Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:159/04.8BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:10/08/2020
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:IRC,
ART. 23.º DO CIRC,
FUNDAMENTAÇÃO JUROS COMPENSATÓRIOS.
Sumário:I. O requisito de indispensabilidade previsto no art. 23.º do CIRC, na redação vigente à época, tem de ser aferido através de um juízo casuístico, não podendo associar-se ao êxito de gestão, não se confundindo com a sua oportunidade ou conveniência, não abrangendo apenas custos que direta e imediatamente conduzam à obtenção de ganhos ou à manutenção da unidade produtiva (nexo causal), antes abarcando igualmente custos que mediatamente visam esse fim;
II. Cabe à Autoridade Tributária o ónus de fundadamente pôr em causa a indispensabilidade de um determinado “custo”, através da evidenciação de indícios sólidos e consistentes da sua dispensabilidade “para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora” (art. 74.º, n.º 1, da LGT), face à presunção de veracidade de que goza as declarações dos contribuintes e os dados inscritos na sua contabilidade (art. 75.º, n.º 1 da LGT);
III. Os atos de liquidação de juros compensatórios devem conter uma fundamentação mínima exigível, nomeadamente, devem indicar a quantia sobre a qual os mesmos incidem, o período de tempo considerado para a liquidação e a taxa ou taxas aplicadas, com menção desses elementos no próprio ato de liquidação ou por remissão para documento anexo;
IV. Não se encontra fundamentada a liquidação de juros compensatórios que apenas alude à norma jurídica com base na qual são liquidados tais juros, e o montante total de juros compensatórios apurado.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA, com os demais sinais nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada por L….. –C…, Lda, contra o acto de liquidação adicional de IRC e juros compensatórios, referente ao ano de 1998.

A Recorrente apresentou as suas alegações e formulou as seguintes conclusões:

«CONCLUSÕES:
I. O presente recurso visa reagir contra a douta sentença declaratória da parcial procedência da impugnação, deduzida contra a liquidação adicional de IRC nº 8310….., relativa ao exercício de 1998, consequência da acção de inspecção levada a efeito pela Divisão de Inspecção Tributária de Lisboa.
II. O presente recurso limita-se à parte relativa às despesas contabilizadas pela impugnante como como deslocações aos EUA, à Argentina e ao Chile, bem como aos juros compensatórios, parte essa declarada procedente pela sentença judicial em causa e com a qual a Administração Fiscal não se conforma, pelos motivos abaixo expostos.
III. Tais despesas não foram aceites pela Administração Fiscal, como custos do exercício de 1998, uma vez que não foi detectado qualquer conexão entre a natureza destes custos e os proveitos gerados pela empresa.
IV. A douta sentença em crise, sobre esta questão, fundamenta o sentido da sua decisão com a seguinte conclusão, que se transcreve:
(...) Atendendo à actividade da impugnante, bem descrita nos autos e o seu relacionamento comercial, não se torna difícil estabelecer um nexo de causalidade entre a necessidade de efectuar viagens em causa, no sentido de angariar, promover junto de agências e participantes para os eventos referidos, de forma a cumprir os planos acordados com os seus clientes.
V. Ora, cabe-nos dizer que, o facto das facturas em questão reflectirem operações não estranhas ao objecto social da impugnante, não quer isso dizer, sã por si, que os factos subjacentes à sua génese estão directamente relacionados com a actividade da Impugnante, uma vez que não identifica a produção em concreto com a qual os referidos custos se possam relacionar.
VI. Nestes casos, os documentos comprovativos da despesa (facturas) deviam complementar-se por outro tipo de documentação, nomeadamente documentos internos, de forma a relacioná-los com factos concretos correspondentes à actividade efectiva da sociedade naquele ano, revelando assim um nexo de causalidade entre a necessidade de efectuar viagens em causa, no sentido de angariar, promover junto de agências e participantes para os eventos referidos, de forma a cumprir os planos acordados com os seus clientes.
VII. Que no caso concreto não se verificou, pois na documentação junta nunca se faz qualquer menção a essas deslocações, nem os motivos ou objectivos que levaram à sua realização.
VIII. Ora, tal impossibilidade de imputar os custos a acontecimentos concretos realizados pela Impugnante não pode ser indiferente à Administração Fiscal, visto que esta fica privada de exercer, de forma cabal, a sua acção fiscalizadora.
IX. Na esteira da sanção da não dedutibilidade fiscal, prevista no Código do IRC, não se encontrando ab initio os requisitos documentais cabalmente observados, i.e., perante insuficiências patentes na documentação de suporte dos lançamentos contabilisticamente e fiscalmente consequentes, como no caso dos autos, cessa a presunção de veracidade das declarações do contribuinte, recaindo sobre este, ora Impugnante, o ónus da demonstração dos custos subjacentes.
X. Ou seja, a dedutibilidade do custo depende da respectiva comprovação (art. 23º, nº 1, do CIRC) , pelo que, se o documento externo se revelar insuficiente, deve ser feita a prova da ocorrência do custo por qualquer meio de prova, nomeadamente a prova testemunhal.
XI. Contudo, não o fez, pois na documentação junta nunca se faz qualquer menção a essas deslocações, nem os motivos ou objectivos que levaram à sua realização.
XII. E podia-o ter feito, uma vez que a questão fulcral reside na prova de que tais custos foram ou não indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, relacionando-os com acontecimentos concretos da vida da Impugnante.
XIII. Ora, como acima se referiu, em nenhuma fase deste processo, a Impugnante estabeleceu um nexo de ligação de tais custos com a necessidade de efectuar viagens em causa, no sentido de angariar, promover junto de agências e participantes para os eventos referidos, de forma a cumprir os planos acordados com os seus clientes e, por isso, dedutíveis, nos termos do artigo 23.º do Código do IRC.
XIV. Assim sendo, a impugnante não logrou provar a indispensabilidade dos custos em apreço para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

