Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06132/12
Secção:CT
Data do Acordão:11/24/2016
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:PRESCRIÇÃO DA DÍVIDA EXEQUENDA.
CONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO EM PROCESSO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
DETERMINAÇÃO DO REGIME DE PRESCRIÇÃO A APLICAR AO CASO CONCRETO.
REGIMES DE SUSPENSÃO E INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO.
APLICAÇÃO DE DIFERENTES REGIMES DE PRESCRIÇÃO NO QUE RESPEITA ÀS CAUSAS DE SUSPENSÃO OU INTERRUPÇÃO. ARTº.297, Nº.1, DO C.CIVIL. ARTº.12, Nº.2, DO C.CIVIL.
SUSPENSÃO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL EM VIRTUDE DA PRESTAÇÃO DE GARANTIA.
ARTº.49, Nº.3, DA L.G.T., NA REDACÇÃO DA LEI 100/99, DE 26/7.
VECTOR SUSPENSIVO DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO DE NATUREZA DURADOURA.
ACTO TRIBUTÁRIO E FACTO TRIBUTÁRIO. NOÇÃO.
CONTRIBUIÇÃO AUTÁRQUICA.
AVALIAÇÃO DE IMÓVEL DE ACORDO COM AS REGRAS CONSTANTES DO CÓDIGO DA CONTRIBUIÇÃO PREDIAL E DO IMPOSTO SOBRE A INDÚSTRIA AGRÍCOLA.
Sumário:1. A prescrição da dívida exequenda constitui fundamento de oposição à execução (cfr. artº.176, al.d), do C.P.C.Impostos; artº.286, nº.1, al.d), do C.P.Tributário; artº.204, nº.1, al.d), do C.P.P.Tributário), consubstanciando excepção peremptória de conhecimento oficioso no âmbito do processo tributário (cfr.artº.27, §2 e 3, do C.P.C.Impostos; artº.259, do C.P.Tributário; artº.175, do C.P.P.Tributário).
2. No que diz respeito ao processo de impugnação judicial, vem entendendo a jurisprudência dos Tribunais Superiores, à qual se adere, que a prescrição da obrigação tributária pode ser do conhecimento do Tribunal no âmbito da identificada espécie processual, embora para retirar do eventual provimento da mesma excepção não a procedência da impugnação e consequente anulação da liquidação objecto do processo (vertente dos requisitos de validade do acto), mas antes a declaração de extinção da instância devido a inutilidade superveniente da lide, dado que estamos perante acto tributário ineficaz, porque inexigível. Verificando-se a prescrição, a lide impugnatória não tem qualquer utilidade.
3. A determinação do regime de prescrição a aplicar ao caso concreto faz-se no momento da entrada em vigor da nova lei (cfr.artº.297, nº.1, do C.Civil).
4. Como se retira do preceituado nos artºs.318 a 320, do C.Civil, a suspensão da prescrição tem como efeito que esta não comece a correr ou não corra, depois de iniciado o prazo, enquanto se verificar o facto, de natureza duradoura, a que é atribuído efeito suspensivo. Os factos suspensivos são de natureza duradoura, obstando ao começo e ao decurso do prazo de prescrição enquanto perdurarem, como se infere dos citados artºs. 318, 319 e 320, do C.Civil. Nas leis tributárias prevêem-se factos especiais a que é atribuído efeito suspensivo, pelo que serão essas as regras a aplicar em matéria de prescrição da obrigação tributária (cfr.v.g.artº.49, nº.4, da L.G.Tributária). Concluindo, para além da especificidade dos factos a que é atribuído efeito suspensivo, o regime da suspensão da prescrição da obrigação tributária não tem especialidades no domínio do direito tributário, pelo que, face a qualquer facto com natureza suspensiva, enquanto este surtir efeitos, a prescrição não começa nem corre.
5. Por sua vez, a interrupção da prescrição tem sempre como efeito a inutilização para o respectivo regime de todo o tempo decorrido anteriormente, sendo esse efeito instantâneo o único próprio da interrupção, presente em todas as situações (cfr.artº.326, nº.1, do C.Civil). Porém, em certos casos, designadamente quando a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (cfr.artº.327, nº.1, do C.Civil).
6. A aplicação de diferentes regimes no tocante aos prazos prescricionais, em resultado da previsão normativa do artº.297, nº.1, do C.Civil, não impõe a aplicação de um ou outro regime em bloco, pois só se refere tal normativo à lei que altere o prazo e não aos termos em que se conta, nem a tudo o que releva para o seu curso. O texto do artigo e a respectiva epígrafe revelam que se tem em vista apenas as leis que alteram prazos e não as que alteram os efeitos das causas interruptivas ou suspensivas da prescrição. Por isso, as leis que alteram causas de suspensão ou interrupção não sendo leis sobre “alteração de prazos”, não estão abrangidas na previsão do referido artº.297, do C.Civil. Estas leis seguem a regra de aplicação no tempo do artº.12, nº.2, do mesmo diploma. Nos termos do disposto no artº.12, nº.2, do C.Civil, a lei aplicável aos factos interruptivos e suspensivos do prazo de prescrição será, portanto, a vigente no momento em que os mesmos ocorreram.
7. "In casu", da factualidade provada se retira, como vector suspensivo do prazo de prescrição, o decretamento da suspensão do processo de execução fiscal, o qual se verificou em virtude da prestação de garantia por parte do impugnante/executado. Tal factualidade é motivo de suspensão do prazo de prescrição nos termos do artº.49, nº.3, da L.G.T., na redacção da Lei 100/99, de 26/7 (cfr.artº.49, nº.4, da L.G.T., na redacção da Lei 53-A/2006, de 29/12) e artº.169, do C.P.P.T., mais tendo como efeito que tal período não corra enquanto se verificar o facto, de natureza duradoura, a que é atribuído efeito suspensivo.
