Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:535/09.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:09/16/2021
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:RECURSO SUBORDINADO
AMPLIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
APROVEITAMENTO DO ATO
Sumário:I. Em matéria de recursos, no âmbito do contencioso tributário, apenas se aplica subsidiariamente a disciplina do CPTA nos recursos dos atos jurisdicionais sobre meios processuais acessórios comuns à jurisdição administrativa e tributária.

II. No caso de recurso de sentença proferida em ação de impugnação judicial, é aplicável o regime constante do CPPT e, subsidiariamente, o do CPC (art.º 281.º do CPPT).

III. Considerando o referido em II., não é vencida a Impugnante que, embora tenha visto alguns dos seus fundamentos considerados improcedentes pelo Tribunal a quo, veio a obter, em termos de resultado final, ganho na demanda.

IV. Nas situações referidas em III., os regimes do CPPT e do CPC não admitem a apresentação de recurso subordinado por parte da Impugnante, sem prejuízo de a mesma poder lançar mão da ampliação do objeto do recurso.

V. A fundamentação de um ato de liquidação quer-se clara e completa, de forma que permita ao administrado conhecer todos os elementos concretos que presidiram à emissão do ato de liquidação.

VI. Sendo a liquidação da taxa de recursos hídricos omissa quanto às disposições legais especificamente aplicadas, num contexto em que a disciplina legal prevê uma variedade de situações distintas, omissa quanto à forma de cálculo da componente concretamente aplicada e dos factos inerentes à consideração dessa mesma componente e omissa quanto ao próprio cálculo em concreto, em termos de valor base, a mesma padece de falta de fundamentação.

VII. Essa falta de fundamentação revela-se ainda mais evidente, quando estamos perante uma disciplina à qual está associado um elevado grau de litigiosidade.

VIII. Não é admissível a fundamentação a posteriori.

IX. A aplicação do princípio do aproveitamento do ato depende de um juízo de prognose póstuma, no sentido da inexistência de qualquer possibilidade de que o ato a praticar contivesse conteúdo distinto.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

A Agência Portuguesa do Ambiente, I.P. (doravante Recorrente ou APA) veio apresentar recurso da sentença proferida a 05.03.2021, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por A…. V…., Lda (doravante Impugnante), que teve por objeto a liquidação de taxa de utilização do domínio público hídrico, relativa ao segundo semestre de 2008.

Apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“a) A douta sentença apresenta erros de escrita devidos a lapso manifesto devendo assim ser retificados, Assim:

PRIMEIRO: No facto provado A) onde se lê “Praia da Crisma”, deve ler-se “Praia da Crismina”;

SEGUNDO: No Facto Provado G) onde se lê “- cf. doc. 1 junto à p.i. (fls. 15)”, deve ler-se “- cf. doc. 2 junto à contestação (fls. 85 e 86 do processo do SITAF)”;

TERCEIRO: No Facto Provado G) onde se lê “31/01/2009”, deve ler-se “30/01/2009”;

QUARTO: No Facto Provado G) onde se lê onde se lê “Medido e Declarado” deve ler-se “Estimado mas declarado”

Do erro de julgamento na decisão da matéria de facto

b) Por se encontrar provado pelo documento 1 junto com a contestação, o Facto Provado A) deve ser alterado e retificado nos seguintes termos (alterações pretendidas assinaladas a negrito e sublinhado):

“A) Impugnante é titular da licença provisória n.º 62/08, emitida pelo Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade, para manutenção da ocupação privativa, de uma parcela do domínio público hídrico do Estado numa área de 2.545 m2, sendo 1.050 m2 de área coberta (“Equipamento de Hotelaria/ Actividades do setor terciário”) e 1.495 m2 de área descoberta (“Esplanadas/Piscinas/ Jardins/ Estacionamento”), no qual explora o equipamento designado “Restaurante P…..”, sito em Praia da Crismina, freguesia de Cascais, concelho de Cascais, nos termos da qual é devida uma taxa anual nos termos da legislação em vigor.- cf. Doc. 1 junto à contestação, correspondente à Licença e respectivo Anexo.”

c) Por se encontrar provado pelo documento 1 junto com a Impugnação, e por ser expressamente mencionado no artigo 10º da Impugnação, o Facto Provado F) deve ser alterado nos seguintes termos (alterações pretendidas assinaladas a negrito e sublinhado):

F) A impugnante foi notificada, através do ofício PRES – 0007 – OFI – 2009, Proc. TRH/NL 235/2009TEJ, da ARH Tejo, de 06/02/2009 (…) (a negrito e sublinhado o aditamento que se entende fundamental).

d) Por se encontrar provado pelo documento 2 junto com a Contestação, o Facto Provado G) deve ser alterado e retificado nos seguintes termos (alterações pretendidas assinaladas a negrito e sublinhado):

G) Ato impugnado: A nota de liquidação n.º 235/2009/TEJ, de 30.01.2009, anexa ao ofício referido na alínea que antecede, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, liquida a quantia de € 12.725,00, para o período de 01.07.2008 a 31.12.2008, a pagar até ao final do mês de fevereiro de 2009, pela “Utilização dos recursos hídricos realizados por um período igual ou superior a 1 ano”/”Ocupação do DPHE”/”Comp. O”, por referência ao Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11 de Junho de 2008, nos seguintes termos:

e) Por se encontrar provado pelos documentos 4 e 5 juntos com a Contestação, devem ser aditados os seguintes Factos Provados:

G.1) Em 5 de maio de 2009 a ora Impugnante requereu ao Presidente da ARHT, I.P. (hoje APA, IP) a correção da nota de liquidação por entender que a mesma padecia de erro nos pressupostos de facto e de direito ao aplicar a mesma taxa à área coberta (em seu entender com finalidade lucrativa) e à área descoberta (em seu entender sem finalidade lucrativa).

G.2) Para o efeito a Requerente invocou, nomeadamente, o seguinte:

“2. Na nota de liquidação em análise fixou-se a taxa de recursos hídricos relativa apenas ao segundo semestre de 2008, considerando o valor base de € 0,833333 e uma área de 2.545,00 m2.

O art. 10º/1 e 2, do DL 97/2008, de 11 de Junho, determina o seguinte:


“Artigo 10º

Componente O – ocupação do domínio público hídrico do Estado


1 – A componente O corresponde à ocupação de terrenos do domínio público hídrico do Estado e à ocupação e criação de planos de água, calculando-se pela aplicação de um valor de base à Área ocupada, expressa em metro quadrado.

2 – O valor anual de base da componente O é o seguinte:

(…)

f) Entre € 7,50 e €10 para os apoios não temporários de praia e ocupações duradouras de natureza comercial, turística ou recreativa com finalidade lucrativa;

g) € 1 para os demais casos”.

Conforme resulta expressamente deste normativo o valor anual de base da componente O deverá ser fixado entre € 7,50 e €10 para os apoios não temporários de praia e ocupações duradouras de natureza comercial, turística ou recreativa com finalidade lucrativa e em € 1 para os demais casos.

3. Na liquidação do tributo em causa não se teve em devida conta a distinção entre as áreas ocupadas pela ora exponente com finalidade lucrativa e as restantes áreas sem essa finalidade, tendo-se considerado apenas a área total de 2.545m2.

(…)

A ora exponente ocupa 1.050m2 de área coberta, com finalidade lucrativa, onde está instalado o seu restaurante, e 1.495 m2 (logradouro) de área descoberta, destinada a estacionamento, o qual não tem, nem nunca teve qualquer finalidade lucrativa.

Na liquidação em análise determinou-se a taxa devida, considerando a área total de ocupação de 2.545 m2, aplicando-se na sua totalidade o valor base, de € 0,8333 (€0,8333 x 2545 m2 x 6 meses = € € 12.725,00).

Nos termos do referido art. 10º, nºs. 1 e 2, als. f) e g) do DL 97/2008, de 11 de junho, na liquidação em análise deveria ter sido feita a distinção entre áreas com finalidade lucrativa e sem finalidade lucrativa, bem como a localização do restaurante em zona não urbana, pelo que a taxa exigível à ora exponente não podia deixar de ser calculada do seguinte modo:

I – Restaurante

€ 7,5 : 12 meses = € 0,625

€ 0,625 X 1.050 m2 = € 656,25

€ 656,25 X 6 meses = € 3.937,50

II – Estacionamento

€1 : 12 meses = € 0,08333

€ 0,08333 X 1.495 m2 = € 124,58

€ 124,58 X 6 meses = €747,42

III – Total

€ 3.937,50 + € 747,48 = € 4.684,98.”

G.3) Por Ofício da ARH do Tejo, I.P., remetido à ora Impugnante por fax de 8 de julho de 2009, foi dada resposta ao Requerimento de 5 de maio de 2009, aí se mencionando o seguinte:

“1. Nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11 de Junho, a ocupação de terrenos do Domínio Público Hídrico do Estado (DPHE) está sujeita a aplicação de TRH.

2. A matéria tributável, indicada na nota de liquidação (NL) 235/2009/TEJ, corresponde à área ocupada mencionada na Licença provisória n.º 62, emitida pelo Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade.

3. De acordo com o Artigo 14º do mesmo diploma, a liquidação da TRH é feita até ao termo do mês de Janeiro do seguinte àquele a que a taxa respeite. Assim, a NL emitida refere-se à TRH correspondente ao 2.º semestre de 2008. Em relação ao 1.º semestre de 2008, será emitida uma guia de pagamento, nos termos do Decreto-Lei n.º 47/97, de 22 de Fevereiro.

4. Nos termos do n.º 4 do referido artigo, para os anos de 2008 e 2009, aplica-se o maior dos valores do intervalo previsto para a ocupação em causa. A decisão de aplicar outro valor, que não o maior do referido intervalo, cabe às Administrações das Regiões Hidrográficas (ARH) e aplica-se ao ano subsequente, não se colocando, por este facto, a questão para o ano de 2008. No que se refere ao ano de 2009, aplicar-se-á o mesmo valor de base, acrescido da respectiva actualização, uma vez que não houve qualquer decisão contrária por parte das ARH.

5. Na vossa comunicação é referido que a área destinada a estacionamento “(…) não tem nem nunca teve qualquer finalidade lucrativa.” No entanto não esclarece se esta se destina ao uso exclusivo dos clientes e pessoal afecto ao restaurante, ou se, por outro lado, é de livre avesso e uso por parte do público em geral.

6. Conforme o mencionado na reunião, a alteração do valor de base da componente O, na área respeitante ao estacionamento, pressupõe que este seja de livre acesso e usufruto a todos os cidadãos.

Deste modo, considera-se que os elementos enviados não permitem esclarecer dos aspectos acima referidos, que justifiquem a alteração da NL emitida.”

Do Erro De Julgamento Por Má Aplicação Do Direito Aos Factos Dados Como Provados

f) A propósito do dever de fundamentação Diogo Freitas Do Amaral, in Curso de Direito Administrativo, Volume II, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2011, p. 395, refere o seguinte:

Quanto à indicação das razões de direito em que se funda o acto, vem-se entendendo, nomeadamente na jurisprudência, e bem, não ser necessária a indicação (numerada ou específica) das normas tidas por aplicáveis, mas apenas da disciplina jurídica com base na qual decidiu.” (negrito e sublinhado nossos)

g) Da análise da liquidação (factos provados F) e G) resulta evidente que foram indicadas as razões de direito em que se funda o ato, por referência à disciplina jurídica com base na qual se decidiu.

h) Assim, ainda que não se indiquem as concretas normas aplicáveis, no caso, o artigo 10º, n.º 1, n.º 2 alínea f) e n.º 4 do Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11 de junho, certo é que é feita menção expressa ao diploma legal aplicável, o Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11 de junho, quer na notificação da liquidação (facto provado F), quer na própria liquidação (facto provado G).

i) Mais, da liquidação resultam elementos que permitem ao seu destinatário saber com exatidão as normas legais concretamente aplicáveis:

Primeiro: A referência a Taxa de Recursos Hídricos, em cada uma das três páginas do Doc. 2 junto com a Contestação, encaminha desde logo o seu destinatário para o “Capítulo II Taxa de Recursos Hídricos” do Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11 de junho. (Cfr. Factos Provados F) e G);

Segundo: A referência à componente O, nas páginas 2 e 3 do Doc. 2 junto com a Contestação, encaminha o destinatário da liquidação diretamente para o “Artigo 10º Componente O – ocupação do domínio público hídrico do Estado” do Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11 de junho. (Cfr. Facto Provado G)

Terceiro: a referência à tipologia/finalidade Apoios praia não temporários, na página 3 do Doc. 2 junto com a Contestação, encaminha o destinatário da Liquidação diretamente para a alínea f) do n.º 2 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11 de junho.

j) Assim, as dúvidas concretamente colocadas pelo tribunal a quo na douta sentença (p. 11) “qual a norma legal que contem o valor anual de base da componente “O”, que taxa se aplica e qual(ais) a(s) norma(s) que determina(m) o método de liquidação. E o mesmo se diga em relação à taxa de atualização: qual é? Qual a respectiva base legal?” são todas dissipadas pela mera leitura da nota de liquidação.

k) Não sendo necessário, contrariamente ao que é mencionado na douta sentença, recorrer à Contestação da Impugnada para entender a justificação do ato de liquidação, o que consubstanciaria a mencionada justificação a posteriori, motivo pelo qual, não é aplicável a jurisprudência do Acórdão do STA de 03.02.2021 (proc. n.º 357/12.0BESNT) mencionada a pg. 13 e 14 da douta sentença..

l) Vejamos,

Pergunta: “qual a norma legal que contem o valor anual de base da componente “O”

Resposta: a alínea f) do n.º 2 e o n.º 4 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11 de junho por via da referência a Taxa de Recursos Hídricos, componente O e Apoios praia não temporários (Doc. 2 da Contestação)

Pergunta: “que taxa se aplica

Resposta: o valor anual de base aplicável é de 10 € (por metro quadrado), o que corresponde ao valor mensal de base de 0,833333 € (por metro quadrado), por via da referência a Taxa de Recursos Hídricos, componente O e Apoios praia não temporários

Pergunta: “qual(ais) a(s) norma(s) que determina(m) o método de liquidação

Resposta: o n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11 de junho, que refere que a componente O é calculada “pela aplicação de um valor de base à área ocupada, expressa em metro quadrado” a que se chega por via da referência a Taxa de Recursos Hídricos, e a componente O.

