Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2669/04.8BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:05/07/2020
Relator:ANA PINHOL
Descritores:CONTESTAÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
AVALIAÇÃO INDIRECTA DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL
REVISÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL
Sumário: I. Nos casos, como o dos autos, em que a Fazenda Pública não declara assumir como contestação, a Informação elaborada pela Divisão de Justiça Contenciosa, esta não pode ser havida como tal articulado, nem as questões aí suscitadas podem ser sujeitas a apreciação do tribunal, ainda que a informação conste do processo administrativo tributário apresentado em juízo.
II. A nulidade da sentença por omissão de pronúncia só tem lugar quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que deveria conhecer, o que significa que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pelas soluções dada a outras.
III. Não padece, pois, do vício de nulidade referido em II a sentença do Tribunal recorrido, que, contrariamente ao invocado pela recorrente, se limita a conhecer de todas as questões que foram submetidas à sua apreciação e de que podia conhecer, resolvendo-as, ainda que a seu descontento.
IV. O prévio pedido de revisão da matéria tributável por métodos indiretos, com fundamento em erro nessa fixação ou nos pressupostos da utilização destes métodos, constitui um pressuposto ou condição de procedibilidade da impugnação judicial com esses fundamentos (artigo 117.º, nº 1 do CPPT e do artigo 86º., nº 5 da LGT).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO


I.RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA e a R................., S.A. recorrem para este TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO da sentença proferida pelo TRIBUNAL TRIBUTÁRIO DE LISBOA, que julgou parcialmente a impugnação judicial contra o acto de liquidação adicional de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) n.º ....................., referente ao exercício de 1998, na parte em que a mesma lhes foi desfavorável.

A recorrente (Fazenda Pública) terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«A)No caso dos autos, o valor total do processo para efeitos de apuramento de taxa de justiça a pagar é superior a € 275.000,00 (cfr. art.º 11 e 6.º n.º 1 do RCP);
B)Determina, porém, o n.º 7 do art.º 6º do RCP que: “Nas causas de valor superior a € 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”;
C)O que entende-se ser o caso, atendendo sobretudo à positiva cooperação das partes a qual, deverá impor senão uma dispensa, pelo menos, a redução da taxa de justiça;
D)Considerando a eventualidade de ser entendido que, no caso em apreço, se verificam os pressupostos suscetíveis de fundamentar a aplicação da faculdade prevista no n.º 7 do art. 6º do RCP, deve ser deferida a dispensa ou a redução do pagamento da taxa de justiça correspondente ao valor que extravasa o montante de € 275.000,00;
E)Não pode a Fazenda Pública conformar-se com o doutamente decidido, porquanto considera que a douta sentença recorrida não tomou posição sobre questões que deveria conhecer, por suscitadas pela ora Recorrente, nem decidiu explicitamente que não podia delas tomar conhecimento, pelo que é nula por omissão de pronúncia, nos termos da al. d) do n.º 1 do art. 615º do CPC;
F)De facto, lendo a decisão aqui em crise, não se vislumbra, na mesma, qualquer passagem dedicada à análise e decisão da questão suscita pela Recorrente, Fazenda Pública, em sede de contestação, quanto à inimpugnabilidade da liquidação aqui controvertida;
G)Sendo que, a consequência processual para a falta desse pressuposto processual ou condição de procedibilidade sempre seria a absolvição da Fazenda Pública da presente instância, uma vez que estarmos perante exceção dilatória que obstaria ao conhecimento do mérito da causa;
H)No que se refere ao objeto do presente recurso judicial, a correção efetuada no valor de €387.515,36, foi efetuada por recurso a métodos indiretos, nos termos dos arts. 87º e 88º da LGT, resultou da omissão de contabilização do proveito obtido com a venda do prédio misto, sito na freguesia de Samora Correia, tendo o respetivo valor de alienação sido apurado em conformidade com o previsto no art. 90º do referido diploma legal;
I)Entendeu o Mmo. Juiz a quo, quanto à aplicação de métodos indiretos, que a fundamentação legal se apresenta viciada porquanto os arts. 87º e 88º da LGT não são aplicáveis ao caso em pareço, “pela simples razão de que não vigoravam em 1998. Efetivamente a LGT foi aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro, nos termos do seu artigo 6º entrou em vigor em 01/01/1999.”;
J)Contudo, a ora Recorrente, Fazenda Pública, no âmbito da reclamação graciosa deduzida, quer em sede da impugnação de cuja decisão se recorre, invocou a como condição de impugnabilidade do erro na quantificação ou nos pressupostos da determinação da avaliação indireta, a necessidade do pedido de revisão da matéria tributável e, quanto a esta questão, o Tribunal a quo não se pronunciou, nem incluiu a omissão do pedido de revisão da matéria tributável, no seu probatório, como deveria;
K)À data em que a inspeção tributária ocorreu, já se encontrava em vigor, quer a LGT, quer o CPPT;
L) O Decreto-Lei n.º 398/98 de 17 de dezembro, que aprovou a LGT, entrou em vigor em 1 de janeiro de 1999, não se verificando a existência de qualquer norma transitória ou de aplicação no tempo, quanto aos pressupostos da aplicação de métodos indiretos previstos nos arts. 87º e seguintes;
M)Quanto a esta matéria, o diploma que aprovou a LGT, faz apenas referência, no seu art. 3º que, quanto à revisão da matéria tributável, o contribuinte, até à entrada em vigor do novo Código de Processo Tributário, poderia optar pela reclamação prevista “nos artigos 84º e seguintes do Código de Processo Tributário vigente.”;
N)Ao contrário da ténue referência efetuada pelo Tribunal a quo da decisão que ora se recorre, de que os artigos respeitantes aos pressupostos para aplicação de métodos indiretos previstas nos arts. 87º e seguintes da LGT não eram aplicáveis, atendendo à data em qua a inspeção tributária teve o seu início, eram, sem qualquer margem para dúvidas, aplicáveis ao caso sub judice;
O)Aliás, já os arts. 51º e 52º do CIRC, aprovado pelo Decreto-lei n.º 422-B/88 de 30 de novembro, previa a possibilidade da aplicação de métodos indiretos nos casos, nomeadamente, de inexistência, falta, atraso na contabilidade, recusa de exibição da mesma, existência de diversas contabilidades, erros ou inexatidões, podendo o contribuinte, no caso de não se conformar com a utilização do referido método, poder reclamar nos termos e condições previstas nos arts. 84º a 90º e 136º, todo do CPT;
P)O mesmo raciocínio, o mesmo procedimento e condições de impugnabilidade foram mantidos, como se viu, com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 398/98 de 17 de dezembro, diploma que aprovou a LGT, nomeadamente, nos seus arts. 85º a 94º;
Q)Prevendo, assim, o n.º 5 do art.º 86º da LGT, “Em caso de erro na quantificação ou nos pressupostos da determinação indireta da matéria tributável, a impugnação judicial da liquidação ou, se esta não tiver lugar, da avaliação indireta depende da prévia reclamação nos termos da presente lei” (negrito e sublinhado nossos);
R)O mesmo se diga com a entrada em vigor, no dia 1 de janeiro de 2000, do CPPT, aprovado por Decreto-Lei n.º 433/99 de 26 de outubro;
S)Em conformidade com o art. 117º do CPPT, cuja aplicação, sem qualquer disposição especial ou transitória, iniciou em 1 de janeiro de 1999, estatui que, “Salvo em caso de regime simplificado de tributação ou quando da decisão seja interposto, nos termos da lei, recurso hierárquico com efeitos suspensivos da liquidação, a impugnação dos atos tributários com base em erro na quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indiretos depende de prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributável” (negrito e sublinhado nossos);
T)A revisão administrativa da matéria tributável é um preliminar indispensável da impugnação judicial de atos tributários cuja matéria tributável foi apurada por métodos indiretos, funcionando como uma impugnação pré-contenciosa que condiciona o acesso aos tribunais e cuja justificação se encontra nos próprios critérios em que assenta a avaliação indireta da matéria tributável;
U)A falta do pressuposto processual inominado, previsto naquelas normas da LGT e do CPPT, implica que o Tribunal não possa conhecer a alegada invalidade do ato tributário fundada em erro na quantificação da matéria coletável e erro nos pressupostos de aplicação de métodos indiretos, acarretando, portanto, a consolidação na ordem jurídica da aplicação de métodos indiretos e a quantificação da matéria tributável;
V)A Impugnante, Recorrida, não lançou mão do pedido de revisão da matéria tributável consagrado no citado normativo da LGT e sendo o ato de liquidação de IRC sub judicie, decorrente de correções promovidas pelos SIT, com recurso a métodos indiretos, a sua impugnação contenciosa dependia da prévia apresentação daquele pedido de revisão da matéria tributável;
W)Na falta do dito pedido de revisão, de que dependia o exercício do direito à impugnação judicial da liquidação de imposto sub judicie, dir-se-á como se entende, que a decisão dos SIT de aplicação de métodos indiretos na determinação da matéria tributável de IRC da ora Impugnante, Recorrida, com referência ao exercício de 1998, consolidou-se na ordem jurídica- tributária;
X)Sobre esta questão, invocada pela Fazenda Pública na sua contestação, o Tribunal a quo não se pronunciou como devia;
Y)O Tribunal a quo não incluiu, como deveria, no seu probatório a inexistência do pedido de revisão da matéria tributável;
Z)Deveria o Tribunal a quo considerar no seu probatório que a Impugnante, Recorrida, não apresentou previamente o pedido de revisão da matéria tributável, nos termos do n.º 1 do art. 117º do CPPT, aplicável por força do art. 4º do Decreto-Lei n.º 433/99 de 26 de outubro;
AA)douta sentença ora recorrida não tomou posição sobre tal questão que deveria conhecer, por ter sido suscitada pela ora Recorrente, nem decidiu explicitamente que não podia dela tomar conhecimento;
BB)O douto Tribunal recorrido não aprecia e decide a questão da eventual inimpugnabilidade da liquidação controvertida, nem emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento, nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento;
CC)Pelo que a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia nos termos da al. d) do art. 615º do CPC;
DD)Não devendo a douta sentença recorrida manter-se na ordem jurídica por violação da al. d) do n.º 1 do art. 615º do CPC, arts. 576º, n.º 2 e 577º do CPC, aplicáveis ex vi al. e) do art. 2º do CPPT, arts. 85º, n.º 5 do art. 86º e art. 91º, todos da LGT e n.º 1 do art. 117º do CPPT.