8. O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.
9. A Contribuição Autárquica, imposto municipal criado pelo Código da Contribuição Autárquica (aprovado pelo dec.lei 442-C/88, de 30/11; veja-se actualmente o I.M.I. aprovado pelo dec.lei 287/2003, de 12/11), devia considerar-se um imposto sobre o património que incide no valor dos prédios situados no território de cada município, dividindo-se, de harmonia com a classificação dos mesmos prédios, em rústica e urbana. O sujeito passivo da relação jurídico-tributária de contribuição autárquica era aquele que em 31 de Dezembro do ano a que diz respeito o tributo tenha o uso e fruição do prédio, seja proprietário ou usufrutuário, e a matéria colectável do imposto (pressuposto objectivo genérico de qualquer relação jurídico-tributária) era constituída pelo valor tributável dos prédios, o qual consistia no seu valor patrimonial (cfr.preâmbulo e artºs.1, 2, 7 e 8, do Código da Contribuição Autárquica).
10. À data da emissão da liquidação impugnada, em 1998, estava em vigor o Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola, sendo que a avaliação do imóvel em causa se baseou nas regras constantes do mesmo diploma (cfr.artº.8, do dec.lei 442-C/88, de 30/11), e o valor resultante da mesma avaliação (valor tributável) foi inscrito na matriz, servindo de base ao cálculo da respectiva liquidação de contribuição autárquica (cfr.artºs.7, nº.1, e 13, nº.1, do C.C.A.). Por outro lado, nos termos do artº.233, do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola, em virtude dos resultados da avaliação podia liquidar-se contribuição autárquica com o limite máximo de cinco anos civis imediatamente anteriores àquele em que o rendimento do prédio era considerado na inscrição na matriz (equivalente ao prazo de caducidade do direito à liquidação então em vigor).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
"U..., S.A.", com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Loulé, exarada a fls.181 a 203 do presente processo, através da qual julgou parcialmente procedente a impugnação pelo recorrente intentada, visando acto de liquidação de Contribuição Autárquica, relativo ao ano de 1994 e no montante total de € 161.204,10.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.218 a 246 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Vem o presente recurso interposto contra a sentença proferida, em 20 de Julho de 2012, no âmbito do processo de impugnação judicial que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé sob o nº. .../08.1BELLE;
2-Na referida sentença, a Exma. Senhora Juíza a quo julgou parcialmente improcedente a impugnação judicial apresentada pela ora recorrente contra acto de liquidação de Contribuição Autárquica n.° ..., respeitante ao ano de 1994, no valor de € 161.204,10 (PTE 32.318.520) e, consequentemente, confirmou a decisão de indeferimento parcial da Reclamação Graciosa apresentada contra o indicado acto de liquidação;
3-Tal decisão encontra sustentação jurídica, no entender da Exma. Senhora Juíza a quo, no facto de, por um lado, não considerar estar prescrita da dívida tributária em apreciação e, por outro, por entender não se encontra verificado o vício de duplicação de colecta ou falta de fundamento legal, porquanto foi a própria Administração Tributária que anulou parcialmente a liquidação de contribuição autárquica do ano de 1994, na parte referente no artigo 12500, e na medida em que considera que a liquidação em crise não resultou do aumento da área descoberta, comunicada em 1999, através da Modelo 129, mas sim, de avaliação feita pelo Serviço de Finanças, pois em 1997 já constava alegadamente da matriz do artigo 17606, o valor patrimonial de PTE 2.478.000.000, não tendo o mesmo resultado do impulso da recorrente;
4-Todavia, entende a recorrente que ficou cabalmente demonstrado nos autos que o acto tributário impugnado, referente à Contribuição Autárquica de 1994 se encontra há muito prescrito;
5-Com efeito, atento o regime prescricional aplicável à alegada dívida de Contribuição Autárquica relativa ao ano de 1994, em vigor à data do facto tributário - prazo de 10 anos, de acordo com o regime previsto no artigo 34.° do CPT - e em face da factualidade descrita, a prescrição do acto de liquidação adicional de Contribuição Autárquica n.° ..., relativo ao ano de 1994, na parte que respeita ao prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo 17606, consumou-se no passado dia 31/12/2005;
6-A este propósito sempre se diga que o CPT não prevê nenhuma causa de suspensão do prazo de prescrição e a LGT só o admite em caso de reclamação, impugnação ou recurso ou, ainda, "por motivo de paragem do processo de execução em virtude de prestações legalmente autorizadas", que não em virtude de prestação de garantia;
7-Sem prejuízo do supra referido - que por si só conduz à ineficácia dos actos tributários em crise - sempre se dirá que a liquidação de Contribuição Autárquica do ano de 1994, referente ao artigo matricial U-17606 padece de manifesta ilegalidade, por falta de facto tributário;
8-Porquanto à data do facto controvertido - 31 de Dezembro de 1994 - o prédio urbano correspondente ao "..." (artigo 12500) era apenas constituído por uma área coberta de 10.120 m2 e por uma área descoberta de 13.980 m2;
9-Do exposto se infere que a alteração verificada ao artigo matricial em análise (U- 17606), correspondendo apenas à ampliação da área descoberta afecta ao hotel, em cerca de 25.882 m2, cuja autorização foi concedida pela Câmara Municipal de ..., em 21 de Maio de 1996, não poderá, pois, produzir quaisquer efeitos para os anos transactos, pelo que, não poderia a Administração Fiscal, através do acto impugnado, tributar uma realidade física inexistente em 31 de Dezembro de 1994, sob pena de manifesta ilegalidade, por falta de facto tributário. Em razão do que, também por força desta circunstância, deverá o acto tributário impugnado ser anulado e, consequentemente, revogada a sentença de que ora se recorre por erro de julgamento;
