Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:163/15.0BEFUN
Secção:CT
Data do Acordão:06/29/2017
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:IRS
CONSERVAÇÃO DE DOCUMENTOS
Sumário:I - Nos termos do nº 1 do artigo 128º do CIRS, cabe aos sujeitos passivos comprovar os elementos das declarações, concretamente apresentar os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e abatimentos e de outros factos ou situações mencionadas na respectiva declaração, quando assim for exigido.
II - Tal como interpretamos a norma em causa e concretamente a alusão ao prazo de 4 anos, parece-nos seguro que esse prazo se justifica pelo prazo de caducidade do direito a liquidar (acompanhando tal prazo), também de 4 anos.
III - Só se justifica que a AT exija documentos comprovativos das situações mencionadas nas declarações de rendimentos a partir do momento em que elas são declaradas perante a AT (e, portanto, dela conhecidas) ou, melhor dizendo, durante o período de tempo que a AT dispõe para liquidar, ainda que adicionalmente. Ora, este período é o prazo de caducidade do direito à liquidação, de 4 anos.
IV - No caso, é com respeito ao ano de 2011 que a Recorrente pretende ver considerados, tal como por si declarado/invocado, despesas e encargos que supostamente se vão reflectir no apuramento do rendimento desse mesmo ano. Portanto, enquanto a AT puder corrigir o imposto de 2011, com observância do prazo de caducidade do direito à liquidação, cabe ao sujeito passivo comprovar o que alega e que quer ver reflectido no apuramento do imposto que lhe diz respeito.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

M..., por si e na qualidade de cabeça de casal da herança aberta em nome de M..., inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRS n.º ..., relativa ao ano de 2011, no valor de € 72.923,02, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Formula, para tanto, as seguintes conclusões:

Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRS n.º ..., referente ao ano de 2011.

No entender da Recorrente, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito, na douta sentença recorrida, sendo por conseguinte a mesma nula, nos termos do disposto no artigo 125.º do CPPT, uma vez que:

a) a Fazenda Pública não impugnou especificamente quaisquer factos alegados pela Recorrente, muito menos impugnou quaisquer documentos juntos pela mesma aos autos;

b) o Tribunal a quo errou ao não considerar as despesas e encargos suportados pela Recorrente em 2002 com as obras de construção do imóvel no valor de € 290.000,00;

c) se provou que as obras de construção do imóvel foram concluídas e vistoriadas em Dezembro de 2002, tendo posteriormente dado origem ao alvará de utilização emitido pela Câmara Municipal de ... em 11 de Dezembro de 2002;

d) se demonstrou que a Recorrente declarou expressamente no Anexo G da declaração de IRS de substituição, do ano de 2011, apresentada no dia 09/04/2015, as despesas e encargos suportados com as obras de construção do imóvel;

e) a declaração de IRS de substituição foi aceite e validada pela Administração Fiscal;

f) à data em que a Administração Fiscal iniciou a ação inspetiva (2014), a Recorrente já não tinha qualquer obrigação de manter e apresentar os documentos comprovativos daquelas despesas e encargos incorridos em 2002;

g) nos termos do artigo 128.º do CIRS, a Recorrente apenas tinha a obrigação de guardar os documentos comprovativos da aquisição e construção do imóvel durante os quatro anos seguintes àquele a que respeitem os documentos, isto é, até 2006;

h) após 2006, não mais a Recorrente era obrigada a guardar os ditos documentos e, por conseguinte, a apresentá-los à Administração Fiscal;

i) a Administração Fiscal não podia ter desconsiderado as despesas e encargos declarados pela Recorrente na sua declaração de IRS de substituição, atento o princípio da presunção de verdade e boa-fé das suas declarações, previsto no n.º 1 do artigo 75.º da LGT;

j) não sendo legalmente exigível à Recorrente comprovar os elementos da declaração de IRS, não era também admissível à Administração Fiscal não considerar os factos por aquela declarados como verdadeiros, pois a Administração Fiscal não ilidiu a presunção de verdade e de boa-fé das declarações da Recorrente;

k) de acordo com o Acórdão do STA n.º 26614, de 8/5/2002, do artigo 128.º do CIRS "a AF pode exigir os documentos comprovativos das despesas efetuadas mas com um limite temporal (5 anos), a partir do qual o contribuinte não poderá ser penalizado pela sua não apresentação. Se confrontarmos o probatório, logo vemos que a exigência da AF junto do contribuinte para que este procedesse à exibição dos documentos comprovativos dos custos da construção do imóvel ocorreu para lá do prazo de 5 anos, previsto no n.º 2 daquele artigo.";

1) "E daí decorre que da não apresentação de tais documentos, exigidos ao contribuinte para além do prazo de cinco anos (em que era obrigado a guardá-los), não pode a AF extrair a consequência de que o Recorrente não fez prova dos custos, não considerando o valor declarado pelo impugnante, unicamente com base na não apresentação dos mesmos."- Acórdão do STA n.0 26614, de 8/5/2002;

m) tendo o custo de aquisição e construção do imóvel ascendido ao montante total de € 347.461 ,52 (€ 57.461,52 + € 290.000 ,00), deverá ser esse o valor considerado como valor de aquisição para efeitos de apuramento da mais valia;

n) andou mal o douto Tribunal a quo ao julgar desnecessária a inquirição das testemunhas arroladas pela Recorrente;

o) ao dispensar a prova testemunhal, o Tribunal a quo impediu a Recorrente de fazer prova das referidas despesas e encargos, com todas as consequências daí advenientes;

p) a falta de impugnação especificada dos factos articulados pela Recorrente não pode deixar de ser relevada e apreciada para efeitos probatórios;

q) o Tribunal a quo errou no seu julgamento, mediante uma apreciação e valoração inapropriada e incorreta dos factos e do direito aqui aplicáveis, valoração essa que, no entender da mesma, deveria ter conduzido a uma decisão diversa da encontrada, designadamente , à procedência da impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRS n.º ..., referente ao ano de 2011, e à sua consequente anulação.

Termos em que, dando-se provimento ao presente recurso e com o douto suprimento de V. Exas., deve a douta sentença recorrida ser revogada, com todas as consequências legais, assim se fazendo a tão acostumada JUSTIÇA!!!


