Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:214/18.7BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:01/21/2021
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Sumário:i) A Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, que procedeu à revogação parcial da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na redacção conferida pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, teve como consequência a cessação da suspensão dos prazos judiciais e dos prazos administrativos.
ii) A contagem dos referidos prazos, no âmbito de todos os tipos de processos judiciais (urgentes e não urgentes), é retomada a partir do quinto dia a contar da publicação do diploma (em resultado da vacatio legis estipulada no seu art. 10.º), cessando, assim, a suspensão extraordinária até então vigente.
iii) Interposto recurso da decisão que exigia reclamação para a conferência e não se mostrando reunidos os pressupostos adjectivos para a convolação para este meio processual, atenta a manifesta intempestividade na apresentação do requerimento de interposição de recurso, não pode este tribunal conhecer do seu objecto (nem promover, por inútil, a sua convolação no meio próprio).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

M... intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa contra o Ministério da Defesa Nacional uma acção administrativa onde peticionou:

i. A revogação da decisão administrativa que, no âmbito do processo disciplinar n.º 2/16, condenou o Autor pela prática de uma infracção disciplinar na pena de 30 (trinta) dias de suspensão de serviço pela violação do dever de disponibilidade, previsto no artigo 14º, nºs 1 e 2, a), do dever de tutela, previsto no artigo 15º, do dever de zelo, previsto no artigo 17º, nº 1, do dever de camaradagem, previsto no artigo 18º, nº 1, e do dever de responsabilidade, previsto no artigo 19, nº 1, todos do Regulamento de Disciplina Militar;

ii. Ao ser revogada tal decisão administrativa, com todas as consequências legais, deverá ser reposta a situação existente anterior àquela;

iii. A condenação do Exército Português no pagamento de €: 5.000 (cinco mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais.

A Entidade Demandada, na contestação, suscitou as excepções de incompetência do TAC e da intempestividade da prática do acto processual. Quanto ao mais peticionado, defendeu-se por impugnação.

O A. replicou, defendendo a improcedência da excepção de intempestividade da prática do acto processual.

Por sentença de 30.07.2019 foi julgada procedente a excepção de incompetência em razão da hierarquia e ordenada a remessa dos autos a este TCAS (art. 6.º da Lei n.º 34/2007, de 13 de Agosto).

O Ministério Público foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art. 85.º do CPTA.

Por saneador-sentença do relator, datado de 4.05.2020, a presente acção foi julgada extemporânea e verificada a excepção dilatória prevista no artigo 89.º, nº 4, al. k), do CPTA, o que obstou ao conhecimento do mérito da causa e determinou, nos termos do disposto no artigo 89.º, nº 2, do CPTA, a absolvição da Entidade Demandada da instância.

Nessa sequência, em 22.06.2020 o A. apresentou requerimento de recurso onde peticionou a revogação da decisão recorrida.

Considerando que da decisão sumária do relator cabia reclamação para a conferência, a apresentar no prazo de 10 dias, e não recurso, foi proferido despacho em 1.07.2020 para o A. se pronunciar sobre a rejeição do recurso e a impossibilidade de convolação oficiosa do mesmo em reclamação, uma vez que havia ocorrido já o trânsito em julgado da decisão (mesmo considerando a suspensão dos prazos decorrente da legislação sobre o Estado de Emergência).

Por requerimento de 7.08.2020, o A. veio sustentar a tempestividade do acto praticado em Juízo e a admissibilidade da sua convolação em reclamação, sustentando uma ampla definição do conceito de prazo administrativo previsto artigo 5.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, correspondendo este não só ao prazo estritamente administrativo como aos prazos processuais administrativos, isto é, aos prazos relativos a actos a praticar no âmbito da impugnação contenciosa de actos administrativos.

O Ministério da Defesa Nacional foi notificado para se pronunciar, nada tendo dito.



Com dispensa de vistos (simplicidade da questão a decidir), vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão, com intervenção do Juiz Militar de acordo com o disposto no art. 6.º da Lei n.º 34/2007, de 13 de Agosto, e no art. 3.º da Lei n.º 79/2009, de 13 de Agosto.


I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pelo A. e ora Recorrente, traduzem-se em apreciar se a reclamação para a conferência da decisão do relator foi apresentada tempestivamente, tendo presente a disciplina jurídica decorrente da legislação sobre o Estado de Emergência, concretamente considerando a suspensão dos prazos prevista no art. 5.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio.