10-Sem prejuízo do acima exposto - que por si só conduz à anulação da sentença recorrida - ficou também aqui devidamente comprovado que o acto tributário de liquidação adicional de Contribuição Autárquica do ano de 1994, referente ao artigo matricial U-17606, padece de manifesta ilegalidade, por ausência de fundamento legal que sustente e legitime a sua concretização;
11-Com efeito, pretende a Administração Fiscal, com a emissão do acto de liquidação adicional de imposto controvertido, fazer retroagir os efeitos de uma avaliação a um momento anterior ao facto que deu origem a tal avaliação, ou seja, a ampliação respectivo prédio urbano, o que nos termos do Código da Contribuição Autárquica não seria permitido;
12-Em razão do que, também por força desta circunstância, deverá o acto tributário impugnado ser anulado, nos termos peticionados;
13-Por último, e no que ao reconhecimento do direito a uma indemnização por prestação de garantia indevida concerne, dever-se-á reconhecer estarem reunidos os pressupostos materiais essências de que depende a atribuição à recorrente de uma indemnização por prestação de garantia indevida, não só por referência ao artigo matricial n.° 17065, no montante de € 521,35 (PTE 104.520), como concede o Tribunal a quo, mas também relativamente à parte da liquidação de Contribuição Autárquica do ano de 1994, efectuada por referência ao artigo matricial U-17606, no montante de € 160.682,75 (PTE 32.214.000);
14-Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente, e, assim, revogada a sentença recorrida, por erro de julgamento, e, consequentemente, ser promovida a sua substituição por outra que determine a anulação do acto de liquidação adicional de Contribuição Autárquica n.° ..., referente ao ano de 1994, em 29/07/2008.
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Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual pugna pelo não provimento do recurso (cfr.fls.259 a 263 dos autos).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.265 do processo), vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.184 a 189 dos autos - numeração nossa):
1-A impugnante, "U..., S.A.", com o n.i.p.c. …, é uma sociedade comercial que se dedica à construção e desenvolvimento de projectos imobiliário-turísticos, fazendo parte da sua actividade: a aquisição e alienação de bens móveis e imóveis, incluindo a revenda de imóveis adquiridos para tal fim; a urbanização, construção, a administração de bens imóveis pertencentes à própria sociedade ou a terceiros; a gestão de hotéis e estabelecimentos similares, incluindo aldeamentos e apartamentos turísticos (cfr.documento junto a fls.46 a 48 dos presentes autos; factualidade admitida por acordo das partes);
2-Em 06/04/1987 a Câmara Municipal de ... emitiu o Alvará de Loteamento n.° 8/87, para constituição de 81 lotes de terreno para construção, no prédio sito em … (cfr.documento junto a fls.35 a 38 dos presentes autos);
3-Em 11/04/1988 a Câmara Municipal de ... emitiu o Alvará de Licenciamento de Obras de Urbanização n° 1/88 (cfr.documento junto a fls.40 a 45 dos presentes autos);
4-Em 19/05/1989, a impugnante apresentou uma declaração Mod. 129 referente ao prédio inscrito na matriz sob o artigo 12500 (cfr.documento junto a fls.31 e verso do processo de reclamação graciosa apenso);
5-Com base na declaração Mod. 129 mencionada no nº.4, foi inscrito o artigo 12500 como "lote de terreno para construção urbana com a área de 24.100m2 destinado a hotel com a área de construção de 29.000m2" (cfr.documento junto a fls.31 e verso do processo de reclamação graciosa apenso);
6-Em 20/07/1990 a Câmara Municipal de ... emitiu um Aditamento ao Alvará de Loteamento n.° 8/87, para constituição de 82 lotes de terreno para construção, no prédio sito em ... (cfr.documento junto a fls.121 a 125 do processo de reclamação graciosa apenso);
7-As obras de construção do "..." foram concluídas no ano de 1992 (cfr.documento junto a fls.46 a 48 dos presentes autos; depoimento da testemunha J...);
8-Em 13/01/1993, a impugnante apresentou a declaração Modelo 129, junto do Serviço de Finanças de ..., onde se pode ler na "Descrição: Edifício destinado a Hotel com 215 quartos, área comercial e zonas de serviço e administração "; no campo "06.3 - Área: 1-coberta: 10.120m2 / 2 - descoberta: 13.980m2 /soma: 24.100m2"\ "valor patrimonial 2.313.600.000"; nas "Observações do Declarante: Participado o lote de terreno em 19/05/89 nessa repartição. Artigo 12500 (cfr.documento junto a fls.46 a 48 dos presentes autos);
9-Ao edifício do "..." correspondia, no ano de 1994, a inscrição matricial nº. 12500 (cfr.documentos juntos a fls.46 a 49 dos presentes autos);
10-Em 21/05/1996, a Câmara Municipal de ... emitiu o Alvará de obras de urbanização n° 4/96 através do qual "é licenciada a alteração do loteamento dos prédios sitos em …, os quais foram loteados ao abrigo dos alvarás de loteamento nº. 8/87 emitido em 06/04/87, respectivo aditamento de 20/07/90 e alvará de licenciamento de obras de urbanização de 1/88 emitido em 11/04/88 (...) A alteração a que se refere o presente alvará incide sobre a unificação das urbanizações tituladas pelo alvará de loteamento n° 8/87 de 06/04/87 e alvará de licenciamento de obras de urbanização de 1/88 de 11/04/88, as quais são transformadas num único conjunto turístico" (cfr.documento junto a fls.129 a 132 do processo de reclamação graciosa apenso);
11-Em 29/04/1997 e, depois, em 20/06/2002, a Câmara Municipal de ... emitiu dois aditamentos ao Alvará de Obras de Urbanização nº. 4/96 (cfr.documentos juntos a fls.133 a 156 do processo de reclamação graciosa apenso);