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A Fazenda Pública, ora Recorrida, apresentou contra-alegações que concluiu assim:

A) A mais-valia predial corresponde ao ganho obtido com a alienação de um ativo predial, daí que, para efeitos de determinação do seu valor, relevam os valores de realização e de aquisição desse mesmo ativo.

B) No cálculo da mais-valia atende-se à diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, sendo ainda relevantes as despesas inerentes à alienação (artigo 51.º, alínea a) do CIRS), correção monetária do valor de aquisição (artigo 50.º do CIRS) e encargos com a valorização dos bens (artigo 51.º, alínea a) CIRS).

C) Como exara a sentença do Tribunal a quo, a lei é clara ao exigir que o contribuinte demonstre, inequivocamente, as despesas em que incorreu.

D) A comprovação dos custos de construção, que a recorrente pretende ver acrescidos ao valor de aquisição, recai sobre o sujeito passivo, pois que o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos recai sobre quem os invoque (cfr. artigo 74.º, n.º 1 da LGT e 342.º, n.º 1 do Código Civil).

E) Conforme ressalva a sentença ora controvertida, o artigo 128.º do CIRS estabelece que as pessoas sujeitas a IRS devem apresentar, no prazo que lhes for fixado, os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e abatimentos e de outros factos ou situações mencionadas na respetiva declaração, quando a Direção- Geral dos Impostos (atual Autoridade Tributária) os exija.

F) Por seu turno, pese embora o n.º 2 do mesmo normativo refira que tal obrigação mantém-se durante os quatros anos seguintes àquele a que respeitem os documentos, o facto é que tal obrigação tem naturalmente a ver com o prazo de caducidade da liquidação, problema que não se coloca nos autos, na medida em que a liquidação foi efetuada dentro do prazo de caducidade legalmente estatuído.

G) Ocorre que, no caso concreto, o contribuinte não estaria dispensado de fazer a prova do alegado perante a AT, porquanto se trata de factos constitutivos do direito que a recorrente alega, sendo que, a correção de que foi objeto resultou da omissão da própria contribuinte, pela incorreção da declaração apresentada inicialmente pela mesma.

H) É precisamente este o ponto fulcral nos presentes autos, uma vez que a liquidação controvertida resulta de uma omissão declarativa da recorrente, pelo que caber-lhe-ia a prova dos factos constitutivos que invoca, designadamente dos custos de aquisição do imóvel que gerou a mais-valia entretanto apurada na ação inspetiva. (Sublinhado nosso).

I) Na ação de impugnação judicial julgada improcedente pelo Tribunal a quo a recorrente limita-se a alegar que já não dispõe dos documentos pertinentes, mas nem sequer demonstra que tenha feito algum esforço ou diligência no sentido de os obter.

J) Com efeito, as obras alegadamente levadas a cabo pela recorrente no imóvel entretanto alienado em 2011, são de elevado montante, pelo que envolveram ou envolveriam contratos de empreitadas, pagamentos de cheques, eventualmente demonstráveis através da escrita de terceiros e dos bancos (cf. artigo 432.º do Código de Processo Civil), prova que a recorrente não logrou na ação de impugnação judicial entretanto julgada improcedente.

K) Acrescentamos ainda não ser plausível que a comprovação de tais custos pudesse ser feita através de produção de prova testemunhal, atenta a circunstância de a lei ser clara ao exigir que a prova deste tipo de despesas deverá ser através da apresentação à AT de documentos comprovativos das mesmas.

L) Tudo visto, entendemos que andou bem a douta sentença do Tribunal a quo quando julgou que a liquidação colocada em crise nos autos não padecia de qualquer ilegalidade que a AT agiu corretamente quando desconsiderou as despesas invocadas pela recorrente na elaboração da liquidação, por manifesta falta de prova, pelo que pugna-se pela manutenção da mesma e improcedência do presente recurso.

Termos em que e nos mais de direito que Vossa Excelência doutamente suprirá.

Deve o presente recurso ser julgado improcedente, com o que se fará a sempre devida Justiça.


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O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão.

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2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

1. Em 21/09/2011, por documento intitulado “dação em cumprimento e renúncia”, a ora Impugnante e marido deram em Dação em cumprimento ao B..., S.A., o prédio urbano destinado a comércio e habitação, ao sítio da ..., freguesia do ..., ..., inscrito na matriz sob o artigo 1652 e descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o número 195, freguesia do ... [cfr. doc. n.º 4 junto à p.i.].

2. Em 22/05/2012, a Impugnante apresentou declaração de rendimentos Modelo 3 do ano de 2011, sem que tivesse apresentado o Anexo G [cfr. doc. 5 junto à p.i.].

3. A Impugnante e marido foram sujeitos a inspeção tributária, na sequência de Ordem de Serviço n.º OI201400325 de 30/06/2014, de âmbito parcial, IRS para o ano de 2011, pelo facto de os sujeitos passivos, no ano de 2011, terem alienado um prédio urbano pelo valor global de € 371.000,00, não tendo declarado estes rendimentos da categoria “G” na declaração modelo 3 de IRS do ano de 2011.

4. Em 15/10/2014 foi elaborado, no âmbito da inspeção tributária, o “Projeto de Correções do Relatório de Inspeção” [cfr. doc. 5 junto à p.i.].

5. O “Projeto de Correções do Relatório de Inspeção” a que se refere o número anterior foi notificado à Impugnante pelo ofício n.º 11.020 de 20/10/2014, que sobre ele não se pronunciou [cfr. doc. 2 junto à p.i.].

6. Em 07/11/2014 foi elaborado “Relatório” de inspeção tributária, tendo recaído sobre o mesmo despacho de concordância do Diretor de Serviços da Inspeção Tributária, datado de 10/11/2014 [cfr. documento constante do processo administrativo apenso].

7. Do “Relatório” de inspeção tributária consta, designadamente, o seguinte: (…)

“Texto no original”

(…)

8. Por ofício n.º 12.068 de 13/11/2014, foi remetido à Impugnante o “Relatório” a que se alude no n.º anterior, com os “motivos e fundamentos” que sustentam as correções resultantes da ação de inspeção, com um rendimento alterado/apurado de € 217.182.47 para o ano de 2011 [cfr. documento constante do processo administrativo apenso, junto aos autos com a contestação].

