Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:958/20.3BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:09/16/2021
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:CASO JULGADO
EXECUÇÃO FISCAL
ATO ADMINISTRATIVO EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA
DIREITO DE AUDIÇÃO
APROVEITAMENTO DO ATO
Sumário:I. Tendo sido anulado um ato por falta de fundamentação e, nessa sequência, proferido novo ato, na reclamação judicial apresentada deste segundo ato não é de apelar ao caso julgado material decorrente da decisão proferida relativamente ao primeiro despacho, em nenhuma das suas vertentes (positiva ou negativa), ainda que na segunda reclamação se tenha novamente alegado falta de fundamentação, dado estarmos perante causas de pedir e pedidos completamente distintos e sem relação de prejudicialidade.

II. Os órgãos da AT podem praticar, no âmbito da execução fiscal, atos de natureza processual e atos materialmente administrativos.

III. Estando em causa a prática de um ato materialmente administrativo, tal implica um respeito pelos princípios inerentes ao procedimento administrativo tributário, onde se inclui o direito de participação.

IV. A circunstância de o processo judicial ter natureza urgente não implica que o ato material praticado pela AT tenha origem necessariamente num procedimento urgente.

V. A aplicação do princípio do aproveitamento do ato depende de um juízo de prognose póstuma, no sentido da inexistência de qualquer possibilidade de que o ato a praticar contivesse conteúdo distinto.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I. RELATÓRIO

C…. – I….., Lda (doravante 1.ª Recorrente ou Reclamante) e a Fazenda Pública (doravante 2.ª Recorrente ou FP) vieram apresentar recurso da sentença proferida a 20.05.2021, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria, na qual foi julgada verificada a exceção de caso julgado material, no que respeita a todos os vícios invocados, exceto o vício de preterição do direito de audição, e foi julgada procedente a reclamação de ato do órgão de execução fiscal apresentada pela Reclamante, que teve por objeto o despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Leiria 1, de 29.09.2020, que indeferiu o pedido de levantamento da penhora que incide sobre o prédio urbano sito em Santa Clara, Lote…., Quinta do Pisão, Parceiros, Concelho de Leiria, descrito no registo predial sob o n.º 2….. e inscrito na matriz predial urbana sob os artigos 3…. e 3…., e o pedido de suspensão dos processos de execução fiscal n.º 138….. e apensos n.º 138….., n.º 138….., 138….. e apensos, n.º 138……, n.º 138….. e apensos, n.º 138….. e n.º 138…...

A 1.ª Recorrente apresentou alegações, onde formulou as seguintes conclusões:

A. O caso julgado destina-se a evitar que os Tribunais sejam colocados na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior, o que acontece quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

B. Tendo em consideração que o Tribunal deverá apenas resolver as questões que as partes tenham submetido à apreciação do juiz – salvo as de conhecimento oficioso –, a eficácia de caso julgado deve limitar-se à decisão que for tomada sobre tais questões, sendo que, de acordo com o artigo 621.º, do CPC, “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique.

C. Com a configuração atual do objeto do processo, o juízo que o tribunal faz sobre os pressupostos de que depende o exercício do poder consubstanciado no ato ou sobre a ocorrência de factos impeditivos ou extintivos que obstem a esse exercício (exceções perentórias), passou a estar ao alcance do caso julgado.

D. (…) se o assunto que se discute no processo é a regularidade formal e material do poder administrativo exercido com a prática do acto impugnado, então haverá identidade de objecto se já existir uma sentença transitada em julgado que apreciou os concretos fundamentos de facto e de direito em que se baseia a pretensão anulatória do acto impugnado. Se o impugnante já contestou a legitimidade do poder consubstanciado no acto, defendendo a posição subjectiva de fundo que foi lesada por esse acto, e se nessa acção foi emitida uma pronúncia judicial que confirma ou nega esse poder, então já há um accertamento do poder manifestado com o acto impugnado que não pode ser repetido, sob pena de ofensa ao caso julgado.”.

E. Decorre expressamente dos factos provados n.º 20 e n.º 22, que a aqui Recorrente não obteve, no âmbito do processo n.º 5/20.5BELRA, decisão sobre o mérito, visto que, apenas houve decisão sobre o incumprimento de formalidade, tendo a decisão reclamada (despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Leiria 1, datado de 22 de novembro de 2011) sido anulada por falta de fundamentação, decisão que obstou a que fosse conhecido o mérito da causa, ficando por decidir a questão da ilegalidade da penhora, por excesso da mesma, bem como a questão da suspensão dos processos de execução fiscal.

F. Caso se entenda que estamos perante a exceção de caso julgado – no que não se concede, mas que se alvitra por mero dever de patrocínio – então a Recorrente tinha perdido o direito de impugnar o novo ato que veio substituir o ato revogado – mesmo que a fundamentação fosse novamente deficiente –, ficando por ver decididas as questões por si levantadas, situação que consubstanciaria uma denegação de Justiça, por permitir que um particular (singular ou coletivo) se visse coartado de ver as suas pretensões analisadas, por as mesmas terem integrado a causa de pedir e o pedido numa ação anterior, não obstante o Tribunal não se ter pronunciado sobre o seu mérito, tendo apenas ficado pela anulação do ato administrativo com base na falta de formalismo legal.

G. O Tribunal a quo andou mal ao ter decidido pela existência da exceção de caso julgado”.

Não foram apresentadas contra-alegações.

A 2.ª Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“I. No presente no presente processo, está em causa a anulação do despacho do Órgão de Execução Fiscal (OEF) - SF Leiria 1-, datado de 29/nov./2020, proferido nos processos de execução fiscal 138….. e ap., 138….., 138…., 138….. e ap., 138…., 138….. e ap., 138…. e 138…...

II. O referido despacho teve origem no cumprimento de Acórdão do TCA Sul, proferido no processo de RAOEF nº 5/20.5BELRA, que a julgou procedente e determinou, por falta de fundamentação, a anulação do despacho ali em causa, datado de 22/nov./2019.

III. Está, igualmente em causa, a decisão no presente processo que se pronunciou pela verificação da exceção de caso julgado, considerado o Acórdão proferido na RAOEF 5/20.5BELRA.

IV. Na petição dirigida ao OEF, a Reclamante requereu a sustação dos processos de execução fiscal, o reconhecimento da ilegalidade das penhoras, e a suspensão dos processos de execução fiscal, para venda por negociação particular, em resultado da outorga de contrato-promessa de compra e venda, do imóvel sobre o qual recaiu a penhora.

V. Por falta de fundamentos legais, o OEF proferiu, em 29/nov./2020, despacho de indeferimento relativamente ao requerimento apresentado pela Reclamante, documento em que se pronunciou expressa e especificadamente quanto a cada uma das pretensões da Executada/ Reclamante com identificação da matéria de facto ali em causa e enunciação dos princípios e normas legais que obstam ao acolhimento daquela pretensão.

VI. No presente processo, o pedido da Reclamante assenta nos seguintes fundamentos:

Ä Nulidade do despacho reclamado por não ter sido o mesmo objeto de direito de audição prévia, o que constitui preterição de formalidade legal;

ÄFalta de fundamentação do referido despacho, de facto e de direito, implicando preterição de formalidade legal quanto ao dever de fundamentação e a respetiva nulidade;

Ä Inutilidade, desproporcionalidade e desadequação da venda dos imóveis penhorados;

Ä Caráter excessivo da penhora por existência de ónus reais com data anterior às penhoras da AT;

Ä Prejuízo irreparável causado pela decisão da Autoridade Tributária.

VII. Assente naqueles fundamentos, a reclamante pediu a revogação do despacho do OEF, datado de 29/set./2020, o levantamento das penhoras efetuadas pela AT nos PEF em causa, ou, a suspensão destes processos executivos até à concretização da venda por negociação particular em resultado da celebração de contrato promessa de compra e venda dos prédios em causa.

