Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12/13.4BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/25/2021
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:IRREGULARIDADE DA NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO
FALTA DE COMUNICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS
Sumário:A irregularidade da notificação da liquidação por falta de comunicação dos fundamentos que a motivam não resulta a inexigibilidade da dívida, se daquele acto de notificação constar o montante da quantia liquidada e o termo do prazo de pagamento voluntário, momento a partir do qual a respectiva dívida se torna coercivamente exigível (cfr. art. 88.º, n.º 1, do CPPT).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO
L..... S.A., com os sinais nos autos, veio, em conformidade com o artigo 282.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, interpor recurso da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, de 23 de março de 2020, a qual julgou improcedente a oposição deduzida por si ao processo de execução fiscal n.º ....., que lhe foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Mafra para cobrança coerciva de dívidas de IVA respeitantes aos anos de 2008 e de 2009, no montante total de € 747.320,41. Mais, aquela sentença, ficou à causa o valor de € 747.320,41 e condenou a Oponente nas custas.

A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes:

a) Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida no processo de oposição à execução n.º 12/13.4BELRS;
b) Em síntese, o Tribunal a quo julgou a oposição á execução fiscal improcedente pois considera que os vícios da notificação se degradam em mera irregularidade sendo a dívida exigível;
c) A Recorrente não se pode conformar com tal entendimento, atentatório do disposto no n.º 3 do artigo 268.º da CRP;
d) O objectivo da Lei, quer ordinária quer constitucional, é o de proteger os destinatários das notificações garantindo que o órgão administrativo junta todos os elementos necessários à correcta compreensão (por parte do visado) do acto que recebe;
e) Assim sendo a interpretação que o Tribunal a quo faz do regime previsto no CPPT – cfr. artigos 36.º a 39.º -, é manifestamente inconstitucional por violação do n.º 3 do artigo 268.º, da CRP;
f) O artigo 77.º, da LGT determina que os actos devem ser fundamentados, com a expressa menção a todos os elementos fácticos e legais;
g) Tal não aconteceu no caso concreto como, aliás, o Tribunal a quo reconhece;
h) Inexistem pois dúvidas sobre a violação do artigo 77.º, n.ºs 1 e 2 da LGT;
i) Omissão essa que implicou limitações severas ao direito de defesa da Recorrente;
j) Prejuízo esse que é sancionado pelo sistema jurídico e constitucional com a invalidade da notificação por omissão de elementos essenciais.
k) Essencialidade essa que é critério de inclusão da protecção de tal direito no texto constitucional.
l) De igual modo, importa referir que o artigo 37.º, n.º 1, do CPPT comporta uma mera faculdade e não um ónus que recai sobre o visado pela notificação, como a Recorrente foi;
m) Assim, a não utilização de tal faculdade por parte da Recorrente, não tem como consequência a sanação da invalidade da notificação por omissão dos seus elementos essenciais.
n) Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 36.º, do CPPT os actos em matéria tributária só produzem efeitos quando (e se) validamente notificados;
o) E, nos termos do n.º 2 da mesma disposição legal “As notificações conterão sempre a decisão, os seus fundamentos e meios de defesa e prazo para reagir contra o acto notificado, bem como a indicação da entidade que o praticou e se o fez no uso de delegação ou subdelegação de competências.”
p) É, pois inequívoco que os actos de liquidação não foram validamente notificados à Recorrente e, consequentemente, não lhe são oponíveis e são inaptos a produzirem efeitos na sua esfera.
q) Deste modo, atentas as referidas disposições legais (artigo 77.º da LGT e artigos 36.º a 39.º, do CPPT) e constitucionais (artigo 268.º, n.º 3, da CRP) e atentos os fundamentos previstos nas alíneas e) e i), do artigo 204.º, do CPPT, todos preceitos violados na Sentença de que se recorre, deve o presente recurso proceder e a referida Sentença, porque prolatada com erro de julgamento, anulada em conformidade.