Dos juros compensatórios
XV. Na situação "sub judice" está em discussão saber se a liquidação de juros compensatórios enferma de vício de falta de fundamentação ou não.
XVI. Conforme decorre da douta sentença, a impugnante contabilizou custos, relativamente aos quais não foi possível identificar a razão de ser dos mesmos, pelo que se afigura correcta a desconsideração dos mesmos como custo fiscal, nos termos do disposto no artigo 23º do CIRC, pelos Serviços de Inspecção.
XVII. Ditava o artº.80, do C.l.R.C. com redacção à data dos factos que sempre que, por motivo imputável ao sujeito passivo, fosse retardada a liquidação do imposto devido, acresceriam juros compensatórios ao montante de imposto.
XVIII. Deste modo, demonstrado que está o nexo de causalidade entre a actuação da impugnante e o retardamento da liquidação de Imposto, apenas e só àquela imputável, visto que deduziu como custos não considerados fiscalmente, são devidos juros compensatórios, com vista a compensar o Estado pela perda da disponibilidade da quantia que deixou de ser liquidada no momento em que deveria.
XIX. Todavia, considerou o Tribunal "a quo" que a liquidação de juros compensatórios enfermava do vicio de falta de fundamentação, dado que no documento em causa não se verifica qualquer referência aos juros compensatórios. E, mesmo que constasse o referido documento ê interno "print se sistema informático" e não notificado ao sujeito passivo, não podendo este aferir da sua contagem. Não tendo o sujeito passivo conhecimento destes elementos, não pode saber se, os juros em questão, se encontram bem ou mal calculados e formular juízo de concordância ou discordância.
XX. Discordando do referido, a Fazenda Pública entende que, embora o "print" em questão seja um documento interno, ele corresponde a um acto praticado e notificado ao contribuinte, aliás, tal notificação nunca foi posta em causa pela Impugnante, pelo que não se compreende que o douto tribunal tenha como ponto de partida a "não notificação" da liquidação dos juros compensatórios, para concluir pela falta de fundamentação daquele acto.
XXI. Confrontando a liquidação e demais elementos na posse da Impugnante conclui­se que se encontra suficientemente explicita, quer a base de cálculo dos juros, nomeadamente por se indicar expressamente o valor do imposto apurado (campo 15), distinguindo-o do montante anteriormente pago em (auto)liquidação anterior (campo 24) , quer o montante dos juros compensatórios devidos que a liquidação destaca no campo 20 da nota de liquidação (doc.8 da p.i., fls. 300 dos presentes autos). A identificação do exercício necessariamente localiza o facto tributário no tempo e permite relacionar a liquidação com as notificações do procedimento de inspeção. A fórmula de cálculo ê sempre igual e resulta da lei: Juros=[(Nº de dias x taxa x imposto):365]
XXII. De facto, fundamentar é dar a conhecer ao interessado o "iter" cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor da decisão, isto é, o que levou este a decidir de determinada forma e não de outra, de modo a que o interessado possa decidir conformar-se com ela ou contestá-la, o que se verificou no presente caso.
XXIII. Por outro lado, a notificação do acto tributário de liquidação constitui condição de eficácia do acto e não requisito de validade do mesmo, como decorre, entre outros, do Acórdão do T.C.A. Sul de 9/ 05/ 2007, Proc. 01500 / 06;
XXIV. Não obstante a fundamentação deva ser considerada suficiente, caso a Impugnante tivesse dúvidas sempre poderia o contribuinte requerer essa fundamentação no prazo de 30 dias, de harmonia com o artº.37, nº. 1 , do C.P.P.T.; findo este prazo o eventual vício ficou sanado, não podendo ser agora invocado nem apreciado em sede de impugnação; como é o entendimento perfilhado no Acórdão do T.C.A. Sul de 17/04/ 2007, processo n.º 579/ 03, ao prescrever que:
“A recorrente podia lançar mão da faculdade do nº 1 do artigo 37.º do CP.PT, para se habilitar com todos os dados de que precisasse para se esclarecer sobre a legalidade d os actos recorridos e se decidir pela apresentação ou não apresentação da impugnação, não sofrendo dúvida de que só a falta de fundamentação do acto constitui preterição de formalidade legal. XVII) –A faculdade consentida pelo art. 37. º d o CP.PT é o modo único de sanação da deficiência da notificação, com diferimento do início do prazo para uso dos meios graciosos ou contenciosos de impugnação, não constituindo condição para o acesso a esses meios.
A falta de uso daquela faculdade terá como consequência a impossibilidade de invocar o vicio de forma por falta de fundamentação como causa de pedir da impugnação judicial deduzida contra o acto cuia fundamentação não tenha sido comunicada ao contribuinte. "
XXV. Deste modo, a liquidação de juros compensatórios encontra-se devidamente fundamentada, nos termos do disposto no artº.35, da L.G.T.
*.*
XXVI. Pelo que a douta sentença proferida pelo Mmº. Juiz a quo fez, a nosso ver, uma incorrecta interpretação de facto e de direito das normas legais e da ratio legis que a fundamentam, mormente os art.ºs 23º, do CIRC e 35º, da LGT, incorrendo assim em erro de julgamento, devendo, por esse motivo, ser revogada, na parte em que procedeu, com as legais consequências.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exªs., deverá o presente recurso ser julgado procedente anulando-se a douta decisão na parte em apreço, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.»