VIII. Na ótica da RFP, o despacho de indeferimento do OEF ora em causa, cumpre todas as exigências em matéria de enunciação dos fundamentos de facto e de direito, com indicação dos princípios e normas legais aplicáveis ao caso e está, igualmente, conforme às regras legais aplicáveis à tramitação dos processos executivos.

IX. A douta sentença recorrida determinou a anulação do despacho do OEF, datado de 29/nov./2020, por entender verificada a preterição de formalidade legal por falta de notificação da Executada para o exercício do direito de audição prévia, considerando estar em causa um ato administrativo praticado no âmbito de um processo de execução fiscal.

X. O fundamento principal em que assentou a decisão tem por base jurisprudência do Pleno do STA - Processo 01315/14, de 16/mar./2016 – relativa à apreciação de pedido de suspensão do processo de execução fiscal com oferecimento de bens à penhora – matéria não aplicável ao presente processo.

XI. A RFP discorda daquele entendimento, uma vez que:

Ä Face à sistematização dos diplomas legais aplicáveis – LGT e CPPT – o processo executivo tem capítulos próprios, autonomizados do procedimento administrativo, e aplicam-se-lhe, subsidiariamente, as normas do CPC, no processo executivo;

Ä Os despachos proferidos pelo OEF na execução fiscal são sindicáveis com recurso ao processo previsto no artigo 276º do CPPT;

Ä Está em causa, um despacho relativo a matéria de pura tramitação processual, que assim é passível, como foi, de reclamação nos termos do referido artigo 276º do CPPT;

Ä São caraterísticas do processo de execução fiscal a tramitação específica, autónoma e célere, não se concebendo que o legislador pretendesse impor nesta tramitação um conjunto de obrigações mais exigente que o exigido no processo de execução comum, regulado no CPC.

XII. Relativamente à decisão sobre a verificação da preterição de formalidade legal, considerando que estava em causa um ato administrativo praticado no processo de execução fiscal, a douta sentença ora em causa fez errada interpretação das normas jurídicas aplicáveis ao caso – os artigos 8º, 36º, nº 3 e 52º, todos da LGT e 85º, 169º e 218º do CPPT.

XIII. A falta de fundamentação de direito da sentença proferida, assente em acórdão não aplicável ao caso em apreço, violou as normas dos artigos 205º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 154º do CPC, o que implica a respetiva nulidade, de acordo com o disposto no 615º, nº 1, al. c) do CPC.

XIV. Contrariamente ao decidido e à regra do artigo 581º do CPC, não estão reunidos os pressupostos para verificação da exceção de caso julgado, por falta de identidade da causa de pedir – o novo despacho do OEF datado de 29/nov./2020- e do pedido – alegação, na presente ação, da preterição de formalidade legal por não notificação da Executada para o exercício do direito de audição.

TERMOS em que, com o douto suprimento de V. Ex.ªs, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, com o prosseguimento da tramitação dos processos de execução fiscal e decidindo-se pela absolvição da FP do pedido.

Assim, será feita a costumada

JUSTIÇA!”.

A Reclamante apresentou contra-alegações, nas quais concluiu nos termos seguintes:

A. O argumento da sistematização da audiência prévia, na LGT e no CPPT, não pode proceder, visto que se trata do cumprimento do princípio de proteção da participação dos administrados no procedimento administrativo, com consagração constitucional, no artigo 267.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, o qual não pode ser dispensado, nomeadamente, mas sem restringir, por razões meramente decorrentes de uma interpretação sistemática da lei, sem uma concreta e especificada reflexão, que permita concluir pela existência ou não de direitos ou interesses legítimos afetados aos particulares, pela ação da administração pública.

B. O argumento da natureza processual do processo de execução fiscal também não colhe, visto que o acórdão proferido pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, melhor identificado na douta sentença, decidiu que não existem razões ponderosas que dispensem a audiência prévia quando estamos perante atos a praticar pela Autoridade Tributária, no âmbito da execução fiscal, que não tenham natureza urgente.

C. O argumento de que o requerimento da aqui Recorrida (datado de 30-10-2019) mais não pretende do que obstar à venda dos bens penhorados, ainda que demonstrado – o que não aconteceu –, não constitui fundamento para que a decisão do Tribunal a quo fosse alterada, em virtude de se tratar do cumprimento de uma formalidade essencial (dever de audição prévia).

D. O argumento de que o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo não era aplicável aos presentes autos não pode proceder, visto que, no requerimento de 30-10-2019, foi pedido o reconhecimento da ilegalidade das penhoras, por excessivas, bem como a suspensão dos processos executivos, pelo que, se torna evidente que se trata de uma situação análoga à que consta nos autos que deram origem ao acórdão do Supremo Tribunal Administrativo em apreço.

Os recursos foram admitidos, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do CPPT, que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento aos recursos.

Com dispensa dos vistos legais, atenta a sua natureza urgente (art.º 657.º, n.º 4, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Verifica-se erro de julgamento quanto à exceção do caso julgado, por falta de verificação dos respetivos pressupostos?

b) A sentença recorrida padece nulidade, por falta de fundamentação de direito?

c) Verifica-se erro de julgamento, no tocante à violação do direito de audição, por não ser exigível in casu?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

1. A Reclamante é proprietária do prédio urbano sito em Santa Clara, Lote…., Quinta do Pisão, Parceiros, Concelho de Leiria, descrito no registo predial sob o n.º 2…. e inscrito na matriz predial urbana sob os artigos 3…. e 3….., com o valor patrimonial tributário, respetivamente, de 26.220,00€ e 699.130,00€ - cfr. certidão permanente, a fls. 28 a 32 dos autos (sempre em suporte de papel).

2. Em 01 de abril de 2011, através da Ap. n.º 3308, foi registada sobre o imóvel identificado no número antecedente, hipoteca voluntária constituída a favor do “D…… (Portugal) S.A.”, “G…… – S….., S.A.” e “A….. – S…, S.A.”, para garantia do valor de capital de 1.749.999,00€ - cfr. certidão permanente, a fls. 28 a 32 dos autos.

3. Em 03 de novembro de 2011, através da Ap. n.º 3045, foi registada sobre o imóvel identificado em 1), hipoteca legal constituída a favor do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social I.P., para garantia do valor de capital de 89.609,55€ - cfr. certidão permanente, a fls. 28 a 32 dos autos.

4. Em 20 de agosto de 2012, através da Ap. n.º 1863, foi registada sobre o imóvel identificado em 1), hipoteca legal constituída a favor do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social I.P., para garantia do valor de capital de 61.60132€ - cfr. certidão permanente, a fls. 28 a 32 dos autos.

5. Em 26 de outubro de 2012, através da Ap. n.º 3004 foi registada sobre o imóvel identificado em 1), hipoteca legal constituída a favor do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social I.P., para garantia do valor de capital de 14.197,11€ - cfr. certidão permanente, a fls. 28 a 32 dos autos.

6. Em 07 de janeiro de 2013, através da Ap. n.º 1056, foi registada sobre o imóvel identificado em 1), hipoteca voluntária constituída a favor do “Banco….. S.A.” e “G…. – S…., S.A.”., para garantia do valor de capital de 333.333,34€ - cfr. certidão permanente, a fls. 28 a 32 dos autos.

7. Em 26 de março de 2013, através da Ap. n.º 3004 foi registada sobre o imóvel identificado em 1), hipoteca voluntária constituída a favor do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social I.P., para garantia do valor de capital de 27.732,25€ - cfr. certidão permanente, a fls. 28 a 32 dos autos.

