de concurso (PC) e ET n.º 12400115, n.º 12, ponto 3. Quanto à documentação a entregar com a proposta deveria ser a relativa a “Catálogos técnicos”, “Requisitos de manutenção e programa de manutenção associado” e “Ficha técnica do material em aquisição” (cf. factos provados de c) a e)).
Ora, face aos factos provados resulta que a proposta do concorrente C...................... NGTT, Lda, não comprovou o cumprimento do requisito imposto pela ET n.º 12400115, n.º 12, ponto 3, “de forma inequívoca”, a partir da entrega de “documentação de carácter técnico”, designadamente com a entrega de “Catálogos técnicos”, “Requisitos de manutenção e programa de manutenção associado” e “Ficha técnica do material em aquisição”.
Na verdade, nesta parte, as características do equipamento da C...................... NGTT, Lda, como sendo “submergível:≥ 45m” baseiam-se na própria declaração que é feita na sua proposta e na invocação de um teste que terá sido feito a uma mira igual às que se propunha vender (cf. factos provados em j) a l) e z).
Por seu turno, da documentação técnica que foi junta ao processo do concurso, designadamente do catálogo do fabricante, resulta a indicação de que a mira apresenta as seguintes características: “estanquicidade/submergível a 30 metros” (cf. facto provado em o) e correspondentes documentos ali referidos, nomeadamente o doc. de fls. 123 a 124, relativo ao catálogo do fabricante, onde se inscreveu “waterproof to 30 meters”). Ou seja, a comprovação do cumprimento dessa característica técnica não foi feito “de forma inequívoca”, a partir da entrega de “documentação de carácter técnico”, tal como se exigia no concurso.
A exigência concursal da comprovação das características técnicas “de forma inequívoca” não se compadece com situações de dúvida ou de meras possibilidades. Antes, exige-se algo expresso de forma clara, manifesta, que não admita hesitações ou ambiguidades. Ainda que neste procedimento concursal, e agora autos, estejam em causa materiais técnicos, específicos, que reclamam conhecimentos especializados, a discussão das suas características tenderá a ser apreensível por um homem médio, comum, já que se apela na respectiva comprovação a juízos de evidência, para o que é patente e manifesto.
A discussão entre o significado da palavra estanqueidade e submersibilidade é, portanto, espúria. É-lo, em primeiro lugar, porque se apela a algo patente, que não admite tais discussões. Em segundo lugar, é uma discussão espúria porque no procedimento de concurso apenas se discute a característica de submersibilidade e só esta foi apreciada, naquele procedimento e neste processo. Em terceiro lugar, trata-se de uma discussão sem fundamento porque a característica de submersibilidade pressupõe necessariamente que o equipamento possa ser mergulhado sem perder as suas características, logo, que se apresente estanque à água. Consequentemente, nesse sentido, as palavras são sinónimas e não há que discutir do seu significado mais profundo em termos de português.
A sentença recorrida apresenta-se, assim, acertada na sua fundamentação.

Face ao acima exposto, a decisão recorrida também não errou quando entendeu que o declarado no catálogo do fabricante prevalece sobre um teste que o concorrente invocou ter feito numa mira semelhante.
Novamente aqui, o Recorrente baseia as suas alegações em interpretações linguísticas, neste caso, na indicação constante do catálogo de que o equipamento era “waterproof to 30 meters”, traduzido para português, à prova de água até 30 metros.
Concorda-se com o Recorrente, que um equipamento à prova de água até 30 metros apresenta-se como estanque a essa profundidade. Se é estanque, conservará as suas características uma vez submergido a essa fundura, sendo logicamente também submergível a 30 metros. Mas no concurso exigia-se que o equipamento fosse submergível a 45 metros e que a prova dessa característica fosse feita de forma inequívoca, por documentação técnica. Quanto a essa documentação remetia-se para “Catálogos técnicos”, “Requisitos de manutenção e programa de manutenção associado” e “Ficha técnica do material em aquisição”, não para a invocação de testes que pudessem ter sido feitos a miras semelhantes.
Portanto, a alegação do Recorrente relativa ao cumprimento dos requisitos técnicos do seu equipamento, face ao declarado no catálogo do fabricante T............, falece claramente.

Em ampliação dos fundamentos do recurso principal, o Recorrido Antero L........., Lda, vem dizer que decisão recorrida errou e lançou mão a juízos de ordem técnica, que extravasavam os conhecimentos jurídicos que cumpria ao julgador fazer, quando fez decair os fundamentos da acção relativos à invocação de que a proposta da C...................... NGTT, Lda, não cumpria a ET 124001 15, que se referia à disposição do compartimento da bateria em posição inferior.
Como acima se indicou, o cumprimento das características técnicas havia de ser feito “de forma inequívoca”, a partir da entrega de “documentação de carácter técnico”, sob pena de exclusão da sua proposta – cf. art.º 13.º do C.
Portanto, aquele carácter inequívoco e a remissão para a prova documental tendem a afastar a exigência de conhecimentos técnicos para a aferição desta matéria.
Não obstante, realce-se, que o Tribunal decidiu não só com base na prova documental trazida para o processo, mas também socorrendo-se de prova testemunhal. Nos autos não foi feita prova pericial, é certo, mas as partes também não a requereram. Assim, após a produção de prova - documental e testemunhal – o Tribunal deu por fixados, na parte que aqui importa, dois factos: que na proposta da C...................... NGTT, Lda, se declarava que a bateria estava disposta em posição inferior - facto provado em l); e que o compartimento da bateria da mira se situava no interior desta – cf. facto Y.
Neste recurso, o Recorrente, C...................... NGTT, Lda, não impugna a matéria de facto. Aceita-a, portanto.