A Recorrida, apresentou contra-alegações e formulou as seguintes conclusões:

«III. CONCLUSÕES
Termos em que se extraem as seguintes CONCLUSÕES:
A. A Constituição da República Portuguesa consagra, no seu artigo 104°, que a tributação do rendimento das empresas incide sobre o seu rendimento real.
B. É, ainda, o Princípio do Rendimento Liquido Objeto, previsto no artigo 3°, n.º 2 do CIRC, que esclarece que a referida tributação incide sobre o rendimento real, efetivo e líquido da sociedade.
C. Desta forma, foi a própria CRP que adotou, como critério aferidor da capacidade contributiva das empresas, o seu lucro real - o que resulta do próprio artigo 17º do CIRC.
D. Ora, da leitura conjunta do artigo 115° do CIRC e artigo 75° da LGT se retira que: sem que haja fundados indícios de que os dados e apuramentos não correspondem ao rendimento real do contribuinte deve a Autoridade Tributária vincular-se à tributação com base na declaração do contribuinte.
E. Por outras palavras, no caso concreto, para que a Recorrente pudesse concluir pela não aceitação de determinados custos incorridos pela agora, Recorrida, seria necessário mais do que uma justificação superficial e conclusiva.
F. Caberia à Recorrente a demonstração de que esses custos não eram necessários à formação dos proveitos,
G. Ou seja, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 74° da LGT. o ónus da prova impendia sobre a Administração.
H. Nos presentes autos. a, agora. Recorrente, mesmo sem quaisquer indícios e de forma absolutamente discricionária e arbitrária. decidiu emitir uma liquidação adicional, por considerar que o lucro tributável declarado pela aqui, Recorrida não correspondia ao seu rendimento efetivo e real,
I. Ou seja, emitiu tal liquidação por considerar que os custos em causa não se introduzem na categoria de custos tal como qualificáveis pelo artigo 23° do CIRC, não podendo por isso ser deduzidos ao lucro tributável da sociedade.
J. Acontece que tal entendimento é absolutamente contrário ao regime
consagrado no artigo 23º, n.º 1 do CIRC.
K. São necessários dois requisitos fundamentais para que os custos sejam considerados dedutíveis para efeitos fiscais:
a. Custos comprovados por documentos emitidos nos termos legais, normalmente faturas;
b. Indispensabilidade de tais custos para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora;
L. Ora, nos presentes autos, as dúvidas suscitadas relativamente às faturas 842160 e 40/98056 foram oportunamente esclarecidas aquando da apresentação do requerimento de audição prévia, tendo ficado claro que as viagens em causa foram efetuadas no exercício da atividade da contribuinte, ao serviço da Associação de Turismo de Lisboa, no âmbito da promoção internacional do turismo de Lisboa (cfr. factos provados sob as alíneas G) e H);
M. O que, alias, foi comprovado pela própria Associação na declaração junta pela reclamante em sede de audição prévia, como Doc. 2 do Doc. 5 da impugnação judicial.
N. Na verdade, ao contrário do que a Recorrente pretende, o certo é que a Recorrida apresentou documentos comprovativos de que os custos se relacionam com os proveitos e que estes só poderiam ter sido obtidos se os mesmos custos fossem realizados.
O. E nem se diga que seria necessário existir uma correspondência direta entre os custos e os proveitos ou, até mesmo, que os custos têm
necessariamente que ser proporcionais aos proveitos obtidos.
P. Com efeito, se assim fosse nunca poderiam ser aceites fiscalmente os custos referentes a publicidade ou a estudos de prospeção de mercado, já que relativamente a estes não é possível estabelecer esse tipo de relação.
Q. Acresce que não só a Recorrida juntou ao procedimento de inspeção documentos comprovativos dos trabalhos realizados como, para além disso, ainda juntou uma declaração da Associação de Turismo de Lisboa comprovativa da necessidade dos técnicos da Recorrida realizarem viagens relacionais com o trabalho faturado à Associação de Turismo de Lisboa.
R. Se estes documentos e argumentos não são suficientes para demonstrar a essencialidade dos custos, pergunta a Recorrida quais serão necessários, já que em todo o procedimento de inspeção nunca a, agora, Recorrente colocou em causa a veracidade das declarações da Recorrida ou os documentos por si apresentados.
S. Ora, nos presentes autos está em causa uma despesa, um custo - a necessidade de efetuar viagens - que se relaciona, de forma indiscutível, com o processo produtivo da contribuinte e com a obtenção de lucro para a mesma, dada a atividade por si desempenhada.
T. Trata-se, sem dúvida, de um gasto realizado, única e exclusivamente, no interesse da sociedade.
U. Pelo que se tratam de custos que deve ser deduzido ao lucro tributável da sociedade, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 23º do CIRC.
V. No que aos juros compensatórios diz respeito, a liquidação dos mesmos padece de vício de forma, por falta de fundamentação, uma vez que não foram acompanhados de qualquer fundamentação que demonstrasse os pressupostos, de facto e de direito, para a sua exigibilidade.
W. Dendo, ainda, ilegal a sua liquidação por o respetivo atraso e alegado prejuízo não poder ser imputável à Recorrida, mas antes ao não cumprimento pela Recorrente dos prazos legalmente previstos.