Termos em que, deve conceder-se provimento ao recurso, e em consequência deve:
a)Ser deferido o pedido de dispensa ou redução do pagamento da taxa de justiça correspondente ao valor que extravasa o montante de € 275.000,00;

b)Ser a decisão ora recorrida revogada e substituída por acórdão que declare a nulidade da sentença e, nessa medida, determinar pela absolvição da Fazenda Pública da instância.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.»

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A recorrida (R................., S.A.) apresentou contra-alegações (aqui ordenadas por alíneas), concluindo deste modo:
«A)Em conclusão, não restam dúvidas que a aplicação de métodos indirectos foi ilegal, em virtude de não existir suporte legal para a sua efectivação, e bem esteve o Tribunal em reconhecer tal ilegalidade.
B)Quanto à alegada preclusão sempre se dirá que de nada valerá argumentar que precludiu o direito de impugnar a liquidação por métodos indirectos em virtude de não ter a Impugnante solicitado a revisão do lucro tributável apurado nessa sede, nos termos do artigo 91º da LGT (conforme refere a Administração Fiscal no seu recurso).
C)Tal mecanismo tem por finalidade, como a própria denominação indica, proceder a uma análise (e eventual revisão) dos resultados quantitativos apurados em sede de liquidação por métodos indirectos.
D)Contudo, a R....................., ora recorrida não pretendia rever o resultado quantitativo apurado; pretendeu, desde sempre, colocar em causa as próprias condições para a aplicação de métodos indirectos no caso concreto, algo que não faz qualquer sentido em sede de revisão do lucro tributável apurado.
E)Resulta, pois, claro que não tendo razão de ser a aplicação de métodos indirectos, muito menos sentido fará discutir os valores que estão em causa (quer seja o resultado final ou o valor de base utilizado para atingir este resultado final).
F)Convém não olvidar que o que esteve sempre em causa foi o “ilegal” recurso a métodos indirectos efectuado pela Administração Fiscal, do 1º Relatório para o 2º Relatório, onde a mesma abdica de corrigir os valores da operação através do método de preços de transferência, passando para o campo dos métodos indirectos.
G)Esta reviravolta teve origem no simples facto da Administração Fiscal ter verificado que a R....................., ora recorrida se encontrava a reportar prejuízos fiscais. Com efeito, o súbito recurso ao regime dos métodos indirectos teve como objectivo, apenas e só, numa tentativa de evitar a irrelevância prática que a correcção por meio de preços de transferência teria.
H)Com efeito, os prejuízos fiscais a reportar pela Impugnante seriam suficientes para “anular” qualquer eventual liquidação adicional.
I)Por outra via – os métodos indirectos – seria possível, no entender da Administração Fiscal, invalidar o reporte de prejuízos e garantir o efectivo recebimento de uma colecta. Foi este o comportamento da Administração Fiscal no caso em apreço. De má-fé, e com o intuito de prejudicar a R......................
Violando as leis e normas constitucionais vigentes!