Igualmente, o Recorrido, Antero L........., Lda, não obstante ampliar o recurso a um fundamento em que tinha decaído a acção por si interposta, aceita a fixação da matéria de facto tal como foi feita na sentença sindicada, porquanto não ampliou o recurso, de forma explícita, a essa impugnação. Podia tê-lo feito nos termos do art.º 636.º, n.º 2, do CPC, mas não o fez. Na verdade, a impugnação em sede de recurso da matéria de facto fixada na sentença proferida em 1.ª instância, exige que essa intenção seja afirmada de forma clara e impõe a indicação – igualmente clara - dos concretos pontos da matéria de facto que se consideram mal julgados – cf. também o art.º 640.º do CPC. Ora, o que o Recorrido fez foi algo diverso: a propósito da impugnação da apreciação de Direito feita na sentença recorrida, quanto ao fundamento em que a acção tinha decaído, o Recorrido afirma que: “o compartimento da bateria da mira proposta pela C...................... fica posicionado no topo da torre de regulação da mira, que é o ponto mais alto desta” e que na “mira da “T............” a bateria está dentro de um compartimento na parte superior do equipamento”, remetendo para um documento que ora junta, nos termos do art.º 651.º, n.º 1, do CPC, por considerar que se tornou necessário em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância e para os docs. 4 e 24 juntos com a PI.
A supra indicada alegação do Recorrido não pode ser considerada uma impugnação da matéria de facto fixada na sentença, por não ser esse o pedido expressa e explicitamente formulado nas contra-alegações de recurso e tal entendimento também não cumprir o preceituado nos art.ºs 636.º, n.º 2 e 640.º do CPC. Ou seja, a entender-se que existia aqui uma impugnação da matéria de facto, esse pedido tinha de ser rejeitado, por não cumprir os termos legais. Assim, este Tribunal terá apenas de apreciar a alegação nos precisos termos em que é feita, isto é, reportando a uma impugnação da decisão de Direito e não a uma impugnação da decisão da matéria de facto.
Ademais, apreciada a PI, verifica-se, igualmente, que em sede de matéria de facto o então A. e ora Recorrido, Antero L........., Lda, nada alegou quanto ao posicionamento da bateria da C...................... NGTT, Lda, como sendo na parte superior do equipamento. Um afloramento a tal alegação apenas é feito já em sede de alegações de Direito, no art.º 130.º da PI. E terá sido com base nesta única alegação do Recorrido que se discutiu em 1.ª instância o não cumprimento da ET 12400115, 15, pelo Recorrente. Ora, o recurso nunca seria o meio adequado para fazer incluir nos autos factos novos, essenciais, de conhecimento não superveniente. Incumbia ao A. da acção e ora Recorrido alegar nos autos todos os factos essenciais à sua causa de pedir. Não o tendo feito no momento adequado, precludiu esse seu direito.
Os documentos que o Recorrido Antero L........., Lda, junta ao recurso, correspondem a uma parte de um catálogo do fabricante Aimpoint, parcialmente igual ao já junto a título de documento 4, anexo à PI e que corresponde, ainda, às figuras que constam dos catálogos do fabricante que igualmente juntou como docs. 7, 13, 24 e 25 anexos à PI (sendo que os docs. 4, 7, 13, 24 e 25 anexos à PI não se reportam a um só documento cada um, mas antes, a um acervo de diversos documentos, diferentes entre si, e não discriminados individualmente pelo A.). Mais concretamente, o documento n.º 2, junto com o recurso, já constava dos autos. Quanto ao documento n.º 1, é uma figura “trabalhada”, com uma mira que aparece de forma isolada, numa folha sem mais indicações, alegadamente retirada de um catálogo do fabricante, tratando-se de uma figura que se assemelha às já inclusas nos diversos documentos que constam dos autos a título de docs. 4, 7, 13, 24 e 25, juntos com a PI. Por conseguinte, há que concluir que os documentos ora juntos são iguais ou idênticos a outros que já constam dos autos. São também documentos – catálogos do fabricante ou figuras que aí constariam – que já eram do conhecimento do Recorrido desde a data da interposição da PI. Portanto, a junção destes documentos nada trás de novo para os autos. O doc. 2 é igual a outro que já consta dos autos, como se referiu. Já o doc. 1 é uma figura nova, mas semelhante às restantes já inclusas noutros documentos. Quanto a este doc. 1 também nada acrescenta em termos de prova, pois é uma fotocópia relativa a uma figura – uma mira - que foi individualizada, provavelmente retirada de um catálogo, que não identifica de forma clara a que modelo se reporta, ou sequer, que se reporta ao modelo em causa nestes autos. Este documento não contraria, portanto, a prova já aqui feita.
Em síntese: as alegações do Recorrido relativas ao erro na apreciação de Direito, por a decisão recorrida se ter baseado numa factualidade que diz erradamente interpretada, não podem ser entendidas como uma impugnação da matéria de facto. Consequentemente, uma vez fixada a matéria de facto na sentença recorrida, não vindo essa decisão aqui claramente impugnada, há que dar tal decisão como certa. Para além disso, o doc. 2, junto com as contra alegações de recurso, é igual a outro que já consta dos autos e o doc. n.º 1 nada acrescenta ou prova, não contrariando o que na sentença foi dado por assente.
Nestes pressupostos, apreciando-se as invocações do Recorrido, há apenas que dar provimento à invocação relativa ao erro decisório por o Tribunal ter feito uso de juízos de ordem técnica que extravasavam os seus conhecimentos jurídicos, na parte em que se afirma que o fim da exigência da ET 12400115 é “a de preservar o ângulo de visão do atirador” e quando refere que a bateria da mira da C...................... NGTT, Lda, não afecta aquele “ângulo de visão.” Na verdade, estas afirmações, que são feitas na decisão sindicada em sede de apreciação de Direito, não vêm suportadas por qualquer factualidade que permitisse ao julgador assim asseverar. As indicadas afirmações reconduzem-se a verdadeiros factos, que não terão sido alegados nos autos pelas partes ou acrescentados oficiosamente e que não ficaram provados. Portanto, são factos que não poderiam ter sido invocados pelo decisor apenas em sede de apreciação de Direito. Por outro lado, tais afirmações, a serem qualificadas de meras apreciações técnicas, porque não vem suportadas numa concreta factualidade, também não caberiam nas competências do julgador, pois extravasam o foro jurídico.