II. Fundamentação

II.1. De facto

Com relevância para a decisão, dão-se por assentes as seguintes ocorrências processuais:

1. A p.i. da presente acção deu entrada no TAC de Lisboa em 2.02.2018 (cfr. registo no SITAF, referência 003680234).

2. Por sentença de 30.09.2019 daquele TAC foi declarado “incompetente em razão da matéria para apreciar a presente ação o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa e competente o Venerando Tribunal Central Administrativo Sul” (cfr. registo n.º 003680285 do SITAF).

3. Na sequência da remessa a este TCAS, foi proferida “decisão sumária” pelo relator, datada de 4.05.2020, que julgou procedente a excepção dilatória de intempestividade da prática do acto processual e absolveu a Entidade Demandada da instância (cfr. registo n.º 003815214 do SITAF).

4. Do que foi o A. notificado electronicamente em 5.05.2020 (cfr. registo n.º 003815552 do SITAF).

5. Em 22.06.2020 o A. incorporou nos autos requerimento de recurso para o STA da decisão descrita em 3. supra (cfr. registo n.º 003839178 do SITAF).

6. Em 1.07.2020 foi aberta conclusão pela Secretaria com a seguinte informação (cfr. registo n.º 003844979 do SITAF):

Informando V. Exª que o trânsito em julgado da sentença proferida terminou no dia 12 de Junho de 2020 e com a multa prevista no artº 139º do C.P.Civil em 17 de Junho de 2020.

7. Em 1.07.2020 foi proferido despacho do seguinte teor (cfr. registo n.º 003845002 do SITAF):

Considerando:

- Que da decisão sumária do relator cabe reclamação para a conferência e não recurso;

- Que essa reclamação deve ser apresentada no prazo de 10 dias; e

- Que, de acordo com a informação antecedente, ocorreu já o seu trânsito em julgado (mesmo considerando a suspensão dos prazos decorrente da legislação sobre o Estado de Emergência);

Notifique o Recorrente para se pronunciar, querendo, sobre a rejeição do recurso e a impossibilidade de convolação oficiosa do mesmo requerimento de recurso em reclamação.

8. Do que foi o A. notificado electronicamente, com cópia da informação descrita em 6, em 2.07.2020 (cfr. registo n.º 003845600 do SITAF).



II.2. De direito

Pretende o A. que seja considerada atempadamente deduzida a “reacção/reclamação do requerente contra a rejeição da interposição de recurso, com as devidas implicações processuais no andamento do processo”.

Defende que, de acordo com o regime decorrente da legislação produzida em função do Estado de Emergência declarado, mais precisamente, com o artigo 5.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, a sua intervenção processual é tempestiva. Sustenta esta conclusão, ao que aqui releva, nos seguintes argumentos:

- No n.º 1 do art.º 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, cuja epígrafe é “prazos e diligências”, resta prescrito que “aos actos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos, que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, aplica-se o regime das férias judiciais até à cessação da situação excecpional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infecção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, conforme determinada pela autoridade nacional de saúde pública”.

- Enquanto vigente, o regime de suspensão determinou que os prazos para a prática de actos processuais restassem por contar, como se interrompidos ou como se ainda não se tivesse iniciado a respectiva contagem, assim se conservando suspenso, nos presentes autos, o prazo para sindicar a decisão proferida sobre o recurso interposto pelo autor sobre a decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo Sul.

- Em 2 de Junho entrou em vigor a Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, que procedeu, entre outros aspectos, à alteração da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, revogando no artigo 8º o artigo 7.º e os n.º 1 e 2 do artigo 7.º-A da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na redacção actual.

- Este diploma entrou em vigor a 3 de Junho de 2020, data a partir da qual voltaram a ser contados ou a iniciar-se a contagem dos prazos relativamente aos actos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos, que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal.

- No artigo 5.º da citada Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, o legislador introduziu importante disciplina excepcional relativa à contagem de prazos administrativos, quer na fase administrativa, quer na fase contenciosa.

- No n.º 3 deste artigo 5º, o legislador afastou do respectivo domínio normativo os prazos das fases administrativas em matéria contraordenacional, estabelecendo-se o alcance do citado artigo 5º também às fases contenciosas em matéria contraordenacional, ou seja, ao explicitar que a norma do art.º 5º não se aplicava às fases administrativas daquela matéria contraordenacional, o legislador estava simultaneamente a revelar os limites do domínio de aplicabilidade de tal norma e a admitir nas suas fronteiras, por exigência lógico-interpretativa, as fases contenciosas em matéria contraordenacional.