Termos em que deve a presente recurso ser julgado totalmente improcedente, com as legais consequências».

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A Impugnante (R................., S.A.) interpôs recurso alegando, em conclusão, o seguinte:
«1.A dívida resultante da liquidação adicional n.º ..................... encontra-se prescrita;
2.Cumpre ao Tribunal reconhecer, oficiosamente, a referida prescrição;
E, caso assim não se entenda,
3.O Tribunal a quo deve clarificar, sem margem para dúvidas, as consequências da anulação do acto tributário impugnado;
4.Nomeadamente, esclarecer em que medida a Autoridade Tributária está obrigada à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a comprovada ilegalidade;
5.Os prejuízos fiscais a reportar pela Recorrente são de valor muito superior ao resultante da sobredita nota de liquidação impugnada
6.Sendo, inclusivamente, suficientes para compensar qualquer eventual liquidação adicional.

Termos em que deve a presente recurso ser julgado totalmente procedente, com as legais consequências, nomeadamente (i) o reconhecimento oficioso da prescrição da dívida resultante da Liquidação Adicional n.º ..................... ou, caso assim não se entenda (ii) a clarificação, pelo Tribunal, das consequências da anulação parcial da liquidação.»


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificada para o efeito, ofereceu o seu parecer no sentido da procedência do recurso interposto pela Fazenda Pública e pela improcedência do recurso interposto pela R................., S.A..

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Colhidos os vistos, cumpre decidir.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Face às conclusões formuladas, as questões submetidas à nossa apreciação são as seguintes:
Recurso interposto pela Fazenda Pública
- nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
Recurso interposto pela Impugnante
- prescrição da dívida resultante do acto de liquidação sindicado;
- pedido de aclaração.

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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS
O Tribunal de 1ª instância considerou provados os seguintes factos:
« A)Em 16 de julho de 2002, foi a Impugnante notificada, para efeitos de audição prévia, do projeto de conclusões de um primeiro relatório de inspeção da Equipa 32 da III Divisão da Inspeção Tributária da 1.ª Direção de Finanças de Lisboa (doravante, o "1.º Relatório") (Conforme resulta do depoimento das testemunhas e não foi contrariado pela AT).
B)Do 1.º Relatório resultava de uma ação inspetiva levada a cabo entre os dias 19 de junho de 2002 e 8 de julho de 2002, e tinha como objeto o exercício fiscal de 1998 da ora Impugnante (conforme resulta o RIT do depoimento das testemunhas).
C)Do 1.º Relatório resultava, em termos sumários, que a Administração Fiscal havia detetado diversas situações de infração na contabilidade fiscal da Impugnante no exercício de 1998, infrações essas que a Administração Fiscal se propunha sanar através de correções meramente aritméticas à matéria tributável de IRC desse mesmo exercício (conforme resulta do depoimento das testemunhas).
D)Resulta da mesma ação inspetiva, com o mesmo âmbito e extensão, o 2.º Relatório consubstancia, uma alteração na argumentação aduzida pela Administração Fiscal no que concerne às correções a efetuar à contabilidade fiscal da Impugnante com fundamento em omissão de proveitos (manteve-se, pois, a argumentação do 1.º Relatório relativamente à não aceitação dos custos fiscais acima enunciados) (conforme resulta dos depoimentos as testemunhas).
E)Os Serviços de Inspeção Tributária (SIT) na sequência de uma Informação prestada pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Santarém, em resultado de uma Fiscalização efetuada à S....................., S.A. (NIPC ................), que adquiriu terrenos à Impugnante, procederam a inspeção à atividade da Impugnante, relativamente ao exercício de 1998 e elaboraram o relatório final de Inspeção Tributária (RIT) que constitui fls. 290 e seguintes e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
F)Os SIT procederam às seguintes correções técnicas:


G)Relativamente aos “IV - Motivos e Exposição dos Factos que Implicam o Recurso a Métodos indiretos”, resulta do RIT:
«Alienação de Prédio Misto (Samora Correia)
Trata-se de um Prédio Misto com cerca de 40 hectares, situado no Porto Alto, onde o nacionalizado R.............. (origem “remota” da R................., S.A.) tinha instalado um emissor de “Onda Média”, com as respetivas infraestruturas e algumas casas para os trabalhadores encarregados da sua manutenção.
A “Informação” proveniente da Direção de Finanças de Santarém, forneceu-nos diversos elementos que estão em parte resumidos no Anexo 1.
Nesta Ação de Fiscalização, importa sobretudo analisar a venda ocorrida em 1998, remanescente do referido Prédio, contribuindo para esse efeito os seguintes dados:
1 - Em 16.01.1996 reuniu-se o Conselho de Administração da R................., S.A., e decidiu vender um Prédio Misto, situado na freguesia de Samora Correia (identificado no Anexo 1), à “S..................... - Investimentos Imobiliários, S.A.”. (Anexo 2 - fotocópia da ata da referida reunião).
2 - A Escritura desta transação foi outorgada em 18.01.1996, mas, por lapso, segundo o Administrador Dr. C.............. (NIF .............), houve uma parte do imóvel que não foi englobado nesta transação, (Anexo 3 - fotocópia de parte da sua declaração escrita), pelo que em 11.03.1998, com outorga de nova Escritura, completou-se formalmente esta operação.
3 - Na Escrita da R................., S.A., não se encontra registado no Exercício de 1998 qualquer valor referente a esta alienação (Anexo 7), o que pressupõe uma Omissão de Contabilização de Proveitos, (infração ao Art°. 17°. N°. 3 alínea b) do CIRC), e implica o recurso a Métodos Indiretos, de acordo com os Art°s. 87.° e 88.° da Lei Geral Tributária, para determinação do valor omisso, e consequente apuramento do Rendimento Tributável.»
H)Quanto aos “V - Critérios e Cálculos dos Valores Corrigidos com Recurso a Métodos Indiretos” consta do RIT:
«De acordo com o Art°. 90°. da Lei Geral Tributária, e perante os dados disponíveis, iremos determinar o valor da alienação do prédio (Proveito), não contabilizado.
■ Área do Imóvel: 40.000 m2 (Anexo 3 )
■ Localização: Freguesia de Samora Correia
■ Característica: Terreno urbanizável para construção urbana
■ Preço de Venda Declarado 500.000$00
■ Valor Patrimonial 77.689.854$00
■ Valor que serviu de base ao cálculo da Sisa 77.689.854$00 (Anexo 6 - fotocópia do Termo de Declaração para efeitos de Sisa)
Parece-nos que na presente situação, o Valor de Mercado estará próximo do Valor Patrimonial, pelo que se irá considerar que o valor desta transação foi de Esc. : 77.689.854$00 a que correspondem 387.515,36 Euros.»
I)« VIII - Direito de Audição - Fundamentação
Com o objetivo de que o Sujeito Passivo pudesse exercer o " Direito de Audição previsto no Art°. 60°. da Lei Geral Tributária e Art°. 60°. do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, foi-lhe enviada em 15.07.2002 uma cópia do Projeto de Relatório ( inicial ), posteriormente alterado, e reenviada em 06.08.2002 nova cópia do Projeto de Relatório II, (com as devidas alterações), bem como dos respetivos anexos, sendo concedido nesta última notificação um prazo de 15 dias, para que exercesse aquele Direito, o que não aconteceu até à presente data, pelo que se considera esta Ação Inspetiva concluída, com os resultados sintetizados no Capítulo I.
À Consideração Superior, Lisboa, 27.08.2002»
J)Sobre o RIT recaíram o parecer fls. 291 e o despacho de concordância de fls. 290, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
K)O RIT foi notificado à Impugnante em 11/09/2002 (conforme resulta de fls. 286 a 288).
L)A AT, em 20/11/2002, procedeu à elaboração da liquidação de IRC referente ao exercício de 1998 (conforme resulta de fls. 21 do processo de reclamação graciosa em apenso).
M)O prazo para pagamento voluntário terminou em 06/01/2003.
N)Em 16 de janeiro de 1996, reuniu o Conselho de Administração da ora Impugnante, tendo deliberado proceder à alienação do Prédio Carro Quebrado pelo valor de 49.879,79 EUR (conforme resulta dos depoimentos das testemunhas).
O)Em 18 de janeiro de 1996, a Impugnante outorgou escritura pública de venda do Prédio Carro Quebrado a favor da S..................... - Investimentos Imobiliários, S.A., pelo supra referido valor (conforme resulta do documento 1 junto com a PI).
P)Em 11 de abril de 1997, a sociedade R............., S.A., celebrou um contrato de venda da totalidade das ações que detinha na ora Impugnante a favor da sociedade M............, S.A., excluindo do objeto da venda o Prédio Esteval da Curta, que era, ainda, formalmente, propriedade da Impugnante (cfr. cláusula décima segunda do sobredito contrato junto com a PI como documento 2, que aqui se considera reproduzida para todos os efeitos legais).
Q)Em 9 de maio de 1997, a Impugnante, conforme acordado no contrato de venda das ações referido no artigo anterior, outorgou uma procuração irrevogável a favor da R............., S.A., conferindo a esta os bastantes poderes para proceder à alienação do Prédio Esteval da Curta (conforme resulta do documento 3 junto com a PI).
R)A escritura pública de venda deste prédio a favor da S..................... - Investimentos Imobiliários, S.A., pelo valor de 2.493,99 EUR, é outorgada, em 11 de março de 1998, no uso dos poderes conferidos por esta procuração irrevogável (conforme resulta do documento 4 junto com a PI).
S)Este mecanismo foi adotado na exata medida em que se conclui que, com a venda do Prédio Carro Quebrado, não havia sido alienada a totalidade do imóvel cuja transmissão de propriedade se pretendia (conforme resulta dos depoimentos das testemunhas).
T)Pretendia-se, pois, salvaguardar um bem que, no entendimento da ora
Impugnante, havia já sido materialmente transmitido (conforme resulta dos depoimentos das testemunhas).
U)Tudo para que o novo titular das ações da Impugnante tivesse plena consciência de que aquele imóvel não fazia parte do património da Impugnante (conforme resulta dos depoimentos das testemunhas).
V)O referido lapso teve origem no facto de o mesmo imóvel físico se encontrar descrito na competente Conservatória através de diferentes descrições e inscrito na respetiva matriz predial através de duas diferentes inscrições (conforme resulta dos depoimentos das testemunhas).
W)Ou seja, aquilo que, para as competentes autoridades prediais, eram dois imóveis, nos termos contratuais era, apenas, um imóvel (conforme resulta dos depoimentos das testemunhas).
X)Verificado o lapso, trataram as partes de corrigi-lo, da forma que entenderam melhor respeitar o espírito do negócio (conforme resulta dos depoimentos das testemunhas).
Y)Uma vez que se havia já acordado um valor para a alienação do imóvel (entenda-se imóvel como o resultado físico do conjunto constituído pelo Prédio Carro Quebrado e pelo Prédio Esteval da Curta) decidiram as partes fixar um valor meramente simbólico para a escritura de 1998 - que, recorde-se, tinha como único objetivo completar formalmente a alienação, já materialmente concretizada, de 1996 (conforme resulta dos depoimentos das testemunhas).
Z)Foi fixado o valor de 2.493,99 EUR para a compra e venda de 11 de março de 1998, apenas para que a operação ficasse formalizada como compra e venda (conforme resulta dos depoimentos das testemunhas).
AA)O valor para efeitos do já extinto imposto de sisa foi o valor matricial do imóvel (conforme resulta dos depoimentos das testemunhas).
BB)Acresce, ainda, que a tradição do Prédio Esteval da Curta ocorre, desde logo, no ano de 1996 (conforme resulta dos depoimentos das testemunhas).
CC)A sociedade compradora, desde logo, assumiu a posse do imóvel, na sua globalidade - Prédio Carro Quebrado e Prédio Esteval da Curta (conforme resulta dos depoimentos das testemunhas).
DD)E a sociedade vendedora, ora Impugnante, desde logo tratou de declarar, para efeitos contabilísticos e fiscais, a alienação desse imóvel (conforme resulta dos depoimentos das testemunhas).
EE)Efetivamente, atente-se no mapa de menos valias do exercício de 1996, onde se pode verificar que a Impugnante considera integralmente transmitido todo o imóvel (entendido no sentido que acima se descreveu), designado como imóvel "Porto Alto" (conforme resulta do documento 5 junto com a PI).
FF)É de atender, igualmente, ao mapa de reintegrações e amortizações do exercício de 1997, onde é facilmente verificável que já não consta qualquer menção a qualquer imóvel localizado no Porto Alto (conforme resulta do documento 6 junto com a PI).
GG)A Impugnante recebeu da compradora, logo em 1996, a totalidade do preço correspondente ao valor da venda que havia sido acordado, nenhum valor tendo sido recebido em 1998 (conforme resulta dos depoimentos das testemunhas).
HH)Para efeitos fiscais, contabilísticos e económicos, os dois prédios acima identificados foram transmitidos logo na data de início da operação (ou seja, 18 de janeiro de 1996) (conforme resulta dos depoimentos das testemunhas).
II)A Impugnante não teve proveitos, reais ou eventuais, resultantes da transmissão do Prédio Esteval da Curta, no sobredito exercício (conforme resulta dos depoimentos das testemunhas).
JJ)A Impugnante não teve imediato conhecimento da concretização da operação, uma vez que esta foi concretizada por um seu procurador detentor de poderes irrevogáveis (conforme resulta dos depoimentos das testemunhas).
KK)Assim, durante o exercício de 1998, formalizou-se uma operação que já havia sido efetuada, fiscal, contabilística e economicamente, durante o exercício de 1996, sem que a Impugnante tivesse tido qualquer intervenção (conforme resulta dos depoimentos das testemunhas).
LL)A ora Impugnante, em 09/04/2003, reclamou graciosamente (conforme resulta do PAT em apenso).
MM)A Impugnante, notificada do projeto de deferimento parcial da reclamação graciosa, exerceu o direito de adoçam (conforme resulta do PAT em apenso).
NN)A Divisão de Justiça Administrativa da DFL em apreciação da argumentação da Impugnante elaborou a informação de fls.133-140 do PAT em apenso, que aqui se dá por reproduzida para todos os legais efeitos.
OO)Com interesse para a decisão, resulta do informação a que se refere a alínea anterior:
« (…) III -ANÁLISE DO PEDIDO
(…)
7. Quanto ao meio próprio para deduzir reclamação graciosa, de referir, que a fixação do lucro tributável em sede de IRC por recurso à aplicação de métodos indiretos, não é suscetível de reclamação graciosa nos termos do n.º 1 do art.º 70.° do CPPT.
Nesses casos poderá o s.p., nos termos previstos no artº 91.° da LGT, solicitar a revisão do lucro tributável apurado por métodos indiretos, em requerimento devidamente fundamentado, dirigida ao órgão da administração tributária da área do domicilio fiscal, a apresentar no prazo de 30 dias contados a partir da data da notificação da decisão e contendo a indicação do perito que o representa, notificação esta efetuada em 2002.09.03 através do Oficio n.º 18928, conforme fls. 38341.
Como meio dos contribuintes defenderem os seus direitos e interesses legítimos em matéria tributária, o pedido de revisão da matéria tributável surge, como uma garantia perante a notificação de uma decisão de fixação por métodos indiretos, sendo que, da consulta feita nos nossos Serviços, não consta qualquer pedido solicitado pelo s.p..Nesse sentido, não nos pronunciaremos quanto à matéria sujeita a correições por métodos indiretos, cujo montante em causa é de € 387 515,36.
(…)
IV - INFORMAÇÃO COMPLEMENTAR
10 Foi a reclamante notificada, através de Oficio n.º 15568 de 2004.04.05, para exercer o direito de participação na decisão, na modalidade de audição prévia, previsto no art.º 60.º da Lei Geral Tributária, a fls. 108 e 109.
Em 2004 04.23 veio exercer por escrito esse direito de participação, conforme fls. 110 a 115.
11.Relativamente à questão prévia da tempestividade, a reclamante discorda do entendimento dado no projeto de decisão, segundo o qual a reclamação em apreço era intempestiva, por ter sido apresentada em 2003.04.09, provando para o efeito que entregou a mesma, em 2003.04,07, juntando cópia da primeira página, vide fls. 115.
Assim, entre 2003.04.07 e 2003.01.07, decorrem 91 dias, mas tendo em atenção que o dia 6 de janeiro era Domingo, a contagem do prazo para efeitos de apresentação da reclamação é o dia útil seguinte, pelo que reapreciando a questão, a reclamação é de facto tempestiva, nos termos do art.° 70.º, conjugado com o art.º 102.º, ambos ao CPPT.
12.No seguimento do ponto anterior, e da matéria de facto versada na presente reclamação, será apreciado o mérito dos argumentos apresentados relativa mente as correções de natureza aritmética, dado que em relação a fixação de lucro tributável por recurso a métodos indiretos, a reclamação graciosa não é o meio próprio, pelo que não nos pronunciaremos, conforme informamos no ponto 7.
13.Das correções de natureza meramente aritmética, que ascenderam a € 455 549,59:
(…)
Atendendo a que não foram apresentados argumentos que pudessem alterar a proposta de decisão proferida no porto IV, ou seja, o deferimento parcial do pedido, é de manter as correções ao lucro tributável, anulando-se o valor referente à tributação autónoma, de €36.169,32. (…)»
PP)Sobre a informação a que se refere a alínea anterior recaíram o parecer e o despacho de concordância de fls. 133 do PAT em apenso, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
QQ)A decisão a que se refere a alínea anterior foi notificada à Impugnante em 29/09/2004 (conforme resulta do PAT em apenso).
RR)A petição inicial foi apresentada em 13/10/2004 (conforme resulta de fls. 3).