Não obstante, ainda que a decisão recorrida tenha errado quando fez apelo àquelas afirmações, dos autos não resulta que a proposta da C...................... NGTT, Lda, não cumpra a ET 12400115, tal como decorre do acima referido.
Exigia-se na ET 12400115, que as miras apresentassem a “ disposição do compartimento da bateria em posição inferior”.
Na sentença sindicada deu-se por provado que na proposta da C...................... NGTT, Lda, se declarava que a bateria estava disposta em posição inferior e que o compartimento da bateria da mira se situava no interior desta – cf. factos L) e Y).
Por conseguinte, face à factualidade apurada não resulta violada a citada ET, porque não ficou provado que a mira não apresentasse a “ disposição do compartimento da bateria em posição inferior”.
Na decisão recorrida fez-se ainda a remissão para o consignado nas peças contratuais e para a indicação de poderem ser apresentadas outras soluções que satisfizessem ou ultrapassassem as características técnicas definidas (cf. também facto provado em g).
Ora, no que concerne a esta última referência em sede de apreciação de Direito, não vem correcta na decisão recorrida. Aquele ponto 5 da ET 12400115 visará a apresentação de propostas com variantes, que no caso não foi feita.
Ou seja, a fundamentação adoptada na decisão recorrida não está certa quando invocou a possibilidade de se apresentar alternativas às ET, confundindo essa possibilidade com a de apresentação de propostas com variantes.
Há, portanto, que considerar improcedentes os argumentos esgrimidos pelo Recorrido na parte em que alega que a proposta da C...................... NGTT, Lda, não cumpre a ET 12400115, ponto 15 e procedentes os restantes, quando se reconduzem a uma errada fundamentação da decisão recorrida, por ter afirmado bateria da mira da C...................... NGTT, Lda, não afecta “o ângulo de visão do atirador” e por ter remetido para a possibilidade de apresentação de propostas com variantes.

Aqui chegados, há ainda que averiguar a alegação do Recorrente relativa ao erro da decisão recorrida quando atribuiu custas integrais pelo decaimento ao MDN e à Contra-interessada C...................... NGTT, Lda, em partes iguais, ao invés de as repartir por todas as partes.
A A. e Recorrente formulou na sua PI um pedido impugnatório aduzindo diversas causa de invalidade relativamente ao despacho de 07-10-2016, do Tenente General QMG do Exército, de adjudicação do fornecimento do lote 3 à concorrente C...................... NGTT, Lda. E como consequência desse pedido, a A. formulou um outro condenatório, de adjudicação do fornecimento do lote 3 a si, Antero L........., Lda, enquanto concorrente graduado em 2.º lugar no concurso.
Ambos os pedidos – o impugnatório e condenatório – procederam em 1.ª instância. O primeiro pedido procedeu por se ter julgado verificada uma das causas de invalidade invocadas. O segundo pedido procedeu porque se entendeu dever ser condenado o R. na prática do acto devido, não coincidente na íntegra com o almejado pela A., mas aí ainda incluído. O facto de a decisão condenatória não ser totalmente idêntica à condenação peticionada, mas ficar aquém desta, não implica a improcedência daquele pedido condenatório, mas apenas a sua procedência com uma amplitude diferente da requerida.
Portanto, a A. obteve vencimento na causa quanto aos dois pedidos formulados. Como corolário, a acção foi julgada totalmente procedente. Assim sendo, não cumpriria à A. ser condenada em custas, mas estas haviam de ser imputadas, sim, aos RR., demandados – cf. art. 527.º do CPC.
Considerando que a decisão recorrida está certa quando condenou os RR. demandados em custas, ao invés do A. e demandante, há, no entanto, que verificar da sua correcção quando fez aquela condenação em partes iguais, repartindo-a pelo R. MDN e pelo Contra-interessado.
O contra-interessado não é um verdadeiro “réu” na acção. Aliás, o CPTA, na versão revista, não faz uma única referência à palavra “réu”. Para este Código existem apenas autores e “entidades demandadas”, “demandados” e contra interessados.
Quanto à posição processual dos contra-interessados, não é idêntica à das entidades demandadas a título principal. O contra-interessado não poderá formular pedidos autónomos, ou, sequer, afirmar nos autos um interesse processual que lhe é próprio e único. Diversamente, o contra-interessado terá de se subordinar aos interesses da parte principal que é demandada, da entidade demandada. O contra-interessado será, portanto, uma parte processual que não goza de direitos iguais aos das partes principais.
A figura do contra-interessado e os seus poderes na acção administrativa não é alvo de uma regulação cuidada no CPTA, que conforma a figura basicamente nos art.ºs. 10.º, n.º 1, 51.º, n.º 4, 57.º, 63.º, n.º 4, 68.,º n.º 2, 78.º, n.º 2, al. b), 78.º-A, 80.º, n.º 1, al. b), 81.º, n.ºs 3, 5, 7, 82.º, n.º 3 e 89.º, n.º 4, al. e).
Conforme os citados preceitos, o contra-interessado é quem seja titular de interesses contrapostos aos do autor no âmbito de acções administrativas de impugnação de actos e normas administrativas ou de condenação à prática de actos e normas devidas. Portanto, serão contra-interessados aqueles que forem titulares de posições jurídico-subjectivas que possam ficar lesadas com a eventual procedência da acção.