8. Em 18 de julho de 2014, através da Ap. n.º 1833, foi registada sobre o imóvel identificado em 1) hipoteca voluntária constituída a favor do “Banco ….., S.A.”, para garantia do valor de capital de 450.000,00€ - cfr. certidão permanente, a fls. 28 a 32 dos autos.

9. Em 21 de novembro de 2014, através da Ap. n.º 122, foi registada sobre o imóvel identificado em 1), hipoteca voluntária constituída a favor de “P….. – I….., Lda”, para garantia do valor de capital de 395.981,79€ - cfr. certidão permanente, a fls. 28 a 32 dos autos.

10. Em 16 de março de 2017 foi elaborado auto de penhora sobre o prédio identificado em 1), no âmbito dos processos de execução fiscal n.º 138… e apensos, n.º 138…., n.º 138…., 138…. e apensos, n.º 138….., n.º 138…… e apensos, tendo em vista a cobrança coerciva de dívida no valor total 32.147,13€ - cfr. auto, constante de fls. 60 dos autos de Reclamação de ato do órgão n.º 5/20.5BELERA no SITAF.

11. A penhora identificada no número antecedente foi registada através da Ap. n.º 3018, em 20 de março de 2017 – cfr. certidão permanente, a fls. 28 a 32 dos autos.

12. Na mesma data, 20 de março de 2017, através da Ap. n.º 3021, foi registada a penhora do imóvel identificado em 1), no âmbito dos processos de execução fiscal n.º 138….., n.º 138….. e n.º 138…., tendo em vista a cobrança coerciva de dívida no valor total 123.678,60€ - cfr. certidão permanente, a fls. 28 a 32 dos autos.

13. A penhora identificada em 10) foi comunicada à Reclamante através do ofício n.º 112, o qual foi entregue em 02 de setembro de 2019 - cfr. ofício, constante de fls. 60 dos autos de Reclamação de ato do órgão n.º 5/20.5BELERA no SITAF.

14. Em 18 de abril de 2017, através da Ap. n.º 1402, foi registada sobre o imóvel identificado em 1) penhora a favor do “D….. (Portugal), S.A.”, no âmbito do processo de execução n.º 566/17.6T8PBL, instaurado para cobrança de dívida no valor de 252.035,10€, resultante da hipoteca identificada em 2) - cfr. certidão permanente, a fls. 28 a 32 dos autos.

15. Em 05 de maio de 2017, através da Ap. n.º 2299, foi registada sobre o imóvel identificado em 1), penhora a favor do “N…., S.A.”, no âmbito do processo de execução n.º 1027/17.9T8PBL, instaurado para cobrança de dívida no valor de 197.647,32€, resultante da hipoteca identificada em 6) – cfr. certidão permanente, certidão permanente, a fls. 28 a 32 dos autos.

16. Em 28 de outubro de 2019 foi celebrado entre a Reclamante e a Sociedade “S…., S.A.” contrato-promessa de compra e venda tendo como objeto o prédio identificado em 1) – cfr. contrato promessa de compra e venda, a fls. 70-v a 82 dos autos.

17. Em 30 de outubro de 2019 a Reclamante apresentou junto do Serviço de Finanças de Leiria 1 requerimento a solicitar a sustação dos processos de execução fiscal, o reconhecimento da ilegalidade das penhoras, por excessivas, e a suspensão dos processos de execução fiscal por força da outorga de contrato-promessa de compra do imóvel - cfr. requerimento, a fls. 40 a 48 dos autos.

18. Em 22 de novembro de 2019 foi elaborada informação pelo Serviço de Finanças de Leiria 1 a propor o indeferimento do requerimento identificado no número antecedente, da qual se extrai o seguinte teor: “As condições de suspensão de execução fiscal estão previstas no art.º 169.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, não sendo nenhuma das invocadas pelo contribuinte. A proibição de moratória da execução está especificamente prevista no art.º 85.º do CPPT.” - cfr. informação, a fls. 21 e 21-v dos autos em suporte físico da Reclamação n.º 5/20.5BELRA.

19. Na mesma data, 22 de novembro de 2019, foi proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças de Leiria 1 a indeferir o requerimento identificado em 1), com o seguinte teor: “Considerando os fundamentos vertidos na informação e, atendendo que não estão reunidos os requisitos legalmente previstos para a suspensão dos autos, indefiro o pedido por falta de enquadramento legal.” - cfr. informação, a fls. 21 dos autos em suporte físico da Reclamação n.º 5/20.5BELRA.

20. A Reclamação n.º 5/20.5BELRA foi remetida por correio registado ao Serviço de Finanças de Leiria 1 em 11 de novembro de 2019, tendo dado entrada neste Tribunal em 02 de janeiro de 2020, cuja petição inicial de Reclamação foi deduzida contra o despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Leiria 1, datado de 22 de novembro de 2011 e melhor identificado no ponto antecedente, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, pelo qual, pediram, a final, a revogação do aludido despacho, e que fosse “a) ordenado o levantamento da penhora que recai sobre o prédio urbano sito em Santa Clara, Lote …., Quinta do Pisão, Parceiros de Leiria, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o n.º 2…, da freguesia de Parceiros, e inscrito na matriz predial urbana sob os artigos n.º 3…. e n.º 3…, da união das freguesia de Parceiros e Azoia, por a mesma ser ilegal; b) Ou, subsidiariamente, ordenada a suspensão dos processos de execução fiscal até à concretização do contrato-promessa de compra e venda, que permitirá o RESSARCIAMENTO integral das quantias que se mostrem devidas aos cofres do Estado (Autoridade Tributária e Segurança Social)” cfr. petição inicial, a fls. 11 dos autos do processo de Reclamação de atos do órgão n.º 5/20.5BELRA no SITAF.

21. Por decisão proferida em 10 de março de 2020 no processo de Reclamação de atos do órgão n.º 5/20.5BELRA, foi julgada improcedente a exceção de caducidade do direito de ação e de impropriedade do meio processual, e ainda, improcedente, por não provada, a referida Reclamação, com a manutenção do ato reclamado e melhor descrito no ponto 19) deste probatório – cfr. sentença, a fls. 232 dos autos do processo de Reclamação de atos do órgão n.º 5/20.5BELRA no SITAF.

22. Em 19 de julho de 2020 foi proferido Acórdão pelo Tribunal Central Administrativo do Sul, que concedeu provimento ao Recurso da decisão referida no ponto anterior, com a consequente anulação da decisão reclamada, por a mesma ser ilegal, por falta de fundamentação – cfr. Acórdão, a fls. 338 dos autos do processo de Reclamação de atos do órgão n.º 5/20.5BELRA no SITAF.

23. Na sequencia da decisão proferida pelo Acórdão ora referido, em 29 de novembro de 2020 foi elaborada informação pelo Serviço de Finanças de Leiria 1, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e da qual se extrai o seguinte teor: “B- Em conclusão: Da sustação ou suspensão dos autos: Da análise da informação residente na base de dados na AT, e como bem conhece a executada, conclui-se que, nesta data não constam todos os prazos de exercício tempestivo garantias de caráter impugnatório ou outras, que permitam, sequer, ponderar a suspensão da tramitação da execução fiscal em objeto.

Ao longo da petição e seus articulados, não logrou a executada provar que a causa de pedir tenha sustentabilidade nas normas legais de direito substantivo ou proce4ssual em vigor.

Assim, e em nome do princípio da legalidade a que a AT se encontra vinculada e sem perder de vista que o ónus da prova recai sobre quem invoca o direito, conforme art.º 74º Nº 1 da LGT.

Porque, a tramitação dos auto não nos revela, sem qualquer espécie de duvida que não se encontram cumpridos os pressupostos para a suspensão dos autos no contexto do art.º 169.º, nomeadamente porque:

- Não pende reclamação graciosa.

