Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:61/07.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/16/2021
Relator:LUISA SOARES
Descritores:AJUDAS DE CUSTO;
RENDIMENTO DE TRABALHO DEPENDENTE;
ÓNUS DA PROVA.
Sumário:I - A característica essencial das ajudas de custo é o seu carácter compensatório, visando reembolsar o trabalhador pelas despesas que suportou a favor da sua entidade patronal, por motivo de deslocações ao serviço desta, e a inexistência de qualquer correspectividade entre a sua percepção e a prestação do trabalho.

II - A lei exclui do conceito de rendimento da categoria A para efeitos de IRS, as ajudas de custo que não excedam os limites legais, tal como definidos para os servidores do Estado, pelo que a tributação em sede de IRS dos montantes auferidos a título de ajudas de custo e que se compreendam dentro desses limites, só será legal se a Administração Tributária demonstrar a falta de verificação dos pressupostos para a atribuição desses montantes a esse título, o que lhe permitirá alterar a declaração de rendimentos.

III - É sobre a Administração Tributária que recai o ónus de demonstrar que as quantias declaradas como ajudas de custo constituem retribuição.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

A Fazenda Pública, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por N... com referência à liquidação de IRS relativa ao ano de 2003 no valor de € 14.017,84.

A Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos:
“I- Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, ora recorrida, julgou procedente a impugnação à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, por ter considerado que as ajudas de custo não era uma remuneração mas uma compensação pela deslocação do impugnante.

II- Neste âmbito, o thema decidendum, assenta em determinar se os montantes recebidos a título de ajudas de custo pela deslocação do centro de actividade laboral, ou seja, do Porto para Angola, têm natureza remuneratória ou compensatória.

III- O impugnante à margem identificado, veio deduzir impugnação judicial, contra a liquidação de IRS, com o n.° 2006400..., de 29/11/2006, referente ao IRS de 2003, no montante de € 14.017,84, alegando que as quantias pagas pela sua entidade patronal tiveram o objectivo de compensar o impugnante dos gastos acrescidos em consequência da sua deslocação para local diferente do seu normal e habitual local de trabalho, nos termos da cláusula 7.ª, n.° 2 do adicional ao contrato de trabalho.

IV- Acresce mencionar que o impugnante celebrou um contrato de trabalho com a entidade patronal em 06/01/2003, constando do cláusula 4.° que o local de trabalho abrangeria toda a cidade do Porto, os concelhos de Vila Nova de Gaia, Gondomar, Maia, Matosinhos e Torres Vedras.
e
em 06/01/2003 foi aditado ao contrato inicial, que o impugnante seria deslocado para a República de Angola, produzindo efeitos a partir de 06/01/2003, data do embarque para a República de Angola e que o vencimento seria de € 1.400,00 mensais, tendo direito a uma subsídio equivalente a 25% sobre o vencimento base, no montante de € 350,00, quantia paga em Portugal e, para fazer face ao acréscimo de despesas resultantes da deslocação, terá direito a ajudas de custo, no montante de € 3.240,00, pagas em Portugal.

V- No caso em apreço ter-se-á de averiguar se o impugnante foi deslocado do seu domicílio necessário e se reunia as condições necessárias para beneficiar do direito às ajudas de custo.

VI- O contrato de trabalho e o adicional ao mesmo foram assinados no mesmo dia, 06/01/2003, bem como a data do embarque para a República de Angola.

VII- Contudo, na cláusula 5.ª do contrato de trabalho, a obrigatoriedade e aceitação da deslocação dispensava a necessidade de um adicional sobre este.

VIII- Mas, na cláusula 8.ª menciona um período experimental de 180 dias.

IX- Assim, o primeiro dia de trabalho do impugnante, por conta da entidade patronal, a sociedade S..., em território angolano ocorreu desde o início do contrato de trabalho e por conta de um período experimental de 6 meses.

X- E, como vimos a aludir, não podemos estar perante uma deslocação do impugnante para o estrangeiro porque o que se constata é que o impugnante aceitou as condições propostas pela entidade pagadora, nomeadamente a prestação do trabalho em território estrangeiro, durante o período experimental de 6 meses, numa obra da sociedade.