Actualmente, a doutrina tem sido uniforme a entender a posição dos interessados como sendo de verdadeiras partes processuais e já não como meros terceiros no litígio (cf. neste sentido, ALMEIDA, Mário Aroso de - Manual de Processo Administrativo. 2.a ed. Coimbra: Almedina, 2016. ISBN 978-972-40-4349-4, pp. 280 e 281. ANDRADE, José Carlos Vieira de - A Justiça Administrativa, (Lições). 15.a ed. Coimbra: Almedina, 2016. ISBN 978-972-40-6731-5, pp.262-266. CARMONA, Mafalda - Relações Jurídicas poligonais, participação de terceiros e caso julgado na anulação de actos administrativos. Em Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia. Coord. Jorge Miranda. Lisboa Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2010. ISBN 9780000017802v. II. p. 695–757.MARQUES, Francisco Paes - A efectividade da tutela de terceiros no contencioso administrativo. Almedina : Almedina, 2007. ISBN 978-972-40-3267-2., pp. 94 a 102).
Quanto aos direitos ou posições que estes contra-interessados defendem no processo, a doutrina já vai divergindo. Se Vasco Pereira da Silva e Mafalda Carmona apontam para a defesa, a título principal, de posições jurídicas e interesses seus, que lhe são próprios, contrapostos aos do A., de que são titulares, numa perspectiva mais subjectivista do contencioso administrativo, já Mário Aroso de Almeida, Vieira de Andrade ou Paulo Otero parecem apontar para um fim de mera eficácia do caso julgado, não reconduzindo a posição dos contra-interessados a um interesse próprio, verdadeiramente seu, portanto, com uma função mais objectivista (Cf. SILVA, Vasco Pereira Da - O contencioso administrativo no divã da psicanálise: Ensaio sobre as acções no novo processo administrativo. 2.ª ed. Coimbra: Almedina, 2013. ISBN 978-972-40-3820-9, pp. 283-286.CARMONA, Mafalda – Relações…, ob. cit., p. 746. ALMEIDA, Mário Aroso de – Manual…, ob. cit., p. 253. ANDRADE, José Carlos Vieira de - A Justiça…, ob. cit. pp. 263-266.OTERO, Paulo - Os contra-interessados em contencioso administrativo: fundamento, função e determinação do universo em recurso contencioso de acto final de procedimento concursal. Em Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares. Coimbra: Coimbra Editora, 2001. ISBN 972-32-1050-9. pp. 1073–1102).
Igualmente, a jurisprudência e doutrina maioritárias vêm indicando a posição do contra-interessado como sendo em litisconsórcio necessário passivo com a entidade pública demandada, apelando para a aplicação subsidiária do CPC (cf. ALMEIDA, Mário Aroso de – Manual…, ob. cit., p. 253. ANDRADE, José Carlos De Vieira De - A Justiça…, ob. cit. pp. 263-266. OTERO, Paulo – os contra-interessados…, ob. cit., p. 1099. Na jurisprudência, vide, Acs. do STA n.º 0416/10, de 01-03-2011, n.º 1018/15, de 12-11-2015 ou do TCAS n.º 07771/11, de 26-01-2012).
Tal litisconsórcio necessário passivo é unitário com a entidade pública demandada, porque na acção se formula um só pedido, ou um mesmo conjunto de pedidos, contra a Administração e os contra interessados, pedidos que vêm baseados numa única relação jurídico-administrativa material, substantiva. Mas a posição processual do contra-interessado será sempre uma posição subordinada à da Administração, tendo, nessa medida a sua actuação processual coarctada. Os contra-interessados podem contestar e alegar, mas não podem alterar o objecto do processo formulando pretensões autónomas, que defendam os seu próprio interesse, ou introduzir nos autos novos factos essenciais, assim como não poderão prosseguir a acção na eventualidade de o A. desistir da instância ou de algum dos pedidos.
De assinalar, a posição particular de Mafalda Carmona, que baseando-se na posição jurídico-substantiva dos contra-interessados no âmbito de uma relação poligonal, pugna pela existência de uma pluralidade de relações jurídicas a defender-se numa mesma acção, remetendo aquela intervenção não para a figura do litisconsórcio, mas antes, para a coligação necessária (cf. CARMONA, Mafalda – Relações…, ob. cit., pp. 749-753).
Ainda de notar, que a caracterização da posição processual do contra-interessado como se subsumindo a uma situação de litisconsórcio necessário, com a aplicação supletiva do respectivo regime processual civil, naquilo que não for incompatível com o delineado do CPTA, é uma construção jurisprudencial e doutrinária. O CPTA não nomeia posição processual do contra-interessado como equivalendo a um litisconsórcio necessário, nem remete neste especifico para o correspondente regime processual civil. Igualmente, o RCJ, ainda que se refira ao assistente em processo administrativo, não prevê a situação especifica dos contra-interessados em processo administrativo e o dever de pagarem quaisquer custas processuais. Para o RCJ a figura dos contra-interessados pura e simplesmente não existe enquanto uma parte “sui generis”, particular, que existe no contencioso administrativo.
Com este enquadramento, há, portanto, que verificar da obrigação do contra-interessado pagar custas decorrentes da acção interposta em 1.ª instância, por tal acção ter sido inteiramente favorável ao A. ou demandante.
O CPTA regula a figura dos contra-interessados visando, sobretudo, a salvaguarda do pressuposto legitimidade processual e a garantia da eficácia da sentença. É também nesta óptica que tal figura é apreciada pela jurisprudência e pela doutrina. Ou seja, quando a jurisprudência e doutrina caracterizam a posição processual dos contra-interessados como equivalendo a um litisconsórcio, fazem-no com o fim com que estes sujeitos “aparecem” no CPTA: para apreciação do pressuposto legitimidade e para garantir a eficácia da sentença. Portanto, ao proceder-se à caracterização da intervenção do contra-interessado como sendo em litisconsórcio, foi alheia a questão das custas e sua imputação às partes derrotadas num processo.
