Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08663/15
Secção:CT
Data do Acordão:01/25/2018
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:SENTENÇA NULA É A QUE ESTÁ INQUINADA POR VÍCIOS DE ACTIVIDADE.
VÍCIOS DE ACTIVIDADE CONTRAPÕEM-SE AOS VÍCIOS DE JULGAMENTO.
EXCESSO DE PRONÚNCIA (VÍCIO DE “ULTRA PETITA”).
ARTº.615, Nº.1, AL.D), DO C.P.CIVIL.
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE 1ª. INSTÂNCIA RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO. ÓNUS DO RECORRENTE.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA. PROVA TESTEMUNHAL.
REGIME DE NÃO SUJEIÇÃO A IMPOSTO DOS PRÉDIOS PARA VENDA CONSTANTE DO ARTº.9, DO C.I.M.I.
MEIOS DE PROVA.
ACTIVO IMOBILIZADO E CIRCULANTE DA EMPRESA. NOÇÃO.
PRESSUPOSTOS LEGAIS DO REGIME DE NÃO SUJEIÇÃO A IMPOSTO DOS PRÉDIOS PARA VENDA.
ARTº.9, Nº.1, AL.E), DO C.I.M.I.
CONTAS 31 E 32 DO POC. FUNÇÃO CONTABILÍSTICA.
Sumário:1. A sentença nula é a que está inquinada por vícios de actividade (erros de construção ou formação), os quais devem ser contrapostos aos vícios de julgamento (erros de julgamento de facto ou de direito). A nulidade da sentença em causa reveste a natureza de uma nulidade sanável ou relativa (por contraposição às nulidades insanáveis ou absolutas), sendo que a sanação de tais vícios de actividade se opera, desde logo, com o trânsito em julgado da decisão judicial em causa, quando não for deduzido recurso.
2. Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença, além do mais, quando o juiz conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, o excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes. Por outras palavras, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “ultra petita”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido).
3. No processo judicial tributário o vício de excesso de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no último segmento da norma.
4. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
5. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
6. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.
7. No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário). Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6.
8. Se a decisão do julgador, no que diz respeito à prova testemunhal produzida, estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
9. A prova incidente sobre os pressupostos do regime de não sujeição a imposto dos prédios para venda constante do artº.9, do C.I.M.I., admite outros meios de prova, que não somente a documental, mais se devendo relembrar que cabe à Fazenda Pública o ónus da prova da verificação dos pressupostos da tributação (cfr.artº.74, nº.1, da L.G.T.).
10. O activo das empresas divide-se sempre entre o imobilizado, destinado a uso e fruição pela empresa e não a venda, e o activo permutável (ou circulante, na terminologia da lei), destinado, esse sim, a venda. Por outras palavras, os elementos do activo imobilizado (por contraposição ao activo circulante) são os recursos que uma empresa utiliza para realizar as suas operações (objecto social) e que não se destinam a venda no âmbito da sua actividade operacional.
11. Se a aquisição e a posse de imóveis são, em condições normais, factos reveladores de riqueza, já não o será tanto assim quando os adquirentes e proprietários são empresas que exercem actividade de compra de prédios para revenda, para quem esses imóveis são apenas a mercadoria com que exercem a sua actividade comercial.
12. O Código do IMI estabelece para estes prédios um regime de não sujeição durante o período que medeia entre a sua aquisição e a sua revenda. Para evitar eventuais situações de utilização abusiva deste regime, o legislador parte do pressuposto de que o período médio de rotação de stocks destas empresas é de três anos, pelo que é esse o período durante o qual esses imóveis não estão sujeitos a I.M.I.
13. Para que as empresas que exercem este tipo de actividades possam beneficiar deste regime, a lei consagra os seguintes pressupostos (cfr.artº.9, nº.1, al.e), do C.I.M.I.):
a-O exercício da actividade de compra de prédios para revenda pela empresa titular do imóvel;
b-A afectação dos imóveis ao activo circulante e a sua correspondente relevação contabilística, vector que reflecte a intenção da administração da empresa de efectuar a sua venda, e é essa decisão e intenção, materializada nesse acto, que é constitutiva do direito à não tributação em I.M.I.