9. O ofício n.º 12.068 de 13/11/2014 foi remetido à Impugnante para a Rua da ... n.º 19, Praceta ... ..., mediante carta registada com aviso de receção, tendo o aviso de receção sido assinado pelo destinatário “M...” em 24/11/2014 [cfr. documento constante do processo administrativo apenso junto aos autos com a contestação, fls. 17, não impugnado].

10. Por invólucro-mensagem, remetido sob registo, a Impugnante foi notificada da liquidação n.º ... de 05/12/2014, relativa a IRS do ano de 2011.

[cfr. doc. 1 junto à p.i.].

11. Em 09/04/2015, a Impugnante apresentou declaração de substituição do ano de 2011, tendo apresentado o Anexo G do qual consta, entre o mais, o seguinte:

Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis Despesas e encargos

Realização Aquisição

Ano Mês Valor Ano Mês

2011 09 371.000,00 1997 10 57.461,52 290.000,00

[cfr. doc. 5 junto à p.i.].

12. Em 20/04/2015 deu entrada neste Tribunal a petição dos presentes autos.

13. Em 07/09/2015, a declaração de substituição apresentada foi convolada em reclamação graciosa. [cfr. fls 40 a 70 do processo instrutor junto aos autos com a contestação].

14. Por ofício 3675 de 08/10/2015, por carta registada com aviso de receção, foi enviada notificação à Impugnante, com o seguinte teor:

“Dado V. Ex.ª ter entregue declaração de substituição de IRS, mod 3 referente ao ano de 2011 fora do prazo legal de entrega em mais de 30 dias, a mesma não produz efeitos imediatos, carecendo de análise por este Serviço de Finanças. Assim, em virtude do disposto na subalínea II da alínea b) do n.º 3 do art. 59.º do CPPT, deve para este efeito dirigir-se a este Serviço de Finanças no prazo de 10 dias”. [cfr. fls 62 do processo instrutor junto aos autos com a contestação].

15. Por o aviso de receção não ter sido assinado, por ofício 3675 de 08/10/2015, foi enviada segunda notificação à Impugnante, cujo aviso de receção foi por esta assinado em 15/10/2015. [cfr. fls 68 e 69 do processo instrutor junto aos autos com a contestação].

16. Por ofício n.º 4105 de 11/11/2015, remetido à Impugnante por carta registada com aviso de receção assinado em 19/11/2015, foi a mesma notificada da convolação da declaração de IRS do ano de 2011 apresentada em 09/04/2015 em reclamação graciosa e ainda para “no prazo de 10 dias (…) apresentar os documentos que serviram de base ao preenchimento da respetiva declaração, nomeadamente as Despesas e Encargos indicadas no quadro 4 campo 401 do anexo G”. [cfr. fls. 70 do processo instrutor junto aos autos com a contestação].

Factos não provados:

A Impugnante não juntou qualquer documento justificativo das despesas alegadamente tidas com a construção do imóvel em causa nestes autos.


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A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame das informações e dos documentos, que dos autos e do processo administrativo constam e que não foram impugnados, tudo conforme referido a propósito de cada um dos pontos do probatório.

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2.2. De direito

Nos presentes autos de impugnação judicial estava em causa a apreciação da legalidade da liquidação adicional de IRS do ano de 2011, emitida com o nº ..., a qual gerou uma nota de cobrança no montante a pagar de € 72.923,02.

A questão a apreciar na impugnação judicial, tal como balizada em 1ª instância, traduziu-se no seguinte: saber se a liquidação impugnada padece de erro nos pressupostos de facto, resultante da desconsideração do valor gasto nas obras de construção, para efeitos de determinação da mais-valia excluída de tributação.

Na petição inicial, contra o acto sindicado, foram invocados três vícios, a saber: (i) a violação do prazo de inspecção tributária, (ii) a falta de fundamentação e o (iii) erro no apuramento da mais-valia, por a AF não ter tomado em consideração as despesas e encargos suportados pela Impugnante e marido com a construção do imóvel alienado, que ascenderam ao montante de € 290.000,00.

Todos os vícios invocados foram julgados improcedentes, sendo que, no presente recurso, a Recorrente apenas se insurge contra a ilegalidade correspondente ao ponto iii) supra.

Por conseguinte, a análise efectuada quanto aos dois outros vícios – i) e ii) – é matéria que aqui já não se discute.


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Com isto dito, avancemos.

Logo no início das conclusões da alegação de recurso, a Recorrente afirma que a sentença é nula, nos termos previstos no artigo 125º do CPPT, por a mesma ter incorrido em erro de julgamento de facto e de direito.

Como está bom de ver, e claramente decorre do invocado artigo 125º do CPPT, as causas de nulidade da sentença nada têm que ver com erros de julgamento (sejam eles de facto, ou de direito), sendo antes a consequência prevista para a “a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”, nos termos do apontado preceito.

É, pois, na perspectiva do erro de julgamento – e não da nulidade – que passaremos a analisar se a sentença recorrida se mostra censurável, quer quanto ao julgamento da matéria de facto, quer quanto à interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis.


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Feito este esclarecimento inicial, vejamos, então, as questões que nos ocupam.

A primeira questão que nos deve ocupar prende-se com o teor das conclusões da alegação de recurso, a que correspondem as alíneas n) e o) – aí se lê que “andou mal o douto Tribunal a quo ao julgar desnecessária a inquirição das testemunhas arroladas pela Recorrente” e que “ao dispensar a prova testemunhal, o Tribunal a quo impediu a Recorrente de fazer prova das referidas despesas e encargos, com todas as consequências daí advenientes”.

Vejamos, então.

Como já dissemos, estava em discussão – como se mantém – saber da legalidade do apuramento da mais-valia, por a AT não ter tomado em consideração as despesas e encargos suportados pela Impugnante e marido com a construção do imóvel alienado, despesas estas que alegadamente ascenderam ao montante de € 290.000,00.

Pretendia, pois, a impugnante demonstrar, tal como se retira da p.i, que:

- suportou despesas e encargos com a construção do imóvel alienado no montante de € 290.000,00.

É importante reiterar que nada mais está em causa, ou seja, apenas está em causa comprovar um determinado montante de despesas que a impugnante afirmou ter suportado com a construção do imóvel. Com efeito, sobre tais despesas, na petição inicial, apenas se diz que as mesmas ascendem a € 290.000,00 e que se prendem com a construção do imóvel.

Ora, no articulado inicial, foram arroladas três testemunhas.