Pergunta: “E o mesmo se diga em relação à taxa de atualização: qual é? Qual a respectiva base legal?

Resposta: O valor aplicado foi o valor base tout court, i. é, sem qualquer atualização, uma vez que foi o primeiro ano de aplicação da taxa atenta a data de entrada em vigor do diploma (1 de julho de 2008).

m) É vasta a jurisprudência que entende não ser necessária a indicação (numerada ou específica) das normas tidas por aplicáveis, mas apenas da disciplina jurídica com base na qual decidiu.

n) Assim o decidiu o Acórdão mencionado na douta sentença a quo e do qual se transcreveram excertos (cfr. pg. 9 e 10 da douta sentença), o Acórdão do TCA Sul de 25/01/2011, proferido no processo n.º 04410/10, sendo relator José Correia, acessível através da hiperligação http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/37503fbaa79e891a8025782900381f02?OpenDocument, como resulta de modo evidente do Ponto IV do sumário.

o) O que faz socorrendo-se (ver nota 1) do Acórdão Tribunal Central Administrativo Sul, de 09/03/2004, proferido no Processo nº 00969/03, sendo Relator Eugénio Martinho Sequeira, sendo acessível através da hiperligação http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/86c676905b0ab47080256e77003cc5ff?OpenDocument, em especial cfr. ponto 2 do sumário e ainda o seguinte excerto da fundamentação:

O facto de não se indicar a precisa norma donde resulta tal efeito, não significa a falta de fundamentação em termos de direito, como pretendem os recorridos.

O que importa saber é se AF esclareceu em concreto o contribuinte, dos motivos da sua decisão, em termos claros e congruentes. E pela explanação supra, a resposta a dar a esta questão, só pode ser positiva.

Como escrevia o Prof. José Alberto dos é Alberto dos Reis a propósito da falta de fundamentação da sentença, entendendo que ... só a absoluta falta de motivação constituía nulidade da mesma, sendo que quanto aos fundamentos de direito, não é forçoso que o juiz cite os textos de lei que abonam o seu julgado; basta que aponte a doutrina legal ou os princípios jurídicos em que se baseou.

Desde que a sentença invoque algum fundamento de direito, está afastada a nulidade ... no tocante à justificação jurídica da decisão.

No caso e quanto ao acto de liquidação, a não indicação da norma do artigo, mas apenas a sua doutrina, não integra pois o vício de falta de fundamentação, não sendo de exigir maior rigor a este do que o exigido a uma sentença judicial.

É assim de conceder provimento ao recurso e de revogar a sentença recorrida que em sentido contrário decidiu.” (negrito e sublinhado nossos)

p) De salientar ainda os seguintes acórdãos:

· Acórdão do STA de 08/06/2011, proferido no processo n.º 068/11, sendo Relator Casimiro Gonçalves, acessível através da hiperligação http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a4e064ba0422e64a802578af004d5a1f?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1, por ser do STA;

· Acórdão do STA, de 17/11/2010, proferido no processo n.º 01051/09, sendo relatora Dulce Neto, acessível através da hiperligação http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ff9c17cbc43a7807802577e60038b110?OpenDocument, por sintetizar diversos acórdãos que perfilham igual entendimento.

q) Padecendo desde modo a douta sentença de erro de julgamento por errónea interpretação das normas aplicáveis aos factos provados, no caso, os artigos 152º, 153º do Código de Procedimento Administrativo e o artigo 77º da Lei Geral Tributária, devendo, em consequência, ser revogada e substituída por outra que considere que a APA, IP ao emitir o ato tributário de liquidação de TRH referente ao ano de 2008 deu integral cumprimento ao dever de fundamentação do ato.

Do Erro De Julgamento Por Má Aplicação Do Direito Aos Factos Dados Como Provados Após Alterações / Aditamentos Aqui Requeridos

r) Entendendo-se que os factos constantes na douta sentença não são suficientes para concluir pela existência de error in judicando por errónea interpretação das normas aplicáveis aos factos provados, no caso, os artigos 152º, 153º do Código de Procedimento Administrativo e o artigo 77º da Lei Geral Tributária, sempre se chegaria a igual conclusão com recurso aos factos provados após alterações / aditamentos aqui requeridos

Da Reapreciação Do Mérito Por Aplicação Do Direito Aos Factos Provados Após Alterações/Aditamentos

s) A aplicação do direito aos factos provados com as alterações e aditamentos que aqui são requeridos, em concreto os factos provados A), G), G1) G2) e G3), demandam ainda decisão distinta da tomada na douta sentença a quo.

t) Assim, do Facto Provado A) após alteração, resulta que a licença provisória n.º 62/08 do ICNB adverte desde logo o seu titular que pela ocupação de uma parcela do domínio público hídrico do Estado, são devidas taxas anuais nos termos da legislação em vigor.

u) Dotando, deste modo, o titular da licença e destinatário da Nota de Liquidação em causa nos presentes autos (Doc. 2 da contestação) de um conhecimento especial, o de ser devida uma taxa pela ocupação de uma parcela do domínio público hídrico do Estado.

v) O que é de extrema importância, porquanto, o dever de fundamentação tem de ser aferido em relação ao seu destinatário concreto, ou seja, ao sujeito passivo a quem o procedimento se dirige, fazendo apelo ao conceito de homem médio (bonus pater família) mas colocado perante a situação concreta.

w) Conceito a que se recorre por duas vezes no excerto do acórdão do TCA Sul de 25/01/2011, proferido no proc. n.º 04410/10, transcrito na douta sentença a quo (cfr. pgs. 9 e 10 da sentença), através da expressão “que os seus destinatários concretos, pressupostos cidadãos diligentes e cumpridores da lei”. (negrito e sublinhado nossos)

x) Igual conceito é utilizado, nomeadamente, no artigo 146º, n.º 1 do Código Civil que apela à “diligência requerida a um bom pai de família, na concreta situação considerada” e ainda no artigo 487º, n.º 2 do Código Civil que apela igualmente à “diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso”. (sublinhados nossos)

y) É consensual na nossa jurisprudência o seguinte entendimento constante, entre outros, no Acórdão do STA de 12/03/2014, proferido no processos n.º 01674/13, sendo relatora Dulce Neto, acessível através da hiperligação http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/37ccba3069036e0280257ca00055ac97?OpenDocument:

“O acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.”

z) Sendo ainda entendimento da jurisprudência que a fundamentação do acto é um conceito relativo, como bem sintetiza o Acórdão do STA de 10/02/2010, proferido no processo n.º 01122/09, sendo relator Jorge de Sousa, acessível através da hiperligação http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/2f0102e4ae14f034802576d200398efd?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1, que no sumário refere o seguinte:

“A fundamentação do acto administrativo é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação”

aa) No caso concreto o sujeito passivo da TRH, colocado na posição de um destinatário normal, o bonus pater familiae, em face das circunstâncias do caso, conhecedor, pela licença, de que é devedor de taxa pela ocupação do DPHE, perante as informações concretamente fornecidas na Nota de Liquidação, ficou a conhecer claramente as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, simplesmente não concordou com as mesmas.

bb) Dos Factos Provados G1), G2) e G3) resulta que a Impugnante compreendeu corretamente a fundamentação do ato tributário em causa nos presentes autos

cc) Porquanto é a própria Impugnante, em exposição que dirige à Impugnada após receção da Nota de Liquidação, que identifica expressamente e transcreve o n.º 1 e o n.º 2 al. f) do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11/06 (n.º 2 e 3 do Doc. 4 junto com a Contestação).

dd) E, em resposta, a APA, IP adverte ainda para o que resulta do n.º 4 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11/06.

ee) Confirmando-se que a Impugnante percebeu perfeitamente quais as disposições legais concretamente aplicáveis que fundamentam a decisão de liquidação.

ff) Simplesmente não concorda com a aplicação da alínea f) do n.º 2 do artigo 10º para toda a área ocupada, concordando apenas que se aplique essa alínea para a área ocupada coberta (restaurante), pugnando pela aplicação da alínea g) do n.º 2 do artigo 10º para a área ocupada descoberta (estacionamento).

gg) Só que tal discordância enquadra já a fundamentação substancial / material, e já não a fundamentação formal.

hh) Assim o tem entendido a jurisprudência, como resulta do Acórdão do STA de 21/11/2019, proferido no processo n.º 0404/13.9BEVIS, sendo Relator Francisco Rothes, acessível através da hiperligação http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/08911f8540231f3c802584c0003dc958?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1, que no sumário esclarece:

I - As características exigidas quanto à fundamentação formal do acto tributário são distintas das exigidas para a chamada fundamentação substancial: à fundamentação formal interessa a enunciação dos motivos que determinaram o autor a proferir a decisão com um concreto conteúdo; à fundamentação material interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a actuação administrativa no caso concreto (ou seja, esta deve exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico).

II - Resultando da petição inicial que a causa de pedir invocada sob a denominação “falta de fundamentação” se refere à fundamentação substancial, enferma de erro de julgamento a sentença que a apreciou como se se tratasse de fundamentação formal e, ademais, lhe deu um conteúdo que a impugnante nunca invocou.

ii) No que respeita à fundamentação formal a Impugnante demonstra conhecê-la, desde logo, na comunicação que dirige à APA, IP, o já mencionado Documento 4 junto com a Contestação, e Factos Provados G1) e G2), o que também se confirma nas suas peças processuais.

jj) Assim, leiam-se os artigos 22º, 28º, 29º, 30º e 42º da Impugnação dos quais resulta que a Impugnante conhece os preceitos legais concretamente aplicáveis e aplicados pela APA, IP!

kk) O que igualmente seria motivo para que a sentença a quo tivesse concluído pelo cumprimento do dever de fundamentação do ato de liquidação.

ll) Neste sentido decidiu o supramencionado Acórdão do STA de 21/11/2019,

“Apesar de invocada a falta de fundamentação e de referidas as normas legais que se referem e modelam o correspectivo dever de fundamentação, a Impugnante revela ao longo de toda a petição inicial um perfeito e detalhado conhecimento dos motivos por que os serviços da Fiscalização Tributária lançaram mão dos métodos indirectos para a avaliação da matéria tributável e do critério utilizado na fixação dessa matéria.

A alegação aduzida pela sociedade Impugnante na petição inicial permite concluir, por um lado, que ela compreendeu os motivos ou fundamentos por que a AT entendeu afastar a presunção de veracidade da escrita e recorrer aos métodos indirectos na avaliação da matéria tributável e, por outro lado, que a Impugnante discorda desses fundamentos, porque, a seu ver, os factos em que se suportam ou não correspondem à realidade ou foram seleccionados de entre outros que não foram tidos em conta ou deles foram extraídas conclusões erradas e, por isso, não autorizam o recurso à tributação por métodos indirectos na avaliação da matéria tributável.

Ou seja, na leitura que fazemos da petição inicial, a Impugnante não questionou a dimensão formal da fundamentação, mas antes a sua dimensão material ou substancial, pois, como este Supremo Tribunal tem vindo a salientar numerosas vezes (Vide, entre outros, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- de 7 de Outubro de 2015, proferido no processo n.º 406/15, disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/56c3a90d7f2ae6b080257ee70050254e;

- de 14 de Março de 2018, proferido no processo n.º 512/17, disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b023601187fbbbb980258255004cd684;

- de 9 de Maio de 2018, proferido no processo n.º 572/17, disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3907daa7722dd4448025828a0038a19a), uma coisa é saber se a AT deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem distinta e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa (Cf. VIEIRA DE ANDRADE, O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, Almedina, 2003, pág. 231.).

Na verdade, as características exigidas quanto à fundamentação formal do acto tributário são distintas das exigidas para a chamada fundamentação substancial: à fundamentação formal interessa a enunciação dos motivos que determinaram o autor a proferir a decisão com um concreto conteúdo; à fundamentação material interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a actuação administrativa no caso concreto (ou seja, esta deve exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico) (negrito nosso)

mm) Mais, resulta das alíneas c) e d) do n.º 2, da parte “A – Da Violação do artigo 10º/2/F) e G) do DL 97/2008, de 11 de junho”, do “Título III – O Direito” das Alegações Escritas apresentadas pela Impugnante, em 15/12/2020, no âmbito do presente processo que a Impugnante, a partir de 2018, por ter colocado sinalização específica e restrições de acesso ao estacionamento, deixou de questionar a utilização privativa da área “descoberta” e passou a pagar a TRH.

nn) Porque a real discordância da Impugnante é com o fundamento material / substancial da decisão da APA, IP, é o erro nos pressupostos de facto e de direito, como vício material, e não formal, que está verdadeiramente em causa nos presentes autos

oo) Sendo possível concluir dos Factos Provados G1 e G2 que a Impugnante no momento em que recebeu a Nota de Liquidação ficou a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do ato ou o acionamento dos meios legais de impugnação.

pp) Os Factos Provados A), G1), G2) e G3) exigem a reapreciação do mérito da causa, concluindo-se, de modo contrário ao que foi decidido na sentença a quo, que da aplicação dos artigos 152º, 153º do Código de Procedimento Administrativo e do artigo 77º da Lei Geral Tributária aos factos provados resulta encontrar-se suficientemente fundamentado o ato de liquidação da TRH.