- Não pende ou se encontra em prazo de dedução de impugnação judicial;

- Não consta a pende proce4dimento de resolução de diferendo no quadro da Convenção de Arbitragem 90/436/CE de 23 de julho, relativa a dupla tributação ou convenção para evitar dupla tributação.

- Há muito que os prazos de dedução de contencioso foram ultrapassados, pelo que não está em tempo a apresentação de pedido a que se refere o N.º 2 do art.º 169.º

- Não pendem procedimentos de compensação de créditos conforme art.º 90.º e 90.º-A do CPPT.

- A PI em apreciação, não dá conhecimento de qualquer processo ou proce4dimento que implique a suspensão dos autos.

- Não foi apresentada oposição conforme art.º 204.º do CPPT.

- Não foi apresentado pedido de pagamento em prestações conforme art.º 196.º do CPPT.

Será de promover a tramitação dos autos em razão da fase atual, concretamente com a convocação de credores conforme art.º 239.º e seguintes do CPPT, com posterior marcação da venda segundo as modalidades e prazos previstos no CPPT e Código Processo Civil.

Da inutilidade, desproporcionalidade e desadequação da venda dos bens penhorados carater excessivo da penhora do imóvel:

Por tudo o que foi reportado no item 10-, conclui-se, sem qualquer reserva ou duvida que foram integralmente tidos em conta tais princípios na tramitação do processo, tendo como fito a cobrança da dívida em execução e não agressão ilícita do património da executada, que como resulta do art.º 50º da LGT, responde pelas obrigações fiscais.

Da forma de venda

Atenta a fase processual atual, a questão da forma da venda, não pode, nem deve ser posta nesta fase processual.

Mas ainda que assim fosse, não poderemos olvidar o princípio da legalidade a que estamos vinculados, com integral respeito pela via determinada no CPPT que, de forma imperativa, indica a forma da venda de bens na execução fiscal, assim como o valor base para a venda, não constituindo tal opção uma faculdade do Órgão da execução. (…)” – cfr. informação, a fls. 14 a 35 dos autos.

24. Na mesma data, 22 de novembro de 2019, foi proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças de Leiria 1 a indeferir o requerimento identificado no ponto 17), com o seguinte teor: “Vem os autos conclusos para reapreciação da petição apresentada neste Serviço de Finanças em 30 de outubro de 2010, pela executada, e cujo teor se da aqui por integralmente reproduzido.

A reapreciação surge por imposição da douta decisão judicial, chamando agora à colação, a motivação e justificação do sentido da decisão, tendo presente que não está em causa a impossibilidade de manutenção do sentido da decisão de indeferimento total do pedido, conforme despacho controvertido.

Assim, e atento o teor integral da informação que antecede cujo teor se dá aqui por reproduzido.

Validando integralmente a argumentação que está na base da proposta de decisão.

Porque, não logrou a reclamante fundamentar a causa de pedir em factos processuais concretos ou normas de direito processual que a sustentassem.

Em nome do princípio da legalidade e da proibição da moratória.,

Tendo em conta o ónus da prova compete a quem os argui.

Concluindo-se pela bondade da condução do processo de execução fiscal em objeto.

No uso das competências delegadas pelo Órgão da execução.

Indefiro totalmente o pedido de suspensão dos autos, considerando que a penhora efetuada não ofende os princípios da proporcionalidade e adequação ao fim da execução reiterando a manifesta utilidade para o redor do art.º 276.º do CPPT.

Decorrido o prazo sem que seja desencadeado o meio de reação do art.º 276º do CPPT, faça conclusos para a promoção de marcação de venda, com prévia de credores, por imperativo do disposto no art.º 239.º e seguintes do CPPT” - cfr. despacho, a fls. 35 e 36 dos autos.

25. Através do ofício datado de 30 de setembro de 2020 foi o Mandatário da Reclamante notificado da informação e despacho aludidos no ponto anterior – cfr. ofício e talão de aceitação, a fls. 35-v a 36 dos autos.

26. Com referência à garantia prestada a favor do “D… S.A.”, identificada em 2), o valor em dívida em 2016 era de 881.567,83€ - cfr. requerimento executivo, a fls. 55-v a 57 dos autos.

27. Com referência à garantia prestada a favor do “B…., S.A.”, posteriormente transferida para o “N…. S.A.”, identificada em 6), o valor em dívida em 2016 era de 197.647,32€ - cfr. requerimento executivo, a fls. 58 a 60 dos autos.

28. Com referência à garantia prestada a favor do “B…., S.A.”, identificada em 8), o valor em dívida em 2016 era de 551.058,72€ - cfr. requerimentos executivos, a fls. 60-v a 62 e 62-v a 65 dos autos.

29. A presente Reclamação de ato do órgão foi remetida por correio registado ao Serviço de Finanças de Leiria 1 em 11 de novembro de 2019, tendo dado entrada neste Tribunal em 02 de janeiro de 2020, cuja petição inicial de Reclamação foi deduzida contra o despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Leiria 1, datado de 22 de novembro de 2011 e melhor identificado no ponto 24) supra, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, pelo qual, pediram, a final, a revogação do aludido despacho, e que fosse “a) ordenado o levantamento da penhora que recai sobre o prédio urbano sito em Santa Clara, Lote …., Quinta do Pisão, Parceiros de Leiria, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o n.º 2…., da freguesia de Parceiros, e inscrito na matriz predial urbana sob os artigos n.º 3…. e n.º 3…., da união das freguesia de Parceiros e Azoia, por a mesma ser ilegal; b) Ou, subsidiariamente, ordenada a suspensão dos processos de execução fiscal até à concretização do contrato-promessa de compra e venda, que permitirá o RESSARCIAMENTO integral das quantias que se mostrem devidas aos cofres do Estado (Autoridade Tributária e Segurança Social)” cfr. petição inicial, a fls. 11 dos autos do processo de Reclamação de atos do órgão n.º 5/20.5BELRA no SITAF”.

II.B. Refere-se, ainda, na sentença recorrida:

Factos não provados

Não existem quaisquer outros factos que importe fixar como não provados”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A decisão da matéria de facto provada efetuou-se com base no exame dos documentos constantes dos autos e conforme é especificado nos vários pontos do probatório supra”.

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, e considerando o disposto no art.º 249.º do Código Civil, corrigem­-se os lapsos constantes dos factos 20, 23 e 24 supratranscritos, que passarão a ter a seguinte redação:

20. A Reclamação n.º 5/20.5BELRA foi remetida por correio registado ao Serviço de Finanças de Leiria 1 em 11 de novembro de 2019, tendo dado entrada neste Tribunal em 02 de janeiro de 2020, cuja petição inicial de Reclamação foi deduzida contra o despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Leiria 1, datado de 22 de novembro de 2019 e melhor identificado no ponto antecedente, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, pelo qual, pediram, a final, a revogação do aludido despacho, e que fosse “a) ordenado o levantamento da penhora que recai sobre o prédio urbano sito em Santa Clara, Lote …., Quinta do Pisão, Parceiros de Leiria, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o n.º 2…., da freguesia de Parceiros, e inscrito na matriz predial urbana sob os artigos n.º 3 …. e n.º 3 ….., da união das freguesia de Parceiros e Azoia, por a mesma ser ilegal; b) Ou, subsidiariamente, ordenada a suspensão dos processos de execução fiscal até à concretização do contrato-promessa de compra e venda, que permitirá o RESSARCIAMENTO integral das quantias que se mostrem devidas aos cofres do Estado (Autoridade Tributária e Segurança Social)” cfr. petição inicial, a fls. 11 dos autos do processo de Reclamação de atos do órgão n.º 5/20.5BELRA no SITAF.