- Caso esta norma se referisse apenas a prazos administrativos stricto sensu, teria bastado ao legislador a inscrição de que tal norma não se aplicava em matéria contraordenacional, sendo, nesse caso, supérflua e redundante a referência negativa às fases administrativas em matéria contraordenacional.

- O legislador escolheu esta formulação, porque não pretendia afastar a prescrição normativa do artigo 5º do citado diploma das fases contenciosas em matéria contraordenacional, isto é, dos actos a praticar no âmbito da impugnação contenciosa em matéria contraordenacional, mas pretendia tão só afastar do seu âmbito a fase administrativa em tal matéria.

- Por outro lado, o artigo 5º da já mencionada Lei, ao esclarecer que se refere aos prazos administrativos cujo termo original ocorreria durante a vigência do regime de suspensão estabelecido pelo artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, está claramente a estabelecer a sua aplicabilidade “aos actos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos, que corram termos nos (…) tribunais administrativos e fiscais”, definidos no referido artigo 7º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março.

- Consequentemente, reitera-se: o art.º 5º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, não é apenas aplicável aos prazos administrativos relativos aos procedimento descritos e respaldados no Código do Procedimento Administrativo, como a epígrafe parece somente admitir, mas também “aos actos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos, que corram termos (…) nos tribunais administrativos e fiscais”, expressamente acolhidos no n.º 1 daquele art.º 5º por remissão para o citado artigo 7º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março.

- O território da norma do artigo 5º da citada Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, resta, portanto, delimitado pela ampla definição do conceito de prazo administrativo, correspondendo este não só ao prazo estritamente administrativo, isto é, aos prazos relativos aos actos a praticar no âmbito do procedimento administrativo, como aos prazos processuais administrativos, isto é, aos prazos relativos a actos a praticar no âmbito da impugnação contenciosa de actos administrativos.

- Deste modo, outra conclusão não poderá ser extraída senão a de que o prazo que se aplica à reclamação apresentada – isto é, ao caso concreto – é de 20 dias, e não o prazo de 10 dias, vulgarmente estabelecido como prazo comum para a prática de actos processuais em tribunais administrativos que não se encontrem expressamente cominados, o que seria o caso da reclamação em crise se a citada norma do artigo 5º da Lei 16/2020, de 29 de Maio, não existisse.

- Ao não ter sido acolhida esta interpretação no despacho objecto de actual sindicância, tal importou a violação dos direitos e garantias de defesa do requerente presentes no conceito de processo equitativo consignado no art.º 20º da Lei Fundamental, restringindo ilegitimamente o acesso ao direito e aos tribunais, consagrado igualmente no mesmo artigo da Constituição.

- No despacho em crise, considerou-se que o prazo aplicável no caso concreto seria de 10 dias, o que determinou a violação de tal norma do artigo 5º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio.

- O legislador considerou mais simples estabelecer um único prazo para a prática de todos os actos no âmbito do Código de Procedimento Administrativo e de todos os actos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos, que corram termos nos tribunais administrativos e fiscais – vinte dias, portanto.

- Ultrapassada esta dificuldade, não há qualquer impedimento técnico-jurídico para alterar ou converter, formalmente, o recurso interposto numa reclamação para a Conferência da Secção de Contencioso do Tribunal Central Administrativo Sul.

Vejamos então.

Como se deixou assente supra, foi proferida “decisão sumária” pelo relator, datada de 4.05.2020, que julgou procedente a excepção dilatória de intempestividade da prática do acto processual e absolveu a Entidade Demandada da instância. Do que foi o A. notificado electronicamente em 5.05.2020.

Dessa decisão, por se tratar de decisão proferida singularmente (e distinta da prevista no art. 641.º, n.º 6, do CPC) cabia reclamação para a conferência e não recurso, como resulta do disposto no art. 652.º, n.º 3, do CPC); o que o A., aliás, não questiona.

E quanto ao prazo para apresentar a referida reclamação, dispunha a parte do prazo processual de 10 dias para o efeito. Não se tratando de um prazo especialmente previsto no Código (e não se tratando de processo urgente), aplica-se o prazo supletivo de 10 dias consagrado no art. 27.º, n.º 1, do CPTA.

Temos então uma decisão de 4.05.2020, notificada electronicamente em 5.05.2020, relativamente à qual a parte dispunha do prazo adjectivo de 10 dias para submeter a reclamação à conferência. Porém, apenas em 22.06.2020 o A. apresentou impugnação dessa mesma decisão.