Não obstante, há que admitir que também para efeitos de custas se deva considerar que os contra-interessados se apresentam na acção em litisconsórcio necessário passivo, ao lado da Administração. A questão das custas não terá a virtualidade de criar um enquadramento diferente em termos da caracterização da posição processual dos contra-interessados, infirmando toda a dogmática que foi sendo produzida nesta matéria.
Porém, o enquadramento destas partes processuais é uma especificidade do direito administrativo, que não tem paralelo no direito processual civil. Com raízes históricas radicadas na LPTA e no recurso contencioso de anulação, os contra-interessados passaram de terceiros face àquele recurso para partes principais numa nova acção administrativa (especial, no CPTA na sua versão inicial e agora unicamente na forma de acção administrativa). Mas os contra-interessados, ainda que partes principais no litigio – ao lado da Administração – não gozam dos mesmos direitos que esta, ou não gozam de todos os direitos que são atribuídos a uma parte principal. Estão em litisconsórcio necessário passivo com a Administração, mas não podem accionar os mesmos poderes processuais que a Administração e têm de subordinar-se à posição processual que aquela apresenta em juízo. Na verdade, contrariamente ao que ocorre com o litisconsorte na acção cível, o contra-interessado não detém um interesse igual ao da Administração, não faz valer no processo um direito próprio, paralelo ao da Administração. Também comparando com o regime do processo civil, em termos de direitos processuais, os contra-interessados em sede de processo administrativo detém menos direitos que uma parte em litisconsórcio civil - cf. art.ºs. 30.º e 33.º, n.º 2 e 311.º do CPC. Por seu turno, no direito processual civil quem tiver interesse jurídico em que a decisão do pleito seja favorável a uma parte, pode vir a juízo auxilia-la, constituindo-se assistente, sendo que neste caso a sua posição processual fica subordinada à da parte principal – cf. art.ºs. 326.º e 328.º do CPC.
Ou seja, comparados os dois regimes, na parte que aqui nos importa, verificamos que a aproximação da posição do contra-interessado à figura do litisconsórcio só faz sentido para assegurar os pressupostos da legitimidade, a eficácia da sentença e o caso julgado. Já em termos de direitos processuais, a posição do contra-interessado aproxima-se francamente da figura civil do assistente.
Ora, esta diferenciação que ocorre na lei processual civil entre litisconsórcio e assistência tem reflexos directos em sede de custas. A regra no litisconsórcio é a divisão em partes iguais, enquanto para a assistência as custas são legalmente fixadas em metade do valor face àquele que paga a parte principal – cf. art.ºs 528.º, n.º 1, 538.º, do CPC e 13.º, 7, al. c) e Tabela 1-B.
As custas correspondem ao pagamento dos encargos de um processo e são repartidas em função do vencimento/decaimento que se teve na acção e dos próprios poderes processuais de cada parte. Tal deriva dos princípios de justiça, da igualdade, da proporcionalidade e dos princípios mais específicos que regem as custas, da causalidade e do proveito.
Nesta lógica, se o contra-interessado no processo administrativo não detém poderes processuais iguais à Administração, com quem se apresenta em litisconsórcio (desde logo porque o legislador, na senda de parte da doutrina, terá entendido que este não faz valer no processo direitos que lhe são próprios), mas apresenta, antes, poderes diminuídos, subordinados à própria posição processual da Administração, então, não obstante a invocação da figura do litisconsórcio como tendo aplicação subsidiária, há que evitar-se a tributação do contra-interessado na mesma proporção em que se tributa a Administração.
Tal exigência derivará dos invocados princípios da justiça e da proporcionalidade, conjugados com as regras da causa e do proveito que regem em sede de custas (cf. a este propósito. COSTA, Salvador - Regulamento das custas processuais: anotado e comentado. 2.ª ed. Coimbra: Almedina, 2009. ISBN: 9789724039886, pp. 46-51).
A aplicação da lei processual civil e do RCJ ao contencioso administrativo faz-se supletivamente, mas com as decidas adaptações, havendo de respeitar-se os princípios que estão subjacentes a qualquer tributação em custas: da justiça, da igualdade, da proporcionalidade, da causalidade e do proveito.
Nestes termos, pensamos, que a regra geral do art.º 528.º, n.º 1, do CPC, da repartição de custas em partes iguais pelos litisconsortes não faz sentido no caso dos contra-interessados em processo administrativo. Se os contra-interessados não fazem valer na acção um direito próprio, com autonomia face à Administração e se processualmente lhe estão subordinados, estão, há que entender-se que nunca tiram o mesmo proveito com a acção, nem poderão dar causa aos diversos actos processuais com a mesma amplitude com que o pode fazer a Administração. Igualmente, o acto, a norma ou a conduta impugnada não lhes será imputada directa e imediatamente, mas terá sempre de ser imputada à própria Administração. Sendo o acto , a norma ou a conduta sindicada imputada, em 1.ª linha, à Administração, é também sempre esta que dá causa à acção e nunca a conduta do próprio contra-interessado, por si só. Por conseguinte, haverá também de entender-se que os contra-interessados nunca ficam vencidos na acção nos mesmos termos em que o fica a Administração. Ou seja, o insucesso da sua pretensão tem sempre de se considerar numa proporção inferior ao da Administração.