Por Constar Do Processo Documento Que Por Si Só Implicavam Necessariamente Decisão Diversa Da Proferida

qq) Em face do que acaba de se expor é ainda possível concluir que constam do processo documentos (documento n.º 4 e 5 juntos com a Contestação) que impunham decisão diversa da tomada.

Do Erro De Julgamento - Erro Na Determinação Da Norma Aplicável, Em Concreto, Erro Na Subsunção

rr) Mal andou ainda o tribunal ao mencionar, na douta sentença (cfr. pg. 11 e 12), que o ato de liquidação deveria ter feito menção a legislação que, na verdade, não esteve na sua génese.

ss) Nestes pontos a douta sentença transcreve os artigos 18º, 19º, 21º e 22º da Contestação da APA, IP.

tt) Sucede que em nenhum destes artigos a APA, IP refere qualquer razão de facto ou de direito determinante da liquidação da TRH de 2008 (2º semestre), limitando-se a contestar, por impugnação, o que é referido, erradamente, nos artigos 8º, 9º, 11º, 15º, 18º e 19º da Impugnação.

uu) Nesses artigos a APA, IP explica apenas o aumento da taxa de Utilização do Domínio Público Marítimo (antecessora da TRH) do ano de 2007, advertindo desde logo que o faz “pese embora a liquidação e cobrança da taxa não esteja em causa nos presentes autos” (cfr. artigo 18º da Contestação)

vv) Relembre-se que a taxa em causa nos presentes autos, a TRH de 2008 (2º semestre), foi liquidada ao abrigo de um novo regime, o Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11/06, aprovado na sequência da revogação do Decreto-lei n.º 47/97, de 22/02 pela Lei da Água (Cfr. artigo 98º, n.º 2 al. d) da Lei n.º 58/2005, de 29/12).

ww) Motivo pelo que, é manifesto que a liquidação da TRH de 2008 (2º semestre), em causa nos presentes autos, não tinha de conter as razões de facto e de direito determinantes da liquidação da taxa de Utilização do Domínio Público Marítimo (antecessora da TRH) do ano de 2007.

xx) Porquanto o cumprimento do dever de fundamentação é aferido em relação ao ato / decisão em que se insere.

yy) No caso em apreciação, o tribunal a quo integrou na previsão das normas que impõem o dever de fundamentação dos atos, os artigos 152º e 153º do Código de Procedimento Administrativo e no artigo 77º da Lei Geral Tributária, o que lá não cabia, ao exigir que o ato de liquidação da TRH de 2008 (2º semestre) incluísse menção às razões de facto e de direito da prática do ato de liquidação do ano de 2007!

zz) Face ao exposto, verifica-se erro na determinação da norma aplicável, em concreto, erro na subsunção, considerando que os artigos 152º e 153º do Código de Procedimento Administrativo e no artigo 77º da Lei Geral Tributária não impõem que determinado ato contenha menção às razões de facto e de direito da prática de outro ato, devendo, em consequência, ser a douta sentença revogada e substituída por outra.

Do Erro De Julgamento - Erro Na Estatuição, Em Concreto, Da Consequência Da Falta De Fundamentação. Do Aproveitamento Do Ato.

aaa) Ainda que se entendesse que o ato de liquidação padecia de vício de forma por falta de fundamentação, consequência da fundamentação insuficiente, por apenas mencionar o Diploma legal aplicável, mas não indicar expressamente as normas concretamente aplicáveis, o que por mero dever de raciocínio se equaciona, mas não se admite, sempre se dirá que mal andou o tribunal a quo ao anular o ato de liquidação

bbb) Porquanto, nos termos do disposto no artigo 163º, n.º 5 alínea a) do CPA, não se produz o efeito anulatório quando o conteúdo do ato anulável não possa ser outro.

ccc) Estas disposições (alíneas a) a c) do n.º 5 do artigo 163º do CPA), foram introduzidas no Novo CPA aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015 de 7 de janeiro, e têm por fundamento o princípio do aproveitamento do ato administrativo, sendo que, no essencial, se limitam a acolher a jurisprudência administrativa que reiteradamente já procedia à sua aplicação.

ddd) Ora, no presente caso o conteúdo do ato não podia ser outro, porquanto, estamos perante ato de conteúdo totalmente vinculado, por aplicação das disposições legais concretamente aplicáveis que são o n.º 1, a alínea f) do n.º 2 e o n.º 4 do artigo 10º Decreto-Lei 97/2008, de 11 de junho, o que preenche a previsão do artigo 163º, n.º 5, alínea a), segunda parte, do CPA.

eee) A Impugnante ocupa uma parcela do domínio público hídrico do Estado, com 2545 m2, onde explora o restaurante P…… em plena Praia da Crismina, freguesia e concelho de Cascais, distrito de Lisboa.

fff) Ocupação que se enquadra na tipologia “apoios não temporários de praia e ocupações duradouras de natureza comercial, turística ou recreativa com finalidade lucrativa” da alínea f) do n.º 2 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11 de junho, que fixa o valor anual de base entre € 7,50 e € 10.

ggg) Sendo que o n.º 4 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11 de junho estabelece que, salvo decisão em contrário das ARH, o valor da componente de base corresponderá ao maior dos valores do intervalo, no caso, € 10.

hhh) Considerando a data de entrada em vigor do diploma (1 de julho de 2008), foi necessário utilizar o valor de base mensal aplicável, 0,833333 € (10€ a dividir por 12 meses), o qual multiplicado pela área de 2545 m2 e subsequentemente multiplicado pelo número de meses em que a ocupação teve lugar, ou seja, 6 meses, permite obter o total de 12 725 € constante na nota de liquidação.

iii) Em face do exposto, encontra-se preenchida a questão essencial determinante para o tribunal aplicar o princípio do aproveitamento do ato, e que, nas palavras de Luís Heleno Terrinha é a da existência de “uma coincidência de conteúdos entre a decisão administrativa actual (viciada) e a decisão administrativa hipotética (não viciada).”

jjj) Os tribunais tributários têm recorrido frequentemente à aplicação do princípio do aproveitamento do ato, neste sentido, veja-se nomeadamente, o Acórdão do STA de 03/07/2019, proferido no proc. n.º 0561/03.2BECBR 01438/15, sendo Relator Pedro Delgado, acessível através da hiperligação http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/fa2c7155565697cf80258431002d4bb4?OpenDocument.

kkk) Relativamente a ato que padece de vício de falta ou insuficiente fundamentação é entendimento da doutrina que o juiz pode decidir pelo seu aproveitamento “quando este corresponda a uma decisão vinculada da Administração, em termos de poder considerar-se a situação objetivamente existente como suficiente para suportar o sentido e os efeitos jurídicos da decisão” CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA “Implicações do novo regime do Código de Procedimento Administrativo no direito processual administrativo”, in revista Julgar, n.º 26, Maio-Agosto de 2015 (p. 11), que na nota de rodapé n.º 24 menciona que entendimento igual é seguido por VIEIRA DE ANDRADE, Dever de fundamentação Expressa de Atos Administrativos, Coimbra, 1991, págs. 326-329

lll) Face ao exposto, verifica-se erro na estatuição da norma aplicável, porquanto, na sequência da constatação da fundamentação insuficiente, sempre deveria o tribunal ter aproveitado o ato de liquidação, por aplicação do artigo 163º, n.º 5 alínea a) do CPA devendo, em consequência ser a douta sentença revogada e substituída por outra.

TERMOS EM QUE E NOS MELHORES DE DIREITO QUE VOSSAS EXCELÊNCIAS DOUTAMENTE SUPRIRÃO, deve o presente recurso ser considerado procedente, por provado, no que respeita aos erros materiais, erros de julgamento na matéria de facto, à reapreciação do mérito da causa na sequência da alteração da matéria de facto, e ainda aos erros de julgamento na matéria de direito e, em consequência, deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que mantenha o ato tributário de liquidação e cobrança da Taxa de Recursos Hídricos relativa ao ano de 2008 praticado pela APA, IP, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!”.

A Impugnante apresentou contra-alegações, nas quais procedeu à ampliação do objeto do recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:

“A – DA FALTA DE CONCLUSÕES

1ª As sessenta e seis extensas “conclusões” formuladas ao longo de dezanove páginas das alegações da APA não integram qualquer individualização das questões ou resumo do corpo daquela peça processual (v. 639º/1 do NCPC; cfr. arts. 2º, 281º e 282º/2 do CPPT), impondo-se a rejeição do presente recurso (v. Acs. RP de 2020.01.13, Proc. 3381/18.69T8PNF-A.P1; e de 2020.01.27, Proc. 2817/18.0TPNF.P1; cfr. Ac. RG de 2019.01.24, Proc. 3113/17.6T8VCT.G1, in www.dgsi.pt) – cfr. texto nºs. 1 a 3;

B – DAS RECTIFICAÇÕES DE ERROS DE ESCRITA

2ª. As rectificações requeridas pela APA reconduzem-se a simples exercício processual inútil, insusceptível de alterar o sentido da douta sentença recorrida (v. art. 130º do NCPC; cfr. arts. 2º do CPPT), resultando dos presentes autos que:

a) A al. A) dos FP deve ser rectificada, corrigindo-se para “Praia da Crismina”, a parte em que nele se refere “Praia da Crisma” (v. Docs. de fls. 52 e segs. dos autos e de fls. 127 e segs. do PA);

b) A al. G) dos FP não carece de qualquer rectificação na parte em que, de forma correcta, se refere ao Doc. 1 junto à p.i., que se compõe de três folhas;

c) A al. G) dos FP apenas deve ser rectificada nas partes em que (i) refere a data de emissão de nota de liquidação, que deve ser corrigida para “30/01/2009”, e em que (ii) indica a expressão “medido e declarado”, que deve ser corrigida para “estimado mas declarado” (v. fls. 2 e 3 do Doc. 1 junto com a p.i., a fls. 14 e 15 dos autos) – cfr. texto nº. 4;

C – DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

3ª. As alterações que a APA pretende introduzir ao texto da alínea A) dos FP integram repetição inútil e desnecessária do que já consta da alínea E) dos FP (v. art. 130º do NCPC; cfr. art. 9º do NCPTA), e a introdução na matéria de facto provada de questões conclusivas de direito (v. arts. 5º e 607º/3 e 4 do NCPC), que “estão fora do campo da prova” (v. Alberto dos Reis, CPC Anotado, IV/181 e 194) – cfr. texto nºs. 5 e 6;

4ª. Apesar de não estar em causa qualquer erro de julgamento (v. arts. 614º e 662º/1 do NCPC), a ora recorrida nada tem a opor à redacção indicada pela APA para as alíneas F) e G) dos FP (v. conclusões c) e d) das alegações de recurso) – cfr. texto nº 7;

5ª. Face ao teor genérico e conclusivo do art. 67º da contestação, é manifesto que a douta sentença recorrida não enferma do erro de julgamento que a APA lhe imputou (v. arts. 607º e 662º/1 do NCPC), pois (i) o Tribunal “não pode substituir-se (às partes) no cumprimento do ónus de afirmações da matéria de facto” (v. Ac. STJ de 2005.06.22, Proc. 05B1993, in www.dgsi.pt), (ii) não sendo lícito à ora recorrente prevalecer-se das suas próprias omissões no cumprimento daquele ónus (v. arts. 5º, 7º e 8º do NCPC e art. 334º do C. Civil) – cfr. texto nº 8;

6ª. Ao abrigo do princípio da cooperação (v. art. 7º do NCPC e art. 8º do NCPTA; cfr. n.º 2 do CPPT), e porque os documentos 4 e 5 juntos com a contestação e com o processo administrativo (v. fls. 138 a 144, 147 e 148 do PA), assumem relevância para a decisão em causa (v. arts. 5º, 662º/1 do NCPC), a ora recorrida desde já declara não se opor à inclusão do seu teor integral nos factos considerados provados – cfr. texto nºs. 9 e 10;

D - DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO

7ª. A ora recorrente é titular de uma licença para ocupação de uma parcela com ”1.050 m2 de área coberta (“Equipamento de Hotelaria/ Actividades do sector terciário”) e 1 .495 m2 de área descoberta (“Esplanadas/ Piscinas/ Jardins/Estacionamento”)” (alínea A) dos FP), pelo que não é minimamente compreensível como é que, sem se indicar no acto sub judice quaisquer fundamentos de facto e de direito que o pudessem justificar, a área afecta a estacionamento público e não lucrativo (v. alíneas A) e C) do FP), foi tributada como se tratasse de “apoios de praia não temporários” com finalidades lucrativas (v. alínea G) dos FP; cfr. Ac. TCA Sul de 2020.06.04, proferido no presente processo, e Ac. TCA Sul de 2020.07.09, Proc. 486/10.5BESNT) – cfr. texto nºs. 11 a 16;

8ª. O acto sub judice não indica sequer quaisquer fundamentos de facto e de direito que pudessem justificar (i) o aumento em 150% do tributo e (ii) a inexistência de audição prévia da ora recorrida, sendo manifesto que, ao contrário do que agora defende a APA, (iii) a simples referência incidental ao DL 97/2008, de 11 de Junho, nunca seria susceptível de integrar uma fundamentação de direito suficiente e congruente (v. art. 268º/3 da CRP, arts. 21º e 83º do CPT e art. 77º da LGT), maxime num caso em que “a recorrida vinha pondo em causa a tributação efetuada pela recorrente relativamente à taxa em causa” (v Ac. STA de 2021.02.03, citado), como resulta dos Docs. 4 e 5 juntos com a contestação da própria APA – cfr. texto nºs. 13 a 16;