Defende o A. que, ainda assim, o acto foi praticado tempestivamente, considerando, em suma, que o prazo é de 20 dias e que o mesmo só se venceria no vigésimo dia útil após a publicação da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio. Mas não lhe assiste razão.

A Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, veio alterar as medidas excepcionais e temporárias de resposta à pandemia da doença COVID-19, procedendo à quarta alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, à primeira alteração à Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril, e à décima segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março.

No seu artigo 5.º, sob a epígrafe “prazos administrativos” estabelece:

1 - Os prazos administrativos cujo termo original ocorreria durante a vigência do regime de suspensão estabelecido pelo artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na sua redação original e na redação dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, consideram-se vencidos no vigésimo dia útil posterior à entrada em vigor da presente lei.

2 - Os prazos administrativos cujo termo original ocorreria após a entrada em vigor da presente lei, caso a suspensão referida no número anterior não tivesse tido lugar, consideram-se vencidos:

a) No vigésimo dia útil posterior à entrada em vigor da presente lei caso se vencessem até esta data;

b) Na data em que se venceriam originalmente caso se vencessem em data posterior ao vigésimo dia útil posterior à entrada em vigor da presente lei.

3 - O disposto no presente artigo não se aplica aos prazos das fases administrativas em matéria contraordenacional.

Prevendo-se no art. 6.º do mesmo diploma que:


Prazos de prescrição e caducidade

Sem prejuízo do disposto no artigo 5.º, os prazos de prescrição e caducidade que deixem de estar suspensos por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período de tempo em que vigorou a sua suspensão.

Por sua vez, esta Lei aditou um art. 6.º-A, que estabeleceu um regime transitório, donde se destaca:

(…)

6 - Ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório:

a) O prazo de apresentação do devedor à insolvência, previsto no n.º 1 do artigo 18.º d o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março;

b) Os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família;

c) As ações de despejo, os procedimentos especiais de despejo e os processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa;

d) Os prazos de prescrição e de caducidade relativos aos processos e procedimentos referidos nas alíneas anteriores;

e) Os prazos de prescrição e de caducidade relativos aos processos cujas diligências não possam ser feitas nos termos da alínea b) do n.º 2, da alínea b) do n.º 3 ou do n.º 7.

7 - Nos casos em que os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência referentes a vendas e entregas judiciais de imóveis sejam suscetíveis de causar prejuízo à subsistência do executado ou do declarado insolvente, este pode requerer a suspensão da sua prática, desde que essa suspensão não cause prejuízo grave à subsistência do exequente ou um prejuízo irreparável, devendo o tribunal decidir o incidente no prazo de 10 dias, ouvidas as partes.

(…)

E o artigo 8.º revogou o artigo 7.º e os n.ºs 1 e 2 do artigo 7.º-A da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na sua redação actual. Ou seja, revogou a disposição que mandava aplicar aos actos processuais e procedimentais que devessem ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corressem termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, o regime das férias judiciais até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, conforme determinada pela autoridade nacional de saúde pública.

A Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, que procedeu à revogação parcial da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na redacção conferida pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, teve como consequência a cessação da suspensão dos prazos judiciais e dos prazos administrativos. A contagem dos referidos prazos, no âmbito de todos os tipos de processos judiciais (urgentes e não urgentes), é retomada a partir do quinto dia a contar da publicação do diploma (em resultado da vacatio legis estipulada no seu art. 10.º), cessando, assim, a suspensão extraordinária até então vigente.

O equívoco do A. reside numa aparente confusão entre prazos procedimentais e prazos processuais. Entre prazos que correm nos procedimentos administrativos e entre prazos a que se sujeitam os actos que devam ser praticados em Juízo.

E não lhe assiste razão, por completa e manifesta ausência de correspondência entre o texto da lei e o direito que alega, quando pretende equiparar o “prazo administrativo aos prazos que designa como “processuais administrativos, isto é, aos prazos relativos a actos a praticar no âmbito da impugnação contenciosa de actos administrativos. Desde logo, os actos a praticar no âmbito da impugnação contenciosa de actos administrativos, consubstanciam actos no âmbito, como o próprio nomem iuris sugere, contencioso, no âmbito judicial; ou seja, no âmbito de prazos processuais.