Termos em que, negando provimento ao presente recurso, e confirmando a mui douta sentença recorrida, V. Exa. fará a costumada JUSTIÇA!!»
****

Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da procedência parcial do recurso.
****
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
****
As questões invocadas pela recorrente Fazenda Pública nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir são as seguintes:

_ erro de julgamento de facto e de direito na parte referente às despesas de deslocações aos EUA, Argentina, e ao Chile, porquanto a documentação respetiva não faz menção a essas deslocações, não estando comprovada a dedutibilidade do custo, nem a sua indispensabilidade (art. 23.º, n.º 1, do CIRC) – cf. conclusões I) a XIV, e XXVI;

_ erro de julgamento de facto e de direito quanto aos juros compensatórios, na medida em que se considerou, erroneamente, que a os mesmos não se encontram fundamentados – cf. conclusões XV a XXV e XXVI.
****


II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«III. I – DE FACTO

Com relevância para a decisão da presente ação de impugnação, de acordo com as diversas soluções plausíveis de direito, considero provados os seguintes factos:
A)
A impugnante é uma sociedade comercial de responsabilidade limitada, cuja atividade económica, com o código 07…, consiste em comunicação e relações públicas, fazendo parte do grupo de pequenas e médias empresas – “M… – A….., Lda.”, “P…. & P…. – R….., Lda.” e “M….. – C…. e …….Lda.”, desenvolvendo a sua atividade na área do comunicação e relações publicas, realização de eventos sociais, marketing, edição, publicação e produção de revistas e brochuras;
(cfr. fls. 245 dos autos)
B)
A coberto da Nota de Serviço n.º 16… de 26.01.2001, a impugnante foi sujeita a uma ação de inspeção tributária externa;
(cfr. fls. 45 dos autos)
C)
Os serviços de fiscalização tributária, no âmbito da análise aos elementos da contabilidade da empresa procederam a correções meramente aritméticas com os seguintes fundamentos:
«(…) IRC -1998
5. Da análise aos registos contabilísticos verificamos que a empresa adquiriu senhas de combustíveis – “cheques auto” – conforme a relação em anexo, no montante de 1.155.000$00. Os “cheques auto” representam o valor de aquisição do bem e não o seu consumo. E através dos recibos emitidos pelos postos de abastecimentos – II bombas de combustíveis”- que se prova o consumo efectivo dos mesmos e consequentes a sua aceitação como custo do exercício. Deste modo nos termos do artigo 23º do CIRC, não é considerado custo fiscal, as senhas de combustíveis, dado se tratar de uma aquisição que não foi consumido no exercício. O valor a crescer ao lucro tributável é de 924.000500 (1.115.000500 * 80%), dado que 20% foi tributado no exercício (ver anexo 1 a 5).

6 A factura n.º 842160 de 31/07/98 emitida pela “P….. – V…. T….”, no valor de 641.055$00 e a factura n.º 40/9805B, de 5/01/98 emitida pela “T…. T….”, no valor de 1.638.000$00, dizem respeito às deslocações aos EUA, à Argentina e ao e que em nossa opinião não são custos inerentes a actividade, dado que durante acção de Inspecção não detectamos qualquer conexão entre a natureza destes custos e os proveitos gerados pela empresa. Por esse motivo e nos termos do artigo 23º do CIRC, estes custos não aceites para efeitos fiscais (ver anexo 6 e 7).
(…)