12-Em 28/01/1997 a impugnante apresentou um "pedido de regularização de dívidas a que se refere o n° 1 do artigo 14° do Decreto-Lei n.° 124/96, de 10 de Agosto" para pagamento do valor de PTE 37.623.184, onde consta no campo "Observações": "O processo executivo nº. … ascende a PTE 46.860.718$00. A Requerente apresentou oposição no valor de PTE 11.303.564$00, pelo que requer o pagamento da diferença." (cfr.documento junto a fls.12 a 16 do processo de reclamação graciosa apenso);
13-Por ofício nº. 1347, foi comunicado à impugnante que "(...) após análise do requerimento apresentado em 28/01/1997 (...) foi DEFERIDO por despacho de 27/01/1999 (...)" (cfr.documento junto a fls.16 do processo de reclamação graciosa apenso);
14-Em 1997 foi inscrito na matriz o artigo 17606 com a seguinte descrição "Edifício destinado a hotel (...) com área coberta de 10.120m2 e área descoberta de 13.980m2"; "valor patrimonial: PTE 2.478.000.000$00"; Observações: Decl. Mod. 129 de 13/01/1993, ordem 52/97, ... aval. 3/97" (cfr.informação constante de fls.179 dos presentes autos; cópia de caderneta predial junta a fls.88 a 92 do processo de reclamação graciosa apenso);
15-Por sentença de 22/05/1998 o Tribunal Tributário de Faro, no âmbito do processo nº.40/97, decidiu julgar parcialmente procedente a oposição e em consequência determinar a anulação de PTE 10.910.184$00 respeitante à liquidação de contribuição autárquica do ano de 1994 e referente, além do mais, ao artigo matricial 12500 entretanto eliminado, a qual é parte da dívida da execução fiscal n°… que corre termos na Repartição de Finanças de ... (cfr.documento junto a fls.112 a 118 do processo de reclamação graciosa apenso);
16-Em 29/04/1999 a impugnante procedeu ao pagamento da Contribuição Autárquica de 1994, relativa ao processo de execução fiscal nº. … no montante total de PTE 29.318.194$00 (cfr.documentos juntos a fls.18 e 19 do processo de reclamação graciosa apenso; documentos juntos a fls.169 a 171 dos presentes autos);
17-Em 05/08/1999 a impugnante apresentou a Modelo 129 referente ao prédio 17606, junto do Serviço de Finanças de ..., onde se pode ler na "Descrição: Edifício com Hotel, área comercial e zonas de serviço e administração"- no campo "06.3 - Área: 1-coberta: 10.120m2 / 2 - descoberta: 25.880m2 /soma: 36.000m2"; Afectação: a) a descrição do prédio em anexo é artigo 17606 "valor patrimonial: PTE 2.478.000.000$00" (...)" (cfr.documento junto a fls.84 a 87 do processo de reclamação graciosa apenso);
18-Em data que se desconhece foi enviada à impugnante a liquidação de Contribuição Autárquica, com o nº...., referente ao ano de 1994 e no valor total de € 161.204,10/PTE 32.318.520$00, acto tributário que tinha por objecto, além do mais, o artigo urbano 17606, da Freguesia de ..., mais se fixando o período de pagamento em Outubro de 1999 e sendo o montante do tributo a pagar derivado do artº.17606 de € 160.682,75 (cfr.documento junto a fls.10 do processo reclamação graciosa apenso; documento junto a fls.71 dos presentes autos);
19-Em 31/01/2000, a impugnante apresentou reclamação graciosa do acto de liquidação identificado no nº.18 (cfr.articulado junto a fls.2 a 9 do processo de reclamação graciosa apenso);
20-Em 2/03/2000 foi instaurado o processo de execução fiscal nº. …, no Serviço de Finanças de ..., visando a cobrança coerciva, além do mais, da liquidação de Contribuição Autárquica do ano de 1994 identificada no nº.18 supra (cfr. informação exarada a fls.31 e documento junto a fls.34, ambos do processo administrativo apenso);
21-Em 30/05/2000 foi a impugnante citada para o processo de execução fiscal identificado no nº.20 (cfr.documento junto a fls.73 dos presentes autos);
22-Em 1/08/2005 a impugnante procedeu à prestação da garantia bancária n° …, emitida pelo Banco …, S.A., no montante de € 275.454,24, no âmbito do processo de execução fiscal nº...., visando a sua suspensão (cfr.documentos juntos a fls.95 e 96 do processo de reclamação graciosa apenso; informação exarada a fls.31 e documento junto a fls.34, ambos do processo administrativo apenso);
23-Em 20/06/2008, foi comunicado à impugnante, pelo ofício nº. 6262, o projecto de decisão da reclamação graciosa identificada no nº.19 supra, propondo-se o cumprimento do direito de audição (cfr.documentos juntos a fls.49 a 53 do processo de reclamação graciosa apenso);
24-Em 4/07/2008 veio a impugnante apresentar um requerimento visando o exercício do direito de audição (cfr.articulado junto a fls.55 a 60 do processo de reclamação graciosa apenso);
25-Por despacho de 18/07/2008 o Chefe do Serviço de Finanças de ..., veio considerar que "(...) ao contrário do que alega a reclamante, o montante pago já não englobou a colecta ao artigo matricial n° 12500 e, tendo o "..." a que foi atribuído o nº. 17606 sido concluído no ano de 1992, afigura-se correcta a liquidação em causa referente ao ano de 1994. (...) Assim, no uso da competência que me é conferida pela delegação prevista no art. 27° do Decreto-Lei 366/99 de 18 de Setembro (...) altero parcialmente o projecto de despacho de 2008.06.19, no sentido de excluir de tributação o artigo matricial nº. 17065 da freguesia de ..., no que se refere ao ano de 1994. (...) " (cfr.documento junto a fls.157 e 158 do processo de reclamação graciosa apenso);
26-Em 29/07/2008, foi comunicado à impugnante através do Ofício nº. 7325 o teor do despacho referido no nº.25 (cfr.documentos juntos a fls.159 e 160 do processo de reclamação graciosa apenso);
27-Por ofício nº. 5034, de 15/06/2012, a Direcção de Finanças de ... informou este Tribunal de que "o artigo 12500 da freguesia e concelho de ... foi eliminado no ano de 1995 e o artigo 17606 da mesma freguesia foi inscrito no ano de 1997, mas a tributar a partir de 1993" (cfr.documento junto a fls.179 dos presentes autos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados …”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na documentação junta com os articulados, no processo administrativo junto aos autos e no depoimento da testemunha ouvida em audiência contraditória.