NESTES TERMOS, E NOS MAIS DE DIREITO, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULGADO TOTALMENTE PROCEDENTE, E ASSIM, REVOGADA E ANULADA A SENTENÇA RECORRIDA, PORQUE EIVADA DE ERRO DE JULGAMENTO E VIOLAÇÃO DAS NORMAS E PRINCÍPIOS JURÍDICOS VIGENTES, COM AS NECESSÁRIAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.”
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A AT, aqui Recorrida, notificada, não apresentou contra-alegações.
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Notificado, o Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto

A sentença recorrida deu por provados os seguintes factos:
A) Em 19-06-2012, foram emitidas em nome da Oponente, as liquidações de IVA n.ºs ..... e correspondentes liquidações de juros compensatórios n.ºs ....., praticados com referência aos períodos de 0801, 0802, 0803, 0804, 0805, 0806, 0807, 0808, 0809, e bem assim, os actos de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado n.ºs ....., praticados com referência aos períodos de 0901, 0902, 0903, 0904, 0905, 0906, 0907, 0908, 0909 e 0911 e correspondentes actos de liquidação de juros compensatórios n.ºs ..... - docs. n.ºs 3 a 42, juntos com a douta petição de oposição;
B) A Oponente foi regularmente notificada das liquidações, identificadas em A), nas datas constantes dos documentos, juntos de fls. 302 a fls. 385 do SITAF, cujo conteúdo aqui se por integralmente reproduzido, sendo que, todas as notificações ocorreram no ano de 2012 - facto não controvertido e citados documentos juntos de fls. 302 a fls. 385 do SITAF;
C) Dos ofícios expedidos para notificação à Oponente das liquidações referidas em A), consta, com relevo para os autos, o seguinte:
“(…) Notificação
Fica V. Exa. notificado para, até à data fixada para o pagamento voluntário, e mediante apresentação deste documento de cobrança, efectuar nos locais de pagamento mencionados no verso, o pagamento da importância aqui referida. Findo esse prazo, sem que se mostre efectuado esse pagamento, proceder-se-á, nos termos do art.º 88.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, à extração de certidão de dívida, para instauração do processo executivo. Da liquidação efectuada, poderá V. Exa. apresentar, no Serviço de Finanças competente, reclamação graciosa ou impugnação judicial, nos termos dos art.ºs 70.º e 102.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário (…)”;
- cf. citados documentos n.ºs 3 a 42 juntos com a petição de oposição;
D) De cada uma das notificações, referentes às liquidações, identificadas em A), consta ainda o valor a pagar, a data limite para pagamento voluntário e a advertência de que, caso não seja efectuado o pagamento no decurso do prazo voluntário, será emitida certidão de dívida para instauração de execução, nos termos do artigo 88.º do CPPT - cf. citados documentos de fls. 3 a 42 juntos com a petição de oposição;
E) De cada uma das notificações, referentes às liquidações, identificadas em A), consta ainda, sob a rubrica: “Fundamentação”, que a “liquidação adicional foi emitida com base em correcção efectuada pelos Serviços de Inspecção Tributária, com recurso a métodos indirectos”, constando ainda os períodos temporais, a que cada uma das liquidações se refere, o valor da liquidação correctiva, o valor da liquidação anterior e o valor da liquidação adicional - cf. citados documentos de fls. 3 a 42 juntos com a petição de oposição;
F) Das notificações, relativas às liquidações, identificadas em A), referentes a juros compensatórios, consta ainda sob a rubrica “Fundamentação”, que os “Juros compensatórios são liquidados nos termos do n.º1 do artigo 96.º do CIV e do artigo 31.º da LGT, por ter sido retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto, por facto imputável ao sujeito passivo”, constando ainda o montante de Imposto em falta sobre o qual incidem os juros, os períodos a que respeitam as taxas de juros e as taxas de juro aplicáveis – citados docs. n.º2 3 a 42;
Não tendo a Oponente procedido ao pagamento das liquidações referidas nas alíneas antecedentes, foram emitidas as seguintes certidões de dívida, no montante global de 747.320,41:
- cf. certidões de dívida de fls. 2 e seguintes do PEF apenso aos autos;