XI- Assim sendo, nunca chegou a haver a constituição de qualquer domicílio necessário.

XII- O art. 87º n.° 2 do CC consagra que o domicílio necessário é determinado pela posse do cargo ou pelo exercício das respectivas funções.

XIII- Para Moura “(...) a execução do trabalho sempre andou associada a um determinado local, de tal modo que este seguramente integra o conteúdo do direito ao lugar. O local de trabalho espelha o centro de toda a actividade profissional do funcionário ou agente, sendo ali que este presta serviço e goza de intervalos para descanso. A prestação de serviço fora do local normal de trabalho envolve, por isso, em determinadas situações, um acréscimo de despesas, designadamente com a alimentação e alojamento.” - vide Moura, Paulo Veiga, Função Pública, regime jurídico, direitos e deveres dos funcionário e agentes, Coimbra editora, pág. 346 e segs.

XIV- O domicílio necessário é a localidade onde é prestado o serviço, sendo esta o espaço físico onde esta sediado o serviço, ou seja, em Angola.

XV- “(...) o domicílio necessário coincidirá com a localização do centro de gravidade da sua actividade funcional.” - vide Ac de 29/06, publicado no DR de 19/08/1996

XVI- No aresto supra é referido que “(...) a colocação com carácter de permanência reporta-se, não ao local de trabalho, mas ao serviço a que o funcionário se encontra adstricto e no qual deve comparecer diariamente para receber as ordens e instruções dos seus superiores hierárquicos em matéria de serviço.".

XVII- Num outro acórdão é mencionado que "(...) carácter de permanência (...) não têm que ver com o local de trabalho mas sim com o serviço a que o funcionário se encontra adstricto e onde deve comparecer diariamente.” - vide Ac. de 30/03/1995, publicado no DR de 18/07/1997

XVIII- Pelo exposto, podemos concluir que a localização do centro de gravidade da actividade funcional do impugnante era em Angola.

XIX- Quanto às ajudas de custo a sua natureza é diária e não mensal, tal como alega o impugnante.

XX- Num outro acórdão e sobre o conceito de retribuição é referido que “O conceito de retribuição é-nos dado pelo artigo 82.° do DL n.° 49408, de 24.11.69 (LCT), onde se dispõe:
(...) 2. A retribuição compreende a remuneração base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou espécie.
3. Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador.
(...) Na verdade, as ajudas de custo e demais prestações enumeradas no citado art.° 87° visam compensar ou reembolsar o trabalhador por despesas efectuadas ao serviço e em favor da entidade patronal e que, por razões de conveniência, foram suportadas pelo próprio trabalhador. Não constituindo um correspectivo da prestação do trabalhador. Característica essencial destas prestações é o facto de representarem uma compensação ou reembolso pelas despesas a que o trabalhador foi obrigado na sequência de deslocações ocasionais e instalações que teve de efectuar em serviço, inexistindo na sua percepção qualquer correspectividade em relação ao trabalho."

XXI- Mais uma vez, não há qualquer efeito compensatório por despesas efectuadas ao serviço e em favor da entidade empregadora mas sim, perante rendimentos do trabalho.

XXII- Na cláusula 7.ª do adicional ao contrato é mencionado que ao impugnante é pago um subsídio de deslocação no montante de € 350,00 /mês e,

XXIII- Na cláusula 10.ª que o impugnante foi indemnizado do valor das viagens para Angola, no montante de € 1.507,00.

XXIV- Face ao exposto, questiona-se que despesas suportou o impugnante para se efectuar o pagamento das ajudas de custo, uma vez que tinha subsídio mensal de deslocação e as viagens pagas.

XXV- Quanto a esse aspecto, o impugnante no ponto 34 da sua p.i. refere que “(...) a economia ainda assenta em larga medida no “mercado negro”, seja para adquirir alimentação e outros produtos de primeira necessidade, sendo que, como é do conhecimento geral, os custos desses bens essenciais fora desse “mercado negro” são muito mais elevados que o normal.”