Deste depoimento resultou o seguinte:
A testemunha J... referiu, em suma, que o projecto teve início no princípio dos anos 90 tendo sido concluído em 1992. A partir daí o hotel esteve sempre a laborar e depois dentro do empreendimento já construído foram surgindo várias construções. Em 1992 a Impugnante tinha dois alvarás, um de 1987 e outro de 1988. Em 1996 surgiu 1 único alvará, que resultou da unificação destes dois alvarás - deu origem ao alvará 4/96. No alvará de 1988 já se previa a construção do hotel. O de 1996 foi para ampliar a área descoberta pela junção de terrenos junto ao hotel. Em 1996 foi feito um estudo de unificação dos 2 alvarás junto do Serviço de Finanças de .... Só nessa altura houve também alteração ao artigo matricial. Foi paga a Contribuição Autárquica através do Plano Mateus, incluindo o do hotel que correspondia ao art. 12500. Em 1998, a liquidação adicional foi relativa ao artigo 17606. A empresa pagou em 1994 a Contribuição Autárquica relativa ao artigo 12500. Posteriormente esse artigo foi eliminado para dar lugar ao artigo 17606 por força do alvará 4/96. Perguntado se não terá havido uma eliminação do pagamento do imposto relativamente a este artigo, o depoente disse que o artigo 12500 está incluído no plano Mateus. Se houve uma anulação, a empresa não tem conhecimento disso. A partir da Mod. 129 de 1999 havia que liquidar o imposto apenas sobre a ampliação desde 1996…”.
X
Dado que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental e informações constantes dos presentes autos e apensos, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (“ex vi” do artº.281, do C.P.P. Tributário):
28-Na sequência da prestação de garantia, pela impugnante, a que se refere o nº.22 da matéria de facto foi suspenso o processo de execução fiscal nº.... (cfr. informação exarada a fls.31 e documento junto a fls.34, ambos do processo administrativo apenso).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida considerou, em síntese, julgar parcialmente procedente a presente impugnação, somente quanto ao pedido de indemnização devido a prestação de garantia indevida, na proporção do deferimento parcial da reclamação graciosa deduzida, devido à exclusão da tributação do artº.17065, sendo improcedente quanto ao restante, nomeadamente quanto aos alegados vícios da liquidação de contribuição autárquica incidente sobre o artº.17606 (cfr.nº.18 do probatório).
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O apelante discorda do decidido aduzindo, em primeiro lugar e em síntese, que ficou cabalmente demonstrado nos autos que o acto tributário impugnado, referente à Contribuição Autárquica de 1994 se encontra há muito prescrito. Que o C.P.T. não prevê nenhuma causa de suspensão do prazo de prescrição e a L.G.T. só a admite em caso de reclamação, impugnação ou recurso ou, ainda, "por motivo de paragem do processo de execução em virtude de prestações legalmente autorizadas", que não em virtude de prestação de garantia (cfr.conclusões 3 a 6 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da sentença objecto da presente apelação.
Analisemos se a sentença recorrida sofre de tal pecha.
A prescrição da dívida exequenda constitui fundamento de oposição à execução (cfr. artº.176, al.d), do C.P.C.Impostos; artº.286, nº.1, al.d), do C.P.Tributário; artº.204, nº.1, al.d), do C.P.P.Tributário), consubstanciando excepção peremptória de conhecimento oficioso no âmbito do processo tributário (cfr.artº.27, §2 e 3, do C.P.C.Impostos; artº.259, do C.P.Tributário; artº.175, do C.P.P.Tributário).
No que diz respeito ao processo de impugnação judicial, vem entendendo a jurisprudência dos Tribunais Superiores, à qual se adere, que a prescrição da obrigação tributária pode ser do conhecimento do Tribunal no âmbito da identificada espécie processual, embora para retirar da eventual procedência da mesma excepção não a procedência da impugnação e consequente anulação da liquidação objecto do processo (vertente dos requisitos de validade do acto), mas antes a declaração de extinção da instância devido a inutilidade superveniente da lide, dado que estamos perante acto tributário ineficaz, porque inexigível. Verificando-se a prescrição, a lide impugnatória não tem qualquer utilidade. Por outras palavras, a questão não radica na inclusão da prescrição da obrigação tributária no universo de análise da ilegalidade da liquidação mas, em termos processuais, da utilidade da lide impugnatória que, assim, não pode ter qualquer reflexo na relação substancial respectiva, pelo que a sua continuação seria inútil (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/2/2005, proc.939/04; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/6/2007, proc. 291/07; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/1/2008, proc.451/07; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/5/2013, proc.6114/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.6826/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.279 e seg.).