G) Em 22-09-2012, foi instaurado contra a Oponente o processo de execução fiscal n.º ....., pelo Serviço de Finanças de Mafra, para cobrança coerciva das dívidas de IVA referentes às liquidações, identificadas em A) - cf. autuação de fls. 3 do PEF, apenso aos autos;
H) Em 24-09-2012, foi remetido, à Oponente, ofício de citação pessoal, donde que consta que contra ela foi instaurado o processo de execução fiscal identificado em H) e que dispõe do prazo de 30 dias para proceder ao pagamento da dívida exequenda e acrescido - cf. ofício de citação de fls. 254 e seguintes do PEF apenso aos autos;
I) O referido ofício foi devolvido ao Serviço de Finanças de Mafra - cf. aviso dos CTT, de fls. 254 do PEF, apenso aos autos;
J) Em 29-10-2012, foi remetida ao representante legal da Oponente nova citação – 2.ª tentativa – cf. fls. 255 do PEF, apenso aos autos;
K) Do aviso de recepção da segunda citação pessoal consta a declaração, datada de 30-10-2012, de que na impossibilidade de entrega, foi depositado tal ofício no recetáculo postal da morada indicada na citação - cf. aviso dos CTT, de fls. 256 verso do PEF, apenso aos autos;
L) A presente oposição foi apresentada no dia 28-11-2012, no respetivo serviço de finanças - cf. fls. 2 dos autos.”
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No que respeita a factos não provados, refere a sentença o seguinte: “Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.
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A convicção do Tribunal assentou nos “documentos e informações oficiais constantes dos autos e do PEF, conforme é especificado a propósito de cada uma das alíneas do probatório, sendo que, o conteúdo dos referidos documentos não foi impugnado por qualquer uma das partes.

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II.2. De Direito
Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou improcedente a presente oposição, com a seguinte fundamentação, em síntese:
«Na linha da invocada jurisprudência, da qual não vislumbramos motivo para divergir, concluímos que não procede o fundamento de oposição à execução fiscal invocado pelo Oponente, designadamente à face da alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.
Aliás, conforme consta do probatório, da notificação das liquidações em apreço não só consta o valor a pagar e a data limite para o pagamento voluntário, como consta a respectiva Fundamentação: que a “liquidação adicional foi emitida com base em correcção efectuada pelos Serviços de Inspecção Tributária, com recurso a métodos indirectos”, constando ainda os períodos temporais, a que cada uma das liquidações se refere, o valor da liquidação correctiva, o valor da liquidação anterior e o valor da liquidação adicional.
E, das notificações, relativas às liquidações de juros compensatórios, consta ainda sob a rubrica “Fundamentação”, que os “Juros compensatórios são liquidados nos termos do n.º 1 do artigo 96.º do CIV e do artigo 31.º da LGT, por ter sido retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto, por facto imputável ao sujeito passivo”, bem como o montante de Imposto em falta sobre o qual incidem os juros, os períodos a que respeitam as taxas de juros, e as taxas de juro aplicáveis.»