9ª. As extensas e complexas explicações da APA constantes da sua contestação (v. fls. 41 e segs. dos autos) e das suas recentes alegações de recurso, são completamente irrelevantes, como se decidiu na douta sentença recorrida e, em situação absolutamente idêntica, no douto Ac. STA de 2021.02.03 (v. Proc. 357/12.0BESNT), pois a nossa lei não admite a fundamentação a posteriori, demonstrando inequivocamente que o acto impugnado enferma de manifesta falta de fundamentação (cfr., ainda, Acs. STA de 2017.10.04, Proc. 0406/13; de 1993.11.04, Proc. 31798-Z; de 1993.09.30, Proc. 28532) – cfr. texto nº 17;

10ª. No caso sub judice nunca seria minimamente aplicável o princípio do aproveitamento do acto administrativo, pois, além de não se verificarem os respectivos pressupostos, tal aplicação implicaria a violação do disposto nos arts. 2º, 18º, 266º e 268º/4 e 5 da CRP (v., nomeadamente, Acs. STA de 2004.10.07, Proc. 01928/03; de 2005.02.22, Proc. 1223/04; de 1999.02.09, Proc. 039379, todos in www.dgsi.pt), tanto mais que as áreas ocupadas com finalidade não lucrativa nunca poderiam ser objecto da mesma tributação aplicável às áreas ocupadas pelo restaurante da ora recorrida (v. art. 10º do DL 97/2008, de 11 de Junho) – cfr. texto nºs. 18 e 19;

E – DA AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO (ART. 636º/2 DO NCPC)

11ª. Nos termos do art, 636º/2 do NCPC, desde já se requer a ampliação do objecto do recurso interposto pela APA à reapreciação da questão da “inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11/06”, tendo a sentença em análise, nessa parte, violado frontalmente o disposto nos arts. 84º/2, 112º/7, 165º/1/v), 2 e 3, 198º/3 e 204º da CRP – cfr. texto nº. 20;

F - DO CONHECIMENTO DE QUESTÕES PREJUDICADAS (ARTS. 608º/2 E 665º DO NCPC)

12ª. Este douto Tribunal deve ainda apreciar e decidir as demais questões de mérito suscitadas pela ora recorrida na presente impugnação judicial, que ficaram prejudicadas pela solução dada ao litígio na sentença recorrida (v. art. 665º/2 do NCPC), pois os presentes autos fornecem todos os elementos necessários (v. art. 281º do CPPT) – cfr. texto nºs. 21 a 24.


NESTES TERMOS,

Deve ser julgado improcedente o recurso interposto pela APA e ser declarada ainda a inconstitucionalidade das normas do DL 97/2008, de 11 de Junho (v. art. 636º/2 do NCPC), ou, se assim não se entender, julgando-se procedentes as questões de ilegalidade cuja apreciação ficou prejudicada (v. art. 665º do NCPC), nos termos expostos e com as legais consequências.

SÓ ASSIM SE DECIDINDO SERÁ

CUMPRIDO O DIREITO E FEITA JUSTIÇA”.

A APA pronunciou-se sobre a ampliação do objeto do recurso requerida, requerendo o seguinte:

a) deverá ser dado por não escrito o alegado no ponto III.F. (texto n.ºs 21 a 24) e conclusão F (12.ª), das contra-alegações de recurso da Impugnante/Recorrida, por não caber nesta sede, e, bem assim,

b) deverá ser negado provimento ao requerimento de ampliação do objeto de recurso, mantendo-se a sentença recorrida, na parte em que julgou improcedente a concreta questão de inconstitucionalidade suscitada pela Impugnante/Recorrida, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!”.

Por seu turno, a Impugnante apresentou recurso subordinado da já mencionada sentença, no qual formulou as seguintes conclusões:

“1ª. Os doutos Acórdãos do Venerando STA, de 2016.02.17 e de 2018.12.12, invocados na douta sentença recorrida não se pronunciaram, nem tiveram que se pronunciar sobre as questões de inconstitucionalidade concretamente suscitadas pela ora recorrente no presente processo, por referência ao DL 97/2008, de 11 de Junho, e sobre as concretas violações do disposto nos arts. 84º/2, 165º/1/v), 2 e 3 e 198º/3 da CRP, todas relacionadas com o “regime económico e financeiro da utilização de bens do domínio público”, decidindo-se apenas a questão genérica da qualificação da “Taxa de Recursos Hídricos” (TRH), como taxa, imposto ou contribuição especial, face “ao disposto na al. i) do nº 1 do art. 165° da CRP” – cfr. texto n.º s 1 e 2;

2ª. A definição do regime económico e financeiro dos bens integrados no domínio público – como se verifica in casu (v. alíneas A), C) e D) dos FP) - nada tem que ver com a eventual qualificação do tributo em causa como taxa ou imposto, constituindo por si só matéria de reserva de densificação total da Assembleia da República (v. art. 165º/1/v) da CRP), pelo que não podia ser – como foi – inovatória e autonomamente regulada pelo DL 97/2008, de 11 de Junho – cfr. texto n.º s 2 e 3;

3ª. O DL n.º 97/2008, que estabeleceu o regime económico e financeiro da utilização de bens do domínio público (v. arts. 84º/2 e 165º/1/v) da CRP), foi editado cerca de três anos após o termo do prazo que para esse efeito foi expressamente fixado na respectiva autorização legislativa, concedida pela Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro, pelo que é manifestamente inconstitucional (v. arts. 112º/7 e art. 165º/2 e 3 da CRP) – cfr. texto n.º s 2 e 3;

4ª. O DL nº. 97/2008 não indica qualquer lei de habilitação, referindo-se apenas incidentalmente à Lei 58/2005, sem identificar qualquer norma daquele diploma, ou de qualquer outro, que permitisse o exercício de tais poderes normativos, integrados na reserva legislativa da Assembleia da República estabelecida pela alínea v) do art. 165º/1 da CRP – cfr. texto n.º 4;

5ª. No caso em análise inexiste qualquer autorização legislativa (v. arts. 112º e 198º/3 da CRP), não sendo convocável para este efeito o disposto no art. 165º/1/i) da CRP (v. fls. 5 a 8 da sentença), que nada tem que ver com receitas pela ocupação de bens do domínio público (v. arts. 84º e 165º/1/v) da CRP) – cfr. texto n.º s 4 e 5;

6ª. A douta sentença recorrida enferma assim de erros de julgamento na parte em que julgou improcedente a questão da “inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11/06”, tendo violado frontalmente o disposto nos arts. 84º/2, 112º/7, 165º/1/v), 2 e 3, 198º/3 e 204º da CRP.


NESTES TERMOS,

Deve o presente recurso subordinado ser julgado provado e procedente, com as legais consequências.

SÓ ASSIM SE DECIDINDO SERÁ

CUMPRIDO O DIREITO E FEITA JUSTIÇA”.

A APA apresentou contra-alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“a) Não tendo a Impugnante A….. e V….., Lda sido parte vencida na ação, é entendimento da Impugnada APA, I.P. que da douta sentença, de 05/03/2021, proferida pelo tribunal recorrido, não cabe recurso subordinado, por ser legalmente inadmissível e por falta de legitimidade da Impugnante A….. e V…., Lda, para a respetiva interposição, atento o disposto nos artigo 631.º, n.º1 e 633.º, n.º1 do NCPC, aplicáveis ex vi do artigo 281º do CPPT, na redação atual.

b) Razão pela qual deverá o mesmo ser rejeitado/indeferido (v. artigo 641.º, n.º 2, alínea a) do NCPC, aplicável ex vi artigo 281.º do CPPT, na redação atual.

c) Sem prescindir, sempre deverá ser indeferido o recurso subordinado, porquanto:

d) Vem a Impugnante alegar que a douta sentença proferida pelo tribunal a quo padece de erro de julgamento da matéria de direito na parte em que julgou improcedente a questão da “inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11/06”.

e) Não pondo em causa a matéria de facto dada como provada.

f) Invoca assim a Impugnante, em primeiro lugar, que a sentença não se pronunciou sobre as inconstitucionalidades por si imputadas ao Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11 de junho (DL 97/2008).

g) Concluindo que a sentença em análise, nessa parte, violou frontalmente o disposto nos artigos 84º/2, 112º/7, 165º/1/v), 2 e 3, 198º/3 e 204º da CRP.

h) Porquanto, no seu entender, o DL 97/2008, diploma que estabelece o regime económico e financeiro dos recursos hídricos, constitui matéria que se integra na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República nos termos do disposto no artigo 165º/1 alínea v) (que se refere à definição e regime dos bens do domínio público) e no artigo 84º da CRP (que tem por epígrafe Domínio Público).

i) Artigos que, em concreto, o tribunal a quo não apreciou.

j) Sucede que a matéria tratada pelo DL 97/2008 não se integra no artigo 165º, n.º 1, alínea v), porquanto, o diploma não se refere à definição nem ao regime dos bens do domínio público (que consta da Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro, que estabelece a titularidade dos recursos hídricos).

k) O DL 97/2008 disciplina a taxa de recursos hídricos, as tarifas dos serviços públicos e águas e os contratos-programa em matéria de gestão dos recursos hídricos, não se subsumindo assim à invocada alínea.

l) Aliás no âmbito da competência reservada da Assembleia da República incluem-se apenas as matérias expressamente tipificadas nas alíneas a) a aa) do n.º 1 do artigo 165º da CRP, sendo que, em nenhuma dessas alíneas se subsume a aprovação de taxas como é a taxa de recursos hídricos.

m) A mais dúbia, sempre seria a alínea i) do n.º 1 do artigo 165º da CRP, que se refere à “Criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas;”.

n) Motivo pelo que o tribunal aprecia a única possibilidade de existência de inconstitucionalidade orgânica, que é por via da alínea i) do n.º 1 do artigo 165º da CRP, o que fez (cfr. pg. 6 a 8 da Sentença) tendo em consideração o disposto no n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil, por transcrição de excertos dos Acórdãos, do STA, de 2016.02.17 (proc. n.º 0621/12.9BEALM) e de 2018.12.12 (proc. 0458/15).

o) Sobre a questão, pronunciam-se, também, o Acórdão do TCA Sul, de 06/06/2013, proferido no processo n.º 8573/12, que se refere precisamente à TRH, concluindo que a mesma configura uma taxa e não um imposto, porquanto “ela é um equivalente jurídico relacionado com o impacte negativo da atividade autorizada nos recursos hídricos”, e o Acórdão 581/2012 do Tribunal Constitucional, referente à taxa de regulação e supervisão.

p) Concluindo que a TRH é uma taxa, e não um imposto, motivo pelo que não se subsume ao artigo 165º da CRP.

q) Concluindo ainda o tribunal que a TRH foi, inclusivamente, criada por lei, a Lei da Água (Lei 58/2005 de 29/12).

r) Em virtude da solução dada pelo tribunal ficou prejudicado o conhecimento da questão referente à subsunção do DL 97/2008 à alínea v) do n.º 1 do artigo 165º da CRP (artigo 608, n.º 2 do Código de Processo Civil).

s) O DL 97/2008 não é precedido de lei de autorização legislativa porque não estamos perante matéria da competência reservada da Assembleia da República, mas sim no âmbito da competência concorrencial, sempre podendo o Governo legislar nos termos do artigo 198º, n.º 1 alínea a) da CRP.

t) Nem carece de qualquer lei habilitante porque não estamos perante um regulamento (112º/7 da CRP), mas perante um verdadeiro ato normativo (112º/1 CRP e 198/1a) da CRP).

u) Em face do exposto não se verifica qualquer omissão de pronúncia.

v) Acrescentando-se apenas que sobre a inconstitucionalidade orgânica da TRH pronunciou-se já o Supremo Tribunal Administrativo (STA), no Acórdão de 17/02/2016, proferido no processo n.º 0458/15 acessível através da seguinte hiperligação http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/1f0bc6ea52dbb6a280257f63003b6b64, e no Acórdão de 12/12/2018, proferido no processo n.º 0929/17, acessível através da seguinte hiperligação http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/96aa311d784bafd1802583680053a8f1?OpenDocument&ExpandSection=1.

w) Em ambos o STA concluiu que, tendo a taxa de recursos hídricos (TRH) natureza jurídica de taxa, o respetivo regime jurídico (DL 97/2008) não afronta, do ponto de vista orgânico, as normas constitucionais.

x) Pelos motivos mencionados supra improcede o invocado erro de julgamento, por (alegada) inconstitucionalidade do DL 97/2008, de 11/06 e falta de base legal dos atos impugnados.

Termos em que e nos melhores de direito que Vossas Excelências doutamente suprirão,

1) deverá o recurso subordinado ser rejeitado/indeferido por ser legalmente inadmissível e por falta de legitimidade da Impugnante A…. e V….., Lda, para a respetiva interposição, atento o disposto nos artigo 631.º, n.º1 e 633.º, n.º1 do NCPC;

Caso assim não seja entendido,

2) deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida, na parte em que julgou improcedente a concreta questão de inconstitucionalidade suscitada pela Impugnante, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!”.

A Impugnante respondeu à questão prévia suscitada pela APA, em articulado no qual concluiu nos seguintes termos:

“4. Do exposto resulta que, contrariamente ao invocado pela APA, e conforme doutamente se decidiu no despacho que admitiu o recurso subordinado, de 2021.06.07, a impugnante e ora requerente tem legitimidade para interpor recurso subordinado da sentença deste douto Tribunal, de 2021.03.05, pois “decaí(u) relativamente à verificação de (uma das) várias causas de invalidade (que invocou) contra o mesmo acto” (v. art. 141º/2 do CPTA, aplicável ex vi do art. 2º/c) do CPPT), que in casu se traduz na questão “da inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11/06”, e que: (i) foi invocada pela impugnante nos arts. 20º e segs. do r.i., (ii) foi julgada improcedente na sentença recorrida, e (iii) constitui fundamento do recurso subordinado interposto pela ora requerente, em 2021.05.04, tendo em vista assegurar uma tutela mais eficaz dos seus direitos impugnatórios.