14. A conta 31 do POC “compras” é uma conta que regista a compra de mercadorias, incluindo as despesas adicionais da compra. Esta é uma conta de passagem, destinada a evidenciar as compras, cujo montante será posteriormente transferido para as contas a que, especificamente, respeitam (nomeadamente, para a conta 32). Já a conta 32 (“mercadorias”) é uma conta que regista os bens adquiridos pela empresa com destino a venda, desde que não sejam objecto de trabalho posterior de natureza industrial.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Leiria, exarada a fls.119 a 128 do presente processo, através da qual julgou totalmente procedente a presente acção administrativa especial, na qual a ora recorrida, “M... - Sociedade Imobiliária, S.A.”, sindicava a decisão proferida em sede de recurso hierárquico visando pedido de reconhecimento de não sujeição a Imposto Municipal sobre Imóveis relativo ao ano de 2005.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.134 a 144 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Não têm qualquer sustentabilidade, em prova, os argumentos aduzidos na sentença do Tribunal "a quo", relativamente ao decidido direito à suspensão da tributação, com base na alínea e) do artigo 9 do CIMI. Na verdade;
2-Dos documentos contabilísticos apresentados, aquando da comunicação, e já em sede de audição prévia no âmbito do recurso hierárquico, não se consegue, com certeza e convicção, considerar a contabilização dos lotes de terreno em conta do activo circulante "conta 32 de mercadorias" e que demonstre que os bens se destinavam a venda;
3-Em concreto, o número 4 dos factos provados, que, por sua vez, remete para folha 24 do PA - folha do Balanço de 2003 - aí se refere a "conta 32 mercadorias", e dela, a sentença, nada retira de demonstrativo, ou seja, limita-se a referir a página, sem dar a conhecer como chegou à conclusão de que os lotes em questão estão aí contabilizados;
4-O depoimento prestado pela testemunha, arrolada pela autora, não pode ter um peso ou relevância superior ao da prova documental, porquanto a lei manda ater à contabilização dos bens para aferir a situação do suspensão da tributação da alínea e);
5-E os factos contabilísticos são concretizados em documentos, documentos estes, que têm de ser claros e inequívocos, e que não podem ser substituídos por prova testemunhal;
6-E da correcta e inequívoca contabilização dos bens, decorre e comprova­se, o seu destino à venda, o qual, consequentemente, também não ficou aí demonstrado e provado;
7-Não podemos, pois, aceitar a decisão de que a contabilização efectuada pela autora reflecte inequivocamente que tais imóveis se destinavam a revenda, no estado em que se encontravam e, como tal, que faziam parte do seu activo circulante, uma vez que não tem suporte em qualquer das provas utilizadas, quer a documental, quer a testemunhal;
8-Verifica-se, pois, erro de julgamento, porquanto a sentença foi proferida sem prova adequada à decisão proferida;
9-O acto objecto dos autos, conforme confirmou a própria sentença, é o acto de indeferimento do recurso hierárquico;
10-A questão da falta atempada da entrega das declarações de modelo 1 de IMI, que obstava ao reconhecimento do direito à não sujeição de IMI, (uma vez que os imóveis não estavam titulados fiscalmente em seu nome), foi argumento da decisão do Chefe do SF de ..., que não foi carreado para o recurso hierárquico;
11-Pronunciou-se o Tribunal "a quo" sobre esta questão (páginas 8/9 da sentença);
12-Na folha 42 do PA, que se refere à informação n.º 1971/06, de 2008-11-26, que se traduz no projecto de decisão do recurso hierárquico, que foi , posteriormente, convertido em definitiva, diz-se, precisamente, o contrário, que não é motivo para o indeferimento, ao contrário do que afirma o Chefe do SF;
13-A sentença do Tribunal "a quo", ao se ter pronunciado sobre esta questão, como sendo um fundamento do acto que estava a ser julgado, incorreu em excesso de pronúncia;
14-Nestes termos e nos mais de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, anulando-se a sentença recorrida, e, por consequência, mantendo-se o despacho de indeferimento do pedido de suspensão de IMI, por ser legal e conforme com a alínea e) do artigo 9º do CIMI.