Inconformada, veio a oponente interpor recurso da referida decisão alegando [conclusões de recurso e) a n)] que Assim sendo a interpretação que o Tribunal a quo faz do regime previsto no CPPT – cfr. artigos 36.º a 39.º -, é manifestamente inconstitucional por violação do n.º 3 do artigo 268.º, da CRP; O artigo 77.º, da LGT determina que os actos devem ser fundamentados, com a expressa menção a todos os elementos fácticos e legais; Tal não aconteceu no caso concreto como, aliás, o Tribunal a quo reconhece; Inexistem pois dúvidas sobre a violação do artigo 77.º, n.ºs 1 e 2 da LGT; Omissão essa que implicou limitações severas ao direito de defesa da Recorrente; Prejuízo esse que é sancionado pelo sistema jurídico e constitucional com a invalidade da notificação por omissão de elementos essenciais. Essencialidade essa que é critério de inclusão da protecção de tal direito no texto constitucional. De igual modo, importa referir que o artigo 37.º, n.º 1, do CPPT comporta uma mera faculdade e não um ónus que recai sobre o visado pela notificação, como a Recorrente foi; Assim, a não utilização de tal faculdade por parte da Recorrente, não tem como consequência a sanação da invalidade da notificação por omissão dos seus elementos essenciais. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 36.º, do CPPT os actos em matéria tributária só produzem efeitos quando (e se) validamente notificados;

Vejamos.
No entendimento da recorrente os actos de liquidação que não forem validamente notificados à recorrente não lhe são oponíveis e são inaptos a produzirem efeitos na sua esfera (conclusão p)).
Ora, sobre esta matéria existe já Jurisprudência reiterada e uniforme dos Tribunais Superiores que contrariam o alegado pela recorrente.
A título de exemplo, veja-se o Acórdão do STA de 08/02/2017, Proc. 01018/16, disponível em www.dgsi.pt, onde se escreveu o seguinte:

«2.2.3 DA NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO E SUA EFICÁCIA

O ora Recorrente invocou desde a petição inicial como fundamento da presente oposição à execução fiscal que «não foi notificado da fundamentação subjacente» à liquidação que deu origem à dívida exequenda, em violação do disposto no art. 36.º, n.º 2, do CPPT e no art. 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, que a falta de comunicação dessa fundamentação gera a invalidade da notificação e, consequentemente, a ineficácia da liquidação comunicada, como decorre do disposto no art. 36.º, n.º 1, do CPPT e no art. 77.º, n.º 6, da LGT; que, sendo a liquidação ineficaz relativamente ao Oponente e sua mulher, não pode produzir efeitos jurídicos, sendo por isso inexequível, o que constitui fundamento de oposição à execução fiscal subsumível à alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.

(…)

O que está em causa nos autos é, muito claramente, uma irregularidade da notificação, por falta de comunicação da fundamentação da liquidação de IRS do ano de 2003, e não a legalidade dessa liquidação, que na petição inicial nunca é posta em causa.


No entanto, essa irregularidade da notificação, contrariamente ao que sustenta o Recorrente, não tem como consequência a inexequibilidade da dívida respeitante a essa liquidação, como tem vindo a decidir reiterada e uniformemente este Supremo Tribunal (
Vide os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 16 de Setembro de 2009, proferido no processo n.º 611/09, publicado no
Apêndice ao Diário da República de 30 de Novembro de 2009 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32230.pdf), págs. 1329 a 1333, também disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/30b30540948276968025763c00473083;
- de 7 de Outubro de 2009, proferido no processo n.º 128/09, publicado no
Apêndice ao Diário da República de 19 de Abril de 2010 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32240.pdf), págs. 1426 a 1431, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b5998d93a750a2128025764d0046f77d;
- de 18 de Novembro de 2009, proferido no processo n.º 801/09, publicado no
Apêndice ao Diário da República de 19 de Abril de 2010 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32240.pdf), págs. 1824 a 1829, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/5dbc30ba9198bc9b8025767b003fae8b;
- de 25 de Novembro de 2009, proferido no processo n.º 552/09, publicado no
Apêndice ao Diário da República de 19 de Abril de 2010 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32240.pdf), págs. 1875 a 1880, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9817e1cb68dab24b802576810043190f;
- de 12 de Janeiro de 2011, proferido no processo n.º 789/10, publicado no
Apêndice ao Diário da República de 11 de Agosto de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2011/32210.pdf), págs. 55 a 58, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ac4e74f792dcafdc8025781e00587da2;
- de 22 de Janeiro de 2014, proferido no processo n.º 1108/13, publicado no
Apêndice ao Diário da República de 15 de Setembro de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32210.pdf), págs. 210 a 213, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/04d507f03031e44380257c6e005bd46a.), com o apoio da doutrina (JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, I volume, anotação 7 b) ao art. 37.º, págs. 358/359.).