Sobre este requerimento de prova pronunciou-se a Mma. Juíza, em despacho de 02/06/16, a fls. 54 dos autos, no qual de pode ler o seguinte:

“Nos presentes autos, entende este Tribunal que, face aos factos alegados, a prova deverá constar de documentos.

Assim, julga-se desnecessária a inquirição das testemunhas indicadas.

Notifique as partes para apresentarem alegações escritas, querendo”.

Tal despacho foi notificado às partes, as quais apresentaram alegações escritas, nada tendo dito sobre o transcrito despacho.

É, agora, em sede de recurso jurisdicional, que a impugnante vem colocar em causa esta questão da não produção da prova testemunhal requerida.

É nosso entendimento que, apesar de tal despacho autónomo ter sido notificado às partes e não ter sido imediatamente posto em causa, nada obsta a que, em sede de recurso jurisdicional, tal questão venha a ser equacionada e devidamente enquadrada como eventual défice instrutório/ erro de julgamento da matéria de facto.

Ora, vista com toda a atenção a petição inicial, somos levados a concluir que o decidido em 1ª instância quanto à inutilidade, no caso, da prova testemunhal, é acertado e que, no caso, a completa falta de qualquer documento atinente às despesas/ encargos com a construção do imóvel não pode, pura e simplesmente, ser substituída pela prova testemunhal.

Com efeito, não é com apoio - única e exclusivamente, como pretende a Recorrente - na prova testemunhal que o sujeito passivo demonstra que efectivamente suportou custos com a obras num imóvel, no valor de € 290.000,00, pois que a prova de pagamentos efectuados reclama uma materialidade que permita controlar o que foi pago, a quem e porquê, não compatível com a subjectividade da prova testemunhal.

Note-se, aliás, que se trata de valores referentes a despesas que, logo aquando da apresentação da declaração de rendimentos e para efeitos da determinação das mais-valias sujeitas a imposto, devem estar comprovadas (o que nos remete para a prova documental).

Ainda sobre esta temática, vale a pena ter presente que “como se sabe, o processo judicial tributário é, pelo menos desde a Lei Geral Tributária, um processo de partes, pautado pelo princípio da legalidade, do contraditório e da igualdade de partes, devendo o tribunal decidir conforme os factos e as provas que lhe são apresentados dentro das regras processuais. E, por isso, o juiz só pode dispensar a fase de instrução dos autos «se a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários» (artigo 113.º do CPPT), devendo, caso contrário, ordenar as diligências de prova necessárias, nomeadamente a testemunhal, em conformidade com o disposto nos artigos 114.º, 115, n.º 1 e 119.º do CPPT.

Assim, embora o tribunal tenha, em princípio, de admitir todos os meios de prova que as partes ofereçam – posto que em processo tributário de impugnação são, em regra, admitidos todos os meios gerais de prova (artigo 115.º do CPPT) – pode recusar a sua produção caso exista norma legal que limite ou proíba determinado meio de prova ou julgue que as provas oferecidas são manifestamente impertinentes, inúteis ou desnecessárias.

O direito à prova no procedimento e no processo tributário existe e é objecto de uma tutela muito forte, mas não constitui um direito absoluto, pois que o legislador ordinário estabeleceu limites e indicou critérios precisos de restrição do uso de meios de prova em relação a factos determinados, como acontece com o artigo 392.º do Código Civil, onde se estabelece que “A prova por testemunhas é admitida em todos os casos em que não seja directa ou indirectamente afastada”, e com o disposto nos artigos 393.º, 394.º e 395.º desse Código, que prevêem as situações em que é inadmissível a prova testemunhal.

Em suma, compete ao juiz examinar, em cada processo judicial, se é legalmente permitida a produção dos meios de prova oferecidos pelas partes, e, no caso afirmativo, aferir da necessidade da sua produção em face das questões colocadas, sabido que instrução tem por objecto os factos controvertidos e relevantes para o exame e decisão da causa tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito” – cfr. acórdão do STA, de 14/01/11, recurso nº 215/11.

No caso vertente, como dissemos, a Mma Juiz do Tribunal “a quo” decidiu que em face da natureza da matéria invocada (e, naturalmente, em face do circunstancialismo invocado) não havia necessidade de produção da prova testemunhal, pois “a prova deverá constar de documentos”.

Fê-lo, como já antes dissemos e pelas razões apontadas, acertadamente, razão pela qual se deve manter o entendimento adoptado nos autos sobre a questão da desnecessidade/inutilidade da produção da prova testemunhal e, nessa medida, julgar improcedentes as conclusões n) e o) que vínhamos analisando.


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Vista que está esta primeira questão, avancemos para outros aspectos que ainda se prendem com a matéria de facto.

Ainda que colocando em causa a matéria de facto de forma menos precisa, parece-nos – da leitura conjugada do corpo da alegação de recurso e das correspondentes conclusões – que a Impugnante, ora Recorrente, entende que o Tribunal deveria ter considerado provado que:

- a Recorrente suportou despesas e encargos em 2002 com as obras de construção do imóvel no valor de € 290.000,00;

- as obras de construção do imóvel foram concluídas e vistoriadas em Dezembro de 2002, tendo posteriormente dado origem ao alvará de utilização emitido pela Câmara Municipal de ... em 11 de Dezembro de 2002;

- a Recorrente declarou expressamente no Anexo G da declaração de IRS de substituição, do ano de 2011, apresentada no dia 09/04/2015, as despesas e encargos suportados com as obras de construção do imóvel e, ainda, que,

- a declaração de IRS de substituição foi aceite e validada pela Administração Fiscal;

Vejamos por partes.

Quanto ao primeiro ponto - a Recorrente suportou despesas e encargos em 2002 com as obras de construção do imóvel no valor de € 290.000,00

Trata-se de matéria de facto alegada e que o TAF do Funchal considerou não provada, ao afirmar que “A impugnante não juntou quaisquer documentos justificativos das despesas alegadamente tidas com a construção do imóvel em causa nestes autos”.

Sem hesitações, o juízo feito pela Mma. Juíza é correcto.

Não há, percorrido o processo de impugnação judicial e, bem assim, o processo administrativo tributário (que inclui a reclamação graciosa na qual foi convolada uma declaração de substituição), um único documento - sejam cheques, comprovativos de transferências bancárias, facturas, recibos ou outros elementos - apto a demonstrar que no ano de 2002 o sujeito passivo suportou com as obras no imóvel alienado o valor de € 290.000,00.