X
A sociedade recorrida produziu contra-alegações (cfr.fls.155 a 158 dos autos), nas quais arremata com as seguintes Conclusões:
1-Ao contrário do que sustenta a AT, os 63 lotes de terreno para construção adquiridos para revenda em 11 de Dezembro de 2003 estão devidamente contabilizados na M... no seu “ativo circulante”, registados como estão no balancete do último mês do exercício de 2003 e no seu balanço em 31 de Dezembro do mesmo ano, na «conta 32 mercadorias» do POC;
2-Essa conta integra a área do balanço designada por “ativo circulante” como se vê dos modelos de balanços do POC que constam do Capítulo 6 - Balanços, pelo que não pode duvidar-se que aos referidos lotes aproveita, quanto ao ano de 2005, a não sujeição a IMI prevista na alínea e) do nº 1 do artigo 9.º do CIMI;
3-Segundo esse normativo, o IMI apenas é devido a partir do 3.º ano seguinte, inclusive, àquele em que um prédio tenha passado a figurar no “ativo circulante” de uma empresa que tenha por objeto a sua venda;
4-Equivale isto a dizer que são dois os pressupostos legais da não sujeição a imposto:
a) Que o objeto social da empresa seja a venda, neste caso, dos 63 lotes de terreno para construção;
b) Que os mesmos lotes figurem no seu “ativo circulante”;
5-Verificados que estão, quanto ao ano de 2005, os pressupostos de não sujeição ao IMI a que se refere a alínea e) do nº 1 do artigo 9.º do CIMI, não pode manter-se na ordem jurídica o despacho de 20 de março de 2009 da Sra. Subdiretora-Geral da AT que indeferiu o recurso hierárquico do despacho de 12 de dezembro de 2007 do Sr. Chefe do Serviço de Finanças de ... que não reconheceu a não sujeição a IMI do ano de 2005 relativamente aos 63 lotes de terreno para construção, despacho aquele que foi revogado pela sentença recorrida;
6-Consequentemente, ao contrário do que alega a AT, não se verificou, face à prova documental e testemunhal carreada para o processo, qualquer erro de julgamento nem incorreu o Tribunal “a quo” em excesso de pronúncia;
7-Não tem qualquer relevância para a quaestio decidenda a entrega fora do prazo legal das declarações modelo 1 do CIMI, pois, em sede de IMI, o que releva para os efeitos da alínea e) do nº 1 do artigo 9.º é a verificação dos pressupostos referidos nas alíneas a) e b) do nº IV anterior - contrariamente ao que foi suscitado na audiência de julgamento pelo Representante da AT;
8-A comunicação apresentada para além do prazo legal tem as consequências do nº 5 do mesmo artigo 9.º: o imposto é devido por todo o tempo já decorrido, iniciando-se a suspensão da tributação apenas a partir do ano da comunicação cessando no ano em que findaria caso tivesse sido apresentada em tempo;
9- Não se tendo verificado os vícios apontados à douta sentença, deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a mesma na ordem jurídica e produzindo todos os seus efeitos: a ação administrativa especial deve ser julgada procedente e provada e a AT condenada a, no prazo de 10 dias, após o trânsito em julgado do acórdão, reconhecer o direito de não sujeição a IMI dos citados 63 lotes de terreno, relativamente ao ano de 2005;
10-Termos em que com o douto suprimento de V. Exa. deverá ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida, assim se fazendo inteira, cabal e plena JUSTIÇA!
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal teve vista do processo (cfr.fls.173 dos autos).
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Com dispensa de vistos legais, foi exarada decisão sumária a julgar findo o presente recurso, em virtude da procedência da questão prévia de inexistência de reclamação para a conferência, suscitada ao abrigo do artº.27, do C.P.T.A., decisão esta confirmada por acórdão da conferência (cfr.fls.200 a 203 e 247 a 252 dos autos).