NESTES TERMOS,

Requer-se a V. Exa. se digne julgar improcedente a questão prévia suscitada pela APA nas contra-alegações apresentadas, em 2021.06.07, com as legais consequências”.

Ambos os recursos foram admitidos, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser concedido provimento ao recurso apresentado pela APA e negado provimento ao recurso subordinado apresentado pela Impugnante.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

Questão prévia quanto ao recurso apresentado pela APA:

a) Deve o recurso ser rejeitado, em virtude de as conclusões não individualizarem as questões suscitadas nas alegações ou resumirem o corpo daquela peça processual?

Questão prévia quanto ao recurso subordinado apresentado pela Impugnante:

b) Deve o recurso subordinado ser rejeitado, em virtude de a Impugnante não ter legitimidade para a sua interposição?

Quanto ao recurso apresentado pela APA:

c) Verificam-se lapsos de escrita na decisão proferida sobre a matéria de facto?

d) Existe erro na decisão proferida sobre a matéria de facto?

e) Verifica-se erro de julgamento, em virtude de o ato impugnado estar fundamentado?

f) Ainda que o ato se considere não fundamentado, verifica-se erro de julgamento, atendendo à teoria do aproveitamento do ato?

Quanto ao recurso subordinado apresentado pela Impugnante:

g) O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que o regime constante do DL n.º 97/2008, de 11 de junho, atenta contra o disposto nos art.ºs 84.º, n.º 2, 165.º, n.ºs 1, al. v), 2 e 3 e 198.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP), não sendo convocável o disposto no art.º 165.º, n.º 1, al. i) da CRP?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

A) Impugnante é titular da licença provisória n.º 62/08, emitida pelo Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade, para manutenção da ocupação privativa, de uma parcela do domínio hídrico do Estado numa área de 2.545 m2, sendo 1.050 m2 de área coberta (“Equipamento de Hotelaria/ Actividades do sector terciário”) e 1.495 m2 de área descoberta (“Esplanadas/ Piscinas/ Jardins/ Estacionamento”), no qual explora o equipamento designado “Restaurante P……”, sito em Praia da Crisma, freguesia de Cascais, concelho de Cascais – cf. doc. 1 junto à contestação, correspondente à Licença e respetivo Anexo.

B) A impugnante executou obras de melhoramento na área destinada a parque de estacionamento, suportando os respetivos custos, mantendo inalteradas as áreas coberta e descoberta referidas na alínea que antecede – facto não controvertido e cf. prova testemunhal.

C) A impugnante, até 2019, nunca conseguiu impedir que área destinada a parque de estacionamento, referida em A), fosse utilizada pelo público em geral, que o utilizava para frequentar a Praia da Crismina – prova testemunhal.

D) Pela ocupação do terreno onde se localiza o seu restaurante, a impugnante pagou, relativamente ao ano de 1996, a taxa de 935.400$00, que foi sucessivamente atualizada para 1.403.100$00 (1997), 1.870.000$00 (1998) e 2.338.500$00 (1999 e 2000) – facto não controvertido.

E) Pela referida ocupação a impugnante pagou, relativamente aos anos de 2001 até 2006, taxas de utilização do domínio público marítimo, no valor de € 11.664,39 – facto não controvertido.

F) A impugnante foi notificada, através do ofício PRES - 0007 - OFI - 2009, Proc. TRH/NL 235/2009/TEJ, da ARH Tejo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, …para pagamento da Taxa de Recursos Hídricos, referindo o mesmo ofício “que o valor apurado relativo à Taxa de Recursos Hídricos (THR) para o ano de 2008 deverá ser pago no prazo de 30 dias após a data de emissão da nota de liquidação”, resultando a mesma da “aplicação do regime económico e financeiro estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11 de Junho” – cf. doc. 1 junto à p.i. (fls. 13)

G) Ato impugnando: A nota de liquidação n.º 235/2009/TEJ, de 31.01.2009, anexa ao ofício referido na alínea que antecede, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, liquida a quantia de € 12.725,00, para o período de 01.07.2008 a 31.12.2008, a pagar até final do mês de fevereiro de 2009, pela “Utilização dos recursos hídricos realizados por um período igual ou superior a 1 ano”/“Ocupação do DPHE”/“Comp. O”, nos seguintes termos:

– cf. doc.1 junto à p.i. (fls. 15)

H) A impugnante deduziu impugnação judicial contra a liquidação da mesma TRH relativa ao ano de 2007, no montante de € 29.163,80, a qual correu termos neste TAF sob Proc. n.º 953/08.0BESNT, no âmbito do qual foi proferida sentença em 08.02.2012, que julgou procedente a ação, confirmada por acórdão do TCA Sul de 12.05.2016 – por consulta ao SITAF.

I) A ARH TEJO liquidou à ora impugnante o pagamento de TRH no montante de € 14.961,03 para o primeiro semestre de 2008, objeto de impugnação judicial no proc. n.º 1161/09.9BESNT deste TAF, no âmbito do qual foi proferida sentença em 11.07.2012, já transitada em julgado, que julgou procedente a ação – facto não controvertido e por consulta ao sitaf.

J) A presente impugnação judicial foi apresentada em 05.05.2009 – cf. fls. 3 dos autos”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Não resultam dos autos outros factos, com relevo para a decisão do mérito da causa, que importe dar como não provados”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A decisão da matéria de facto provada efetuou-se com base no exame dos documentos que constam dos autos, referenciados em cada uma das alíneas do probatório, não se suscitando dúvidas relativamente à sua genuinidade, com base na posição assumida pelas partes nos respetivos articulados nos casos em que foram considerados como não controvertidos e, ainda, com base na prova testemunhal produzida em audiência, que relevou para prova dos factos mencionados em B) e C)”.

II.D. Dos erros de escrita constantes na decisão proferida sobre a matéria de facto

Antes de mais, cumpre apreciar o alegado pela Recorrente APA quanto aos erros de escrita constantes na decisão proferida sobre a matéria de facto.

Assim, considera a APA que devem ser efetivadas as seguintes retificações:

PRIMEIRO: No facto provado A) onde se lê “Praia da Crisma”, deve ler-se “Praia da Crismina”;

SEGUNDO: No Facto Provado G) onde se lê “- cf. doc. 1 junto à p.i. (fls. 15)”, deve ler-se “- cf. doc. 2 junto à contestação (fls. 85 e 86 do processo do SITAF)”;

TERCEIRO: No Facto Provado G) onde se lê “31/01/2009”, deve ler-se “30/01/2009”;

QUARTO: No Facto Provado G) onde se lê onde se lê “Medido e Declarado” deve ler-se “Estimado mas declarado”.

Nas suas contra-alegações, a Impugnante, para além de adjetivar as retificações requeridas como um exercício processual inútil, refere que resulta dos presentes autos que:

a) A al. A) dos FP deve ser retificada, corrigindo-se para “Praia da Crismina”, a parte em que nele se refere “Praia da Crisma” (v. Docs. de fls. 52 e segs. dos autos e de fls. 127 e segs. do PA);

b) A al. G) dos FP não carece de qualquer retificação na parte em que, de forma correcta, se refere ao Doc. 1 junto à p.i., que se compõe de três folhas;

c) A al. G) dos FP apenas deve ser rectificada nas partes em que (i) refere a data de emissão de nota de liquidação, que deve ser corrigida para “30/01/2009”, e em que (ii) indica a expressão “medido e declarado”, que deve ser corrigida para “estimado mas declarado” (v. fls. 2 e 3 do Doc. 1 junto com a p.i., a fls. 14 e 15 dos autos) – cfr. texto nº. 4.

Nos termos do art.º 614.º do CPC:

“1 - Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz.

2 - Em caso de recurso, a retificação só pode ter lugar antes de ele subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam de seu direito no tocante à retificação”.

Assim, independentemente de as retificações poderem não ter influência no sentido decisório, é de apreciar o requerido.

Vejamos então:

¾ Quanto ao facto provado A):

A única retificação, in casu, refere-se à expressão “Praia da Crisma”, que ambas as partes concordam no sentido de dever ser retificada para “Praia da Crismina”, sendo, com efeito, este o nome correto que decorre dos elementos constantes dos autos.

Como tal, a redação do facto provado A passará a ser a seguinte:

A) Impugnante é titular da licença provisória n.º 62/08, emitida pelo Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade, para manutenção da ocupação privativa, de uma parcela do domínio hídrico do Estado numa área de 2.545 m2, sendo 1.050 m2 de área coberta (“Equipamento de Hotelaria/ Actividades do sector terciário”) e 1.495 m2 de área descoberta (“Esplanadas/ Piscinas/ Jardins/ Estacionamento”), no qual explora o equipamento designado “Restaurante P…..”, sito em Praia da Crismina, freguesia de Cascais, concelho de Cascais – cf. doc. 1 junto à contestação, correspondente à Licença e respetivo Anexo”.

¾ Quanto ao facto provado G):

No tocante a este facto, a APA considera que o mesmo contém três lapsos de escrita, a saber:

a) Onde se lê “- cf. doc. 1 junto à p.i. (fls. 15)”, deve ler-se “- cf. doc. 2 junto à contestação (fls. 85 e 86 do processo do SITAF)”;

b) Onde se lê “31/01/2009”, deve ler-se “30/01/2009”;

c) Onde se lê onde se lê “Medido e Declarado” deve ler-se “Estimado mas declarado”.

A Impugnante concorda com as retificações mencionadas em b) e c), mas não com a mencionada em a).

Vejamos.

Na primeira instância, o facto G) foi formulado nos seguintes termos:

G) Ato impugnando: A nota de liquidação n.º 235/2009/TEJ, de 31.01.2009, anexa ao ofício referido na alínea que antecede, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, liquida a quantia de € 12.725,00, para o período de 01.07.2008 a 31.12.2008, a pagar até final do mês de fevereiro de 2009, pela “Utilização dos recursos hídricos realizados por um período igual ou superior a 1 ano”/“Ocupação do DPHE”/“Comp. O”, nos seguintes termos:

– cf. doc.1 junto à p.i. (fls. 15)”.

No tocante ao primeiro erro de escrita alegado, atinente à remissão para o documento n.º 1 junto à petição, refira-se que tal remissão se encontra correta.

Com efeito, atentando nas fls. 13 a 15 dos autos em suporte de papel, relativas a tal documento, decorre que o mesmo contém três páginas, justamente relativas à liquidação. Sucede, porém, que, por lapso dos serviços de secretaria, da plataforma SITAF consta apenas a 1.ª das 3 referidas páginas. Como tal, considera-se de retificar o facto nesta parte, não suprimindo a menção feita, mas acrescentando a referida pela APA.

No tocante aos demais lapsos de escrita, pelo confronto com o documento consubstanciado na liquidação do tributo, os mesmos verificam-se.

Como tal, a redação do mencionado facto G) passará a ser a seguinte:

G) Ato impugnando: A nota de liquidação n.º 235/2009/TEJ, de 30.01.2009, anexa ao ofício referido na alínea que antecede, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, liquida a quantia de € 12.725,00, para o período de 01.07.2008 a 31.12.2008, a pagar até final do mês de fevereiro de 2009, pela “Utilização dos recursos hídricos realizados por um período igual ou superior a 1 ano”/“Ocupação do DPHE”/“Comp. O”, nos seguintes termos:

– cfr. documento n.º 1 junto à p.i. (autos em suporte de papel) e documento n.º 2 junto com a contestação”.

II.E. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto

A Recorrente APA insurge-se contra a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos seguintes termos:

a) Por se encontrar provado pelo documento 1 junto com a contestação, o Facto Provado A) deve ser alterado e retificado nos seguintes termos (…):

“A) Impugnante é titular da licença provisória n.º 62/08, emitida pelo Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade, para manutenção da ocupação privativa, de uma parcela do domínio público hídrico do Estado numa área de 2.545 m2, sendo 1.050 m2 de área coberta (“Equipamento de Hotelaria/ Actividades do setor terciário”) e 1.495 m2 de área descoberta (“Esplanadas/Piscinas/ Jardins/ Estacionamento”), no qual explora o equipamento designado “Restaurante P…….”, sito em Praia da Crismina, freguesia de Cascais, concelho de Cascais, nos termos da qual é devida uma taxa anual nos termos da legislação em vigor.- cf. Doc. 1 junto à contestação, correspondente à Licença e respectivo Anexo.”;

b) Por se encontrar provado pelo documento 1 junto com a Impugnação, e por ser expressamente mencionado no artigo 10º da Impugnação, o Facto Provado F) deve ser alterado nos seguintes termos (…):

F) A impugnante foi notificada, através do ofício PRES – 0007 – OFI – 2009, Proc. TRH/NL 235/2009TEJ, da ARH Tejo, de 06/02/2009 (…);

c) Por se encontrar provado pelo documento 2 junto com a Contestação, o Facto Provado G) deve ser alterado e retificado nos seguintes termos (…):

G) Ato impugnado: A nota de liquidação n.º 235/2009/TEJ, de 30.01.2009, anexa ao ofício referido na alínea que antecede, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, liquida a quantia de € 12.725,00, para o período de 01.07.2008 a 31.12.2008, a pagar até ao final do mês de fevereiro de 2009, pela “Utilização dos recursos hídricos realizados por um período igual ou superior a 1 ano”/”Ocupação do DPHE”/”Comp. O”, por referência ao Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11 de Junho de 2008, nos seguintes termos:


;

d) Por se encontrar provado pelos documentos 4 e 5 juntos com a Contestação, devem ser aditados os seguintes Factos Provados:

d.1) Em 5 de maio de 2009 a ora Impugnante requereu ao Presidente da ARHT, I.P. (hoje APA, IP) a correção da nota de liquidação por entender que a mesma padecia de erro nos pressupostos de facto e de direito ao aplicar a mesma taxa à área coberta (em seu entender com finalidade lucrativa) e à área descoberta (em seu entender sem finalidade lucrativa);

d.2) Para o efeito a Requerente invocou, nomeadamente, o seguinte:

“2. Na nota de liquidação em análise fixou-se a taxa de recursos hídricos relativa apenas ao segundo semestre de 2008, considerando o valor base de € 0,833333 e uma área de 2.545,00 m2.