Na verdade, da irregularidade da notificação da liquidação por falta de comunicação dos fundamentos que a motivam não resulta a inexigibilidade da dívida, se daquele acto de notificação constar o termo do prazo de pagamento voluntário, momento a partir do qual a respectiva dívida se torna coercivamente exigível (cfr. art. 88.º, n.º 1, do CPPT).

Recordemos aqui o que ficou dito no acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 7 de Outubro de 2009, proferido no processo n.º 128/09) (A nota que no original estava em rodapé será transcrita no texto, entre parêntesis rectos.):

«Quando não é efectuada uma notificação do acto de liquidação e é instaurada execução fiscal, está-se perante um fundamento de oposição à execução fiscal enquadrável na alínea i) do n.º do art. 204.º do CPPT, como tem vindo a entender uniformemente este Supremo Tribunal Administrativo.

O regime previsto no art. 37.º, n.ºs 1 e 2, e 39.º, n.º 9, do CPPT é o de que, fora dos casos previstos nesta última disposição, em que a notificação se considera nula (2) [(2) Indicação do autor do acto e, no caso de este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do seu sentido e da sua data. Nestes casos de nulidade, a notificação não produzirá quaisquer efeitos jurídicos, como resulta do art. 134.º, n.º 1, do CPA], o acto de comunicação ao destinatário de um acto em matéria tributária que não o informa de todos os elementos do acto notificado só é irrelevante para efeitos de determinação dos prazos de reacção contra o acto notificado, por via administrativa ou judicial, e mesmo esta única consequência apenas ocorre se for utilizada a faculdade prevista no n.º 1 daquele art. 37.º.

Na verdade, por um lado, fora dos casos de nulidade previstos no art. 39.º, n.º 9, é aquela a única consequência prevista para a irregularidade da notificação, no referido n.º 2 do art. 37.º.

O facto de apenas nos casos previstos no art. 39.º, n.º 9, do CPPT a não observância dos requisitos legais das notificações implicar a sua nulidade, que tem como consequência a eliminação jurídica da totalidade dos efeitos do acto que dela enferma (art. 134.º, n.º 1, do CPA), revela que se pretendeu legislativamente que, em todos os outros casos de não observância dos requisitos legais, a notificação irregular produza todos os efeitos para os quais é idónea, com excepção da determinação do início dos prazos de reacção contra o acto notificado, no caso de vir a ser usada a faculdade prevista no n.º 1 deste art. 37.º.

Por outro lado, o facto de não se exigir, para regularização da situação gerada com a notificação irregular, a realização de uma nova notificação substituindo a anterior, mas apenas a «notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha» (n.º 1 deste art. 37.º), confirma que se pretendeu que se mantenham os efeitos produzidos pela notificação dos elementos não omitidos, pois não se impõe que eles sejam comunicados novamente. À mesma conclusão conduz o facto de, se não for pedida, no prazo legal, a comunicação dos requisitos omitidos, a notificação produzir todos os seus efeitos, como se os contivesse.

Sendo assim, a notificação sem todos os requisitos exigidos, mas que contenha aqueles sem os quais ela é considerada nula, indicados no n.º 9 do art. 39.º do CPPT, não deixará de valer como acto de comunicação ao destinatário quanto a tudo o que comunicou, produzindo os efeitos próprios de uma notificação quanto àquilo de que o informou, só não produzindo, no caso de o destinatário utilizar tempestivamente a faculdade prevista no art. 37.º, n.º 1, do CPPT, o efeito de determinar o início dos prazos de impugnação administrativa e contenciosa do acto notificado.