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Deduzido recurso de revista perante o S.T.A.-2ª.Secção, veio este a conceder provimento ao recurso, mais revogando o acórdão recorrido e ordenando a baixa dos autos a este Tribunal, para que se conheça do mérito da apelação (cfr.fls.327 a 334 dos autos).
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Nada obsta ao conhecimento do mérito do recurso.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.120 a 123 dos autos - numeração nossa):
1-A autora, "M... - Sociedade Imobiliária, S.A.", com o n.i.p.c. ..., encontra-se colectada pela actividade de “compra e venda de bens imobiliários”, a que corresponde a CAE 68.100 (cfr.informação constante de fls.38 a 42 do processo administrativo apenso; facto não controvertido);
2-No dia 11/12/2003, a autora adquiriu, pelo preço global de € 2.119.891,14, acrescido das despesas inerentes ao processo de loteamento e registrais, 63 lotes de terreno para construção, inscritos na matriz predial da freguesia de ... sob os artigos 5893, 5894, 5895, 5896, 5897, 5898, 5899, 5900, 5901, 5902, 5903, 5904, 5905, 5906, 5907,5908,5909,5910,5911,5912,5913,5914,5915,5916,5917,5918,5919,5964,5965,5930,5931,5932,5933,5934,5935, 5936,5937, 5938, 5939, 5940, 5941, 5942,5943, 5944, 5945, 5946, 5947, 5948, 5949, 5950, 5951, 5952, 5953, 5954, 5955, 5956, 5957, 5958, 5959, 5960, 5961, 5962 e 5963, tendo declarado “que os lotes de terreno adquiridos se destinam a revenda” (cfr.cópia da escritura pública junta a fls.7 a 17 do processo administrativo apenso, que se dá por reproduzida);
3-A aquisição dos referidos lotes de terreno foi registada na contabilidade da autora na conta 31 - “compras” (cfr.balancete de razão, datado de 31/12/2003, e junto a fls.18 do processo administrativo apenso; depoimento da testemunha N...);
4-Saldada a conta no final do ano, por apuramento das mercadorias vendidas, estes imóveis transitaram para a conta 32 - “mercadorias” (cfr.balanço e contas do exercício de 2003 junto a fls.20 a 32 do processo administrativo apenso; depoimento da testemunha N...);
5-Em 16/04/2004, a autora apresentou o pedido para efeitos de suspensão da tributação em sede de IMI (cfr.documentos juntos a fls.56 a 58 do processo administrativo apenso);
6-Por escritura pública celebrada em 19/07/2007 a autora vendeu à "E... - Sociedade Europeia de Imobiliário, S.A." os 63 lotes de terreno identificados no nº.2 supra (cfr.cópia da escritura junta a fls.11 a 32 dos presentes autos, que se dá por reproduzida);
7-Em 12/12/2007, foi prestada informação no S. F. de ... que refere, na parte relevante, o seguinte:
“(...)
Apesar de, à data da aquisição, já se encontrar em vigor o DL nº. 287/2003, de 12.11, o SP não cumpriu o disposto no artº 15º do mesmo, tendo apresentado as declarações mod 1 do IMI em 2007.07.25, após notificação deste Serviço através do ofício nº 2567, de 2007.07.05.
Assim informo V. Exa.:
- A comunicação foi fora do prazo de 60 dias previsto no artigo referido.
- O SP não tem dívidas em execução fiscal.
- O SP apresentou certidão da Segurança Social.
- Em face do informado e atendendo a data de entrega das declarações mod. 1 do IMI parece-me ser de não reconhecer o presente pedido de não sujeição.
(...)”.
(cfr.informação constante de fls.90 do processo administrativo apenso);
8-Na mesma data, o Chefe do Serviço de Finanças de ... proferiu o seguinte despacho:
“Face à informação que antecede, não reconheço o pedido de não sujeição solicitado nos termos da alínea e) do artigo 9.º do Código do IMI.
(...)”.