XXVI- Pelo mencionado no ponto anterior, as remunerações revestem a natureza de rendimentos de trabalho.

XXVII - Mas, as ajudas de custo visam compensar ou reembolsar o trabalhador por despesas efectuadas ao serviço e em favor da entidade patronal e que, por razões de conveniência, foram suportadas pelo próprio trabalhador, não visa suprir as despesas particulares do impugnante pois essas são da exclusiva responsabilidade.

XXVIII- Quanto a este aspecto, o Ac. do TCAS que no seu sumário menciona que "Não é de qualificar como de ajudas de custo as verbas constantes atribuídas a um seu trabalhador por força da mudança do seu local de trabalho, quando não existe prova documental ou testemunhal de que tais verbas visam cobrir ou compensar o trabalhador por despesas efectuadas ao seu serviço em razão da deslocação do seu local habitual de trabalho para outro local;” - vide Ac do TCAS de 07/03/2006, proferido no proc. n.° 00772/05

XXIX- Num outro aresto do TCAS é referido no sumário que "A característica essencial das ajudas de custo é o seu carácter compensatório, visando reembolsar o trabalhador pelas despesas que foi obrigado a suportar em favor da sua entidade patronal, por motivo de deslocações ou novas instalações ao serviço desta, e a inexistência de qualquer correspectividade entre a sua percepção e a prestação de trabalho.
(…)
Consignando-se no contrato de trabalho que o local de trabalho era no estrangeiro e que a entidade patronal lhe pagaria uma determinada quantia a título de ajudas de custo por cada dia de trabalho efectivo, as verbas pagas a este título não podem ser consideradas ajudas de custo para os efeitos atrás referidos, mas antes complemento da retribuição, já que elas não visam compensar o trabalhador por despesas por si realizadas aos serviço da entidade patronal por motivo de deslocação do lugar habitual de trabalho
(...)
V - Passa então a competir ao contribuinte demonstrar que os rendimentos em causa têm carácter compensatório de despesas por ele efectuadas em favor da sua entidade patronal." - vide Ac do TCAS de 11/11/2003, proferido no proc. n.° 00598/03