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2.2. FUNDAMENTAÇÃO DO JULGAMENTO.
A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, bem como os depoimentos das testemunhas que pareceu sério e credível, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.
A Testemunha C............, entre 1995 e 1997 exerceu funções de administrador da Impugnante, não mantendo atualmente qualquer ligação com a mesma. Esclareceu que houve um lapso no seu escritório de advocacia a quem pediu para preparar a escritura e constatou-se mais tarde que os terrenos eram dois: o terreno do Carro Quebrado e o terro do Esteval da Curta. E o terreno que foi transmitido para a S..................... o maior dos terrenos, o terreno do Carro Quebrado e por razões que não consegue identificar o terreno do Esteval da Curta ficou de fora. Os terrenos eram indissociáveis pois são contínuos e é a mesma unidade territorial que compõe o que se costuma chamar por emissor de onda média. Tinha duas cadernetas e quando a R..................... foi vendida (pensa que em 1997) foi retirado do objeto do negócio o Esteval da Curta que tinha ficado “pendurado”, tendo sido passada uma procuração irrevogável em nome da R............ para proceder à transferência desse terreno da R..................... para a Porto Seguro. Só mais tarde aquando foi efetuado o registo é que se verificou a existência da ocorrência. Em termos de gestão dever-se-ia ter feito a correção de imediato, mas na altura a R..................... vivia tempos difíceis e a questão ficou um pouco na prateleira. Reanimou-se quando se tratou de fazer a alienação em 1997 e ficou definido que a vertente imobiliária estava fora do negócio e que se tratou de corrigir posteriormente pela da alienação através da procuração irrevogável.
A testemunha G............, trabalha para a impugnante desde 2001, inicialmente como controller até 2007, acumulando a partir deste ano até ao presente a função de controller e de diretor financeiro. Esclareceu que na altura da inspeção a Impugnante tinha prejuízos elevadíssimos acumulados e todas as correções serviam apenas para anular o reporte de prejuízos fiscais.
A testemunha F............, exerceu funções como diretor administrativo e financeiro para a Impugnante desde 1999, até 2003.
A testemunha A............ exerce funções para a impugnante há vários anos, e que é técnico oficial de contas da mesma desde 20 de janeiro 2000, tendo disponibilizado relativamente 1998 toda a documentação relativa à inspeção realizada e acompanhando a mesma. A Impugnante era objeto de inspeção quase todos aos anos porque tinha prejuízos fiscais avultados.
A testemunha D............, exerceu funções como diretora financeira da impugnante entre 2003 e 2007.