(cfr.documento junto a fls.91 do processo administrativo apenso, que se dá por reproduzido);
9-Em 02/01/2008, a autora apresentou recurso hierárquico (cfr.documentos juntos a fls. 47 a 50 do processo administrativo apenso);
10- Em 26/11/2008, com base na informação elaborada, foi proferido projecto de despacho de indeferimento, com os seguintes fundamentos:
“(…)
Ora, da análise dos documentos contabilísticos apresentados pelo contribuinte não se consegue apurar se os lotes foram devidamente contabilizados como “Mercadorias” e quando, pelo que não se encontra demonstrado, sem margem para dúvidas, a afectação dos mesmos para venda.
(…).”
(cfr.informação constante de fls.38 a 42 do processo administrativo apenso, que se dá por integralmente reproduzida);
11-Notificada do projecto de decisão, a 12/02/2009, a autora exerceu o seu direito de audição e juntou documentos destinados a comprovar que os prédios adquiridos foram registados em Dezembro de 2003, na conta 31 do POC (cfr.documentos juntos a fls.4 a 32 do processo administrativo apenso, que se dão por integralmente reproduzidos);
12-Em 20/03/2009, a Subdirectora-Geral da Direcção de Serviços de IMI proferiu decisão de indeferimento do recurso hierárquico, com base na informação elaborada, da qual se destaca o seguinte:
“(…)
Porém, os documentos que a recorrente apresentou nada acrescentam aos que já constavam do processo não reflectindo o destino dos bens. Confirmam apenas o que já se sabia, que os prédios se encontravam contabilizados na Conta 31 em 31 de Dezembro de 2003.
Ora, tal como já foi referido na nossa Informação n.º 19718/08, é necessário que a contabilidade das empresas que pretendem aproveitar do regime de suspensão da tributação de IMI reflicta inequivocamente a afectação dos imóveis.
Assim, por não se encontrarem reunidos os pressupostos, sou de opinião que o recurso hierárquico não merece provimento devendo manter-se o despacho recorrido com todas as consequências legais.
(…)”.
(cfr.documentos juntos a fls.33 a 35 do processo administrativo apenso, que se dão por integralmente reproduzidas).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não existem factos que importe registar como não provados, com interesse para a decisão da causa…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou do exame dos documentos, não impugnados, e no depoimento da testemunha inquirida, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório.
A testemunha inquirida demonstrou ter um conhecimento directo dos factos sobre os quais foi inquirida, tendo respondido com convicção e clareza…”.
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Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apenso, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa igualmente relevante para a decisão do recurso e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
13-O pedido para efeitos de suspensão da tributação em sede de I.M.I., identificado no nº.5 do probatório supra e incidente sobre os imóveis mencionados no nº.2 da matéria de facto, fundamentou-se na alegada aquisição de prédios para revenda por parte da sociedade requerente, imóveis estes que passaram a fazer parte das existências da empresa em Dezembro de 2003 (cfr.documentos juntos a fls.56 a 58 do processo administrativo apenso).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente procedente a presente acção administrativa especial e, em consequência, condenou a Autoridade demandada a, no prazo de dez dias após o trânsito em julgado, reconhecer o direito de não sujeição a I.M.I., formulado pela autora e relativo ao ano de 2005.
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Aduz o apelante, em primeiro lugar, que o acto objecto dos autos, conforme confirmou a própria sentença, é o acto de indeferimento do recurso hierárquico. Que a questão da falta atempada da entrega das declarações modelo 1 de I.M.I., a qual obstava ao reconhecimento do direito à não sujeição a I.M.I., foi argumento da decisão do Chefe do S. F. de ..., que não foi carreado para o recurso hierárquico. Que o Tribunal "a quo" se pronunciou sobre esta questão. Que o Tribunal "a quo", ao se ter pronunciado sobre esta questão, como sendo um fundamento do acto que estava a ser julgado, incorreu em excesso de pronúncia (cfr.conclusões 9 a 13 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, segundo percebemos, consubstanciar um vício de nulidade da sentença recorrida, devido a excesso de pronúncia.