XXX- Num outro aresto foi mencionado que “(...) Desde logo, cabe constatar que dos fundamentos por que a impugnação foi julgada improcedente na sentença recorrida, o recorrente só quanto à falta de pressupostos para a tributação, ou seja quanto aos pressupostos para que tais verbas sejam de qualificar como ajudas de custo vem esgrimir argumentos com vista à sua revogação, tendo deixado cair os demais, e que havia articulado na petição inicial da sua impugnação judicial.
Como bem se fundamenta na sentença recorrida, em concordância com a generalidade da jurisprudência dos nossos tribunais superiores, como se pode ver dos inúmeros arestos aí citados, as ajudas de custo visam compensar o trabalhador por despesas efectuadas ao serviço da sua entidade patronal, em razão da sua deslocação do seu local habitual de trabalho para outro local e com carácter temporário, afastando, assim, qualquer correspectividade entre a sua percepção e a prestação de trabalho.
No caso, como consta do relatório efectuado pela inspecção tributária, foi constatado junto da sua entidade patronal que as verbas atribuídas aos seus trabalhadores, e entre eles ao ora recorrente, deslocados da empresa-mãe (França), para Portugal, onde tem representação permanente, têm como causa directa e imediata tal facto, a deslocação em si ou expatriamento, que não quaisquer despesas por deslocações efectuadas ao serviço da mesma entidade patronal, do seu local habitual de trabalho para qualquer obra ou para visitar clientes ou fornecedores, por isso as tendo acrescido ao rendimento tributável e procedido à respectiva liquidação adicional de IRS, como rendimento de trabalho dependente (art° 2 ° n °s 1 e 2 do CIRS), por não serem de qualificar como de ajudas de custo.
O que aliás, se encontrava dentro do âmbito da política de atribuição de ajudas de custo pela empresa, que as concedia...em situações de deslocação em situações de transferência de local de trabalho, considerando transferência toda a mudança de local de prestação de trabalho, com carácter continuado, obrigando a uma alteração no normal modo de vida do trabalhador. Neste conceito, ou não se prevê o regresso ao local de trabalho de origem, ou não se consegue prever a data em que tal regresso pode ocorrer, como a mesma entidade patronal veio explicar no seu documento sobre esta matéria intitulado Esclarecimentos sobre a política de atribuição de ajudas de custo, constante de fls 189 e 190 dos autos. Em suma, a empresa atribuía ajudas de custo aos seus trabalhadores em duas distintas situações, sendo que em uma delas, em que o ora recorrente se inseria, face à lei nacional, não eram susceptíveis de integrarem esses montantes em verdadeiras ajudas de custo.
O impugnante e ora recorrente não aceita tal factualidade apurada pela AT e vem contrapor outra que, se efectivamente provada, a colocaria em causa, ao longo da sua petição inicial, como seja, ...que os montantes em causa destinaram-se efectivamente a compensá-lo pelas despesas várias com alimentação, pernoitas quase diárias e outras que este se viu obrigado a suportar em virtude das deslocações permanentes dos escritórios da empresa às várias obras dispersas por todo o país - art.° 27.°, ...o impugnante ter passado semanas consecutivas no Funchal, em apoio ao arranque das obras de ampliação do aeroporto - art.° 29.°, ...o seu local de trabalho ou domicílio profissional...consiste e sempre consistiu nos escritórios da SPIE sitos na Abóboda, Cascais - art.° 31° da mesma peça processual (aqui, algo contraditório, porque no proémio da mesma petição, veio indicar o seu domicílio fiscal em Portugal na Nova Pista - Aeroporto do Funchal (9100- Santa Cruz), quando neste caso, então, de acordo com o articulado, deveria ser o correspondente ao do seu local de trabalho ou domicílio profissional).
Ou seja, se provada tal matéria nenhumas dúvidas restariam que a matéria apurada pela AT, como pressupostos do acto de tributação não existia, antes a realidade da situação de tais verbas atribuídas ao recorrente, se enquadraria, sem a menor dificuldade, no conceito de ajudas de custo acima explanado.
Porém, nenhuma prova o ora recorrente veio fazer, quer constituída, quer constituenda, nenhum documento tendo vindo juntar aos autos para demonstrar o articulado e nem mesmo fez apresentar as três testemunhas arroladas na mesma petição quando foi designada a inquirição de testemunhas deprecada (cfr. processado de fls 55 a 64 dos autos).
Ainda que no direito tributário o ónus da prova não assuma uma feição formal ou adjectiva, porque também regem os princípios da descoberta da verdade material e da oficiosidade da investigação e indagação das provas, mas antes substantiva ou material de que resulta que, apesar de nenhuma das partes ter uma particular incumbência de provar o que quer que seja, a decisão final não pode, no entanto e pela impossibilidade legal de manutenção de “non liquet”, deixar de desfavorecer a parte que se encontrava onerada à prova dos necessários e relevantes factos(1).
Assim, como bem se decidiu na sentença recorrida, logrou a AT demonstrar os factos constitutivos que levaram à tributação impugnada, cumprindo o ónus probatório que sobre si impendia, com fundamentação substantiva suficiente, por força da norma expressa hoje do art.° 74.° n °1 da LGT, e o recorrente não logrou provar que os mesmos fossem errados, e que a realidade antes fosse como a descreveu na sua petição inicial, não cumprindo o ónus probatório que a mesma norma a si lhe acometia, tendo a causa de ser contra si decidida com a confirmação da sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu, já que também não é caso para aplicação do regime do art.° 100.° do CPPT, por nenhuma prova existir tendente a infirmar a apurada pela mesma AT(2).
Também não se vislumbra que a sentença recorrida tenha aproveitado fundamentação não contemporânea ou posterior à produção do acto de liquidação para suprir invocadas carências da que inicialmente para o mesmo foi aportada, quer no âmbito da fundamentação formal (em que considerou que a motivação externada no Relatório é sucinta, clara e suficiente, permitindo ao visado discutir a questão), quer no âmbito da fundamentação substancial (em que considerou que a AF, com base nas informações da entidade patronal, concluiu que os montantes em causa se deviam a mudança do trabalhador de França para Portugal e não a deslocações desde o local habitual de trabalho (no Continente) e a RAM), ou seja por referência à factualidade contida no referido relatório da inspecção donde resultou a liquidação em causa, que não por qualquer informação ou outro elemento da AT, posterior a tal liquidação, que de resto nenhum, existia ou existe nos autos (a informação da AT de fls 188, o doo de fls 189 e 190 e o mapa de fls 191, apenas juntos aos autos a promoção do Exmo RMP, junto deste Tribunal, são anteriores ao próprio relatório da fiscalização referido, onde assenta a liquidação, sendo aquele de 19.4.2000 e este de 27 de Junho de 2000, como deles consta).
Improcedem assim todas as conclusões do recurso sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu. " - vide Ac. do TCAS de 07/03/2006, proferido no proc. n.° 00772/05