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2.3. FACTOS NÃO PROVADOS
Com interesse para a decisão inexistem fatos invocados que devam considerar-se como não provados.»

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B. DO DIREITO

Do recurso interposto pela Fazenda Pública

DA NULIDADE DA SENTENÇA

A recorrente entende que a sentença recorrida é nula, por omissão de pronúncia porque não « (…) aprecia e decide da questão da eventual inimpugnabilidade da liquidação controvertida, nem emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento, nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento.».

É sabido que, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia verifica-se quando o juiz deixa por conhecer alguma questão que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja apreciação não tenha ficado prejudicada em face da solução dada ao litígio (cfr. artigo 125.º, n.º 1, do CPPT e artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC).

E, é igualmente sabido que, essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 608.º, nº. 2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente).

Como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de «petitionem brevis», a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido).

Ora, compulsado o processado verifica-se que depois, decorrido o prazo da contestação, uma vez que esta não foi apresentada, foi proferido despacho de fls. 203 dos autos, a ordenar a junção do processo administrativo. Na sequência do determinado no referido despacho, a Fazenda Pública veio aos autos juntar o processo administrativo donde consta a fls. 109 a 115, a Informação da Divisão de Justiça Contenciosa da Direcção de Finanças de Lisboa, onde pode ler-se, a certa altura, « (…) não constatando que tenha dado entrada nos Serviços da Administração Tributária, qualquer pedido de revisão da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos (…) Afigura-se ter ficado precludida a possibilidade de impugnação judicial da liquidação como fundamento na errónea quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos.».

Todavia, a Fazenda Pública em momento algum declarou assumir como contestação a dita Informação da Divisão de Justiça Contenciosa, pelo que não pode a mesma ser havida como contestação.

Sendo assim, a primeira conclusão a extrair é a de que contrariamente ao invocado pela recorrente não foi apresentada contestação nos presentes autos, consequentemente nenhuma omissão se mostra verificada, uma vez que a questão que a recorrente alega ter sido omitida, não foi submetida à apreciação do Tribunal «a quo».

Ademais, sempre se diga, que nem sequer nas alegações apresentadas ao abrigo do artigo 120.º do CPPT, a recorrente veio levantar a questão da necessidade de prévio pedido de revisão da matéria colectável nos termos do artigo 91.° e ss. da LGT, como condição de impugnabilidade da liquidação fundada em erro nos pressupostos ou na quantificação da determinação indirecta da matéria colectável.

Concluímos, pois, não padecer a sentença da apontada nulidade.

Improcedem, por conseguinte, as conclusões do recurso.

A questão que colocamos seguidamente é a de saber se não obstante o decidido a sentença recorrida deve ser mantida na parte em que anulou a liquidação sindicada no tocante ao segmento apurado por via da aplicação de métodos indirectos.

Vejamos, então.

Não se contesta que o prévio pedido de revisão da matéria tributável por métodos indiretos, com fundamento em erro nessa fixação ou nos pressupostos da utilização destes métodos, constitui um pressuposto ou condição de procedibilidade da impugnação judicial com esses fundamentos. A revisão administrativa funciona, nestes caos, como uma “impugnação pré-contenciosa”, que condiciona o acesso aos tribunais e cuja justificação se encontra nos próprios critérios em que assenta a determinação da matéria colectável através de métodos indirectos (neste sentido, vide, entre muitos outros o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20.06.2012, proferido no processo n.º 165/12, disponível em www.dgsi.pt).

A questão da inimpugnabilidade da liquidação sindicada, por falta de prévia reclamação administrativa, constitui matéria de conhecimento oficioso, e, por isso, é lícita a apreciação da mesma por este Tribunal «ad quem» ainda que não tenha sido apreciada ou sequer colocada junto do Tribunal «a quo».