A sentença nula é a que está inquinada por vícios de actividade (erros de construção ou formação), os quais devem ser contrapostos aos vícios de julgamento (erros de julgamento de facto ou de direito). A nulidade da sentença em causa reveste a natureza de uma nulidade sanável ou relativa (por contraposição às nulidades insanáveis ou absolutas), sendo que a sanação de tais vícios de actividade se opera, desde logo, com o trânsito em julgado da decisão judicial em causa, quando não for deduzido recurso (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6608/13; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.122 e seg.).
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, o excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes. Por outras palavras, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “ultra petita”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 143 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690 e seg.; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o excesso de pronúncia (vício de “ultra petita”), como causa de nulidade da sentença, está este previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no último segmento da norma (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 10/3/2011, rec.998/10; ac.S.T.A-2ª.Secção, 15/9/2010, rec.1149/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/1/2012, proc.5265/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/7/2013, proc.6817/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6832/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.366 e seg.).
No caso “sub judice”, manifestamente, o recorrente não tem razão.
Desde logo, porque a sociedade autora faz referência ao despacho do Chefe do Serviço de Finanças de ... identificado no nº.8 do probatório supra no articulado inicial, terminando mesmo a pedir a sua revogação.
Também a entidade recorrente faz expressa referência ao dito despacho na contestação cujo original se encontra junto a fls.76 a 80 dos autos, nomeadamente no seu artº.7, mais terminando a pedir a manutenção do citado despacho.
Analisando, agora, a sentença recorrida, exarada a fls.119 a 128 dos presentes autos, na fundamentação jurídica começa por examinar os fundamentos do despacho de indeferimento do recurso hierárquico, identificado no nº.12 do probatório, terminando a considerar procedentes as alegações da autora nesta parte. Após, e porque as partes assim o pediram, examina o fundamento do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de ... identificado no nº.8 do probatório, concluindo, mais uma vez, pela procedência dos argumentos da autora.
Por último, recorde-se que no processo contencioso administrativo, com a reforma que entrou em vigor em 2004, se operou o reforço dos poderes dos Tribunais Administrativos, nomeadamente, no plano dos poderes de pronúncia que aos mesmos são conferidos em sede do processo declarativo (cfr.v.g.artº.46, do C.P.T.A.; Joaquim Manuel Charneca Condesso, Contencioso de plena jurisdição e processo contencioso tributário, 10º. Aniversário do T.C.A. Sul, Conferências Comemorativas, Edição da Ordem dos Contabilistas Certificados, Lisboa, 2016, pág.205 e seg.).
Em conclusão, o Tribunal "a quo" moveu-se dentro dos parâmetros das questões que lhe foram postas pelas partes, pelo que a sentença não incorreu em pronúncia excessiva, assim se julgando improcedente este esteio do recurso.
Aduz, igualmente, o recorrente que dos documentos contabilísticos apresentados não se consegue, com certeza e convicção, considerar a contabilização dos lotes de terreno em conta do activo circulante "conta 32 de mercadorias" e que demonstre que os bens se destinavam a venda. Que em concreto, o número 4 dos factos provados, em que se refere a "conta 32 mercadorias", a sentença recorrida nada retira de demonstrativo, ou seja, limita-se a referir a página, sem dar a conhecer como chegou à conclusão de que os lote em questão estão aí contabilizados. Que o depoimento prestado pela testemunha arrolada pela autora não pode ter um peso ou relevância superior ao da prova documental, porquanto a lei manda ater à contabilização dos bens para aferir a situação de suspensão da tributação. Que os factos contabilísticos são concretizados em documentos, documentos estes que têm de ser claros e inequívocos e não podem ser substituídos por prova testemunhal. Que da correcta e inequívoca contabilização dos bens, decorre e comprova­se o seu destino à venda, o qual, consequentemente, também não ficou aí demonstrado e provado. Que não se pode aceitar a decisão de que a contabilização efectuada pela autora reflecte, inequivocamente, que tais imóveis se destinavam a revenda, no estado em que se encontravam e, como tal, que faziam parte do seu activo circulante, uma vez que não tem suporte em qualquer das provas utilizadas, quer a documental, quer a testemunhal (cfr.conclusões 2 a 8 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar, supomos, um erro de julgamento de facto da sentença recorrida.