O art. 10º/1 e 2, do DL 97/2008, de 11 de Junho, determina o seguinte:


“Artigo 10º

Componente O – ocupação do domínio público hídrico do Estado

1 – A componente O corresponde à ocupação de terrenos do domínio público hídrico do Estado e à ocupação e criação de planos de água, calculando-se pela aplicação de um valor de base à Área ocupada, expressa em metro quadrado.

2 – O valor anual de base da componente O é o seguinte:

(…)

f) Entre € 7,50 e €10 para os apoios não temporários de praia e ocupações duradouras de natureza comercial, turística ou recreativa com finalidade lucrativa;

g) € 1 para os demais casos”.

Conforme resulta expressamente deste normativo o valor anual de base da componente O deverá ser fixado entre € 7,50 e €10 para os apoios não temporários de praia e ocupações duradouras de natureza comercial, turística ou recreativa com finalidade lucrativa e em € 1 para os demais casos.

3. Na liquidação do tributo em causa não se teve em devida conta a distinção entre as áreas ocupadas pela ora exponente com finalidade lucrativa e as restantes áreas sem essa finalidade, tendo-se considerado apenas a área total de 2.545m2.

(…)

A ora exponente ocupa 1.050m2 de área coberta, com finalidade lucrativa, onde está instalado o seu restaurante, e 1.495 m2 (logradouro) de área descoberta, destinada a estacionamento, o qual não tem, nem nunca teve qualquer finalidade lucrativa.

Na liquidação em análise determinou-se a taxa devida, considerando a área total de ocupação de 2.545 m2, aplicando-se na sua totalidade o valor base, de € 0,8333 (€0,8333 x 2545 m2 x 6 meses = € € 12.725,00).

Nos termos do referido art. 10º, nºs. 1 e 2, als. f) e g) do DL 97/2008, de 11 de junho, na liquidação em análise deveria ter sido feita a distinção entre áreas com finalidade lucrativa e sem finalidade lucrativa, bem como a localização do restaurante em zona não urbana, pelo que a taxa exigível à ora exponente não podia deixar de ser calculada do seguinte modo:

I – Restaurante

€ 7,5 : 12 meses = € 0,625

€ 0,625 X 1.050 m2 = € 656,25

€ 656,25 X 6 meses = € 3.937,50

II – Estacionamento

€1 : 12 meses = € 0,08333

€ 0,08333 X 1.495 m2 = € 124,58

€ 124,58 X 6 meses = €747,42

III – Total

€ 3.937,50 + € 747,48 = € 4.684,98.”;

d.3) Por Ofício da ARH do Tejo, I.P., remetido à ora Impugnante por fax de 8 de julho de 2009, foi dada resposta ao Requerimento de 5 de maio de 2009, aí se mencionando o seguinte:

“1. Nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11 de Junho, a ocupação de terrenos do Domínio Público Hídrico do Estado (DPHE) está sujeita a aplicação de TRH.

2. A matéria tributável, indicada na nota de liquidação (NL) 235/2009/TEJ, corresponde à área ocupada mencionada na Licença provisória n.º 62, emitida pelo Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade.

3. De acordo com o Artigo 14º do mesmo diploma, a liquidação da TRH é feita até ao termo do mês de Janeiro do seguinte àquele a que a taxa respeite. Assim, a NL emitida refere-se à TRH correspondente ao 2.º semestre de 2008. Em relação ao 1.º semestre de 2008, será emitida uma guia de pagamento, nos termos do Decreto-Lei n.º 47/97, de 22 de Fevereiro.

4. Nos termos do n.º 4 do referido artigo, para os anos de 2008 e 2009, aplica-se o maior dos valores do intervalo previsto para a ocupação em causa. A decisão de aplicar outro valor, que não o maior do referido intervalo, cabe às Administrações das Regiões Hidrográficas (ARH) e aplica-se ao ano subsequente, não se colocando, por este facto, a questão para o ano de 2008. No que se refere ao ano de 2009, aplicar-se-á o mesmo valor de base, acrescido da respectiva actualização, uma vez que não houve qualquer decisão contrária por parte das ARH.

5. Na vossa comunicação é referido que a área destinada a estacionamento “(…) não tem nem nunca teve qualquer finalidade lucrativa.” No entanto não esclarece se esta se destina ao uso exclusivo dos clientes e pessoal afecto ao restaurante, ou se, por outro lado, é de livre avesso e uso por parte do público em geral.

6. Conforme o mencionado na reunião, a alteração do valor de base da componente O, na área respeitante ao estacionamento, pressupõe que este seja de livre acesso e usufruto a todos os cidadãos.

Deste modo, considera-se que os elementos enviados não permitem esclarecer dos aspectos acima referidos, que justifiquem a alteração da NL emitida.”

Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão(1).

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­-se-lhe os ónus já mencionados(2).

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que tais ónus foram cumpridos, pelo que cumpre passar à sua apreciação.

Refira-se ainda que nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de direito. Por outro lado, cumpre distinguir entre factos provados e meios de prova, sendo que uns não se confundem com os outros.

Feito este introito, cumpre apreciar o requerido:

¾ Facto a alterar supra identificado sob a alínea a):

Considera a APA que o facto A) deve ser alterado, sendo de lhe aditar a palavra “público” e a expressão “nos termos da qual é devida uma taxa anual nos termos da legislação em vigor”.

A Impugnante, a este respeito, entende que a alteração requerida já decorre de E) do probatório e que, no mais, é uma conclusão de direito.

Quanto ao aditamento da menção “público”, defere-se o requerido, apesar de ser questão desprovida de qualquer controvérsia.

No tocante ao aditamento da expressão “nos termos da qual é devida uma taxa anual nos termos da legislação em vigor”, trata-se de mera conclusão de direito. No entanto, nada obsta a que se adite o teor do artigo 10.º da mencionada licença.

Como tal, o facto A), já com a retificação efetuada supra em II.D, será desdobrado em dois, para melhor compreensão, e passará a ter a seguinte redação:

A.1.) A Impugnante é titular da licença provisória n.º 62/08, emitida pelo Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade, para manutenção da ocupação privativa, de uma parcela do domínio público hídrico do Estado numa área de 2.545 m2, sendo 1.050 m2 de área coberta (“Equipamento de Hotelaria/ Actividades do sector terciário”) e 1.495 m2 de área descoberta (“Esplanadas/ Piscinas/ Jardins/ Estacionamento”), constando da mencionada licença designadamente o seguinte:

“10º. Pela presente licença são devidas taxas anuais nos termos da legislação em vigor, a liquidar mediante guias a emitir pelo Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade” (cf. doc. 1 junto à contestação, correspondente à Licença e respetivo Anexo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

A.2.) A Impugnante explora na parcela mencionada em A.1. o equipamento designado “Restaurante P……”, sito em Praia da Crismina, freguesia de Cascais, concelho de Cascais (cf. doc. 1 junto à contestação, correspondente à Licença e respetivo Anexo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

¾ Facto a alterar supra identificado sob a alínea b):

Considera, por outro lado, a APA que o facto F) deve ser alterado, no sentido de ser ao mesmo aditada a data “06.02.2009”.

A Impugnante não se opõe a tal alteração.

Como tal, o facto F) mencionado em II.A. passará a ter a seguinte redação:

F) A impugnante foi notificada, através do ofício PRES - 0007 - OFI - 2009, Proc. TRH/NL 235/2009/TEJ, da ARH Tejo, datado de 06.02.2009, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, …para pagamento da Taxa de Recursos Hídricos, referindo o mesmo ofício “que o valor apurado relativo à Taxa de Recursos Hídricos (THR) para o ano de 2008 deverá ser pago no prazo de 30 dias após a data de emissão da nota de liquidação”, resultando a mesma da “aplicação do regime económico e financeiro estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11 de Junho” – cf. doc. 1 junto à p.i. (fls. 13)

¾ Facto a alterar supra identificado sob a alínea c):

Considera a APA que ao facto G) deve ser aditada a expressão “por referência ao Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11 de Junho de 2008”.

A Impugnante não se opõe a tal alteração.

Como tal, o facto G) mencionado em II.A., com a redação retificada em II.D., passará a ter a seguinte redação:

G) Ato impugnando: A nota de liquidação n.º 235/2009/TEJ, de 30.01.2009, anexa ao ofício referido na alínea que antecede, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, liquida a quantia de € 12.725,00, para o período de 01.07.2008 a 31.12.2008, a pagar até final do mês de fevereiro de 2009, pela “Utilização dos recursos hídricos realizados por um período igual ou superior a 1 ano”/“Ocupação do DPHE”/“Comp. O”, por referência ao Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11 de junho, nos seguintes termos:

– cf. doc.1 junto à p.i. (autos em suporte de papel) e documento n.º 2 junto com a contestação”.

¾ Factos a aditar supra identificados nas subalíneas da alínea d):

Os factos cujo aditamento é requerido, ao qual a Impugnante não se opõe, conquanto seja incluído o teor integral dos mesmos, resultam dos documentos indicados pela APA.

Como tal, defere-se o requerido, ainda que com distinta formulação. Assim, são de aditar os factos K) e L), com a seguinte redação:

K) A Impugnante apresentou requerimento, datado de 05.05.2009, dirigido ao Presidente da então ARH Tejo, I.P., no qual requereu a retificação da liquidação da TRH constante da nota de liquidação n.º 235/2009/TEJ, requerimento do qual consta designadamente o seguinte:


“( texto integral no original; imagem)”

…” (cfr. documento n.º 4 junto com a contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

L) Na sequência do mencionado em K), foi remetido à Impugnante ofício da ARH do Tejo, IP, via fax, a 08.07.2009, constando do mesmo designadamente o seguinte:

“…

…” (cfr. documento n.º 5 junto com a contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da questão prévia suscitada pela Impugnante

Antes de mais cumpre apreciar a questão prévia suscitada pela Impugnante, atinente ao seu entendimento no sentido de as conclusões formuladas pela Recorrente APA não integrarem qualquer individualização das questões ou resumo do corpo daquela peça processual, dando lugar à sua rejeição.

Vejamos.

Nos termos do art.º 282.º do CPPT:

“2 - O recurso é interposto mediante requerimento dirigido ao tribunal que proferiu a decisão, que inclui ou junta a respetiva alegação e no qual são enunciados os vícios imputados à decisão e formuladas conclusões”.

Por seu turno, o art.º 639.º do CPC, ex vi art.º 281.º d0 CPPT, dispõe que:

“1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”.

Analisando as alegações de recurso apresentadas pela APA, verifica-se que as mesmas contêm 184 pontos de alegações e 64 conclusões.

Reconhecendo-se que tais conclusões poderiam ser mais sintéticas, entende-se, no entanto, que essa prolixidade identificada pela Impugnante não é de molde a pôr em causa a possibilidade de conhecer o presente recurso.

Como refere Abrantes Geraldes(3), “… se acaso o relator (…) verificar, numa análise mais profunda, que o efeito da rejeição total ou parcial do recurso se mostra excessivo, deve abster-se de o declarar”.

Por outro lado, das mencionadas conclusões são extraíveis as questões que a Recorrente APA pretende ver apreciadas no presente recurso e que já supra se identificaram.

Como tal, será de conhecer o recurso apresentado pela APA.

III.B. Da questão prévia suscitada pela APA relativamente ao recurso subordinado apresentado pela Impugnante

Considera, por seu turno, a APA que, não tendo sido a Impugnante parte vencida na presente impugnação, carece a mesma de legitimidade para apresentar recurso subordinado, devendo o mesmo ser rejeitado.

A Impugnante considera que tem legitimidade, dado que “decai(u) relativamente à verificação de (uma das) várias causas de invalidade (que invocou) contra o mesmo acto” (v. art. 141º/2 do CPTA, aplicável ex vi do art. 2º/c) do CPPT), que in casu se traduz na questão “da inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11/06”, e que: (i) foi invocada pela impugnante nos arts. 20º e segs. do r.i., (ii) foi julgada improcedente na sentença recorrida, e (iii) constitui fundamento do recurso subordinado interposto pela ora requerente, em 2021.05.04, tendo em vista assegurar uma tutela mais eficaz dos seus direitos impugnatórios”.

Vejamos então.

Nos termos do art.º 279.º do CPPT:

“1 - O presente título aplica-se:

a) Aos recursos dos atos jurisdicionais praticados no processo judicial tributário regulado pelo presente Código;

b) Aos recursos dos atos jurisdicionais no processo de execução fiscal, designadamente as decisões sobre incidentes, oposição, pressupostos da responsabilidade subsidiária, verificação e graduação definitiva de créditos, adulação da venda e recursos dos demais actos praticados pelo órgão da execução fiscal.

2 - Os recursos dos atos jurisdicionais sobre meios processuais acessórios comuns à jurisdição administrativa e tributária são regulados pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos”.

In casu, estamos perante uma impugnação judicial, pelo que, em termos de regime de recursos, não é de aplicar o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), apenas aplicável nos casos referidos no n.º 2 do art.º 279.º do CPPT (v.g. é o caso do recurso de sentenças proferidas em ações administrativas).

Assim, há que atentar no regime previsto no Título V do CPPT.