O decurso do prazo de prescrição extingue o direito do Estado à cobrança do imposto. O instituto da prescrição, tal como o da caducidade, tem na sua base o interesse da certeza e segurança jurídicas, encontrando aquele igualmente fundamento na negligência do credor (cfr.Pedro Soares Martínez, Direito Fiscal, Almedina, 1996, pág.274 e seg.; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.98 e seg.).
O prazo de prescrição das obrigações tributárias em geral é actualmente de oito anos (cfr.artº.48, da L.G.Tributária), sendo anteriormente de dez anos (cfr.artº.34, do C.P.Tributário), e antes de vinte anos nos termos do artº.27, do C.P.C.Impostos. Embora mais favorável ao contribuinte, o prazo actual não é de aplicação retroactiva, devendo, em tal situação, lançar-se mão dos princípios consagrados no artº.297, do C. Civil, no que diz respeito ao cômputo do mesmo. Nestes termos, o prazo de dez anos consagrado no artº.34, do C. P. Tributário, ou o prazo de oito anos consagrado no artº.48, da Lei Geral Tributária, somente se contam a partir da entrada em vigor dos respectivos diplomas (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/4/93, Acórdãos Doutrinais, nº.385, pág.461; ac.T.T.2ª.Instância, 29/10/91, C.T.F.365, pág.243 e seg.; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.98; Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2010, pág.94 e seg.).
Passemos à determinação do regime de prescrição a apor ao caso dos autos. A determinação do regime de prescrição a aplicar faz-se no momento da entrada em vigor da nova lei (cfr.artº.297, nº.1, do C.Civil; Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2010, pág.94).
“In casu”, o facto tributário objecto do presente processo é relativo a Contribuição Autárquica e do ano de 1994 (cfr.nº.18 da matéria de facto provada), imposto periódico.
No que concerne à sucessão de leis no tempo sobre prazos de prescrição, aplica-se o disposto no artº.297, nº.1, do C.Civil, o qual determina que a lei que estabelecer um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
O termo inicial do prazo de prescrição conta-se em função da ocorrência do facto tributário (sendo computado a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, nos impostos periódicos, ou a partir da data em que o facto tributário ocorreu, nos impostos de obrigação única, se o regime aplicável for o previsto na L.G.T.- cfr.artº.48, nº.1, da L.G.Tributária).
À face do regime previsto no C.P.Tributário o prazo de prescrição conta-se desde o início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário, independentemente da natureza periódica ou de obrigação única do tributo em causa (cfr.artº.34, nº.2, do C.P.T.). A instauração de processo de execução fiscal contra o devedor principal, consubstancia facto interruptivo da prescrição, quer quanto ao mesmo devedor principal, quer quanto aos responsáveis subsidiários, independentemente do momento em que estes vierem a ser citados para a execução ou em que se vier a operar a reversão (cfr.artº.34, nº.3, do C.P.Tributário). Cessa, no entanto, o efeito interruptivo da prescrição a que se alude, o qual se transforma em efeito suspensivo, quando o processo (v.g.execução fiscal) estiver parado durante mais de um ano devido a facto não imputável ao sujeito passivo, caso em que se soma o prazo decorrido após esse período de um ano ao que se tiver verificado até à autuação dos autos (cfr.artº.34, nº.3, do C.P.Tributário; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/8/2012, proc.5814/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/4/2013, proc. 4416/10).
Revertendo ao caso dos autos, no exame de direito transitório incidente sobre o regime de prescrição aplicável "in casu" deve concluir-se pelo constante do C.P.T., neste segmento se confirmando a decisão do Tribunal "a quo" (quando a L.G.T. entrou em vigor, tinham passado 4 anos - 1/1/1995 a 1/1/1999 - à face do regime do anterior C.P.T., assim faltando mais anos para a prescrição por aplicação da L.G.T. - 8 anos - do que por aplicação do C.P.T. - 6 anos).
Assim sendo, releva para a prescrição ora em causa, o prazo de 10 anos previsto no artº.34, do C.P.T.
Analisemos agora os factos interruptivos e suspensivos do prazo de prescrição.
Como se retira do preceituado nos artºs.318 a 320, do C.Civil, a suspensão da prescrição tem como efeito que esta não comece a correr ou não corra, depois de iniciado o prazo, enquanto se verificar o facto, de natureza duradoura, a que é atribuído efeito suspensivo. Os factos suspensivos são de natureza duradoura, obstando ao começo e ao decurso do prazo de prescrição enquanto perdurarem, como se infere dos citados artºs. 318, 319 e 320, do C.Civil. Nas leis tributárias prevêem-se factos especiais a que é atribuído efeito suspensivo, pelo que serão essas as regras a aplicar em matéria de prescrição da obrigação tributária (cfr.v.g.artº.49, nº.4, da L.G.Tributária, na redacção resultante da Lei 53-A/2006, de 29/12 - O.E. de 2007). Concluindo, para além da especificidade dos factos a que é atribuído efeito suspensivo, o regime da suspensão da prescrição da obrigação tributária não tem especialidades no domínio do direito tributário, pelo que, face a qualquer facto com natureza suspensiva, enquanto este surtir efeitos, a prescrição não começa nem corre.