Repare-se, que se os contra-interessados fazem parte da relação material controvertida, substantiva, tal ocorre apenas por força das relações poligonais ou multilaterais que a Administração estabelece. A Administração é o polo agregador destas relações e o emitente do acto ou da norma inválidos, ou dos actos e normas devidos, que serão a causa da acção interposta. É o acto proferido pela Administração ou a sua conduta inválida que dá causa aos autos, não, de forma directa, a conduta dos contra-interessados. Estes são chamados à acção, essencialmente, por razões de legitimidade e para garantir a eficácia da sentença proferida.
Há, portanto, que ler o art.º 528.º, n.º 1, do CPC, em conjugação com o art.ºs 527.º, nº 1 e 2, do mesmo Código e entender que numa acção administrativa o contra-interessado nunca fica vencido nem na totalidade, nem na mesma proporção que a Administração, pelo que as custas não lhe poderão ser imputadas por um valor igual.
Procurando-se a proporção em que o contra-interessado fica vencido, ao lado da Administração, deparamo-nos uma situação paralela, a do assistente, regulada nos art.ºs 538.º do CPC, 13.º, n.º 7, alínea c) e tabela I-B do RCJ. Nesse seguimento, com base numa interpretação do sistema jurídico como um todo unitário e coerente, será razoável afirmar que os contra-interessados ficam sempre vencidos numa proporção que tem de ser menor que aquela que seja imputada à Administração e que poderá ser próxima de metade do correspondente valor que será pago pela Administração, tal como ocorre nos casos da assistência.
Nestes termos, nos processos administrativos, verificado o decaimento de uma acção pela Administração e pelos contra-interessados, na sua totalidade, incumbe ao juiz fixar a proporção em cada parte fica vencida, ao invés de aplicar de forma cega a regra inclusa no art.º 528.º, n.º 1, do CPC. Na fixação dessa proporção há sempre que considerar que a Administração tem uma posição processual e procedimental de supremacia e de vantagem face ao contra-interessado, pelo que terá sempre de ficar vencida numa maior proporção em relação a estes.
Nos processos administrativos, a aplicação subsidiária do CPC e do RCJ, há que fazer-se com as devidas adaptações. Não sendo similar a posição do litisconsorte cível e a do contra-interessado, as regras civilísticas relativas à proporção da condenação em custas devem ser adequadamente lidas. O CPC não proíbe a atribuição de custas por vencimento, à Administração e ao contra-interessado, em diferentes proporções. Diferentemente, até o impõe por decorrência da regra geral do art.º 527.º do CPC e dos princípios que lhe estão subjacentes da proporcionalidade, da causa e do proveito.
Entretanto, será com base em cada caso concreto - nas ocorrências processuais a que o contra-interessado dê causa, na própria conduta que tenha tido no âmbito da relação jurídico-administrativa substantiva e no proveito que possa, para ele, decorrer da acção – que deverá ser fixada, casuisticamente, pelo juiz de 1.ª instância, a proporção do decaimento do contra-interessado, sendo certo que esse decaimento nunca deve ser igual ou superior àquele que for considerado pela Administração, pelas razões acima aduzidas.
Por conseguinte, no caso ora em apreço, tendo ficado vencida em 1.ª instância a Administração e o Contra-interessado C...................... NGTT, Lda, não havia que condenar-se o pagamento de custas em partes iguais, por aplicação cega do art.º 528.º, n.º 1, do CPC, mas havia que determinar-se custas nos termos do art.º 527.º, n.º 2, do CPC, considerando que a Administração ficou vencida numa proporção superior aquele que foi o decaimento do Contra-interessado, C...................... NGTT, Lda.
De notar, que esta mesma questão já não se coloca em sede de recurso, pois aqui todos os recorrentes se apresentam com iguais poderes processuais e as custas são atribuídas à parte vencida no recurso, àquela a quem foi desfavorável o sentido do recurso, já não fazendo sentido descortinar as diferentes posições jus-processuais ou a diversa utilidade que decorra da decisão de recurso.
Como se refere no Ac. do STA n.º 0416/10, de 01-03-2011, perfeitamente aplicável no caso sub judice apesar da última alteração do CPTA, “A figura de contra-interessados apenas está prevista na acção administrativa especial e não já no recurso jurisdicional interposto para os tribunais administrativos superiores. Interposto recurso jurisdicional há recorrente e recorridos: o primeiro ataca a sentença, no todo ou em parte, conforme lhe seja total ou parcialmente desfavorável, o recorrido ou os recorridos que são aqueles que defendem a improcedência, no todo ou em parte, do recurso, pugnando pela manutenção da sentença, logicamente, por lhes ser favorável.”
Assim, a decisão recorrida errou quando fixou o pagamento de custas em partes iguais pela Administração e pelo Contra-interessado, C...................... NGTT, Lda.

O Recorrido invoca a litigância de má-fé do Recorrente C…………….., La, por considerar que este fez uma lide que vai para além da temerária, baseada em palavras sinonimas e na afirmação de que a sua proposta cumpre ET, quando bem sabe que não cumpre, visando apenas protelar a presente contratação e a adjudicação do fornecimento do lote 3 ao Recorrido.
A condenação em litigância de má-fé pressupõe e exige que a actuação de alguma das partes desrespeite o Tribunal ou a parte que lhe é contrária no processo. Deve a referida conduta estar viciada de dolo ou negligência grave. De fora da litigância de má-fé ficam as situações de erro grosseiro e de lide ousada ou temerária.
Para que se considere a existência de uma situação de litigância de má-fé por uso manifestamente reprovável do processo é necessário que nele seja deduzida uma pretensão cuja falta de fundamento a parte não deva ignorar. É exigido que a pessoa do A. (ou do R.) aja com dolo, que tenha conhecimento da falta de fundamento da acção e mesmo assim a interponha e em juízo se verifique aquele conhecimento. Exclui o legislador do círculo de protecção da litigância de má-fé todas as situações em que o conhecimento da falta de fundamento da acção se deva imputar ao Mandatário da parte ou às situações que conduzam à lide temerária ou ousada.