A questão prévia que ora se coloca não encontra resposta direta no CPPT, pelo que há que atender ao regime constante do CPC, subsidiariamente aplicável no caso de recurso interpostos em ações de impugnação, como é o caso.

Com efeito, atento o disposto no art.º 281.º do CPPT:

“Os recursos das decisões proferidas pelos tribunais tributários, ainda que interlocutórias, regem-se pelo disposto no Código de Processo Civil, salvo o disposto no presente título”.

Nos termos do art.º 633.º, n.º 1, do CPC:

“1 - Se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas pode recorrer na parte que lhe seja desfavorável, podendo o recurso, nesse caso, ser independente ou subordinado”.

Assim, a apresentação de recurso subordinado implica que a parte que dele lance mão possa ser considerada vencida, total ou parcialmente.

Como refere Abrantes Geraldes(4):

“[P]ode ocorrer que o decaimento respeita apenas a algum ou alguns dos fundamentos da ação ou da defesa, sem afetar o resultado expresso na decisão. Nesta situação, a parte cujos fundamentos não foram total ou parcialmente aceites, mas que, apesar disso, acabou por obter vencimento quanto ao resultado final, não é vencida” (sublinhado nosso).

Não sendo parte vencida, nos termos referidos, a mesma não detém legitimidade para interpor recurso subordinado.

Não obstante, a mesma não fica destituída de proteção. Assim, prossegue o mencionado autor:

“No entanto, é admitida a promover a ampliação do objeto do recurso interposto pela contraparte nos termos do art. 636.º, precavendo-se, deste modo, contra o eventual acolhimento pelo tribunal ad quem dos argumentos de facto ou de direito que sejam suscitados pelo recorrente”.

Reitere-se, ademais, que, como já se adiantou supra, no caso não é aplicável o CPTA, não havendo, pois, que apelar ao disposto no art.º 141.º, n.º 2, desse código. Esta disposição legal adota um conceito de parte vencida distinto do conceito adotado pelo CPC, no âmbito do contencioso impugnatório. Assim, o CPTA considera nestes casos como vencido “o autor que, tendo invocado várias causas de invalidade contra o mesmo ato administrativo, tenha decaído relativamente à verificação de alguma delas, na medida em que o reconhecimento, pelo tribunal de recurso, da existência dessa causa de invalidade impeça ou limite a possibilidade de renovação do ato anulado”, situação em que o mesmo tem legitimidade para recorrer.

Sucede, porém, que, como já referimos, nos presentes autos não é aplicável o regime de recursos previsto no CPTA, dado não estarmos perante uma situação enquadrável no âmbito do n.º 2 do art.º 279.º do CPPT e dada a expressa remissão para o regime do CPC, constante do art.º 281.º do CPPT.

Finalmente, a circunstância de o Tribunal a quo ter proferido despacho de admissão do recurso subordinado não vincula este Tribunal, como resulta do art.º 641.º, n.º 5, do CPC.

Como tal, é de rejeitar o recurso subordinado apresentado pela Impugnante, por falta de legitimidade para a sua interposição, não se justificando aferir da possibilidade de convolação do mesmo em ampliação do objeto do recurso, na medida em que a própria Impugnante, nas suas contra-alegações, procedeu a tal ampliação.

III.C. Da não admissibilidade da conclusão F das contra-alegações apresentadas pela Impugnante

Considera a APA que deverá ser dado por não escrito o alegado no ponto III.F. (texto n.ºs 21 a 24) e conclusão F (12.ª), das contra-alegações de recurso da Impugnante/Recorrida, por não caber nesta sede.

Nos termos do art.º 665.º do CPC, aplicável ex vi art.º 281.º do CPPT, o Tribunal ad quem pode, no caso de a apelação proceder, conhecer questões cujo conhecimento resultou prejudicado pelo Tribunal a quo, desde que disponha de todos os elementos para o efeito.

É justamente esta a referência que a Impugnante faz nas suas contra-alegações.

A APA entende que tal referência deve ser dada como não escrita, por extravasar o âmbito das contra-alegações.

Considera-se, no entanto, que nada impede que o Recorrido saliente a existência de questões cujo conhecimento foi julgado prejudicado em primeira instância, sendo certo que, caso este Tribunal conhecesse algum dos vícios em causa em substituição, sempre teria de ouvir as partes (art.º 665.º, n.º 3, do CPC)

Como tal, indefere-se o requerido.

Passando à apreciação do mérito do recurso apresentado pela APA.

III.D. Do erro de julgamento, quanto à falta de fundamentação

Entende a Recorrente APA que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, ao considerar que o ato impugnado padece de falta de fundamentação. Sustenta o seu entendimento, por um lado, pelo facto de resultar provado que foram indicadas as razões de direito, na medida em que consta da liquidação a menção ao DL n.º 97/2008, de 11 de junho, e, bem assim, todos os elementos que encaminham o destinatário para a concreta disposição legal aplicável. Refere ainda que a própria licença atribuída adverte para o facto de serem devidas taxas e que a Impugnante apreendeu a fundamentação. Considera ainda que o Tribunal a quo errou ao entender que a liquidação deveria mencionar a legislação pretérita à aplicada. Finalmente, defende que, atenta a teoria do aproveitamento do ato, nunca o resultado dos presentes autos poderia conduzir à anulação da liquidação.

Vejamos.

A Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro, aprovou a Lei da Água, transpondo para a ordem jurídica nacional a Diretiva 2000/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro, e estabelecendo as bases e o quadro institucional para a gestão sustentável das águas. Entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação (cfr. o seu art.º 107.º).

Nos termos do art.º 78.º da Lei da Água:

“1 - A taxa de recursos hídricos (TRH) tem como bases de incidência objetiva separadas:

a) A utilização privativa de bens do domínio público hídrico, tendo em atenção o montante do bem público utilizado e o valor económico desse bem;

b) As atividades suscetíveis de causarem um impacte negativo significativo no estado de qualidade ou quantidade de água, internalizando os custos ambientais associados a tal impacte e à respetiva recuperação.

2 - A utilização de obras de regularização de águas superficiais e subterrâneas realizadas pelo Estado constitui também base de incidência objetiva da TRH, proporcionando a amortização do investimento e a cobertura dos respetivos custos de exploração e conservação, devendo ser progressivamente substituída por uma tarifa cobrada pelo correspondente serviço de água.

3 - A TRH corresponde à soma dos valores parcelares aplicáveis a cada uma das bases de incidência objetivas.

4 - As bases de incidência, as taxas unitárias aplicáveis, a liquidação, a cobrança e o destino de receitas da TRH, bem como as correspondentes competências administrativas, as isenções referidas no n.º 3 do artigo 80.º e as matérias versadas no n.º 2 do artigo 79.º e no n.º 2 do artigo 81.º, são reguladas por normas a aprovar nos termos do n.º 2 do artigo 102.º”.

Nos termos do n.º 2 do art.º 102.º, para o qual remete o n.º 4 do art.º 78.º, ambos da Lei da Água:

“2 - O Governo deve aprovar no prazo de três meses após a entrada em vigor da presente lei os Decretos-Leis complementares da presente lei que regulem a utilização de recursos hídricos e o regime económico e financeiro”.

Por seu turno, o DL n.º 97/2008, de 11 de junho, veio estabelecer o regime económico e financeiro dos recursos hídricos.

Decorre do seu preâmbulo que:

“… A Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro (Lei da Água), veio proceder à transposição da Directiva n.º 2000/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro, para o direito interno português, revendo assim o regime legal nacional de gestão da água em vigor. (…) A revisão do regime nacional de gestão da água exige a edição de diplomas vários em complemento à Lei da Água, como sucede com o regime da utilização dos recursos hídricos e com o regime económico e financeiro dos recursos hídricos, textos para os quais aponta a própria lei, designadamente no seu artigo 102.º O regime económico e financeiro dos recursos hídricos que se aprova por meio deste diploma constitui um instrumento da maior importância na concretização dos princípios que dominam a Lei da Água, muito em particular dos apontados princípios do valor social, da dimensão ambiental e do valor económico da água. A Directiva n.º 2000/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro, bem como as ciências do ambiente recomendam o emprego de instrumentos económicos e financeiros na racionalização do aproveitamento dos recursos hídricos. O aproveitamento de águas do domínio público hídrico, a descarga de efluentes, a extracção de inertes, a ocupação do domínio público hídrico ou a utilização de águas cujo planeamento e monitorização são assegurados pelo Estado são actividades às quais estão associados custos públicos e benefícios particulares muito significativos, e que mais significativos se vão tornando à medida que se agrava a escassez dos recursos hídricos e se intensifica a actividade de planeamento, gestão e protecção destes recursos a que as autoridades públicas estão obrigadas. A compensação desses custos e benefícios constitui, portanto, uma exigência essencial da gestão sustentável da água, pois só quando o utilizador interiorize os custos e benefícios que projecta sobre a comunidade se pode esperar dele um aproveitamento racional dos recursos hídricos escassos de que a comunidade dispõe. Mais do que isso, a compensação dos custos e benefícios associados à utilização dos recursos hídricos constitui uma exigência elementar de igualdade tributária, pois quando não se exige o custo ou o benefício do utilizador, permite-se, afinal, que ele provoque custos que o todo da comunidade acaba por suportar ou que se aproprie gratuitamente de recursos hídricos que são úteis ao todo da comunidade.

(…) A taxa de recursos hídricos constitui um dos três instrumentos essenciais deste diploma e uma das mais importantes inovações de que ele é portador. Nas diversas componentes que a integram, a taxa de recursos hídricos assenta num princípio de equivalência, nessa ideia fundamental de que o utilizador dos recursos hídricos deve contribuir na medida do custo que imputa à comunidade ou na medida do benefício que a comunidade lhe proporciona, uma concretização da igualdade tributária que as ciências do ambiente traduzem geralmente pelas noções do utilizador-pagador e do poluidor-pagador. Sem dúvida que a criação da taxa de recursos hídricos tem como motivação próxima a aprovação recente da Lei da Água e o esforço de adaptação do direito nacional ao direito comunitário agora em curso, muito concretamente à Directiva n.º 2000/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro, no contexto da qual as noções do utilizador-pagador e do poluidor-pagador ocupam lugar de destaque. Podendo dizer-se por isso que a tributação dos recursos hídricos constitui, hoje em dia, uma exigência do direito comunitário, é verdade que a taxa que agora se introduz resulta também da evolução autónoma do direito tributário nacional, que progressivamente se tem vindo a alargar dos aproveitamentos mais tradicionais dos recursos hídricos, ligados à utilização do domínio público e às infra-estruturas hidráulicas, já presentes na legislação anterior sobre a matéria, a aproveitamentos diferentes, associados agora a preocupações mais recentes de natureza ambiental. É a soma de todas estas preocupações, já visível no âmbito da legislação editada ao longo dos anos noventa, que serve à estruturação da nova taxa de recursos hídricos, procurando-se agora, naturalmente, aproveitar os ensinamentos trazidos pela experiência da aplicação que aquela legislação teve. Assim, a nova taxa de recursos hídricos não se dirige à generalidade dos pequenos utilizadores, que provocam custos administrativos e ambientais reduzidos, mas antes aos utilizadores de maior dimensão que, pela utilização mais intensiva que fazem dos recursos hídricos, provocam maior desgaste ambiental e obrigam a administração a encargos de planeamento e monitorização mais cuidados. A estrutura subjectiva da taxa de recursos hídricos fica, pois, limitada aos aproveitamentos que, pela sua dimensão e efeitos, estejam sujeitos a título de utilização, pois são estes que a Lei da Água considera susceptíveis de provocar sobre os recursos hídricos um impacte significativo. Poupase também, deste modo, o pequeno utilizador a um encargo que, do ponto de vista social, se poderia revelar demasiado oneroso e poupa-se a administração a um esforço de organização e controlo que se mostraria desproporcionado face aos custos e benefícios em jogo. A estrutura objectiva da taxa de recursos hídricos integra diferentes tipos de utilizações dos recursos hídricos, combinando na sua base de incidência componentes que reflectem a preocupação fundamental de compensar quer os custos que o utilizador provoca à comunidade quer os benefícios que a comunidade lhe proporciona. Tomam-se, por isso, como base de incidência o aproveitamento de águas do domínio público hídrico do Estado; a descarga, directa ou indirecta, de efluentes sobre os recursos hídricos, susceptível de causar impacte significativo; a extracção de materiais inertes do domínio público hídrico; a ocupação de terrenos ou planos de água do domínio público hídrico do Estado; bem como a utilização de águas sujeitas a planeamento público, susceptível de causar nelas impacte significativo. E introduzem-se nestas componentes diferenciações variadas, algumas procurando reflectir o diferente contributo que cada sector económico deve ser chamado a dar para a gestão sustentável dos recursos hídricos, outras procurando reflectir a escassez variada que os recursos hídricos mostram ao longo do território continental nacional, outras, enfim, procurando acautelar grupos de utilizadores em posição de maior carência económica e social. As componentes empregues na estruturação da base de incidência da taxa de recursos hídricos correspondem ao que é necessário acautelar para dar cumprimento efectivo às exigências do direito comunitário e ao que se entende mais urgente na reforma que tem vindo a ser feita da gestão dos recursos hídricos nacionais. Um instrumento como a taxa de recursos hídricos, contudo, possui em si mesmo uma vocação de adaptação progressiva, sendo de admitir que o passar do tempo lhe alargue a base de incidência a novas componentes que, por razões de ordem prática e por razões de ordem científica, não a integram desde já, como ocorre com a poluição difusa dos recursos hídricos…”.

No que respeita ao tributo em análise, o referido diploma dedica-lhe o seu capítulo II, no qual é, designadamente, definida a sua incidência objetiva (art.º 4.º), a subjetiva (art.º 5.º), a base tributável (art.ºs 6.º a 11.º), a determinação direta e indireta da matéria tributável (art.ºs 12.º e 13.º), as competências em termos de emissão das liquidações (art.º 14.º) e a atualização (art.º 17.º).