Dissequemos se a decisão do Tribunal "a quo" padece de tal vício.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13).
Tal ónus rigoroso deve considerar-se mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 27/02/2014, proc.7205/13).
Por outro lado, no que concretamente diz respeito à produção de prova testemunhal, refira-se que se a decisão do julgador estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.6280/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6418/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/11/2014, proc.8060/14).
No caso concreto, não pode deixar de estar votado ao insucesso o fundamento do recurso em análise devido a manifesta falta de cumprimento do ónus mencionado supra, desde logo, quanto aos concretos meios probatórios (tanto relativos à prova testemunhal como à prova documental), constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre a matéria de facto, diversa da adoptada pela decisão recorrida. Por outro lado, igualmente não cumpre o ónus de especificar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Arrematando, este Tribunal não tem obrigação de conhecer do presente esteio da apelação.
Apesar disso, sempre se dirá que este Tribunal concorda com o conteúdo dos nºs.3 e 4 da matéria de facto provada, levando em consideração, antes de mais, o teor dos documentos juntos a fls.18 e 20 a 32 do processo administrativo apenso. Por outro lado, a prova incidente sobre os pressupostos do regime de não sujeição a imposto dos prédios para venda constante do artº.9, do C.I.M.I., admite outros meios de prova, que não somente a documental, mais se devendo relembrar que cabe à Fazenda Pública o ónus da prova da verificação dos pressupostos da tributação (cfr.artº.74, nº.1, da L.G.T.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 4/2/2009, rec.873/08).
Mais alega o recorrente, em síntese, que não têm qualquer sustentabilidade na prova produzida os argumentos aduzidos na sentença do Tribunal "a quo", relativamente ao decidido direito à suspensão da tributação, com base no artº.9, nº.1, al.e), do C.I.M.I., assim se devendo manter o despacho de indeferimento do pedido de suspensão de I.M.I., por ser legal e conforme com a lei (cfr.conclusões 1 e 14 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, supõe-se, consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece deste vício.
No exame do presente recurso, desde logo, se deve recordar que o apelante não impugna a factualidade provada constante da sentença recorrida no âmbito do salvatério que deduz para este Tribunal (cfr.artº.640, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), nos termos previstos na lei.
Avancemos.
O Imposto Municipal sobre Imóveis, criado pelo Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (I.M.I. - aprovado pelo dec.lei 287/2003, de 12/11), tributo que substituiu a Contribuição Autárquica, deve considerar-se um imposto sobre o património que incide sobre o valor dos prédios situados no território de cada município, dividindo-se, de harmonia com a classificação dos mesmos prédios, em rústico e urbano. O sujeito passivo da relação jurídico-tributária de I.M.I. é aquele que em 31 de Dezembro do ano a que diz respeito o tributo tenha o uso e fruição do prédio, seja proprietário ou usufrutuário, e a matéria colectável do imposto (pressuposto objectivo genérico de qualquer relação jurídico-tributária) é constituída pelo valor tributável dos prédios, o qual consiste no seu valor patrimonial (cfr.preâmbulo e artºs.1, 2, 7 e 8, do C.I.M.I.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª. edição, 2007, pág.53 e seg.; Esmeralda Nascimento e Márcia Trabulo, Imposto Municipal sobre Imóveis, Notas práticas, Almedina, 2004, pág.15 e seg.).
Se a aquisição e a posse de imóveis são, em condições normais, factos reveladores de riqueza, já não o será tanto assim quando os adquirentes e proprietários são empresas que exercem actividade de compra de prédios para revenda, para quem esses imóveis são apenas a mercadoria com que exercem a sua actividade comercial. A existência de um imóvel destinado a venda no património de uma empresa que exerça aquela actividade, não é uma manifestação de riqueza e, por isso, não deve ser tributada em I.M.I., desde que, naturalmente, esse imóvel seja mantido no seu activo permutável. O I.M.I. não é um imposto que incida sobre as mercadorias detidas pelas empresas, pelo que os imóveis que são mercadorias das empresas que os compram e vendem, não devem pagar tal imposto. Pelo contrário, a existência de um prédio no activo imobilizado de uma empresa já é uma manifestação de riqueza que deve ser tributada em sede do I.M.I.