VIlI. Direito de audição O contribuinte foi notificado para exercer o direito de audição, tendo-o exercido por escrito, conforme as folhas anexadas ao relatório. No entanto, apesar de exercer o seu direito fora do prazo legal, ao fundamentar seu desacordo em relação às correcções efectuadas, não acrescentou nem apresentou factos novos ou elementos adicionais, susceptíveis de poder alterar as correcções no todo ou em parte. Deste modo, é nosso entendimento que as correcções sejam mantidas.
(…)
(cfr. fls. 246 e 248 dos autos)
D)
Por ofício n.º1111 de 21.0.2002, em 04.02.2002 a impugnante exerceu o direito de audição prévia, tendo junto 10 (dez) documentos relativos aos factos alegados;
(cfr. doc. 5 junto com a PI de fls. 96 a 342 dos autos)
E)
A sociedade «P…. – V…… Lda.» emitiu a factura
n.º 842160/98 de 31.07.1998, em nome de “L…. – C….., Lda.”, cliente
L….., referente a uma viagem aos Estados Unidos da América, no valor de 641.055$00;
(cfr. fls. 57 dos autos)
F)
A sociedade «T….., Lda.» emitiu a factura n.º 4079805B de 05.01.1998, em nome de “L…. – C…, Lda.”, referente a deslocação à Argentina e Chile, no valor de 1.638.000$00;
(cfr. fls. 58 dos autos)
G)
Em 04.02.2002, o Presidente da Associação «Turismo de Lisboa» enviou à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) um documento informando que a sociedade «L…. – Lda.», é um fornecedor qualificado do Turismo de Lisboa sendo que a sua colaboração se insere na implementação do plano estratégico que o Turismo de Lisboa decidiu desenvolver, desde 1998, com o objetivo de potenciar, em termos turísticos, o capital de imagem e notoriedade criados pela exposição internacional, juntando para o efeito programas de novas metas a atingir pelo Turismo de Lisboa, para o período de 2002-2005, relativo aos contactos com Bélgica, Holanda, Brasil, Estados Unidos da América e Escandinávia;
(cfr. fls. 97 a 117 dos autos)
H)
Na mesma data, o presidente da sociedade «T…. M… –O…», enviou à AT um documento informando que a sociedade «L…. – Lda.», é fornecedora da OMD que integra o grupo internacional “Omnicom”, um dos maiores do mundo na área da comunicação desenvolvendo em Portugal conteúdos, comunicação e promoção publicitárias dos principais eventos na cidade de Lisboa e parcialmente responsáveis, pelo Festival das Musicas e dos Portos, em cooperação com a L….-Lda., que se destina a promover o encontro de culturas musicais idênticas à do Fado de Lisboa e que se encontram designadamente, em cidades portuárias como New Orleans, Miami, Buenos Aires, Santiago do Chile, cuja primeira edição se realizou em Fevereiro de 1999; (cfr. fls. 143 a 174 dos autos)
I)
Notificada a impugnante da liquidação adicional n.º2002 8310…… relativa ao ano de 1998, no montante de €7.137,28, deduziu reclamação graciosa que veio a ser indeferida conforme despacho do Diretor de Finanças Adjunto de 27.10.2003;
(cfr. fls. 116 do processo de reclamação graciosa e 351 do PA apensos dos autos)
J)
A impugnante foi notificada do despacho de projeto de indeferimento da reclamação graciosa, através do ofício n.º 31499 de 29.10.2003, conforme se alcança, de fls. 124, do processo de reclamação graciosa apenso dos autos, tendo sido notificada para o exercício do direito de audição prévia;
K)
Exercido esse direito, foi definitivamente indeferida a relação graciosa com os fundamentos que se dão por reproduzidos, por despacho de 23.12.2003 e notificada à impugnante, através do ofício n.º 00445 de 07.01.2004;
(cfr. fls. 135 a 146 do processo de reclamação graciosa apenso dos autos)


III.I – Factos não Provados
Não se provaram outros factos, com relevância para a presente decisão.
MOTIVAÇÃO
A matéria de facto, dada como assente nos presentes autos, foi a considerada relevante para a decisão da causa controvertida, segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito e, a formação da convicção do tribunal, para efeitos da fundamentação dos factos, atrás dados como provados, está referida no probatório com remissão para as folhas do processo onde se encontram.»
****

Com base na matéria de facto supra transcrita o Meritíssimo juiz do TT de Lisboa julgou parcialmente procedente a impugnação judicial, anulando a liquidação na parte referente às faturas n.º 842160/98, de 31 de Julho (referente a uma viagem aos EUA), e n.º 407….B de Janeiro de 1998 (referentes a uma viagem à Argentina e ao Chile), bem como anulou a liquidação de juros compensatórios.

A recorrente Fazenda Pública não se conforma com o decidido e invoca, desde logo, erro de julgamento de facto e de direito na parte referente às despesas de deslocações aos EUA, Argentina, e ao Chile, porquanto entende que a documentação junta não faz menção a essas deslocações não estando comprovada a dedutibilidade do custo, nem a sua indispensabilidade (art. 23.º, n.º 1, do CIRC) – cf. conclusões I) a XIV, e XXVI.

Apreciando.

Nos termos do disposto no art. 23.º do CIRC, na redação vigente à época, consideram-se “custos” (atualmente designados por gastos) para efeitos fiscais os que comprovadamente forem indispensáveis “para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”.


Portanto, para efeitos daquele preceito legal um custo tem, simultaneamente, de ser comprovado, ou seja, a sua efetiva existência demonstrada, em regra, pelo documento que o titula, e indispensável “para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”.

In casu, resulta da alínea C) dos factos provados que a correção relativa às faturas de 1998, melhor identificadas nas alíneas E) e F) do probatório, e que foram contabilizados como “custos” pela Impugnante, não foram aceites pela inspeção tributária porque “durante a acção de inspecção não detectamos qualquer conexão entre a natureza destes custos e os proveitos gerados pela empresa. Por esse motivo e nos termos do art. 23.º do CIRC, estes custos não são aceites para efeitos fiscais”.