Já quanto ao dever de fundamentação dos atos administrativos em geral, o mesmo insere-se no princípio constitucionalmente consagrado, no art.º 268.º, n.º 3, da CRP, nos termos do qual “os atos administrativos (…) carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”.

Ao nível dos atos tributários, o dever de fundamentação encontra-se especificamente previsto no art.º 77.º da Lei Geral Tributária (LGT), cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:

“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

“A fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão…”(5), para que o respetivo destinatário consiga perceber o iter cognoscitivo e para que, por outro lado, seja possível o controlo, quer administrativo, quer jurisdicional, do ato em causa.

Deve ser, pois, clara, expressa, congruente e suficiente, de maneira a esclarecer inteiramente o seu destinatário, cumprindo, dessa forma, o desiderato constitucionalmente consagrado.

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

In casu, o Tribunal a quo considerou que a liquidação em crise padece de falta de fundamentação, porquanto “da análise da liquidação em apreço, no cotejo com a respetiva carta de notificação, ficamos a saber que o valor foi apurado por “aplicação do regime económico e financeiro estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11 de Junho” e que, atenta a descrição constante da liquidação, a quantia de € 12.725,00, referente à TRH de 2008 (2.º semestre), resultará da operação: 0,833333 x 6 x 2545, por referência à “Comp. O”. Nada mais”.

Desde já se adiante que acompanhamos este entendimento.

Com efeito, como se referiu supra, para que um ato tributário esteja cabalmente fundamentado é necessário que o seu destinatário apreenda o itinerário cognoscitivo percorrido, o que, in casu, não é possível.

Começando pela fundamentação jurídica, atentando na liquidação referida em G), esta limita-se a mencionar globalmente o DL n.º 97/2008, de 11 de junho.

Portanto, ao não mencionar as concretas disposições legais aplicáveis, a liquidação padece de irregularidade.

Resta saber se esta irregularidade é ou não invalidante.

Com efeito, casos há, como os referidos pela APA nas suas alegações, em que esta irregularidade não tem efeitos invalidantes, em virtude de serem situações em que a discricionariedade da administração é mínima e em que, no fundo, a solução não podia ser se não aquela. Exemplo paradigmático referido na nossa jurisprudência é o atinente à fundamentação de direito das liquidações de juros compensatórios, situação muito particular, considerando o regime muitíssimo definido em termos de pressupostos.

Ora, tal não é o caso dos autos, dado que o diploma citado abrange uma variedade de situações, não cabendo ao administrado fazer um juízo de prognose para aferir o itinerário cognoscitivo percorrido – nem lhe cabendo a ele, administrado, através de uma análise da liquidação e respetivo regime legal, fazer um exercício de prognose de reconstituição do itinerário cognoscitivo que o emitente da liquidação terá percorrido.

Portanto, a mera menção ao DL n.º 97/2008, de 11 de junho, é, do ponto de vista da fundamentação jurídica, insuficiente, não se podendo considerar que se trata de uma mera irregularidade, dada a variedade de situações abrangidas pelo mencionado diploma.

Por outro lado, também não se acompanha o entendimento de que a irregularidade em causa está suprida pelos elementos constantes da liquidação.

Com efeito, a mera menção não explanada à componente O não é, per se, suficiente, desde logo dada a circunstância de o art.º 10.º, n.º 2, do DL n.º 97/2008, de 11 de junho, contemplar uma variedade de situações, abrangidas na mencionada componente.

É certo que da liquidação consta a menção à finalidade “apoios praia não temporários”. No entanto, nada consta da liquidação que permita aferir o itinerário cognoscitivo percorrido para esta configuração. Aliás, a disciplina aplicável exige que, no caso dos apoios de praia não temporários, a finalidade dos mesmos seja lucrativa e não existe qualquer menção na liquidação a esse respeito e nem se percebe, em consequência, o itinerário cognoscitivo percorrido a esse propósito.

Acrescente-se, ademais, que a al. f) do n.º 2 do art.º 10.º do DL n.º 97/2008, de 11 de junho, fixa um intervalo de valores (entre 7,50 Eur. e 10,00 Eur.), nada se explicando em torno de o mesmo ser considerado como sendo de 10,00 Eur. Aliás, em bom rigor, a liquidação nem faz menção ao valor de 10,00 Eur., indicando apenas o de 0,833333, que, só após explicações adicionais e posteriores, se entende tratar-se do mencionado valor de 10,00 Eur. dividido pelos doze meses do ano. No entanto, nem essa menção ao facto de o valor ser mensal consta da liquidação.

Assim, a disciplina legal em causa prevê o já referido intervalo de valores, sendo que a explicação para o mesmo se ter fixado em 10,00 Eur. foi apenas facultada ulteriormente, concretamente no documento mencionado em L), o que não é admissível em termos de fundamentação, que se quer contemporânea do ato. Refira-se, aliás, que até essa fundamentação de direito é imperfeita, na medida em que no seu ponto 3. faz menção ao art.º 14.º do DL n.º 97/2008, de 11 de junho, e no ponto 4. faz menção ao “n.º 4 do referido artigo”, que, na verdade, inexiste (existindo, sim, um n.º 4 do art.º 10.º).

Portanto, ao contrário do defendido pela Recorrente APA, a mera leitura da nota de liquidação não dissipa as dúvidas colocadas pelo Tribunal a quo.

Por outro lado, há que considerar que se trata de matéria à qual tem estado associada uma significativa litigiosidade, em termos, designadamente, de pressupostos do facto, o que implica até uma exigência acrescida do ponto de vista de fundamentação.

Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 03.02.2021 (Processo: 0357/12.0BESNT), no qual se sustenta, aliás, o Tribunal a quo e relativo às mesmas partes e ao mesmo tributo (não obstante respeitar a distinto ano):

“[O] grau de fundamentação exigível para que se considere cumprido o respectivo dever previsto nessa disposição a ainda nos arts. 268.º, n.º 3, da C.R.P. e 123.º do C.P.A., na redação ao tempo aplicável, está diretamente relacionado com o grau de litigiosidade existente, isto é, com a divergência entre a posição da administração e do contribuinte, conforme tem considerado a jurisprudência do S.T.A. – assim, no acórdão do S.T.A. de 4-10-2017, proferido no proc. 0406/13, acessível em www.dgsi.pt, citando vários outros nesse sentido.

Ora, do caso resulta que a recorrida vinha pondo em causa a tributação efetuada pela recorrente relativamente à taxa em causa, impondo-se que a recorrente tivesse indicado claramente as disposições legais aplicáveis, bem como explicitado de forma suficiente como chegou ao apuramento da componente O que utilizou no apuramento da taxa em causa.

E apenas se referiu em fundamentação a respeito das ditas disposições o regime económico e financeiro dos recursos hídricos, constante do referido Dec.-Lei n.º 97/2008, que disciplina, aliás, diferentes realidades: a taxa de recursos hídricos, as tarifas dos serviços públicos de águas e os contratos-programa em matéria de gestão dos recursos hídricos.

Por outro lado, quanto à componente O explicitou-se também apenas ter-se chegado ao mesmo dividindo por doze o valor anual.

Acresce que, conforme considerado ainda na sentença recorrida, a fundamentação “a posteriori” efetuada em sede de contestação não é aceitável, considerando que as exigências constitucionais a que se refere o art. 269.º n.ºs 3 e 4 da C.R.P., em termos da fundamentação ter de ser expressa e acessível, por visar, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a impugnação contenciosa do ato e a sua conformação – cfr., ainda, acórdãos de 9-10-2019, proferido no proc. 0373/19.1BECBR, de 20-4-2020, proc. 01090/08.3BESNT e de 28-10-2020, proferido no proc. 02887/13.8BEPRT, publicados no sítio acima indicado.
Fazendo aplicação do disposto no art. 153.º n.º2 do C.P.A. (que corresponde ao anterior art. 125.º n.º1 do anterior C.P.A.), segundo o qual a fundamentação utilizada equivale à falta de fundamentação, restava anular a liquidação, tal como decidido foi”
.

Finalmente, sublinhe-se que, no caso dos autos, como bem refere a Recorrente APA, estamos perante a primeira liquidação ao abrigo do regime previsto no DL n.º 97/2008, de 11 de junho, o que se revela como um elemento adicional no sentido da necessidade de uma fundamentação clara e completa, que permita ao administrado conhecer todos os elementos concretos que presidiram à emissão do ato de liquidação e a que já fizemos referência.

Refira-se, ademais, que é perfeitamente irrelevante o facto de a licença mencionada em A) mencionar que são devidas taxas anuais. Com efeito, a licença faz essa menção genérica e não é tal menção que faz com que a liquidação não tenha de ser fundamentada. Uma coisa é o administrado ter conhecimento de que terá de pagar um determinado tributo, outra coisa é a liquidação desse tributo estar ou não devidamente fundamentada, de forma a que o administrado consiga perceber o itinerário cognoscitivo percorrido.

Por outro lado, a circunstância de a Impugnante ter apresentado junto dos serviços da Recorrente o requerimento mencionado em K) do probatório, onde revela ter percecionado cálculos aritméticos, não muda o nosso entendimento, não se considerando que tal requerimento demonstre a ausência do vício em causa. Se é verdade que a Impugnante conseguiu perceber que o valor de 0,8333 foi multiplicado pela área e por 6 meses, nada mais resulta do mencionado requerimento em termos de perceção. Neste a própria Impugnante revela, por exemplo, não perceber a concreta alínea do n.º 1 do art.º 10.º aplicada, dado considerar que a situação se subsume às als. f) e g) do n.º 2 do art.º 10.º do DL n.º 97/2008, de 11 de junho. Por outro lado, a própria Impugnante revela não percecionar o entendimento inerente à consideração da taxa de 10,00 Eur., o que se reflete na circunstância de os seus cálculos serem feitos por referência ao valor de 7,5 Eur.

Ou seja, há aspetos factuais e jurídicos inerentes à liquidação, mas nela não evidenciados, que fazem com que a mesma padeça do vício de falta de fundamentação (formal e não apenas substancial, como referido pela APA), sendo que a resposta dada pela APA na sequência do requerimento referido em K) não pode ser considerada como fundamentadora do ato, dado ser posterior ao mesmo e não ser admissível fundamentação a posteriori.

Carece de absoluta relevância o alegado na conclusão mm), dado ser factualidade alheia aos presentes autos.

Carece igualmente de relevância ao alegado erro de julgamento da determinação da norma aplicável em concreto. Como resulta da sentença sob apreciação, na análise do vício de falta de fundamentação, a mesma convoca inequivocamente o DL n.º 97/2008, de 11 de junho. O que resulta da sentença é que ali se considerou que a fundamentação do ato encontrava cabal resposta na contestação apresentada, dado da mesma constar não só a específica disciplina do DL n.º 97/2008, de 11 de junho, como a explicação inerente ao contexto anterior, que permite aferir a motivação que implicou o aumento do tributo em causa (questão não despicienda, face à grande litigância a que já nos referimos, em torno desta específica situação e face à grande alteração operada em 2008). Não obstante, ainda que se considerasse que este elemento contextual não teria de constar na fundamentação do ato, tal não implica que o mesmo esteja suficientemente fundamentado, o que, como já vimos, não está. Logo, o alegado não tem qualquer impacto nos presentes autos.

Considera ainda a Recorrente que sempre é de apelar à teoria do aproveitamento do ato.

Nos termos da mencionada teoria, hoje consagrada no art.º 163.º, n.º 5, do Código do Procedimento Administrativo (CPA), verifica-se uma inoperância da força invalidante do vício que inquina o ato, em virtude da preponderância do conteúdo sobre a forma. Assim, quando em relação a um determinado ato, que padeça de ilegalidade formal ou externa, se possa afirmar inequivocamente que o ato só podia ter o conteúdo que teve em concreto, a essa invalidade não é operante, em virtude da conformidade substancial do ato praticado(6).

Ora, consideramos que tal não é aplicável in casu.

Com efeito, no atual caso, há uma questão fundamental – a da aferição da finalidade lucrativa ou não lucrativa da parcela descoberta – que não encontra resposta no ato e que não nos permite antecipar que o valor da liquidação, se o ato estivesse devidamente fundamentado, fosse exatamente aquele obtido, dado que a falta de fundamentação é impeditiva da aferição da subsunção do caso à al. f) ou à al. g) do art.º 10.º, n.º 2, do DL n.º 97/2008, de 11 de junho.

Isto é, não é possível concluir, com a segurança exigível, que, caso tal irregularidade não tivesse ocorrido, o ato fosse exatamente o mesmo.

Logo, carece de razão a Recorrente APA.

Face ao exposto, resulta prejudicada a apreciação da ampliação do objeto do recurso efetuada pela Impugnante.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Rejeitar o recurso subordinado apresentado pela A… e V…., Lda;

b) Sem custas, quanto ao referido em a);

c) Negar provimento ao recurso apresentado pela Agência Portuguesa do Ambiente, I.P.;

d) Custas pela Agência Portuguesa do Ambiente, I.P., quanto ao referido em c);

e) Registe e notifique.


Lisboa, 16 de setembro de 2021


[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores Susana Barreto e Vital Lopes]

Tânia Meireles da Cunha

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(1)Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.
(2)V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.
(3)António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2018, p. 160.
(4)António Santos Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 98.
(5)Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Encontro da Escrita, Lisboa, 2012, p. 676.
(6)Cfr. José Carlos Vieira de Andrade, O dever de fundamentação expressa de actos administrativos, Almedina, Coimbra, 2007, pp. 329 a 336. V. a este propósito o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 28.03.2019 (Processo: 24/08.0BELRS).