Repete-se, não existe um único documento atinente aos apontados custos e ao seu pagamento, sendo certo, importa evidenciar, que a única coisa que está em causa é a comprovação dos valores suportados, pois que, em momento algum, a AT questiona a (não) realização de obras.

Quanto ao segundo ponto referido – leia-se, as obras de construção do imóvel foram concluídas e vistoriadas em Dezembro de 2002, tendo posteriormente dado origem ao alvará de utilização emitido pela Câmara Municipal de ... em 11 de Dezembro de 2002 – o mesmo é absolutamente inócuo na economia da decisão, já que, repete-se, a AT não questiona que tenham sido realizadas obras no imóvel (nem a sua data de conclusão ou de vistoria); o que não aceita é – isso sim - a consideração de despesas de € 290.000,00, sem que sejam exibidos comprovativos de ter sido efectivamente suportado este valor.

Que a Recorrente declarou expressamente no Anexo G da declaração de IRS de substituição, do ano de 2011, apresentada no dia 09/04/2015, as despesas e encargos suportados com as obras de construção do imóvel, é matéria que consta dos factos provados, concretamente no ponto 11, pelo que nada mais importa acrescentar.

Por último, deve dizer-se que afirmação segundo a qual “a declaração de IRS de substituição foi aceite e validada pela Administração Fiscal” é contrariada pelo circunstancialismo que consta do ponto 13 dos factos provados, ou seja, com a evidência de que a declaração de substituição foi convolada em reclamação graciosa, como resulta, sem margem para dúvidas, dos elementos juntos aos autos (cfr. fls. 2 do PAT).

Por conseguinte, nenhuma alteração/ aditamento se impõe quanto à matéria de facto, falecendo as razões da Recorrente para fazer incluir no probatório o circunstancialismo a que se deixou feita referência.


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Aqui chegados, resta-nos apreciar se a sentença errou, ou não, na conclusão a que chegou no sentido da legalidade da liquidação de IRS impugnada, ou seja, no sentido de que a AT actuou correctamente ao emitir tal liquidação, tendo por base as mais-valias geradas em 2011, considerando os seguintes factos, datas e montantes:

- data da realização: 2011/09;

- valor de realização: €371.000,00

- valor de aquisição: € 57.461,52

- data da aquisição: 1997/10

De notar, como bem se percebe do teor do recurso jurisdicional (na senda, aliás, daquilo que já se defendia na petição inicial) que a pedra de toque da discordância da Recorrente com o decidido passa pelo entendimento do Tribunal a quo que não aceitou a tese da Autora no sentido de que: “à data em que a Administração Fiscal iniciou a ação inspetiva (2014), a Recorrente já não tinha qualquer obrigação de manter e apresentar os documentos comprovativos daquelas despesas e encargos incorridos em 2002”; que “nos termos do artigo 128.º do CIRS, a Recorrente apenas tinha a obrigação de guardar os documentos comprovativos da aquisição e construção do imóvel durante os quatro anos seguintes àquele a que respeitem os documentos, isto é, até 2006”; que “após 2006, não mais a Recorrente era obrigada a guardar os ditos documentos e, por conseguinte, a apresentá-los à Administração Fiscal; a Administração Fiscal não podia ter desconsiderado as despesas e encargos declarados pela Recorrente na sua declaração de IRS de substituição, atento o princípio da presunção de verdade e boa-fé das suas declarações, previsto no n.º 1 do artigo 75.º da LGT; não sendo legalmente exigível à Recorrente comprovar os elementos da declaração de IRS, não era também admissível à Administração Fiscal não considerar os factos por aquela declarados como verdadeiros , pois a Administração Fiscal não ilidiu a presunção de verdade e de boa-fé das declarações da Recorrente”.

Era assim, com base neste entendimento sobre a não obrigatoriedade de conservação dos documentos por mais de 4 anos, que a Impugnante pretendia fazer valer que à AT não restava alternativa que não a de aceitar as despesas e encargos com o imóvel em causa, nos exactos termos afirmados na declaração de substituição, o que mais não traduziria – na perspectiva da impugnante - que a aplicação prática da presunção de verdade e de boa-fé das declarações dos contribuintes.

Saliente-se que na petição inicial de impugnação judicial, a impugnante expressamente aceita os dados tomados em consideração pela AT, quer quanto às datas de aquisição e realização, quer quanto aos montantes envolvidos de € 57.461,52 e de € 371.000,00, respectivamente (cfr. arrigos 27º e 28º da p.i). O que sustenta a discordância com a correcção efectuada prende-se unicamente com a não consideração das despesas e encargos, no montante de € 290.000,00, expressamente declaradas na declaração de substituição apresentada.

Vejamos, então, o que dizer sobre a questão que agora nos ocupa.

Para tanto, tenhamos presente - no que para aqui importa – o discurso argumentativo seguido pela Mma. Juíza do Tribunal a quo.

Na sentença recorrida ficou dito que:

“(…)

Nos presentes autos, contesta Impugnante a liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2011.

Tal valor foi apurado como rendimento decorrente da venda de um imóvel, em 2011 pelo preço de € 371.000,00.

Defende a Impugnante que o rendimento decorrente da venda da habitação não deveria ser tributado em sede de IRS, a título de mais-valias, pelo valor corrigido, porquanto sempre haveria que ser levado em conta o valor de € 290.000,00 que foi gasto pela Impugnante, em 2002, em obras no referido imóvel. Valor esse que foi referenciado na declaração de substituição apresentada em 2015.

E acrescenta que a declaração de substituição apresentada, onde declarou as despesas com o imóvel, foi aceite pela AF. À data em que a AF iniciou a ação inspetiva, a Impugnante já não tinha qualquer obrigação de manter e apresentar os respetivos documentos comprovativos, os quais, nos termos do disposto no artigo 128.º do CIRS, apenas teriam de ser guardados até 2006.

Assim, jamais a AF poderia desconsiderar as despesas declaradas, porquanto as declarações do contribuinte gozam da presunção de verdade e boa-fé.

Discorda deste entendimento a Fazenda Pública, alegando que em momento algum, inclusivamente nos presentes autos, a Impugnante fez prova do dispêndio de tais quantias.

Vejamos.