XXXI- Num outro aresto foi mencionado que “(...) Vejamos então.
Desde logo, cabe constatar que dos fundamentos por que a impugnação foi julgada improcedente na sentença recorrida, o recorrente só quanto à falta de pressupostos para a tributação, ou seja quanto aos pressupostos para que tais verbas sejam de qualificar como ajudas de custo vem esgrimir argumentos com vista à sua revogação, tendo deixado cair os demais, e que havia articulado na petição inicial da sua impugnação judicial.
Como bem se fundamenta na sentença recorrida, em concordância com a generalidade da jurisprudência dos nossos tribunais superiores, como se pode ver dos inúmeros arestos aí citados, as ajudas de custo visam compensar o trabalhador por despesas efectuadas ao serviço da sua entidade patronal, em razão da sua deslocação do seu local habitual de trabalho para outro local e com carácter temporário, afastando, assim, qualquer correspectividade entre a sua percepção e a prestação de trabalho.
No caso, como consta do relatório efectuado pela inspecção tributária, foi constatado junto da sua entidade patronal que as verbas atribuídas aos seus trabalhadores, e entre eles ao ora recorrente, deslocados da empresa-mãe (França), para Portugal, onde tem representação permanente, têm como causa directa e imediata tal facto, a deslocação em si ou expatriamento, que não quaisquer despesas por deslocações efectuadas ao serviço da mesma entidade patronal, do seu local habitual de trabalho para qualquer obra ou para visitar clientes ou fornecedores, por isso as tendo acrescido ao rendimento tributável e procedido à respectiva liquidação adicional de IRS, como rendimento de trabalho dependente (art.° 2.° n.°s 1 e 2 do CIRS), por não serem de qualificar como de ajudas de custo.
O que aliás, se encontrava dentro do âmbito da política de atribuição de ajudas de custo pela empresa, que as concedia...em situações de deslocação em situações de transferência de local de trabalho, considerando transferência toda a mudança de local de prestação de trabalho, com carácter continuado, obrigando a um alteração no normal modo de vida do trabalhador. Neste conceito, ou não se prevê o regresso ao local de trabalho de origem, ou não se consegue prever a data em que tal regresso pode ocorrer, como a mesma entidade patronal veio explicar no seu documento sobre esta matéria intitulado Esclarecimentos sobre a política de atribuição de ajudas de custo, constante de fls 189 e 190 dos autos. Em suma, a empresa atribuía ajudas de custo aos seus trabalhadores em duas distintas situações, sendo que em uma delas, em que o ora recorrente se inseria, face à lei nacional, não eram susceptíveis de integrarem esses montantes em verdadeiras ajudas de custo.
O impugnante e ora recorrente não aceita tal factualidade apurada pela AT e vem contrapor outra que, se efectivamente provada, a colocaria em causa, ao longo da sua petição inicial, como seja, ...que os montantes em causa destinaram-se efectivamente a compensá-lo pelas despesas várias com alimentação, pernoitas quase diárias e outras que este se viu obrigado a suportar em virtude das deslocações permanentes dos escritórios da empresa ás várias obras dispersas por todo o país - art.° 27.°, ...o impugnante ter passado semanas consecutivas no Funchal, em apoio ao arranque das obras de ampliação do aeroporto - art.° 29.°, ...o seu local de trabalho ou domicílio profissional...consiste e sempre consistiu nos escritórios da SPIE sitos na Abóboda, Cascais - art.° 31.° da mesma peça processual (aqui, algo contraditório, porque no proémio da mesma petição, veio indicar o seu domicílio fiscal em Portugal na Nova Pista - Aeroporto do Funchal (9100- Santa Cruz), quando neste caso, então, de acordo com o articulado, deveria ser o correspondente ao do seu local de trabalho ou domicílio profissional).