Esta é a fundamentação do ato tributário, e nessa medida, importa sublinhar, desde logo, que não está em causa a comprovação do “custo”, que não é colocada em causa pela AT (cf. alínea C) dos factos provados), sendo certo que os mesmos se encontram tituladas por faturas (cf. alíneas E) e F) dos factos provados).

Por conseguinte, importa tão somente aferir, no caso dos autos, do requisito legal da indispensabilidade do “custo”.

Vejamos.


O requisito de indispensabilidade tem de ser aferido através de um juízo casuístico, não podendo associar-se ao êxito de gestão, não se confundindo com a sua oportunidade ou conveniência, não abrangendo apenas custos que direta e imediatamente conduzam à obtenção de ganhos ou à manutenção da unidade produtiva (nexo causal), antes abarcando igualmente custos que mediatamente visam esse fim. Portanto, mais do que uma análise objetiva do custo, tem de se aferir subjetivamente a sua indispensabilidade. Este requisito legal de indispensabilidade associa-se ao facto de um custo ser necessário, de se apresentar como habitual à obtenção de proveitos ou ganhos ou à manutenção da unidade produtiva - (v. por todos, o recente acórdão do TCAS de 09/07/2020, 138/04.5BELSB e jurisprudência aí citada).

Ora, regressando ao caso dos autos, os fundamentos da recorrente Fazenda Pública centram-se sobretudo na argumentação de que os documentos que titulam os “custos” não mencionam os motivos ou objetivos que presidiram à sua realização, e assim sendo, teriam de ser complementados por outro tipo de documentação, nomeadamente “interna” ou testemunhal, de modo a permitir a sua conexão com os proveitos gerados pela empresa, o que não se verificou nos presentes autos.

Sucede que cabe à AT o ónus de fundadamente pôr em causa a indispensabilidade de um determinado “custo”, através da evidenciação de indícios sólidos e consistentes da sua dispensabilidade “para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora” (art. 74.º, n.º 1, da LGT), face à presunção de veracidade de que goza as declarações dos contribuintes e os dados inscritos na sua contabilidade (art. 75.º, n.º 1 da LGT).

In casu, a AT limitou-se a invocar que “durante a acção de inspecção não detectamos qualquer conexão entre a natureza destes custos e os proveitos gerados pela empresa” quando, sublinhe-se, os “custos” em questão dizem respeito a despesas com viagens, e a Impugnante exerce uma atividade que de per se não exclui a indispensabilidade desses “custos”. Ou seja, ao contrário do que se entendeu na ação de inspeção, não está excluída ab initio uma conexão entre a natureza desses “custos” e os proveitos da empresa, pois face à concreta atividade empresarial da Impugnante não se poderá concluir, sem que sejam recolhidos quaisquer outros indícios relevantes, que são dispensáveis as despesas com viagens quando a Impugnante exerce a atividade de comunicação e relações públicas (cf. alínea A) dos factos provados).

Portanto, ao contrário do que entende a recorrente Fazenda Pública as faturas que titulam as despesas com viagens não têm de ser complementadas por outro tipo de documentação, nomeadamente “interna” ou testemunhal, de modo a permitir a sua conexão com os proveitos gerados pela empresa, pois por um lado, essa conexão não se poderá afirmar como inexistente, e por outro lado, a AT não recolheu indícios sólidos e consistentes no sentido de abalar a presunção de veracidade dos elementos da contabilidade de que goza a impugnante nos termos do n.º 1, do art. 75.º da LGT.


De todo o modo, sempre se dirá que a Impugnante ainda na ação de inspeção juntou documentos para reforçar a indispensabilidade dos “custos”, tal como resulta dos factos dados como provados nas alíneas G) e H), factos estes que não foram impugnados em sede de recurso pela recorrente Fazenda Pública, e que, também não foram cabalmente afastados pela AT ainda no âmbito da ação de inspeção, conforme se impunha, face às regras do ónus da prova.

Neste contexto, importa confirma o juízo efetuado na sentença recorrida de que “(…) atendendo à atividade da impugnante, bem descrita nos autos e o seu relacionamento comercial, não se torna difícil estabelecer um nexo de causalidade entre a necessidade de efetuar as viagens em causa, no sentido de angariar, promover junto de agências e participantes para os eventos referidos, de forma a cumprir os planos acordados com os seus clientes. E, nesta conformidade, o sucesso dessas démarches resulta na realização de proveitos para a empresa, o que se pode verificar das facturas juntas pela impugnante, referente à empresa «Tempo Média» de fls. 144 a 153. Aliás se assim não foi entendido pela inspeção tributária, deveria ter ido mais longe no sentido de averiguar junto das entidades referidas, se os participantes nos eventos referidos foram ou não o resultado dos contactos dos colaboradores da impugnante nas deslocações efetuadas, o que não logrou fazer, quedando-se pela correção pura e simples. (…)”
Neste conspecto, atendendo ao requisito da indispensabilidade da despesa para a formação dos proveitos, devem as facturas, referentes às viagens aos Estados Unidos da América, Argentina e Chile, ser consideradas custos para efeitos fiscais no exercício de 1998. Pelo exposto, procedem os fundamentos vertidos pela impugnante quanto a esta correção, o que implica a anulação das correções efetuadas quanto a esta rubrica porque ilegais, procedendo igualmente a impugnação nesta parte. (…)”

Ora, face ao direito supra exposto, e à fundamentação da sentença recorrida impõe-se concluir que esta não enferma do erro de julgamento de direito nem de facto que lhe vem assacado pela recorrente Fazenda Pública.