Lido o Diploma em questão na sua integralidade, facilmente se conclui que não tem qualquer correspondência com o que nele está escrito a afirmação do A. de que o “legislador considerou mais simples estabelecer um único prazo para a prática de todos os actos no âmbito do Código de Procedimento Administrativo e de todos os actos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos, que corram termos nos tribunais administrativos e fiscais – vinte dias, portanto. Não é isso que está legislado, como se vem de demonstrar. Apenas no âmbito dos procedimentos administrativos e tributários, o diploma revogou a suspensão extraordinária de prazos que se encontrava em vigor (e não de todos, deixando de fora, i.a. os procedimentos contraordenacionais), estabelecendo, por um lado, que todos os prazos administrativos cujo termo original ocorreria durante a vigência do regime de suspensão extraordinária se considerariam vencidos no vigésimo dia útil posterior à sua entrada em vigor (n.º 1 do art. 5.º) e que, por outro lado, os prazos administrativos cujo termo original ocorreria após a entrada em vigor do diploma, caso a suspensão extraordinária não tivesse tido lugar, se considerariam vencidos nos termos do n.º 2 do seu artigo 5.º. E o prazo aqui em questão não é um prazo administrativo; não é um prazo de um procedimento administrativo.

Por outro lado, não se alcança que a solução encontrada pelo legislador seja susceptível de ofender os “direitos e garantias de defesa do requerente presentes no conceito de processo equitativo consignado no art.º 20º da Lei Fundamental, restringindo ilegitimamente o acesso ao direito e aos tribunais, consagrado igualmente no mesmo artigo da Constituição. Com efeito, foi determinada pela Lei uma suspensão da contagem dos prazos processuais e, cessada a mesma, foi previsto, pela mesma forma, que aquela contagem fosse retomada, como é próprio do regime da suspensão (contrariamente ao que sucede com o da interrupção) e a partir do quinto dia a contar da publicação do diploma, em resultado da vacatio legis estipulada.

Não se vê como foi restringido o direito de acesso ao direito e aos tribunais, uma vez que bastaria ao A. ter praticado o acto no processo, ao que nada o impediu (ou pelo menos, nada vem nesse sentido alegado) levando em conta a suspensão da contagem do prazo respectivo nos termos supra explicitados. O quadro normativo em questão, ainda que resultante de uma sucessão de leis no tempo, apresenta-se como claro para o intérprete da lei: a contagem dos referidos prazos, no âmbito de todos os tipos de processos judiciais (urgentes e não urgentes), foi retomada, cessada que foi a sua suspensão, a partir do quinto dia a contar da publicação da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio.

Ora, nos termos do disposto no artigo 29º, n.º 1 do CPTA, o prazo para reclamar da decisão sumária é de 10 dias, prazo esse que, perante os factos por nós assentes, se encontrava já precludido conforme explicitado no despacho descrito em 7. supra. Tal como foi informado pela Secretaria, “o trânsito em julgado da sentença proferida terminou no dia 12 de Junho de 2020 e com a multa prevista no artº 139º do C.P.Civil em 17 de Junho de 2020.

Consequentemente, não é possível conhecer da reclamação, mostrando-se a convolação do requerimento de recurso na competente reclamação para a conferência um acto inútil e, como tal, proibido pela lei processual.



III. Conclusões

Sumariando:

i) A Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, que procedeu à revogação parcial da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na redacção conferida pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, teve como consequência a cessação da suspensão dos prazos judiciais e dos prazos administrativos.

ii) A contagem dos referidos prazos, no âmbito de todos os tipos de processos judiciais (urgentes e não urgentes), é retomada a partir do quinto dia a contar da publicação do diploma (em resultado da vacatio legis estipulada no seu art. 10.º), cessando, assim, a suspensão extraordinária até então vigente.

iii) Interposto recurso da decisão que exigia reclamação para a conferência e não se mostrando reunidos os pressupostos adjectivos para a convolação para este meio processual, atenta a manifesta intempestividade na apresentação do requerimento de interposição de recurso, não pode este tribunal conhecer do seu objecto (nem promover, por inútil, a sua convolação no meio próprio).



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

- Rejeitar o recurso interposto da decisão sumária proferida nos autos;

- Não promover, atenta a sua apresentação intempestiva, a convolação oficiosa do mesmo requerimento de recurso em reclamação.

Custas pelo A. e aqui Recorrente/Reclamante.

Notifique.

Lisboa, 21 de Janeiro de 2021

Pedro Marchão Marques

Alda Nunes

Luís Manuel Martins Ribeiro (Major-General)


O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 03.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento.

Pedro Marchão Marques