Nos termos do nº 3, do artigo 3.º do CPC «O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.».

Ou dito de outra forma, por força do aludido princípio, nenhuma decisão deve, pois, ser tomada sem que previamente tenha sido dada efetiva possibilidade ao sujeito processual contra quem é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar, possibilitando-se-lhe, assim, influi ativamente na decisão.

A imposição de audição das partes em momento anterior à decisão é determinada por um objetivo concreto – o de permitir às partes intervirem ativamente na construção da decisão, chamando-as a trazerem aos autos a solução para que apontam ( Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19.04.2018, proferido no processo n.º 33/04.0TMBRG-K-G1, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

No caso concreto, estamos perante uma situação de manifesta desnecessidade na audição da recorrida antes de se decidir sobre a questão a que nos vimos referindo. E isto é assim, porque as partes, nas alegações e contra-alegações do recurso já debateram a questão da ausência do prévio pedido de revisão, pelo que nada obsta a que este Tribunal conheça da questão.

Posto isso, apreciemos a questão acima referida.

Relendo a petição inicial, constatamos prontamente que, a recorrida questiona a conduta da Administração Tributária ao nível da aplicação de métodos indirectos.
Efectivamente, defende não se encontrarem reunidos os pressupostos legalmente exigidos para efeitos de aplicação referidos no artigo 51.º do CIRC, por não se verificar qualquer omissão de proveitos.

Nas contra-alegações afirma a recorrida que: « (…) nada valerá argumentar que precludiu o direito de impugnara a liquidação por métodos indirectos em virtude de não ter a Impugnante solicitado a revisão do lucro tributável apurado nessa sede, nos termos do artigo 91.º da LGT( conforme refere a Administração Fiscal no seu recurso). Tal mecanismo tem por finalidade, como a própria denominação indica, proceder a uma análise (e eventual revisão) dos resultados quantitativos apurados em sede de liquidação por métodos indirectos».

Não se põe em causa que o procedimento de revisão está vocacionado para a resolução de meras questões técnicas e não jurídicas, como, de resto, vem o Supremo Tribunal Administrativo repetidamente afirmando: «Em caso de erro na quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável, a impugnação judicial da liquidação ou, se esta não tiver lugar, da avaliação indirecta depende da prévia reclamação nos termos da presente lei») e art. 117.º, n.º 1, do CPPT («Salvo em caso de regime simplificado de tributação ou quando da decisão seja interposto, nos termos da lei, recurso hierárquico com efeitos suspensivos da liquidação, a impugnação dos actos tributários com base em erro na quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos depende de prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributável.».) – fixa uma condição para a impugnação com fundamento em erro na quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável: a prévia reclamação, nos termos dos arts. 91.º a 94.º da LGT. Esta prévia reclamação constitui um mecanismo tendente a evitar que a discussão passe logo para sede contenciosa e judicial, quando ainda há uma hipótese de, em sede administrativa, haver acordo entre a AT e o sujeito passivo acerca da matéria tributável. Na verdade, o procedimento de revisão está vocacionado para a resolução de meras questões técnicas e não jurídicas, sem prejuízo da apreciação das questões de direito que se refiram aos pressupostos da utilização dos métodos indirectos, «que estão profundamente conexionadas com a verificação dos respectivos pressupostos de facto» (Cfr. DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Encontro da Escrita Editora, 4.ª edição, nota 5 ao art. 86.º, pág. 746.), como decorre do n.º 14 do art. 91.º da LGT («As correcções meramente aritméticas da matéria tributável resultantes de imposição legal ou que possam ser objecto, de acordo com as leis tributárias, de recurso hierárquico com efeito suspensivo da liquidação e as questões de direito, salvo quando referidas aos pressupostos da determinação indirecta da matéria colectável, não estão abrangidas pelo disposto neste artigo»).; o procedimento de revisão abrange não só as operações de quantificação através de métodos indirectos, mas também a decisão de os utilizar, como evidencia claramente o art. 117.º, n.º 1, do CPPT.

Na verdade, se a impugnação dos actos tributários com base em «erro nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos» depende de prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributável, é forçoso concluir que este procedimento abrange a decisão de utilização de métodos indirectos(Acórdão de 26 de Junho de 2013, proferido no processo. n.º 216/13, disponível em texto integral em www.dgsi.pt)- sublinhado da nossa autoria-.

Por conseguinte, tendo a recorrida apresentado a impugnação judicial com fundamento em erro nos pressupostos da determinação da matéria tributável por métodos indirectos e não tendo sido apresentado prévio pedido de revisão da matéria, como aliás, a recorrida admite, é de concluir que prévia apresentação de pedido de revisão constitui pressuposto ou condição de procedibilidade da impugnação judicial com esse fundamento, nos termos do artigo 117.º, nº 1 do CPPT e do artigo 86º., nº 5 da LGT.

E, nem se diga, com o faz a recorrida, que reportando-se a liquidação de IRC sindicada ao exercício de 1998, a Inspecção Tributária ao ter aplicado das normas contidas nos artigos 87.º e 88.º da LGT, que não vigoravam à data dos factos, incorre em violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal, porquanto o procedimento de inspecção foi determinado pela Ordem de Serviço n.º 75254 em 08.05.2002 e concluída em 08.07.2002.

E sendo assim, como se entende que é, mostra-se aplicável ao dito procedimento quer o regime da LGT (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98 de 17 de dezembro, que entrou em vigor 1 de janeiro de 1999), quer do CPPT (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/1999 de 26 de Outubro que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2000).

Do que vem dito se conclui que, não podia o Tribunal «a quo» conhecer do mérito da impugnação quanto ao segmento da liquidação decorrente da aplicação de métodos indirectos sem atender à condição legal de impugnabilidade, que nos vimos referindo.

Em conformidade com o exposto, revoga-se a sentença recorrida, e julga-se improcedente a impugnação judicial, e consequentemente mantém-se na Ordem Jurídica a liquidação sindicada na parte que tem origem na correcção decorrente da utilização de métodos indirectos.

Do recurso interposto pela Impugnante

Não obstante, a questão da prescrição da dívida que subjaz ao acto tributário de liquidação impugnado, ter sido colocada ao Tribunal «a quo», a mesma não foi conhecida na medida em que sua apreciação foi considerada como prejudicada pela solução dada ao litígio.