Nos termos do CIRS, a mais-valia predial corresponde ao ganho obtido com a alienação de um ativo predial, daí que, para efeitos de determinação do seu valor, relevam os valores de realização e de aquisição desse mesmo ativo. Isto é, a mais valia corresponde à diferença entre o valor porque o imóvel foi alienado (valor de realização), e o valor porque o agora alienante o adquiriu (valor de aquisição), nos termos do artigo 46.º, n.º 1 do CIRS.

No cálculo da mais-valia imobiliária atende-se, essencialmente, à diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição – tomando-se ainda em conta as despesas inerentes à alienação (artigo 51.º, al. a) CIRS), correção monetária do valor de aquisição (artigo 50.º CIRS) e encargos com a valorização dos bens (artigo 51.º, al. a), CIRS). A lei contém definições precisas do que são estes valores.

Refere o artigo 51.º do CIRS (na redação em vigor à data dos factos):

“Para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem:

a) Os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º

b) As despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à alienação, nas situações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 10.º”.

Está em causa a não aceitação, por parte da Administração Tributária, para efeitos de cálculo do valor de aquisição de imóvel, de custos de obras de construção, por os mesmos não terem sido considerados devidamente comprovados.

No caso vertente, pretende a Impugnante que o valor da aquisição fosse acrescido dos custos de construção em que alegadamente incorreu num total de € 290.000,00.

Ora, efetivamente, tal como defende a Fazenda Pública e também é admitido pela Impugnante, nenhum documento foi junto aos autos que permita que se dê como provada tal factualidade, isto é, que houve custos efetivamente incorridos com tais obras (designadamente faturas referentes ao contrato de empreitada, cópias de cheques e recibos que comprovassem os pagamentos efetuados pela Impugnante ao prestador de serviços que realizou as obras no imóvel, etc.).

Contudo, defende a Impugnante que apenas tinha a obrigação de guardar tais elementos desde a data da obra, 2002, até 2006. E que não podem ser exigidos posteriormente, pelo que a AT haveria de considera-los apenas com base da declaração de substituição que apresentou, a qual se presume de boa-fé.

Contudo, não assiste razão à Impugnante.

A lei é clara ao exigir que o contribuinte demonstre, inequivocamente, as despesas em que incorreu. A comprovação dos custos de construção, que a Impugnante pretende ver acrescidos ao valor de aquisição, recai sobre o sujeito passivo, pois que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos recai sobre quem os invoque (cfr. artigo 74.º, n º 1 da LGT e 342.º, n.º 1 do Código Civil).

De resto, em matéria de obrigação de comprovar os elementos das declarações estabelece o CIRS, no artigo 128.º, que as pessoas sujeitas a IRS devem apresentar, no prazo que lhes for fixado, os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e abatimentos e de outros factos ou situações mencionadas na respetiva declaração, quando a Direcção-Geral dos Impostos os exija.

É certo que o n.º 2 de tal artigo refere que “a obrigação estabelecida no número anterior mantém-se durante os quatro anos seguintes àquele a que respeitem os documentos”. Contudo, a obrigação a que se refere este artigo tem patentemente a ver com o prazo de caducidade da liquidação, problema que se não põe nos autos. É que passado esse prazo, o contribuinte não tem evidentemente o dever de apresentar os documentos em causa.

Todavia, no caso dos autos, isso não dispensa o contribuinte de fazer a prova do alegado perante a AT, porquanto se trata de factos constitutivos do direito que alega. Note-se que a correção foi levada a cabo pela omissão do próprio contribuinte, a incorreção da declaração apresentada afirmada pelo próprio.

A invocação do n.º 2 do artigo 128.º do CIRS não esgota, nem, por isso, resolve, a se, a questão posta nos autos, havendo que considerar, nos preditos termos, outros parâmetros.

A Impugnante limita-se a alegar que já não dispõe dos documentos pertinentes, mas nem sequer demonstra que tenha feito algum esforço ou diligência no sentido de os obter. As obras alegadamente levadas a cabo são vultuosas e certamente envolveram contrato(s) de empreitada, pagamentos em cheques, etc. Tudo demonstrável através da escrita de terceiros e dos bancos - cfr. aliás o artigo 432.º do Código de Processo Civil.

Assim, não logrando a Impugnante demonstrar os custos de construção, como lhe competia, impõe-se concluir que bem andou a Administração Tributária quando os desconsiderou”.

Ora, o assim decidido é, desde já se afirma, correcto.

Não vindo questionado o quadro legal convocado, nem tão-pouco as regras de cálculo das mais-valias, abstemo-nos de repetir as considerações efectuadas na sentença, com as quais concordamos.

Tendo presente a redacção da norma legal atinente às despesas e encargos que hão-de acrescer ao valor de aquisição, para efeitos de determinação das mais-valias sujeitas a imposto (artigo 51º do CIRS), surpreende-se, desde logo, uma dificuldade inultrapassável no que toca aos encargos com valorização dos bens, porquanto a lei limitava a sua relevância aos comprovadamente realizados nos últimos 5 anos (actualmente, 12 anos).

Por conseguinte, alegados encargos com a valorização do bem suportados em 2002 (como afirmava a Impugnante e ora Recorrente), quando em causa está uma mais-valia gerada em 2011, claramente que caiem fora do período temporal apontado pela norma.

Admitindo, porém, que assim possa não ser, ou seja, que os encargos declarados na declaração de substituição respeitam o período temporal assinalado ou até que se trata de despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação (sem o apontado limite temporal), também a razão falece à Recorrente.

É verdade, e o Tribunal não desconsidera, que ao longo da petição de impugnação a ora Recorrente refere-se a custos de construção do imóvel e até ao artigo 46º, nº3 do CIRS, o que nos podia levar a admitir que pretendia o sujeito passivo, Impugnante, questionar o valor de aquisição a considerar no caso concreto e não já eventuais despesas e encargos a acrescer ao valor de aquisição. São, efectivamente, coisas diferentes: uma, o valor de aquisição a ter em conta nos termos do artigo 46º, nº3 do CIRS; outra, as despesas e encargos a acrescer ao valor de aquisição, nos termos do artigo 51º do CIRS.