Por sua vez, a interrupção da prescrição tem sempre como efeito a inutilização para o respectivo regime de todo o tempo decorrido anteriormente, sendo esse efeito instantâneo o único próprio da interrupção, presente em todas as situações (cfr.artº.326, nº.1, do C.Civil). Porém, em certos casos, designadamente quando a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (cfr.artº.327, nº.1, do C.Civil). Resultam, assim, destes artºs.326 e 327, do C. Civil, dois conceitos de interrupção da prescrição: um que se traduz exclusivamente num efeito instantâneo sobre o prazo de prescrição (inutilização para a prescrição do tempo decorrido); outro que se consubstancia no mesmo efeito instantâneo acrescido de um efeito suspensivo (é eliminado o período decorrido e a prescrição não corre enquanto o processo durar, efeito duradouro este que é próprio dos factos suspensivos da prescrição). Nas leis tributárias prevêem-se factos a que é atribuído efeito interruptivo da obrigação tributária, pelo que não há que fazer apelo às normas do C.Civil, no que concerne a determinar os factos interruptivos. Porém, os efeitos da interrupção da prescrição não estão completamente regulados, assim devendo aplicar-se, quanto a estes, subsidiariamente o regime do Código Civil (cfr.Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2ª. edição, 2010, pág.52 e seg.).
Por último, a aplicação de diferentes regimes no tocante aos prazos prescricionais, em resultado da previsão normativa do artº.297, nº.1, do C.Civil, não impõe a aplicação de um ou outro regime em bloco, pois só se refere tal normativo à lei que altere o prazo e não aos termos em que se conta, nem a tudo o que releva para o seu curso. O texto do artigo e a respectiva epígrafe revelam que se tem em vista apenas as leis que alteram prazos e não as que alteram os efeitos das causas interruptivas ou suspensivas da prescrição. Por isso, as leis que alteram causas de suspensão ou interrupção não sendo leis sobre “alteração de prazos”, não estão abrangidas na previsão do referido artº.297, do C.Civil. Estas leis seguem a regra de aplicação no tempo do artº.12, nº.2, do mesmo diploma (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/2/2011, rec.807/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2012, proc.3171/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/4/2013, proc.4416/10; Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2ª. edição, 2010, pág.92).
Consagrava o artº.34, nº.3, do C.P.T., bem como o artº.49, nº.2, da L.G.T. (redacção anterior à Lei 53-A/2006, de 29/12 - O.E. de 2007), que a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito interruptivo, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após este período ao que tiver decorrido até à data da autuação.
No caso concreto, atenta a matéria de facto provada, assume relevância, desde logo, como vector interruptivo da prescrição, a dedução de reclamação graciosa em 31/01/2000 (cfr.nº.19 do probatório; artº.49, nº.1, da L.G.T.).
Tal facto interruptivo inutilizou todo o tempo decorrido anteriormente. Relembre-se que ocorrendo uma causa de interrupção e findos os efeitos da mesma, inicia-se uma nova contagem do prazo, ou seja, mais dez anos no caso concreto. Concretizando, a contagem do novo prazo de prescrição de dez anos passa a ter o seu termo inicial em 1/2/2000 (cfr.artº.279, al.b), do C.Civil), dado que nos encontramos perante facto interruptivo (a instauração de processo de reclamação) de natureza instantânea.
Seguidamente, surge-nos como novo vector interruptivo da prescrição a citação do recorrente no âmbito do processo de execução fiscal nº...., a qual ocorreu em 30/05/2000 (cfr.nº.21 da matéria de facto provada; artº.49, nº.1, da L.G.T., na redacção da Lei 100/99, de 26/7).
Tal como mencionado supra, a contagem do novo prazo de prescrição de dez anos passa a ter o seu termo inicial em 31/5/2000 (cfr.artº.279, al.b), do C.Civil), dado que nos encontramos perante facto interruptivo (citação no âmbito de processo de execução fiscal) de natureza instantânea.
Por outro lado, este segundo facto interruptivo da prescrição retira importância à degradação do efeito interruptivo em suspensivo, prevista no citado artº.49, nº.2, da L.G.T. (redacção anterior à Lei 53-A/2006, de 29/12 - O.E. de 2007), derivado da paragem do processo de reclamação graciosa por período superior a um ano, conforme se constata do exame do apenso aos presentes autos.
Continuando a examinar a factualidade provada surge-nos, a seguir, como vector suspensivo do prazo de prescrição, o decretamento da suspensão do processo de execução fiscal nº.... em virtude da prestação de garantia por parte do impugnante/executado em 1/08/2005 (cfr.nºs.22 e 28 do probatório).
Tal factualidade é motivo de suspensão do prazo de prescrição nos termos do artº.49, nº.3, da L.G.T., na redacção da Lei 100/99, de 26/7 (cfr.artº.49, nº.4, da L.G.T., na redacção da Lei 53-A/2006, de 29/12) e artº.169, do C.P.P.T., mais tendo como efeito que tal período não corra enquanto se verificar o facto, de natureza duradoura, a que é atribuído efeito suspensivo (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 7/12/2010, rec.490/10; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/11/2011, rec.993/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/5/2016, proc.9523/16; José Maria Fernandes Pires e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Almedina, 2015, pág.470 e seg.), contrariamente ao que defende o apelante.
Em conclusão, o prazo de prescrição em causa somente voltará a correr termos após o trânsito em julgado da decisão do presente processo de impugnação, pelo que dúvidas não podem restar de que até ao presente a liquidação de Contribuição Autárquica identificada no nº.18 do probatório não se mostra prescrita, assim se confirmando a decisão do Tribunal "a quo", neste segmento.