Ou seja, se provada tal matéria nenhuma dúvidas restariam que a matéria apurada pela AT, como pressupostos do acto de tributação não existia, antes a realidade da situação de tais verbas atribuídas ao recorrente, se enquadraria, sem a menor dificuldade, no conceito de ajudas de custo acima explanado.
Porém, nenhuma prova o ora recorrente veio fazer, quer constituída, quer constituenda, nenhum documento tendo vindo juntar aos autos para demonstrar o articulado e nem mesmo fez apresentar as três testemunhas arroladas na mesma petição quando foi designada a inquirição de testemunhas deprecada (cfr. processado de fls 55 a 64 dos autos).
Ainda que no direito tributário o ónus da prova não assuma uma feição formal ou adjectiva, porque também regem os princípios da descoberta da verdade material e da oficiosídade da investigação e indagação das provas, mas antes substantiva ou material de que resulta que, apesar de nenhuma das partes ter uma particular incumbência de provar o que quer que seja, a decisão final não pode, no entanto e pela impossibilidade legal de manutenção de “non liquet”, deixar de desfavorecer a parte que se encontrava onerada à prova dos necessários e relevantes factos(1).
Assim, como bem se decidiu na sentença recorrida, logrou a AT demonstrar os factos constitutivos que levaram á tributação impugnada, cumprindo o ónus probatório que sobre si impendia, com fundamentação substantiva suficiente, por força da norma expressa hoje do art.° 74.° n °1 da LGT, e o recorrente não logrou provar que os mesmos fossem errados, e que a realidade antes fosse como a descreveu na sua petição inicial, não cumprindo o ónus probatório que a mesma norma a si lhe acometia, tendo a causa de ser contra si decidida com a confirmação da sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu, já que também não ê caso para aplicação do regime do art° 100.° do CPPT, por nenhuma prova existir tendente a infirmar a apurada pela mesma AT(2).
Também não se vislumbra que a sentença recorrida tenha aproveitado fundamentação não contemporânea ou posterior à produção do acto de liquidação para suprir invocadas carências da que inicialmente para o mesmo foi aportada, quer no âmbito da fundamentação formal (em que considerou que a motivação externada no Relatório é sucinta, clara e suficiente, permitindo ao visado discutir a questão), quer no âmbito da fundamentação substancial (em que considerou que a AF, com base nas informações da entidade patronal, concluiu que os montantes em causa se deviam a mudança do trabalhador de França para Portugal e não a deslocações desde o local habitual de trabalho (no Continente) e a RAM), ou seja por referência à factualidade contida no referido relatório da inspecção donde resultou a liquidação em causa, que não por qualquer informação ou outro elemento da AT, posterior a tal liquidação, que de resto nenhum, existia ou existe nos autos (a informação da AT de fls 188, o doc. de fls 189 e 190 e o mapa de fls 191, apenas juntos aos autos a promoção do Exmo RMP, junto deste Tribunal, são anteriores ao próprio relatório da fiscalização referido, onde assenta a liquidação, sendo aquele de 19.4.2000 e este de 27 de Junho de 2000, como deles consta).
Improcedem assim todas as conclusões do recurso sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.” - vide Ac. do TCAS de 07/03/2006, proferido no proc. n.° 00772/05