Ora, a conduta da C...................... NGTT, Lda, na presente acção não pode considerar-se violadora do princípio da boa-fé processual ou visando a obstrução da justa composição do litígio. O Recorrido não apresentou quaisquer factos ou argumentos de forma distorcida ou com alteração da verdade, mas limitou-se a expor os factos e argumentos pelos quais considerava que a decisão estava errada.
A argumentação jurídica da C...................... NGTT, Lda, poderá ter sido menos consistente na parte em que quis discutir as diferenças linguísticas entre submersibilidade e estanqueidade, mas no restante foi uma argumentação fundada de forma séria, que embora não coincidente com a esgrimida pela contra-parte, é perfeitamente admissível no quadro da discussão jurídica da causa. Por conseguinte, a conduta da C...................... NGTT, Lda, não é uma conduta que ultrapasse as regras processuais ou que induza qualquer reprovabilidade.
Improcede, assim, a invocada litigância de má-fé.

Do recurso subordinado:

Em sede de recurso subordinado vem o Recorrente Antero L........., Lda, dizer que há um erro de julgamento no que respeita à pronúncia condenatória e uma violação do art.º 95.º, n.º 5, do CPTA, porque tendo o despacho sido anulado por vício de violação de lei, por a proposta da C...................... NGTT, Lda, não preencher o requisito relativo à estanquidade e dever ser excluída do concurso, não tendo havido mais concorrentes ao concurso, a proposta da Antero L........., Lda, passa a ser a única a subsistir. Diz também o Recorrente, que considerando que a Administração já se vinculou ao que decidiu no procedimento concursal, porque já entendeu que a Antero L........., Lda, preenche os requisitos do concurso, a única condenação legalmente possível era a de determinar a adjudicação à concorrente Antero L........., Lda.
Ora, aqui a Recorrente Antero L........., Lda, tem razão.
Na PI o A. e ora Recorrente, Antero L........., Lda, formulou dois pedidos: um impugnatório e outro condenatório. Malgrado a deficiente formulação de tal petitório, que induz a um único pedido impugnatório do qual deriva como mera decorrência lógica o pedido condenatório, a verdade é que se compreende que o que o A. pretendia era apenas formular um pedido condenatório, que se apresentasse em cumulação aparente com o impugnatório, porque a final consumisse este. Essa é também a lógica imposta pelo legislador do CPTA nos art.ºs. 51.º, n.º 4 e 66.º, quando faz reportar o objecto da acção administrativa à pretensão do interessado e exige a conversão do pedido impugnatório, num pedido de condenação ao acto devido. Aqui a pretensão do A. era ver o lote 3 a ser-lhe adjudicado em virtude da exclusão do outro concorrente.
Portanto, havia que conhecer do pedido condenatório formulado pelo A. face à factualidade apurada nos autos, verificando se se configurava como um acto devido a condenação da Administração a adjudicar à Antero L........., Lda, o fornecimento do lote e do concurso público n.º 80158-2015.
Conforme factos provados na sentença recorrida – cf. factos a), b), m), r), u) e v) – e ora aditados – em aa) e ab), o procedimento concursal em questão foi aberto, seguiu os seus termos e terminou com um despacho de adjudicação do fornecimento do lote 3 à concorrente C...................... NGTT, Lda, a concorrente 1.º graduada no concurso para esse lote.
Na sequência da presente acção e recurso, será mantida a decisão de anulação do despacho de 07-10-2016 do Tenente General OMG, que adjudicou à C...................... NGTT, Lda, o fornecimento do lote 3, por a indicada proposta não cumprir todas as ET do concurso.
Portanto, afastada a proposta daquelr concorrente, subsiste no concurso a proposta do ora Recorrente, Antero L........., Lda, que se encontrava graduado em 2.º lugar na lista final de ordenação, com uma proposta pelo preço de 82.836,00€.
O critério da adjudicação foi o do mais baixo preço, sendo este o único aspecto da proposta que ficou submetido à concorrência – cf. art.ºs. 56.º, n,º 2 e 74.º, n.º 1, al. b),do CCP. Logo, subsistindo essa proposta, a adjudicação a este 2.º concorrente, nas circunstâncias concretas dos autos, é um acto devido – cf. art.ºs. 76.º, n.º 1, 79.º e para uma situação paralela o art.º 105.º, n.º 2, todos do CCP.
Neste caso, os momentos discricionários da Administração na escolha do concorrente já se esgotaram, pois o concurso chegou ao seu termo com um único candidato, cuja proposta foi admitida, sendo que o critério da adjudicação era apenas o do mais baixo preço. Com este enquadramento, à Administração só resta a possibilidade de adjudicar o fornecimento do lote 3 ao ora Recorrente Antero L........., Lda. Essa adjudicação tornou-se um acto devido, por a margem de livre apreciação da Administração, na situação concreta dos autos, ter ficado reduzida a zero.
Assim sendo, a decisão recorrida errou quando apenas determinou que fosse retornado o procedimento concursal na parte relativa ao indicado lote 3. No caso dos autos, esse retorno e uma nova aferição do cumprimento dos requisitos técnicos do concurso pela concorrente que subsistiu, a Antero L........., Lda, já não será possível.