Porém, esta hipótese não é coadunável, por um lado, com o que foi inscrito na declaração de substituição, posteriormente convolada em reclamação graciosa, já que aí expressamente se assumiu o valor de aquisição considerado pela AT em sede inspectiva, limitando-se a alteração declarada ao registo de € 290.000,00, a título de despesas e encargos; por outro lado, na petição inicial de impugnação, a Impugnante expressamente afirma aceitar o valor de aquisição considerado pela AT, de € 57.461,52, sem prejuízo de pretender ver acrescido a esse valor o montante de € 290.000,00, a título de despesas e encargos.

Feito este esclarecimento, passemos de imediato à questão que aqui vem erigida como essencial no ataque à sentença proferida pelo TAF do Funchal, a qual se prende, como já dissemos, com o entendimento da Recorrente segundo o qual “à data em que a Administração Fiscal iniciou a ação inspetiva (2014), a Recorrente já não tinha qualquer obrigação de manter e apresentar os documentos comprovativos daquelas despesas e encargos incorridos em 2002”, já que “nos termos do artigo 128.º do CIRS, a Recorrente apenas tinha a obrigação de guardar os documentos comprovativos da aquisição e construção do imóvel durante os quatro anos seguintes àquele a que respeitem os documentos, isto é, até 2006”.

Salvo o devido respeito, e embora se perceba o alcance das afirmações transcritas, este Tribunal não pode acompanhar tal entendimento.

Vejamos as razões para assim concluirmos, relembrando que a Recorrente não exibiu/ juntou um único documento comprovativo de despesas e encargos respeitantes às obras no imóvel alienado, no valor de € 290.000,00, nem tão-pouco adiantou qualquer razão para a sua não junção, para além da constatação de que haviam decorrido mais de 4 anos desde que as despesas foram suportadas e, como tal, que a obrigação de conservação dos documentos já havia cessado.

Ora, à data dos factos que aqui cabe apreciar, dispunha o artigo 128º do CIRS, sob a epígrafe obrigação de comprovar os elementos das declarações, que:

1 - As pessoas sujeitas a IRS devem apresentar, no prazo que lhes for fixado, os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e abatimentos e de outros factos ou situações mencionadas na respectiva declaração, quando a Direcção-Geral dos Impostos os exija. (Redacção do DL 198/2001, de 3 de Julho)

2 - A obrigação estabelecida no número anterior mantém-se durante os quatro anos seguintes àquele a que respeitem os documentos. (Redacção do DL 160/2003, de 19 de Julho)

3 - O extravio dos documentos referidos no n.º 1 por motivo não imputável ao sujeito passivo não o impede de utilizar outros elementos de prova daqueles factos.

Centremos a atenção no caso concreto.

Em Maio de 2012, a Recorrente apresentou uma 1ª declaração de rendimentos Mod.3, a qual não foi acompanhada do anexo G, respeitante a Mais-Valias e outros incrementos patrimoniais.

Mais tarde, em 2014, a Impugnante foi sujeita a uma acção de fiscalização, no decurso da qual foi apurada a mais-valia resultante da alienação, em 2011, por € 371.000,00, do prédio urbano a que corresponde o artigo U 1652, da Freguesia do ..., ....

Em conclusão de tal fiscalização, foi apurada uma mais-valia de € 145.564,24.

Para assim concluir, a AT considerou os seguintes dados:

- data da realização: 2011/09;

- valor de realização: €371.000,00

- valor de aquisição: € 57.461,52

- data da aquisição: 1997/10

Apesar de notificada para exercer o direito de audição e, assim, participar na decisão a tomar, a ora Recorrente optou por não o fazer. Portanto, em sede inspectiva, nada foi alegado (e, como tal, comprovado) relativamente a eventuais despesas e encargos.

Foi já após o terminus da acção de fiscalização, e até após a emissão da liquidação de IRS correspondente, que a Recorrente apresentou uma declaração de rendimentos Mod. 3 de substituição (depois convolada em reclamação graciosa), na qual inscreveu o valor de € 290.000,00, a título de despesas e encargos, para efeitos da sua consideração na determinação da mais-valia resultante de uma alienação em 2011.

Perante os valores declarados a título de despesas e encargos, e em sede de análise da reclamação graciosa, a AT notificou o sujeito passivo para, em 10 dias, juntar os documentos comprovativos do montante declarado de €290.000,00. A impugnante nada juntou.

Também em sede de impugnação judicial nenhum documento foi junto que se refira a despesas/encargos com obras no imóvel alienado, razão pela qual se desconhece o tipo de obras, a data e os montantes.

Ora, não nos restam dúvidas que, nos termos do nº 1 do artigo 128º do CIRS, cabe aos sujeitos passivos comprovar os elementos das declarações, concretamente apresentar os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e abatimentos e de outros factos ou situações mencionadas na respectiva declaração, quando assim for exigido.

No caso, já o dissemos, a AT notificou o sujeito passivo para exibir os documentos comprovativos das despesas e encargos declarados, o que não foi feito.

Em sua defesa, em sede de impugnação judicial, invoca o sujeito passivo que os documentos respeitam a 2002 e, como tal, já não tinha obrigação de os manter, já que tal obrigação apenas se mantém durante os 4 anos seguintes àquele a que respeitem os documentos.

Sem prejuízo daquilo que ficou dito sobre o limite temporal imposto quanto ao momento da realização dos encargos com a valorização dos bens (limitados, à data dos factos, aos últimos cinco anos), podemos afirmar, desde já, que não acompanhamos o entendimento defendido pela ora Recorrente.

Tal como interpretamos a norma em causa e concretamente a alusão ao prazo de 4 anos, parece-nos seguro que esse prazo se justifica pelo prazo de caducidade do direito a liquidar (acompanhando tal prazo), também de 4 anos. Ou seja, sendo o prazo do direito à liquidação de IRS de 4 anos, faz sentido que o período de tempo durante o qual o sujeito passivo está obrigado a conservar os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e abatimentos e de outros factos ou situações mencionadas na respectiva declaração, seja também de 4 anos, coincidente, portanto, com o prazo de caducidade ao dispor da Fazenda Nacional.

Com efeito, só se justifica que a AT exija documentos comprovativos das situações mencionadas nas declarações de rendimentos a partir do momento em que elas são declaradas perante a AT (e, portanto, dela conhecidas) ou, melhor dizendo, durante o período de tempo que a AT dispõe para liquidar, ainda que adicionalmente. Ora, este período é o prazo de caducidade do direito à liquidação, de 4 anos.