23. Na sequencia da decisão proferida pelo Acórdão ora referido, em 29 de setembro de 2020 foi elaborada informação pelo Serviço de Finanças de Leiria 1, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e da qual se extrai o seguinte teor: “B- Em conclusão: Da sustação ou suspensão dos autos: Da análise da informação residente na base de dados na AT, e como bem conhece a executada, conclui-se que, nesta data não constam todos os prazos de exercício tempestivo garantias de caráter impugnatório ou outras, que permitam, sequer, ponderar a suspensão da tramitação da execução fiscal em objeto.

Ao longo da petição e seus articulados, não logrou a executada provar que a causa de pedir tenha sustentabilidade nas normas legais de direito substantivo ou proce4ssual em vigor.

Assim, e em nome do princípio da legalidade a que a AT se encontra vinculada e sem perder de vista que o ónus da prova recai sobre quem invoca o direito, conforme art.º 74º Nº 1 da LGT.

Porque, a tramitação dos auto não nos revela, sem qualquer espécie de duvida que não se encontram cumpridos os pressupostos para a suspensão dos autos no contexto do art.º 169.º, nomeadamente porque:

- Não pende reclamação graciosa.

- Não pende ou se encontra em prazo de dedução de impugnação judicial;

- Não consta a pende procedimento de resolução de diferendo no quadro da Convenção de Arbitragem 90/436/CE de 23 de julho, relativa a dupla tributação ou convenção para evitar dupla tributação.

- Há muito que os prazos de dedução de contencioso foram ultrapassados, pelo que não está em tempo a apresentação de pedido a que se refere o N.º 2 do art.º 169.º

- Não pendem procedimentos de compensação de créditos conforme art.º 90.º e 90.º-A do CPPT.

- A PI em apreciação, não dá conhecimento de qualquer processo ou procedimento que implique a suspensão dos autos.

- Não foi apresentada oposição conforme art.º 204.º do CPPT.

- Não foi apresentado pedido de pagamento em prestações conforme art.º 196.º do CPPT.

Será de promover a tramitação dos autos em razão da fase atual, concretamente com a convocação de credores conforme art.º 239.º e seguintes do CPPT, com posterior marcação da venda segundo as modalidades e prazos previstos no CPPT e Código Processo Civil.

Da inutilidade, desproporcionalidade e desadequação da venda dos bens penhorados carater excessivo da penhora do imóvel:

Por tudo o que foi reportado no item 10-, conclui-se, sem qualquer reserva ou duvida que foram integralmente tidos em conta tais princípios na tramitação do processo, tendo como fito a cobrança da dívida em execução e não agressão ilícita do património da executada, que como resulta do art.º 50º da LGT, responde pelas obrigações fiscais.

Da forma de venda

Atenta a fase processual atual, a questão da forma da venda, não pode, nem deve ser posta nesta fase processual.

Mas ainda que assim fosse, não poderemos olvidar o princípio da legalidade a que estamos vinculados, com integral respeito pela via determinada no CPPT que, de forma imperativa, indica a forma da venda de bens na execução fiscal, assim como o valor base para a venda, não constituindo tal opção uma faculdade do Órgão da execução. (…)” – cfr. informação, a fls. 14 a 35 dos autos.

24. Na mesma data, 29 de setembro de 2020, foi proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças de Leiria 1 a indeferir o requerimento identificado no ponto 23., com o seguinte teor: “Vem os autos conclusos para reapreciação da petição apresentada neste Serviço de Finanças em 30 de outubro de 2019, pela executada, e cujo teor se da aqui por integralmente reproduzido.

A reapreciação surge por imposição da douta decisão judicial, chamando agora à colação, a motivação e justificação do sentido da decisão, tendo presente que não está em causa a impossibilidade de manutenção do sentido da decisão de indeferimento total do pedido, conforme despacho controvertido.

Assim, e atento o teor integral da informação que antecede cujo teor se dá aqui por reproduzido.

Validando integralmente a argumentação que está na base da proposta de decisão.

Porque, não logrou a reclamante fundamentar a causa de pedir em factos processuais concretos ou normas de direito processual que a sustentassem.

Em nome do princípio da legalidade e da proibição da moratória.,

Tendo em conta o ónus da prova compete a quem os argui.

Concluindo-se pela bondade da condução do processo de execução fiscal em objeto.

No uso das competências delegadas pelo Órgão da execução.

Indefiro totalmente o pedido de suspensão dos autos, considerando que a penhora efetuada não ofende os princípios da proporcionalidade e adequação ao fim da execução reiterando a manifesta utilidade para o redor do art.º 276.º do CPPT.

Decorrido o prazo sem que seja desencadeado o meio de reação do art.º 276º do CPPT, faça conclusos para a promoção de marcação de venda, com prévia de credores, por imperativo do disposto no art.º 239.º e seguintes do CPPT” - cfr. despacho, a fls. 35 e 36 dos autos.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento quanto à exceção do caso julgado

Insurgem-se ambas as Recorrentes contra a decisão proferida pelo Tribunal a quo, na parte em que julgou verificada a exceção de caso julgado material, entendendo ambas que a mesma não se verifica.

Vejamos então.

No caso, o Tribunal a quo suscitou, oficiosamente, a exceção do caso julgado, em despacho proferido a 04.03.2021, tendo ambas as partes manifestado o entendimento de que tal exceção não se verificava.

Em sede de sentença, foi considerado verificar-se tal exceção, tendo o Tribunal a quo, para o efeito, tido o seguinte discurso fundamentador:

“Compulsadas ambas as petições iniciais, verifica-se que a causa de pedir é idêntica nas duas ações, traduzindo-se na nulidade, por falta de fundamentação de facto e de direito, na ilegalidade da penhora por ser desproporcional e excessiva, no manifesto interesse da Autoridade Tributária na venda por negociação particular e no preenchimento dos pressupostos para a suspensão dos processos de execução fiscal.

Mas apenas quanto às referidas causas de pedir existe identidade, com exceção da arguida nulidade do despacho reclamado, por preterição de formalidade essencial de audiência prévia.

Portanto, apenas ocorre a identidade (ainda que parcial) das causas de pedir ora enunciados, que foram objeto de análise em sede de decisão em primeira instancia no âmbito do processo de Reclamação de ato do órgão n.º 5/20.5BELRA, que por sua vez foi objeto de recurso para o Tribunal Central Administrativo do Sul, que concluiu pela manifesta insuficiência da fundamentação do despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Leiria 1 em 22 de novembro de 2019, que por sua vez, proferiu novo despacho em 29 de setembro de 2020, em cumprimento da referida decisão com vista ao suprimento das deficiências da fundamentação do primeiro despacho de indeferimento.

Portanto, não há duvidas que o efeito jurídico na relação material controvertida que subjaz às presentes ações de Reclamação é o mesmo, por apreciação das mesmas causas de pedir, com a consequente revogação dos despachos proferidos pelo Chefe do Serviço de Finanças de Leiria 1 em 22 de dezembro de 2019 e em 29 de setembro de 2020.

Face ao exposto, conclui-se que existe caso julgado nos presentes autos em relação ao processo de Reclamação de ato do órgão n.º 5/20.5BELRA, na medida em que as partes são as mesmas, o efeito jurídico pretendido pela Reclamante é o mesmo, sendo que as causas de pedir são idênticas, com a exceção da alegada nulidade, por preterição de formalidade essencial (audiência prévia)”.

Apreciemos então.

Nos termos do art.º 619.º, n.º 1, do CPC:

“1 - Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º”.

Respeita a norma contida nesta disposição legal ao caso julgado material, que ocorre quando a decisão transitada recai sobre o mérito da causa(1).

Assim, a definição dada à relação material controvertida tem força dentro e fora do processo(2).

As exigências de segurança jurídica têm sido apontadas como fundamento primordial do caso julgado material(3), sendo um garante da tendencial imutabilidade das decisões transitadas em julgado, fundamental até em termos de manutenção da paz social.