A questão que importa decidir é, pois, a de saber se o Tribunal de recurso tem o dever de conhecer da prescrição da obrigação tributária.

Em impugnação judicial, a prescrição é apreciada apenas para aferir se deve a instância prosseguir ou deve ser declarada a inutilidade superveniente da lide (cfr. Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, vol. I, 2006, pág. 708).

Donde decorre, que não há obstáculo a que incidentalmente possa ser apreciada a prescrição, para efeito de se determinar se existe utilidade em se conhecer da invalidade de um acto que titula uma obrigação tributária que está extinta por prescrição.

Por outro lado, tem-se entendido que as causas de inutilidade superveniente da lide são também do conhecimento oficioso, por estarem conexionadas com o interesse processual ou interesse em agir, que é assumido pela doutrina como pressuposto processual ou condição da acção. E que não tem de existir apenas no momento em que o processo se inicia, mas também ao longo dele, justificando a sua falta a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide (entendimento preconizado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28.06.2006, proferido no processo n.º 189/06, disponível em texto integral em www.dgsi.pt) .

Note-se, finalmente, que só pode conhecer-se da prescrição da obrigação tributária, em impugnação judicial, incidentalmente, como eventual causa de inutilidade superveniente da lide, se o processo disponibilizar, sem necessidade de averiguação, todos os elementos factuais necessários (neste sentido, vide, entre muitos outros: Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04.07.2018, proferido no processo n.º 01433/17, disponível em texto integral em www.dgsi.pt) .

No caso, embora a recorrente sustente que dos autos constam os elementos que permitem a sua verificação, o certo é que o processo não contem os elementos indispensáveis ao conhecimento da questão da prescrição, nomeadamente os dados fornecidos pela Administração Tributária no oficio que deu entrada em 08-02-2013, nomeadamente, através da análise do processo executivo, designadamente, com a análise do teor das garantias bancárias prestadas.

De resto, caso a dívida tributária em referência esteja efectivamente prescrita, a recorrente poderá no processo de execução fiscal requerer essa mesma declaração ( neste sentido, vide, entre muitos outros: Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02.12.2015, proferido no processo n.º 1364/14, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Nas conclusões da sua alegação 3 e 4, diz a recorrente que «O Tribunal a quo deve clarificar, sem margem para dúvidas, as consequências da anulação do acto tributário impugnadoNomeadamente, esclarecer em que medida a Autoridade Tributária está obrigada à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a comprovada ilegalidade;».

É, sabido que com a entrada em vigor do CPC aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, subsidiariamente aplicável (cfr. artigo 2º do CPPT), deixou de ser admissível o pedido de aclaração do julgado, com base em obscuridade ou ambiguidade da decisão ou dos seus fundamentos. Actualmente, a ocorrência destes vícios só releva como causa de nulidade da decisão, desde que torne a decisão ininteligível (cfr. artigo 615.º, n.º 1, alínea c), segunda parte, do CPC).

Nesta matéria, em anotação ao artigo 616.º do CPC, referem Paulo Ramos de Faria e Ana Loureiro que: «O novo regime aparenta assentar neste pressuposto; se a ambiguidade ou obscuridade tornam a decisão imprestável (ininteligível) é ela nula (art. 615º, n.º 1, al. c)); caso contrário, o pedido de esclarecimento carece de propósito sério, pelo que deixa de ser admissível. O simplismo maniqueísta desta lógica deixa perceber que os propósitos da alteração são mais prosaicos, prendendo-se com a necessidade de eliminar os pedidos de esclarecimento meramente dilatórios ou infundados (…).». (“Primeiras Notas ao Código de Processo Civil”, volume I, Almedina, pág. 556).

Do que já vem sendo dito, significa que está vedada a recorrente a possibilidade de requerer a aclaração da sentença recorrida, mas mesmo que assim não fosse, a pretensão sempre seria apresentada junto do Tribunal «a quo».

Mais aduz a recorrente que os prejuízos fiscais a reportar são de valor muito superior ao resultante da sobredita nota de liquidação impugnada e como tal «suficientes para compensar qualquer eventual liquidação adicional.». Ora, com esta alegação a recorrente não manifesta discordância com a sentença na parte em que nesta se manteve as correcções técnicas, pois que haveria de atacar a sentença quanto aos fundamentos que lhe serviram de suporte. E, por isso, a sentença consolidou-se na ordem jurídica na parte em que decidiu sobre as correcções aritméticas feitas pela Administração Tributária.

Pelas razões referidas e sem necessidade de outros considerandos, o recurso não merece provimento.

IV.CONCLUSÕES
I. Nos casos, como o dos autos, em que a Fazenda Pública não declara assumir como contestação, a Informação elaborada pela Divisão de Justiça Contenciosa, esta não pode ser havida como tal articulado, nem as questões aí suscitadas podem ser sujeitas a apreciação do tribunal, ainda que a informação conste do processo administrativo tributário apresentado em juízo.
II. A nulidade da sentença por omissão de pronúncia só tem lugar quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que deveria conhecer, o que significa que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pelas soluções dada a outras.
III. Não padece, pois, do vício de nulidade referido em II a sentença do Tribunal recorrido, que, contrariamente ao invocado pela recorrente, se limita a conhecer de todas as questões que foram submetidas à sua apreciação e de que podia conhecer, resolvendo-as, ainda que a seu descontento.
IV. O prévio pedido de revisão da matéria tributável por métodos indiretos, com fundamento em erro nessa fixação ou nos pressupostos da utilização destes métodos, constitui um pressuposto ou condição de procedibilidade da impugnação judicial com esses fundamentos (artigo 117.º, nº 1 do CPPT e do artigo 86º., nº 5 da LGT).
V.DECISÃO
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
-negar provimento a ambos ao recursos, e apreciando a excepção de conhecimento oficioso, julgar verificada a inimputabilidade do acto, na parte em que decorre da aplicação de métodos indirectos, revogando a sentença na parte correspondente, e em consequência julgar improcedente a impugnação nesse segmento.


Custas de cada um dos recursos a cargo de cada uma das recorrentes e pela recorrente (impugnante) em 1ª Instância.

Lisboa, 7 de Maio de 2020

[Ana Pinhol]

[Isabel Fernandes]

[Jorge Cortês]