Recorde-se que o activo das empresas se divide sempre entre o imobilizado, destinado a uso e fruição pela empresa e não a venda, e o activo permutável (ou circulante, na terminologia da lei), destinado, esse sim, a venda. Por outras palavras, os elementos do activo imobilizado (por contraposição ao activo circulante) são os recursos que uma empresa utiliza para realizar as suas operações (objecto social) e que não se destinam a venda no âmbito da sua actividade operacional (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/6/2015, proc.8630/15; José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 2011, pág.403 e seg.).
O Código do IMI estabelece para estes prédios um regime de não sujeição durante o período que medeia entre a sua aquisição e a sua revenda. Para evitar eventuais situações de utilização abusiva deste regime, o legislador parte do pressuposto de que o período médio de rotação de stocks destas empresas é de três anos, pelo que é esse o período durante o qual esses imóveis não estão sujeitos a I.M.I.
Para que as empresas que exercem este tipo de actividades possam beneficiar deste regime, a lei consagra os seguintes pressupostos (cfr.artº.9, nº.1, al.e), do C.I.M.I.):
1-O exercício da actividade de compra de prédios para revenda pela empresa titular do imóvel;
2-A afectação dos imóveis ao activo circulante e a sua correspondente relevação contabilística, vector que reflecte a intenção da administração da empresa de efectuar a sua venda, e é essa decisão e intenção, materializada nesse acto, que é constitutiva do direito à não tributação em I.M.I.
O citado artº.9, do C.I.M.I., estabelece o momento temporal a partir do qual os prédios ficam sujeitos a I.M.I., sendo, por isso mesmo, uma norma de incidência. Por essa razão, o regime de não tributação dos prédios adquiridos para revenda por empresas que exercem essa actividade, durante os três períodos de imposto seguintes à sua aquisição, é um regime de não sujeição de imposto, e não um benefício fiscal. Esta distinção não tem importância meramente académica, uma vez que se se tratasse de um benefício fiscal não seria aplicável às empresas com dívidas fiscais, como resulta do artº.13, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (cfr.José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 2011, pág.414 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, como resulta da matéria de facto provada, a aquisição dos referidos imóveis foi registada na contabilidade da autora na conta 31, relativa a “compras” (cfr.nº.3 dos factos provados) e foi saldada no final do ano, transitando os referidos bens para a conta 32 “mercadorias” (cfr.nº.4 dos factos provados). As referidas contas, são ambas da classe 3 do POC (e também actualmente do SNC), relativa a “existências”. A conta 31 do POC “compras” (ou 312, “mercadorias”) é uma conta que regista a compra de mercadorias, incluindo as despesas adicionais da compra. Esta é uma conta de passagem, destinada a evidenciar as compras, cujo montante será posteriormente transferido para as contas a que, especificamente, respeitam (nomeadamente, para a conta 32). Já a conta 32 (“mercadorias”) é uma conta que regista os bens adquiridos pela empresa com destino a venda, desde que não sejam objecto de trabalho posterior de natureza industrial e que se debita por contrapartida da conta 312 do POC - 311 do actual SNC (cfr.António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, Editora Rei dos Livros, 8ª. Edição, 2000, pág.181 e seg.).
Desta forma, a contabilização efectuada pela autora reflecte, inequivocamente, que tais imóveis se destinavam a revenda no estado em que se encontravam e, como tal, que faziam parte do seu activo circulante.
Concluindo, não vislumbra o Tribunal “ad quem” que a sentença recorrida padeça do examinado erro de julgamento de direito, assim sendo forçoso julgar improcedente este fundamento da apelação, mais se confirmando a decisão recorrida neste segmento.
Rematando, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 25 de Janeiro de 2018



(Joaquim Condesso - Relator)



(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Lurdes Toscano - 2º. Adjunto)