O caso julgado material pode refletir uma dupla função, negativa ou positiva(4).

Assim, a função negativa do caso julgado material está inerente à exceção de caso julgado, consubstanciando-se no impedimento de a mesma causa ser apreciada pelo Tribunal numa nova ação.

Já a função positiva respeita à chamada autoridade do caso julgado, através da qual se obsta a que a situação jurídica material definida por sentença ou acórdão transitados em julgado possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença ou acórdão(5). Ou seja, a autoridade do caso julgado impõe à segunda decisão de mérito o decidido na primeira como sendo seu pressuposto indiscutível, subjacente a uma relação de prejudicialidade entre o objeto de ambas as decisões(6).

Ora, compulsados os presentes autos e atendendo aos autos n.º 5/20.5BELRA, desde já se adiante que não se verifica uma situação de caso julgado, em qualquer das suas vertentes.

É certo que naquele processo, como neste, estava em causa o mesmo requerimento apresentado pela Reclamante (cfr. facto 17).

É igualmente certo que nestes autos, como naqueles, há uma identidade relativamente ao efeito jurídico pretendido a final pela Reclamante.

No entanto, ao contrário do que refere o Tribunal a quo, nos autos n.º 5/20.5BELRA apenas se formou caso julgado em relação a um vício, o de falta de fundamentação do ato aí reclamado, não tendo sido definida a situação jurídica material nos termos referidos na sentença.

Explicitemos.

Nos autos n.º 5/20.5BELRA, o respetivo objeto era o despacho mencionado em 19 do probatório.

Tal despacho veio a ser anulado, pelo acórdão proferido neste TCAS a 19.07.2020 (cfr. facto 22), no qual, repetimos, foi apenas apreciado o vício de falta de fundamentação, tendo-se considerado prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas (onde se inclui o excesso de penhora e a existência de previsão legal para a pretensão da Reclamante quanto à sustação do PEF).

Anulado o despacho reclamado por vício de falta de fundamentação e admitindo esta anulação renovação do ato, desprovido do vício imputado, foi proferido novo ato (cfr. factos 23 e 24). É este segundo ato aquele que está aqui em apreciação.

Ora, tal é bastante para se considerar inexistir caso julgado, porquanto o objeto de um e outro processo são distintos atos e a situação jurídica material não ficou definida nos autos 5/20.5BELRA nos termos referidos pelo Tribunal a quo. Como já mencionamos, apenas se formou caso julgado material em relação ao vício de falta de fundamentação do primeiro dos atos, vício esse, como referimos, passível de sanação.

Tendo sido proferido novo ato, é em relação este que têm de ser apreciadas as ilegalidades ora imputadas pela Reclamante, não se vislumbrando qualquer relação de prejudicialidade entre a primeira decisão proferida e a decisão a proferir nos presentes autos.

A circunstância de as questões suscitadas pela Reclamante nos presentes autos serem, em parte, idênticas às suscitadas no processo n.º 5/20.5BELRA apenas reflete o facto de aquela ter considerado que o ato renovado continua a padecer dos vícios que tinham sido imputados ao primitivo ato, entretanto anulado por falta de fundamentação – designadamente considerando que o novo ato padece ele próprio de falta de fundamentação, mas também invocando erro sobre os pressupostos.

Especificamente quanto à falta de fundamentação, tendo sido praticado um novo ato, como novo teor, ao qual a Reclamante imputa novamente esse vício, a circunstância de este TCAS ter decidido que o primeiro dos atos padecia de falta de fundamentação em nada afeta ou condiciona a apreciação desse mesmo vício em relação ao segundo dos atos. Estamos perante alegados vícios de falta de fundamentação de dois atos distintos, que exigem apreciações distintas.

Como tal, não se verificam os pressupostos inerentes à verificação de caso julgado, assistindo, pois, razão às Recorrentes nesta parte.

Passemos à apreciação do alegado pela 2.ª Recorrente, quanto à nulidade da sentença e quanto ao erro de julgamento no tocante à preterição do direito de audição prévia.

III.B. Da nulidade da sentença, por falta de fundamentação

Considera a 2.ª Recorrente que a sentença recorrida padece de nulidade, por falta de fundamentação, em virtude de assentar num acórdão não aplicável ao caso em apreço.

Nos termos do art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, constitui nulidade da sentença a não especificação dos fundamentos de facto e de direito [cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC].

A nulidade por não especificação dos fundamentos de facto e de direito abrange as situações de falta absoluta de fundamentação de facto ou de direito(7).

A lei processual exige, com efeito, que a sentença esteja cabalmente fundamentada, de facto e de direito, como resulta, desde logo, do disposto no art.º 123.º, n.º 2, do CPPT, bem como no art.º 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, por forma a que seja perfeitamente apreensível o itinerário cognoscitivo percorrido, fundamental para a sua adequada compreensão e eventual impugnação.

Nas palavras de Alberto dos Reis(8), “[u]ma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas; é uma peça sem base”.

Não obstante cumpre distinguir a não especificação dos fundamentos de facto e de direito, que se configura como nulidade da sentença, nos termos já referidos, da existência de algumas insuficiências ou deficiências na fundamentação de facto e de direito.

“O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.// Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto(9) .

Ora, in casu, não se pode afirmar que haja omissão dos fundamentos de direito em que decisão assenta.

Com efeito, o Tribunal a quo explanou o seu itinerário cognoscitivo de forma suficiente. A circunstância de a 2.ª Recorrente considerar que a jurisprudência em que a 1.ª instância se sustentou não é aplicável in casu prende-se com o eventual erro de julgamento (que apreciaremos infra), e não com a nulidade da sentença.

Como tal, não se verifica a nulidade assacada pela 2.ª Recorrente à sentença recorrida.

III.C. Do erro de julgamento, no tocante à preterição do direito de audição

Considera, por outro lado, a 2.ª Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que:

a) Face à sistematização dos diplomas legais aplicáveis – LGT e CPPT – o processo executivo tem capítulos próprios, autonomizados do procedimento administrativo, e aplicam-se, subsidiariamente, as normas do CPC, no processo executivo;

b) Os despachos proferidos na execução fiscal são sindicáveis com recurso ao processo previsto no art.º 276.º do CPPT;

c) Está em causa um despacho relativo a matéria de pura tramitação processual, que assim é passível, como foi, de reclamação nos termos do referido art.º 276.º do CPPT;

d) São caraterísticas do PEF a tramitação específica, autónoma e célere, não se concebendo que o legislador pretendesse impor nesta tramitação um conjunto de obrigações mais exigente que o exigido no processo de execução comum, regulado no CPC.

Vejamos então.

O PEF é um processo de natureza judicial (cfr. art.º 103.º, n.º 1, da LGT), “sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos atos que não tenham natureza jurisdicional”.

Assim, desde logo, há uma distinção entre processo de execução fiscal e procedimento administrativo tributário.

O PEF, como qualquer processo, define-se como uma sucessão ordenada de atos visando a obtenção de um determinado fim, no caso a cobrança coerciva de determinadas dívidas (cfr. o art.º 148.º do CPPT).

Atenta a circunscrição constante do mencionado art.º 103.º da LGT, caberá aos Tribunais Tributários a prática, no âmbito destes processos, dos atos de natureza jurisdicional, cabendo aos órgãos da administração tributária os demais(10).

A este propósito, é de chamar à colação o disposto no art.º 10.º, n.º 1, al. f), do CPPT, nos termos do qual “… [a]os serviços da administração tributária cabe: (…) f) Instaurar os processos de execução fiscal e realizar os atos a estes respeitantes, salvo os previstos no n.º 1 do artigo 151.º do presente Código”.