Pelo exposto, nesta parte, não assiste razão à recorrente, sendo de negar provimento ao recurso.

Invoca ainda a recorrente Fazenda Pública erro de julgamento de facto e de direito quanto aos juros compensatórios, insurgindo-se contra o entendimento pugnado na sentença recorrida de que os mesmos não se encontram fundamentados – cf. conclusões XV a XXV e XXVI.

Para conhecimento desta questão importa, ao abrigo do art. 662.º, n.º 1 do CPC, aditar ao probatório os seguintes factos:

L) Na liquidação de IRC referida na alínea I) da matéria de facto, para além do mais, encontram-se indicados os seguintes elementos com interesse para a decisão do recurso (cf. liquidação de IRC a fls. 300 dos autos, e a fls. 31 do Processo de Reclamação Graciosa, cujo teor aqui se dá inteiramente por reproduzido):
Campo 15 – “IRC a pagar - Importâncias Corrigidas – 5.390,82€;
Campo 24 - “montantes de liquidações anteriores – importâncias liq. Anteriores - Importâncias Corrigidas – 232,22€;
Campo 20 - “juros compensatórios art. 80.º do CIRC - Importâncias corrigidas – – 1.161,99€”.

M) Na declaração modelo DC-22 foram inscritos nos quadros “a acrescer”, “a deduzir” e “apuramento” os seguintes campos: campo 21 “custos não aceites para efeitos fiscais art. 23.º; campo 25 “soma”; campo 40 “total das correções”; campo 41 “lucro tributável declarado”; campo 42 “lucro tributável corrigido” (cf. declaração modelo DC-22 a fls. 364-367 do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido).

Estabilizada a matéria de facto para o conhecimento da segunda questão colocada pela Recorrente Fazenda Pública no recurso, cumpre então, aferir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento.

Quanto a esta matéria, é a seguinte a fundamentação da sentença recorrida: “(…) No caso dos autos sobre a alegada omissão de fundamentação veio a Fazenda Pública referir que o sujeito passivo poderia reconstituir o percurso que levou à liquidação do imposto e dos respectivos juros compensatórios, tendo a sua contagem, sido efetuada até à elaboração do DC-22.
Confrontado o documento em questão, junto aos autos, não se verifica qualquer referência aos juros compensatórios. E, mesmo que constasse o referido documento é interno “print se sistema informático” e não notificado ao sujeito passivo, não podendo este aferir da sua contagem.
Não tendo o sujeito passivo conhecimento destes elementos, não pode saber se, os juros em questão, se encontram bem ou mal calculados e formular juízo de concordância ou discordância. Não lhe foi dado a conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor da decisão para decidir no sentido em que decidiu e não em qualquer outro.
É certo que a lei não impõe uma fundamentação exaustiva, como a impugnante parece defender no seu articulado, antes permite que seja efectuada de forma sumária (Art.º 77/2 LGT). Mas mesmo sumária terá que haver um mínimo perceptível – disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos - para um contribuinte normal poder ajuizar acerca da conformidade legal dos juros exigidos.
Ora esse mínimo não se encontra expresso na liquidação, junta aos autos, a fls., 60, do processo de reclamação graciosa, nem no relatório da inspecção tributária, como determina o artigo 35 n.º 9 da LGT.
Nestes termos, a liquidação de juros compensatórios deve ser anulada no seu todo, por preterição de formalidade legal ou essencial, procedendo a impugnação nesta parte. (…)”.

Vejamos.

O ato de liquidação de juros compensatórios deverá respeitar o disposto no n.º 9 do art. 35.º da LGT: “9 - A liquidação deve sempre evidenciar claramente o montante principal da prestação e os juros compensatórios, explicando com clareza o respectivo cálculo e distinguindo-os de outras prestações devidas.”

A jurisprudência do STA tem firmado entendimento no sentido de que para se considerar satisfeita a exigência de fundamentação, os atos de liquidação de juros compensatórios devem conter uma fundamentação mínima exigível, nomeadamente, devem indicar a quantia sobre a qual os mesmos incidem, o período de tempo considerado para a liquidação e a taxa ou taxas aplicadas, com menção desses elementos no próprio ato de liquidação ou por remissão para documento anexo (cf. acórdãos do STA, de 21/4/2010, proc. n.º 743/09; de 16/10/2010, proc. n.º 830/10; de 30/11/2011, proc. n.º 619/11; de 29/2/2012, proc. n.º 928/11; e de 14/2/2013, proc. n.º 645/12).

Com efeito, conforme se sumariou no acórdão do STA de 09/03/2016, proc. n.º 0805/15 “Está cumprido o dever legal de fundamentação se na liquidação de juros compensatórios estão explicitados o motivo da liquidação (ter havido retardamento da liquidação de parte ou da totalidade do imposto, por facto imputável ao sujeito passivo - arts. 89º do CIVA e 35º da LGT) e se constam a indicação do imposto em falta sobre o qual incidem os juros, o período a que se aplica a taxa de juro, a taxa de juro aplicável ao período (feita por remissão para a taxa dos juros legais fixada nos termos do art. 559º nº 1 do CCivil) e o valor dos juros.”