De facto, com a abertura do presente procedimento e à medida em que o mesmo se foi desenrolando, a margem de livre apreciação da Administração, a sua discricionariedade, foi-se reduzindo cada vez mais. Após o anúncio daquela abertura, a apresentação das propostas pelos candidatos, a sua admissão, selecção e após a última apreciação dos critérios de adjudicação, ficou o MDN numa posição procedimental que apenas lhe permitiu um caminho: cumprir o dever de adjudicação indicado no art.º 76.º do CCP. E esse caminho foi seguido pelo MDN, com decisão de ordenação final dos concorrentes e a adjudicação do lote 3 à C...................... NGTT, Lda, a concorrente graduada em 1.º lugar. Excluída a proposta desta concorrente, por via da decisão de anulação tomada nos presentes autos, volta o MDN a ficar numa situação de obrigação de adjudicação, desta vez à 2.º concorrente, o A. desta acção e ora Recorrente, a Antero L........., Lda. Porque o momento adequado para a verificação dos requisitos técnicos desta proposta já ocorreu e a Administração nessa data entendeu estarem cumpridos todos os indicados requisitos, não há agora que retornar a essa fase procedimental. A Administração com as suas decisões anteriores, tomadas no âmbito do procedimento concursal, foi-se autovinculando às próprias decisões tomadas, atingido agora um “ponto de não retorno”, sob pena de violação dos princípios da confiança e da boa-fé. Porque, no caso, não se configura nenhuma das causas de não adjudicação quem vêm indicadas no art.º 79.º do CCP, o MDN está legalmente obrigado a adjudicar o fornecimento do lote 3 ao A. e ora Recorrente, o 2.ª graduada na lista de ordenação final. Quanto aos requisitos técnicos, terão de ser dados por cumpridos, pois essa foi uma posição que a Administração já tomou no procedimento concursal e que se tornou assente para futuro. Mais se indique, que a simples apresentação desta acção e a sua procedência, com a anulação do acto de adjudicação ao concorrente ordenado em 1.º lugar, nunca pode ser entendida como uma circunstância imprevista ou superveniente que inquine o concurso ou a decisão de contratar, pois subsistindo a candidatura da concorrente graduada em 2.º lugar, esta tem de entender-se como inteiramente válida para efeitos de adjudicação e consequente contratação.
Neste sentido, a doutrina indica o acto de adjudicação como devido, ou lealmente obrigatório, para o concorrente que tenha ficado no 1.º lugar e como tendencialmente devido para os casos, como o dos autos, em que que por o 1.º concorrente seja afastado e subsista um 2.º candidato graduado (cf. nesse sentido, SILVA, Jorge Andrade Da - Código dos contratos públicos: comentado e anotado. Coimbra: Almedina, 2008. ISBN 978-972-40-3650-2, p. 307. AZEVEDO, Bernardo - Adjudicação e celebração do contrato no Código dos Contratos Públicos. Em Estudos de Contratação Pública. Org. Pedro Gonçalves. Coimbra: Coimbra Editora, 2010. ISBN 978-972-32-1784-1v. II. pp. 227, 233 -252. CALDEIRA, Marco - Adjudicação e exigibilidade judicial da celebração do contrato administrativo no Código dos Contratos Público. O Direito. Lisboa. 140, III (2008) 697–728. ALMEIDA, João Amaral; SÁNCHEZ, Pedro Fernández - Temas de contratação pública. 1.a ed. Coimbra : Coimbra Editora (Grupo Wolters Kluwer), 2011. ISBN 978-972-32-1946-3, pp.275-289.)
Este foi também o sentido dos Acs. do STA n.º 0568/16, de 08-09-2016, n.º 0913/15, de 03-12-2015 e do TCAS n.º 13255/16, de 19-05-2016.
Nestes termos, a decisão recorrida errou quando apenas condenou o MDN a retornar o procedimento concursal na parte relativa ao indicado lote 3. Nos autos era pedida a condenação do MDN a adjudicar aquele lote ao A. e ora Recorrente Antero L........., Lda. Julgado tal acto de adjudicação como vinculado, como legalmente obrigatório, haverá, também, que dar procedência ao pedido tal como vem formulado, condenando-se o MDN a proceder à indicada adjudicação.

III- DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam:
- em dar provimento parcial ao recurso principal que foi interposto pela C...................... NGTT, Lda, revogando a decisão recorrida na parte em que determinou o pagamento de custas, em 1.º instância, pelo MDN e pela contra-interessada C...................... NGTT, Lda, em partes iguais e confirmando-a na parte restante, mas com a fundamentação ora adoptada;
- em substituição do Tribunal recorrido, determinar o pagamento de custas, em 1.ª instância, pelo MDN e pela C...................... NGTT, Lda, na proporção em que cada parte ficou vencida, que se fixa em 70% para o MDN e em 30% para a C...................... NGTT, Lda;
- em julgar improcedente a invocada litigância de má-fé da C...................... NGTT, Lda;
- em dar provimento total ao recurso subordinado que foi interposto Antero L........., Lda, revogando a decisão recorrida na parte em que condenou o MDN a retornar o procedimento concursal relativo ao lote 3;
- em substituição do Tribunal recorrido, determinar a condenação do MDN a adjudicar a Antero L........., Lda, o fornecimento do lote 3;
- determinar custas em 2.ª instância pelo recurso principal pelo Recorrente e pelos Recorridos, na proporção dos decaimentos, que se fixam em 80% para o Recorrente C...................... NGTT, Lda e em 10% para cada um dos Recorridos (cf. arts.º 527.º, n.º 1 e 2, do CPC, 7.º, n.º 2 e Tabela I-B do RCJ);
- determinar custas em 1 UC pelo incidente de invocação da litigância de má-fé pelo Recorrido Antero L........., Lda (cf. arts.º 527.º, n.º 1 e 2, do CPC, 7.º, n.º 4 e Tabela II do RCJ);
- determinar custas em 2.ª instância pelo recurso subordinado pelo Recorridos MDN e pela C...................... NGTT, Lda na proporção dos decaimentos, que se fixam em 50% cada (cf. arts.º 527.º, n.º 1 e 2, do CPC, 7.º, n.º2 e Tabela I-B do RCJ).

Lisboa, 4 de Outubro de 2017.
(Sofia David)

(Nuno Coutinho)

(José Correia)