O legislador optou por atribuir a “um órgão administrativo competência funcional para agir como agente ou operador auxiliar do juiz na realização da função executiva, praticando todos os actos inscritos nesse meio processual, tendo em vista a agilização do processo e a obtenção da maior eficácia na arrecadação de receitas do Estado, libertando o juiz de todos os actos que não envolvam uma função materialmente jurisdicional”(11).

Neste contexto, os órgãos da administração tributária (AT) podem praticar, no âmbito da execução fiscal, atos de natureza processual(12) [podendo, estes últimos, consubstanciar-se em meras operações materiais ou em atos processuais de natureza não jurisdicional (v.g. citação, venda)].

No entanto, nesse mesmo âmbito, podem também ser praticados atos materialmente administrativos, como resulta do n.º 2 do art.º 103.º da LGT (nos termos do qual: “[é] garantido aos interessados o direito de reclamação para o juiz da execução fiscal dos atos materialmente administrativos praticados por órgãos da administração tributária”).

Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 05.12.2018 (Processo: 0705/18.0BELRA):

“[C]onstitui já jurisprudência consolidada do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo o entendimento de que no processo de execução fiscal – que tem natureza judicial (cfr. art. 103.º da LGT) – a AT intervém quer como órgão de execução fiscal, praticando actos processuais sem natureza jurisdicional, quer como sujeito activo da relação tributária que deu origem à dívida exequenda, praticando actos administrativos tributários.

(…) [No caso de acto administrativo em matéria tributária, a] decisão fica, por isso, sujeita aos princípios e normas que disciplinam a actividade administrativa tributária, designadamente aos que se referem ao princípio da participação, a assegurar mediante a notificação para o exercício do direito de audiência prévia (cfr. art. 60.º da LGT, art. 45.º do CPPT e art. 121.º do CPA) – cf. neste sentido, Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 29.06.2018, recurso 312/18 e da Secção de Contencioso Tributário de 11.07.2012, recurso 730/12” (sublinhado nosso).

Portanto, ao contrário do que refere a 2.ª Recorrente, nem todos os atos praticados pela AT num determinado PEF têm natureza processual, sendo aí praticados atos de natureza administrativa, sujeitos à disciplina dos atos administrativos tributários, quando a mesma atue nas vestes de sujeito ativo da relação tributária que deu origem à dívida exequenda.

Por outro lado, os atos praticados no PEF, independentemente da sua natureza (processual ou de natureza administrativa), podem ser objeto de controlo jurisdicional.

Chama-se a este respeito à colação o Acórdão do Pleno do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 16.09.2018 (Processo: 01419/17.3BESNT 0312/18), no qual, por referência ao aí acórdão recorrido, se escreveu:

“[T]odos estes actos estão sempre sujeitos ao controlo judicial, como resulta do disposto no art. 103.º, n.º 2, da LGT, controlo que, quando efectuado a pedido dos interessados, se concretiza através do meio processual previsto no art. 276.º do CPPT e que o legislador denominou reclamação. É através desse meio que os interessados (executado ou outros) podem reagir contra todos os actos praticados por órgãos administrativos no âmbito da execução fiscal, independentemente da natureza que estes possam revestir. Aliás, é essa diversidade da natureza dos actos praticados pela AT na execução fiscal que gera as consabidas dificuldades de conceptualização deste meio processual”.

Portanto, a circunstância de se poder lançar mão do processo previsto no art.º 276.º do CPPT não leva a que se conclua estarmos, inelutavelmente, perante atos processuais.

Feito este introito, apreciemos então.

No caso, a Reclamante apresentou junto do Serviço de Finanças de Leiria 1 um requerimento, a 30.10.2019, onde, em síntese, pede a sustação dos processos de execução fiscal, o reconhecimento da ilegalidade das penhoras, por excessivas, e a suspensão dos processos de execução fiscal por força da outorga de contrato-promessa de compra do imóvel (cfr. facto 17).

Este requerimento veio a ser apreciado, dando origem a informação datada de 29.09.2020 (cfr. facto 23) e a despacho da mesma data, indeferindo o pretendido.

A primeira questão que se coloca é a de saber se estamos perante um ato processual, como defende a 2.ª Recorrente, ou perante um ato administrativo tributário, como considerou o Tribunal a quo.

Desde já se adiante que se considera estar perante um ato administrativo tributário, porquanto aqui a AT surge-nos a atuar não como auxiliar do juiz tributário, mas nas vestes de sujeito ativo da relação tributária que deu origem à dívida exequenda.

Veja-se, antes de mais, que estamos a falar de um ato, proferido na sequência de requerimento apresentado pela Reclamante em que, além do pedido de declaração de ilegalidade da penhora, é requerida a suspensão do PEF.

Atendendo a esse contexto, o ato reclamado não se configura com um ato meramente processual, mas como um ato administrativo tributário.

Em situação onde estava justamente em causa um pedido de suspensão do processo formulado por um executado, diz-nos o Supremo Tribunal Administrativo [Acórdão de 25.01.2017 (Processo: 012/17)]:

“Quando o órgão da execução fiscal aprecia e decide o pedido de suspensão da execução fiscal e afere da necessária constituição ou prestação de garantia, ou dispensa da mesma, está a praticar um acto administrativo, um acto que decorre do exercício de poderes jurídico-administrativos e que visa a produção de efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta [cfr. art. 148.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA)]. O acto reclamado constitui, pois, um acto de natureza administrativa, a que têm de ser aplicados os requisitos procedimentais exigidos para tal tipo de actos (…).

Dito de outro modo, da natureza judicial que a lei atribui ao processo de execução fiscal não resulta que os actos praticados pela AT no âmbito desse processo e que não se confinem à mera tramitação do processo percam a sua natureza de actos materialmente administrativos em matéria tributária”.

Aliás, é este o entendimento subjacente ao Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 09.07.2020 (Processo: 5/20.5BELRA), a que já fizemos referência anteriormente e cujo objeto foi o despacho mencionado em 19.

Assim sendo, estamos perante um ato administrativo tributário, sujeito aos princípios inerentes ao procedimento administrativo, designadamente o princípio da participação dos administrados.

A circunstância de haver uma sistematização da LGT e do CPPT no sentido de se operar uma distinção entre procedimento administrativo e processo executivo não afeta o referido, porquanto o que sucede é pode haver um ou mais procedimentos administrativos tributários enxertados ou a correr em paralelo com o processo executivo [cfr., v.g., o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 04.11.2020 (Processo: 0289/20.9BEALM), a propósito do procedimento de dispensa de prestação de garantia, e o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 26.09.2018 (Processo: 01419/17.3BESNT 0312/18), a propósito do procedimento de constituição de hipoteca].

Por outro lado, não colhe igualmente o argumento de estarmos perante um procedimento de tramitação célere, não se concebendo que o legislador pretendesse impor nesta tramitação um conjunto de obrigações mais exigente que o exigido no processo de execução comum.

Com efeito, e sublinhando, nos termos já referidos, que estamos perante um ato administrativo, tal implica um respeito pelos princípios inerentes ao procedimento administrativo tributário, onde se inclui o direito de participação.

Ora, o direito de audição prévia decorre do desiderato constitucional consubstanciado no direito de participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas que lhes disserem respeito, consagrado no art.º 267.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

É certo que a lei, em termos de procedimento, determina a dispensa da audiência de interessados no caso em que a decisão seja urgente [cfr. art.º 124.º, n.º 1, al. a), do Código do Procedimento Administrativo].

No entanto, o caso dos autos não está legalmente configurado como sendo uma situação que o legislador configurou como urgente.

Chama-se a este respeito à colação o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 16.03.2016 (Processo: 01315/14), cuja doutrina consideramos, tal como o Tribunal a quo, transponível in casu, porque respeitante a atos administrativos praticados pela AT num contexto de execução fiscal. Neste acórdão, distinguindo-se os atos administrativos tributários praticados em sede de execução fiscal de natureza urgente dos de natureza não urgente, refere-se:

“No presente caso (…) está em causa (…) o indeferimento do pedido de suspensão da execução fiscal fundamentado em oferecimento de uma determinada garantia (concretizada na indicação de bens à penhora) considerada não idónea.