Mais aduz o recorrente que a liquidação de Contribuição Autárquica do ano de 1994, referente ao artigo matricial U-17606 padece de manifesta ilegalidade, por falta de facto tributário. Que à data do facto controvertido - 31 de Dezembro de 1994 - o prédio urbano correspondente ao "..." (artigo 12500) era apenas constituído por uma área coberta de 10.120 m2 e uma área descoberta de 13.980 m2. Que a alteração verificada ao artigo matricial em análise (U-17606), correspondendo apenas à ampliação da área descoberta afecta ao hotel, em cerca de 25.882 m2, cuja autorização foi concedida pela Câmara Municipal de ..., em 21 de Maio de 1996, não poderá produzir quaisquer efeitos para os anos transactos, pelo que, não poderia a A. Fiscal, através do acto impugnado, tributar uma realidade física inexistente em 31 de Dezembro de 1994, sob pena de manifesta ilegalidade, por falta de facto tributário. Que o Código da Contribuição Autárquica não permitia tal liquidação com produção de efeitos para os anos transactos (cfr.conclusões 7 a 12 do recurso), com base em tais alegações pretendendo consubstanciar mais um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Deslindemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/2/2013, proc.5713/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7073/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.2912/09).
A Contribuição Autárquica, imposto municipal criado pelo Código da Contribuição Autárquica (aprovado pelo dec.lei 442-C/88, de 30/11; veja-se actualmente o I.M.I. aprovado pelo dec.lei 287/2003, de 12/11), devia considerar-se um imposto sobre o património que incide no valor dos prédios situados no território de cada município, dividindo-se, de harmonia com a classificação dos mesmos prédios, em rústica e urbana. O sujeito passivo da relação jurídico-tributária de contribuição autárquica era aquele que em 31 de Dezembro do ano a que diz respeito o tributo tenha o uso e fruição do prédio, seja proprietário ou usufrutuário, e a matéria colectável do imposto (pressuposto objectivo genérico de qualquer relação jurídico-tributária) era constituída pelo valor tributável dos prédios, o qual consistia no seu valor patrimonial (cfr.preâmbulo e artºs.1, 2, 7 e 8, do Código da Contribuição Autárquica; Pedro Soares Martinez, Direito Fiscal, Almedina, 1996, pág.584 e seg.; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, Editora Rei dos Livros, 1996, pág.280 e seg.).
Revertendo aos presentes autos, desde logo se deve relevar, do exame da factualidade provada (cfr.nº.15 do probatório), que por sentença do Tribunal Tributário de Faro de 22/05/1998 foi anulada a liquidação de contribuição autárquica relativa ao ano de 1994 e incidente, além do mais, sobre o então artigo matricial urbano 12500 da freguesia de ....
Mais resulta da matéria de facto assente que, não obstante a inscrição do prédio sob o artigo 17606 (em substituição do artigo matricial urbano 12500) ter sido feita em 1997, a sua tributação reporta-se ao ano de 1993 (cfr.nº.27 do probatório).
E assim é, de acordo com a lei. Recorde-se que à data da emissão da liquidação impugnada, em 1998 (cfr.nº.18 do probatório), estava em vigor o Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola, sendo que a avaliação do imóvel em causa se baseou nas regras constantes do mesmo diploma (cfr.artº.8, do dec.lei 442-C/88, de 30/11), e o valor resultante da mesma avaliação (valor tributável) é inscrito na matriz, servindo de base ao cálculo da respectiva liquidação de contribuição autárquica (cfr.artºs.7, nº.1, e 13, nº.1, do C.C.A.).
Por outro lado, nos termos do artº.233, do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola, em virtude dos resultados da avaliação pode liquidar-se contribuição autárquica com o limite máximo de cinco anos civis imediatamente anteriores àquele em que o rendimento do prédio for considerado na inscrição na matriz (equivalente ao prazo de caducidade do direito à liquidação então em vigor).
Do exame da factualidade provada redunda que, em 1997, quando o artigo 17606 foi inscrito na matriz, resultante da alteração ao alvará n° 4/96, tal corresponde à descrição feita em 1993, através da Mod. 129 apresentada pelo impugnante/recorrente e que dizia respeito ao artigo 12500, com uma diferença: o valor patrimonial. Enquanto que em 1993 o valor patrimonial era de PTE 2.313.600.000$00, em 1997, passou a ser de PTE 2.478.000.000$00, tendo sido este valor aquele que foi tido em conta para cálculo do valor da colecta na liquidação impugnada e que depois veio a ser declarado também pelo impugnante/recorrente em 1999, aquando da entrega de nova Mod. 129 (cfr.nºs.8, 9, 14 e 17 do probatório).
Ora, de acordo com o regime legal invocado, o valor patrimonial fixado para o imóvel com a matriz 17606, após a avaliação efectuada pela Administração Tributária (1997), podia ser considerado com o limite dos cinco anos civis imediatamente anteriores para efeitos de liquidação do tributo. Com estes pressupostos, a A. Fiscal ao fazer a repercussão da liquidação emitida em 1998, a partir de 1994, a mesma é válida porque se insere dentro do prazo dos 5 anos anteriores à avaliação que deu origem ao incremento do valor patrimonial do prédio em causa.
Em conclusão, existe facto tributário que está na origem da liquidação impugnada, neste segmento sendo confirmada a decisão recorrida.
Por último, considera-se prejudicado o conhecimento do fundamento da apelação incidente sobre a fixação de indemnização por prestação de garantia indevida derivada da liquidação impugnada, efectuada por referência ao artigo matricial U-17606 (cfr.conclusão 13 do recurso), desde logo, devido à falta de anulação judicial do acto tributário impugnado (cfr.artº.53, nº.1, da L.G.T.).
Rematando, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul ACORDAM EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 24 de Novembro de 2016


(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)


(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)