No caso, os rendimentos tributáveis são de 2011 e, ainda no prazo de caducidade de 4 anos, ou seja, em 2114, a AT, perante a omissão declarativa, procedeu a uma inspecção com vista a liquidar adicionalmente o que não foi sujeito a imposto. Se, como acontece, o sujeito passivo entende poder beneficiar da consideração de despesas e encargos que ele prório declara (e que a AT, naturalmente, desconhece), impõe-se que o mesmo sujeito passivo comprove as situações por si mencionadas.

Como é evidente, antes de 2011, não faria sentido à AT exigir qualquer comprovativo, até porque as despesas e encargos ainda não haviam sido declarados, nem eram conhecidas da AT, nem, sublinhe-se, era relevantes para efeitos de apuramento do IRS. Após 2011, essa exigência justifica-se durante o prazo de 4 anos que a lei prevê para o exercício do direito à liquidação.

Sempre sem prejuízo daquilo que atrás dissemos relativamente ao limite temporal a considerar nas despesas de valorização, mas admitindo outras despesas não sujeitas àquele limite, não é de aceitar o entendimento segundo o qual, por alegadamente os documentos respeitarem a 2002 já os mesmos não são de conservação obrigatória ou que tal obrigação só se manteve até 2006. É que, como é evidente, no caso concreto, a necessidade de tais documentos nem sequer se colocava, já que os rendimentos relativos à alienação do bem imóvel se referem ao ano de 2011.

É com respeito ao ano de 2011 que a Recorrente pretende ver considerados, tal como por si declarado/invocado, despesas e encargos que supostamente se vão reflectir no apuramento do rendimento desse mesmo ano. Portanto, enquanto a AT puder corrigir o imposto de 2011, com observância do prazo de caducidade do direito à liquidação, cabe ao sujeito passivo comprovar o que alega e que quer ver reflectido no apuramento do imposto que lhe diz respeito.

Aliás, a não se entender assim, facilmente se cairia num resultado absolutamente incongruente, pois bastava que entre a realização das despesas e encargos e a data da alienação mediasse mais de 4 anos para que nenhuma comprovação daquelas despesas e encargos pudesse ser exigida pela AT. Tal não é aceitável.

Como é evidente, a alienação de um imóvel e, como tal, a susceptibilidade de a mesma gerar mais-valias, pode ocorrer largos anos após a sua aquisição e a realização de despesas com o imóvel, sendo certo, porém, que tais valores serão relevantes – concretamente, o seu acréscimo ao valor de aquisição para efeitos de determinação da mais-valia – a partir da alienação do imóvel. Só a partir daí e, repete-se, durante o período de tempo durante o qual o Estado pode liquidar IRS, é que faz sentido exigir documentos comprovativos das despesas e encargos e que, do mesmo modo, se impõe ao sujeito passivo a comprovação documental das ditas despesas.

Como no caso ocorre, é com respeito ao ano de 2011 que o contribuinte pretende ver consideradas despesas anteriormente incorridas e dadas a conhecer em 2015. Exige-se-lhe, como não podia deixar de ser (cfr. artigo 74º da LGT), que comprove o que alega e declarou, sob pena de a AT não poder considerar, como aconteceu, encargos e despesas que poderiam ser acrescidas ao valor de aquisição do imóvel e, consequentemente, influenciar a determinação das mais-valias sujeitas a imposto.

Não nos restam dúvidas, também, que a comprovação dos custos de construção, que o Recorrente pretende fazer reflectir no valor de aquisição (artigo 46º, nº3 do CIRS: O valor de aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz ou ao valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, se superior àquele), recai sobre o sujeito passivo, pois que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos recai sobre quem os invoque (cfr. artigo 74º, nº1 da LGT e 342º, nº1 do Código Civil).

Já vimos que, em matéria de obrigação de comprovar os elementos das declarações estabelece o CIRS que as pessoas sujeitas a IRS devem apresentar, no prazo que lhes for fixado, os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e abatimentos e de outros factos ou situações mencionadas na respectiva declaração, quando a Direcção-Geral dos Impostos os exija.

No caso isso não foi feito, nem em sede de procedimento inspectivo, nem na reclamação graciosa, nem na impugnação judicial, pelo que a conclusão retirada pelo Tribunal a quo perante a falta de comprovação das ditas despesas e encargos é a correcta, levando, sem dúvida, a concluir pela legalidade da liquidação adicional sindicada.

Note-se, aliás, que, quer ao longo do procedimento tributário, quer no presente processo judicial, o sujeito passivo nunca alegou o extravio dos documentos por motivo a si não imputável que pudesse justificar a sua não apresentação e, como tal, a possibilidade de utilizar outros elementos de prova dos factos declarados (cfr. nº3 do artigo 128º). A única justificação apresentada para a não junção dos documentos é, pura e simplesmente, o decurso do período de 4 anos desde o ano a que respeitam e a sua não obrigação de os conservar.

Não colhe tal justificação, nos termos já vistos e exigidos pelo prazo de caducidade do direito à liquidação.

Aliás, em favor do entendimento de que este prazo de 4 anos de conservação obrigatória dos documentos (artigo 128º do CIRS) está incontornavelmente ligado ao prazo de caducidade do direito à liquidação do IRS (cfr. artigo 76º do CIRS e remissão para a LGT), mostra-o a circunstância de aquele prazo de conservação nem sempre ter sido de 4 anos.

Com efeito, se atentarmos no artigo 119º do CIRS, na redacção em vigor em 1997 (quando o prazo de caducidade do direito à liquidação do IRS era de 5 anos), aí vemos que tal preceito legal, no seu nº2, dispunha que “a obrigação estabelecida no número anterior mantém-se durante os cinco anos seguintes àquele a que respeitam os documentos”, o que evidencia em que medida um e outro prazo se justificam.

Em suma, deve manter-se a sentença que, nos termos já expostos, concluiu que “não logrando a Impugnante demonstrar os custos de construção, como lhe competia, impõe-se concluir que bem andou a Administração Tributária quando os desconsiderou”.


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Em face do que fica dito, e dispensando-nos de maiores desenvolvimentos, conclui-se pela total improcedência das conclusões da alegação de recurso, pelo consequente não provimento do mesmo e, como tal, pela manutenção da sentença recorrida.
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3 – DECISÃO


Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.
Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 29/06/17


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Bárbara Teles)

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(Pereira Gameiro)