(…) O pedido de suspensão da execução fiscal mediante o oferecimento de bens à penhora não reveste por lei natureza urgente (ao contrário do que sucede com o pedido de dispensa de prestação de garantia –artº 170º nº 4 do CPPT). Neste sentido se tem pronunciado este STA como de forma conhecedora se refere no acórdão recorrido, vide Acs de 04/12/2013 e de 06/03/2014 respectivamente nos recursos nºs 01688/13 e 0108/14, sendo que o ora relator subscreveu este último aresto.
Com efeito, há que ter em conta a especialidade do disposto no artigo 170 nº 4 do CPPT que estabelece urgência na tramitação do procedimento de dispensa de prestação de garantia instituindo um prazo curto de 10 dias e tal exigência mostra-se incompatível com o exercício do direito de audição que dilataria, anormalmente, o prazo de decisão. E, por isso(…), a preterição de tal formalidade degradar-se-á de formalidade essencial em não essencial pois a urgência desse procedimento determina até a sua dispensa face ao disposto no artigo 103º do CPA.

Mas já a decisão sobre o requerimento no qual foi oferecida garantia não tem natureza urgente na medida em que a lei nada dispõe sobre a urgência do seu procedimento sendo certo que “ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus”. Também o argumento de que o processo de reclamação do artº 276º do CPPT tem natureza urgente o que só por si ditaria a não necessidade de audiência prévia dos actos materialmente administrativos praticados pela Administração Tributária não convence, porque o facto de o processo judicial ter natureza urgente não implica que o acto material anteriormente praticado pela AT tenha origem necessariamente num procedimento urgente como é o da dispensa de garantia.

Assim, ao contrário do que sucede com outros procedimentos tributários enxertados no processo de execução fiscal, aos quais o legislador confere natureza urgente, como é caso paradigmático o do pedido de dispensa de prestação de garantia, previsto no art.º 170.º do CPPT, nada resulta da lei no sentido de que o procedimento em causa nos presentes autos tenha carater urgente. Como tal, é de aplicar a regra de ser exigível o cumprimento da formalidade consubstanciada no exercício do direito de audição.

Refira-se finalmente que se considera que esta falta de cumprimento consubstancia uma irregularidade invalidante.

Sendo certo que a chamada teoria do aproveitamento do ato (há muito acolhida entre a doutrina e a jurisprudência) encontra consagração no art.º 163.º, n.º 5, do Código do Procedimento Administrativo, não se pode afirmar perentoriamente, in casu, que o conteúdo do ato não pudesse ser outro.

Ora, a inoperância da força invalidante do vício que inquina o ato, em virtude da preponderância do conteúdo sobre a forma, só ocorre se se puder afirmar inequivocamente que o ato só podia ter o conteúdo que teve em concreto. Assim, nestes casos, a invalidade não é operante, em virtude da conformidade substancial do ato praticado(13).

No entanto, apenas casuisticamente se consegue aferir se o ato teria o conteúdo que teve, mesmo sem a irregularidade praticada.

Como se refere no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 22.01.2014 (Processo: 0441/13):

“[P]orque a audiência dos interessados se destina essencialmente a permitir a sua participação nas decisões que lhes digam respeito, contribuindo para o cabal esclarecimento dos factos e uma mais adequada e justa decisão, a omissão dessa audição constitui preterição de uma formalidade legal conducente à anulabilidade dessa decisão, a menos que seja manifesto que a decisão viciada só podia, em abstracto, ter o conteúdo que teve em concreto.

Com efeito, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem formado uma sólida orientação no sentido de que os vícios de forma não impõem, necessariamente, a anulação do acto a que respeitam, e que as formalidades procedimentais essenciais se podem degradar em não essenciais se, apesar delas, foi dada satisfação aos interesses que a lei tinha em vista ao prevê-las. Consequentemente, e tendo em conta que a audiência prévia dos interessados não é um mero rito procedimental, a formalidade em causa (essencial) só se podia degradar em não essencial (não invalidante da decisão) se essa audiência não tivesse a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, e se se impusesse, por isso, o aproveitamento do acto – utile per inutile non viciatur.

O que exige um exame casuístico, de análise das circunstâncias particulares e concretas de cada caso”.

Ora, in casu, não se pode concluir, com o grau de certeza exigível, que a decisão que a AT tomaria seria exatamente a mesma que tomou, caso o Recorrido tivesse exercido o seu direito de audição.

Com efeito, não é possível antecipar que argumentos ali seriam suscitados e que prova ali seria produzida, designadamente no que respeita a eventuais pressupostos para a suspensão.

Em suma, verifica-se preterição de formalidade invalidante no presente caso, não assistindo, pois, razão à 2.ª Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Conceder provimento aos recursos, na parte respeitante à exceção do caso julgado, revogando-se a sentença nessa parte e julgando-se, em consequência, não verificada a mencionada exceção;

b) Sem custas nesta parte;

c) No mais, negar provimento ao recurso apresentado pela Fazenda Pública, mantendo-se a sentença recorrida na parte em que anulou o ato reclamado por preterição do direito de audição;

d) Custas nesta parte pela Fazenda Pública;

e) Registe e notifique.


Lisboa, 16 de setembro de 2021


[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores Susana Barreto e Vital Lopes]

Tânia Meireles da Cunha

--------------------------------------------------------------------
(1)Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Vol. V, p. 156.
(2)A este respeito, v. Manuel de Andrade, Noções Elementares de processo Civil, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 1956, p. 285.
(3)A este respeito, v. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Vol. III, p. 94, Manuel de Andrade, ob. cit., pp. 286 e 287, e Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, 1985, Coimbra Editora, Coimbra, p. 705.
(4) V. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Vol. III, p. 93. Distinguindo as situações consoante a relação entre o objeto da decisão transitada e o do processo posterior e, nesse seguimento, discernindo entre situações com relação de identidade, situações com relações de prejudicialidade e situações com relações de concurso, v. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2.ª Ed., Lex, Lisboa, 1997, pp. 574 a 577.
(5)Cfr. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 13.11.2018 (Processo: 4263/16.1T8VCT.G1.S1) e de 27.02.2018 (Processo: 2472/05.8 TBSTR.E1).
(6)V. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26.02.2019 (Processo: 4043/10.8TBVLG.P1.S1) e de 13.11.2018 (Processo: 4263/16.1T8VCT.G1.S1), e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 28.02.2019 (Processo: 2143/05.5BELSB).
(7)V., neste sentido, a título ilustrativo, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 24.01.2018 (Processo: 01411/16), de 25.11.2015 (Processo: 0162/15) e de 04.03.2015 (Processo: 01939/13) e os deste TCAS, de 15.11.2018 (Processo: 1339/10.2BELRA) e de 15.05.2014 (Processo: 07508/14).
(8)Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Vol. V, p. 139.
(9)Alberto dos Reis, ob. cit., p. 140.
(10)V. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 80/2003, de 12.02.2003.
(11)Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23.02.2012 (Processo: 059/12) e sua profunda análise em torno da natureza dos atos praticados no âmbito do processo de execução fiscal.
(12)Para uma abordagem desta distinção, v. os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 11.04.2018 (Processo: 0312/18) e 25.01.2017 (Processo: 012/17) e ampla jurisprudência no mesmo citada.
(13)Cfr. José Carlos Vieira de Andrade, O dever de fundamentação expressa de actos administrativos, Almedina, Coimbra, 2007, pp. 329 a 336. V. a este propósito o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 28.03.2019 (Processo: 24/08.0BELRS).