Por isso, no caso dos autos, tendo a Impugnante utilizado a faculdade prevista no art. 37.º, n.º 1, do CPPT, a notificação sem comunicação da totalidade dos elementos que foi concretizada através da afixação da respectiva nota não é relevante para determinar o início dos prazos de reacção contra o acto notificado (n.º 2 do referido art. 37.º).

Mas, essa notificação […] é relevante para outros fins, designadamente, se tiver sido comunicado ao destinatário o montante a pagar e o prazo de pagamento voluntário da dívida liquidada, para determinar o início desse prazo e, consequentemente, também a subsequente possibilidade de cobrança coerciva, nos termos dos arts. 85.º e 86.º do CPPT, que nasce com o decurso do prazo de pagamento voluntário sem que ele seja efectuado.

Isto é, tendo a comunicação efectuada aptidão para informar o destinatário sobre o montante da quantia liquidada e o prazo de pagamento voluntário e não sendo afastada por lei a relevância da notificação para este fim, quando ocorrer omissão de indicação da fundamentação de facto e de direito, tem de se concluir a notificação produz o seu efeito útil que lhes está legalmente associado de tornar eficaz o acto de liquidação em relação ao destinatário».
Na linha da invocada jurisprudência, da qual não vislumbramos motivo para divergir, concluímos que não procede o fundamento de oposição à execução fiscal invocado pelo Oponente, designadamente à face da alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.»

Concordamos inteiramente com os fundamentos do Acórdão supra citado, que fazemos nossos, e na sua esteira concluímos que a irregularidade da notificação da liquidação por falta de comunicação dos fundamentos que a motivam não resulta a inexigibilidade da dívida, se daquele acto de notificação constar o montante da quantia liquidada e o termo do prazo de pagamento voluntário, momento a partir do qual a respectiva dívida se torna coercivamente exigível (cfr. art. 88.º, n.º 1, do CPPT).

No presente caso, conforme factualidade provada, e como se escreveu na sentença recorrida «da notificação das liquidações em apreço não só consta o valor a pagar e a data limite para o pagamento voluntário, como consta a respectiva Fundamentação: que a “liquidação adicional foi emitida com base em correcção efectuada pelos Serviços de Inspecção Tributária, com recurso a métodos indirectos”, constando ainda os períodos temporais, a que cada uma das liquidações se refere, o valor da liquidação correctiva, o valor da liquidação anterior e o valor da liquidação adicional.
E, das notificações, relativas às liquidações de juros compensatórios, consta ainda sob a rubrica “Fundamentação”, que os “Juros compensatórios são liquidados nos termos do n.º1 do artigo 96.º do CIV e do artigo 31.º da LGT, por ter sido retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto, por facto imputável ao sujeito passivo”, bem como o montante de Imposto em falta sobre o qual incidem os juros, os períodos a que respeitam as taxas de juros, e as taxas de juro aplicáveis.»

Deste modo, forçoso é concluir que a sentença recorrida não violou qualquer preceito legal ou constitucional, tendo decidido com acerto e de acordo com a Jurisprudência reiterada, pelo que se tem de manter na ordem jurídica.
Termos em que improcede o presente recurso.

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Uma pequena nota final relativamente à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, nº 7 do RCP, tendo em consideração que o valor da causa foi fixado em € 747.320,41.

No caso concreto, ponderado o comportamento processual das partes litigantes, a complexidade do processo, e atendendo a que as questões decidendas não exigiram do julgador especiais e diversos conhecimentos técnicos e jurídicos, consideramos ser de dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 7, do RCP.



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III – DECISÃO
Termos em que, acordam os Juízes da 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e em consequência, manter a sentença recorrida.

Custas pela recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 7, do RCP.

Registe e notifique.

Lisboa, 25 de Março de 2021

[O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Maria Cardoso e Catarina Almeida e Sousa]


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[Lurdes Toscano]

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[Maria Cardoso]

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[Catarina Almeida e Sousa]