Passando ao caso dos autos, temos então que resulta da matéria de facto aditada, nomeadamente da alínea M) que na declaração DC-22 não consta qualquer referência a juros compensatórios, tal como afirmado na sentença da 1.ª instância. Efetivamente, da análise daquela declaração resulta que o seu preenchimento se limitou ao acrescer dos custos não aceites nos termos do art. 23.º do CIRC, e respetivo apuramento do lucro tributável corrigido com base no qual foi efetuada a liquidação adicional de IRC. Portanto, inexiste qualquer fundamentação anterior à emissão da liquidação.

Por outro lado, da análise da liquidação de IRC impugnada resulta que a única referência que é feita aos juros compensatórios é a que se reporta ao Campo 20 - “juros compensatórios art. 80.º do CIRC - Importâncias corrigidas – 1.161,99€” (cf. alínea L) dos factos provados).

Ora, apesar de no campo 15 estar inscrito “IRC a pagar - Importâncias Corrigidas – 5.390,82€, e no campo 24 “montantes de liquidações anteriores – importâncias liq. Anteriores - Importâncias Corrigidas – 232,22€, não se encontra evidenciado na declaração que aquele montante de juros compensatórios teve por base o valor inscrito no campo 15. Por outro lado, não procede a alegação de que “a fórmula de cálculo é sempre igual e resulta da lei” (conclusão XXI das alegações de recurso), pois o que importava era, no caso concreto demonstrar efetivamente os cálculos que foram feitos para que o Impugnante pudesse exercer o seu direito de defesa quanto à legalidade do quantum liquidado.

Também não procede a conclusão XXII, na medida em que estamos efetivamente perante uma ilegalidade que afeta a validade da liquidação de juros compensatórios porque se encontra violado o disposto no n.º 9, do art. 35.º da LGT, não estando em causa a eficácia da liquidação. Na verdade, a ilegalidade da liquidação de juros compensatórios constatada nos presentes autos é independentemente de qualquer notificação da liquidação, porque inexiste no procedimento tributário qualquer fundamentação mínima do ato de liquidação de juros compensatórios para além daquela que consta da nota de liquidação.

Por outras palavras, não existe no processo administrativo de liquidação qualquer evidência material de que tal fundamentação existe autonomamente, de modo a ser considerada, e portanto, como já referimos, a única fundamentação existente é aquela consubstanciada na nota de liquidação de IRC, e independentemente das questões da necessidade de notificação, a verdade é que a fundamentação materialmente exarada na liquidação é insuficiente, e de per se, sustenta a violação do disposto no n.º 9, do art. 35.º da LGT, e consequentemente a validade da liquidação de juros compensatórios.

Ora, considerando que a única fundamentação formal dos juros compensatórios liquidados é aquela que consta da nota de liquidação, importa concluir pela sua manifesta insuficiência, pois apenas se encontra evidenciada a norma jurídica com base na qual são liquidados tais juros (art. 80.º do CIRC), bem como o montante total de juros compensatórios apurado (1.161,99€), ficando por se evidenciar a quantia sobre a qual os mesmos incidem, o período de tempo considerado para a liquidação e a taxa ou taxas aplicadas, que conforme supra exposto, constitui fundamentação mínima exigida pela nossa jurisprudência dos tribunais superiores.

Por conseguinte, também nesta parte não assiste razão à recorrente, e nessa medida deve ser negado provimento ao recurso, e confirmada a sentença recorrida.

Vencida na presente causa a Recorrente, esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respetivas custas (n.º 1, 1.ª parte).

Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

I. O requisito de indispensabilidade previsto no art. 23.º do CIRC, na redação vigente à época, tem de ser aferido através de um juízo casuístico, não podendo associar-se ao êxito de gestão, não se confundindo com a sua oportunidade ou conveniência, não abrangendo apenas custos que direta e imediatamente conduzam à obtenção de ganhos ou à manutenção da unidade produtiva (nexo causal), antes abarcando igualmente custos que mediatamente visam esse fim;
II. Cabe à Autoridade Tributária o ónus de fundadamente pôr em causa a indispensabilidade de um determinado “custo”, através da evidenciação de indícios sólidos e consistentes da sua dispensabilidade “para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora” (art. 74.º, n.º 1, da LGT), face à presunção de veracidade de que goza as declarações dos contribuintes e os dados inscritos na sua contabilidade (art. 75.º, n.º 1 da LGT);

III. Os atos de liquidação de juros compensatórios devem conter uma fundamentação mínima exigível, nomeadamente, devem indicar a quantia sobre a qual os mesmos incidem, o período de tempo considerado para a liquidação e a taxa ou taxas aplicadas, com menção desses elementos no próprio ato de liquidação ou por remissão para documento anexo;

IV. Não se encontra fundamentada a liquidação de juros compensatórios que apenas alude à norma jurídica com base na qual são liquidados tais juros, e o montante total de juros compensatórios apurado.
****




III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
****
Custas pela Recorrente.
D.n.
Lisboa, 8 de outubro de 2020.

Cristina Flora

Tânia Meireles da Cunha

António Patkoczy