XXXII - Ora, face ao mencionado nos dois arestos supra e constatando que dos relatórios da inspecção quer ao impugnante como à sociedade, sua entidade patronal, os montantes pagos a título de ajudas de custo mais não é do que uma retribuição nos termos do art.° 2º do CIRS, pelo que da prova documental nos autos e da prova testemunhal extrai-se que o motivo do pagamento daquelas ajudas de custo foram para que o impugnante pudesse comprar bens essenciais no mercado negro, tal como alegado no ponto 34° da p.i., pelo que face ao referido nos últimos arestos, as ajudas de custo são diárias e não visam tal desiderato, pelo que se constata que foram pagas a título de retribuição, pugnando a Fazenda pela manutenção do acto de liquidação, por erro sobre os pressupostos na sentença proferida pelo Tribunal a quo.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, com as devidas consequências legais.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA”.
* *
O Recorrido apresentou contra-alegações formulando as seguintes conclusões:

“1ª - A douta sentença recorrida mostra-se conforme à factualidade provada e ao Direito, pelo que deve ser mantida na íntegra.

2ª - Também o Ministério Público sustenta a procedência da impugnação.

3ª- As Alegações da Recorrente vêm construídas para uma suposta factualidade que não logrou provar.

4ª - Como entende a douta decisão recorrida e tem decidido de forma pacífica a Jurisprudência, é à Administração Tributária que compete demonstrar a existência dos factos constitutivos dos seus direitos, ou seja, que ocorreram situações susceptíveis de serem tributadas, designadamente ao abrigo do artigo 2° do Código do IRS.

5ª - No fundo, do que se trata é de que cabe à AT dar satisfação ao ónus que lhe incumbe de “apontar elementos factuais demonstrativos ou seriamente indiciantes de que os abonos recebidos (pelo Impugnante, aqui recorrente) não tinham qualquer fim compensatório (Cfr. Ac. n° 0063/01, do TCANORTE, de 06-04-2006, in www.dgsi.pt. Acs. do STA, de 06.03.2008 e 06.03.2008, e Sentenças do TAF de Braga, de 22.05.2007, e do TAF de Penafiel, de 07-02- 2007, que se juntam — Docs. 1, 2, 3 e 4).

6ª - A AT não alegou, nem obviamente provou, quaisquer factos que demonstrem que as quantias pagas pela S... ao Impugnante tinham carácter remuneratório ou integrante da sua retribuição.

7ª - E não se olvide que o acto tributário impugnado - liquidação adicional de IRS ao Impugnante — assentou única e exclusivamente na consideração pelo Fisco de que as quantias em causa constituíram remuneração do Impugnante e não ajudas de custo.

8ª - É sobre a AT que recai o ónus da prova dos factos constitutivos do acto tributário sub judice, isto é, da liquidação adicional de IRS ao Impugnante (cfr., Art° 74° da LGT).

9ª - As declarações feitas pelos contribuintes, no caso a declaração de IRS apresentada pelo Impugnante, beneficiam da presunção de verdade e de boa fé (cfr. Art° 75° da LGT).

10ª - A AT, aqui Recorrente, não alegou os factos fundamentadores ou enformadores do acto tributário e, por conseguinte, não os podia provar.
11ª - Era à AT que competia provar que as quantias pagas a título de ajudas de custo não se destinaram a reembolsar o Recorrido de despesas decorrentes da sua deslocação para Angola.

12ª - O Impugnante nem é funcionário público nem está subordinado às disposições do Dec.- Lei na 106/98, 24-04, mas apenas ao DL 192/95, de 28/07, uma vez que se trata dc trabalhador deslocado em país estrangeiro (cfr. cit. Sentença do TAF de Braga, de 22.05.2007, e Sentenças do TAF de Mirandela, de 29.12.2006 e de 26.03.2007, em questão absolutamente igual à dos presentes autos - cit. Doc. 3 e Docs. 5 e 6).

13ª - Logo pelo preâmbulo daquele primeiro diploma legal se evidencia que a intenção do legislador foi a de introduzir um conjunto de alterações pontuais ao precedente DL n° 519-M/79, de 28/12 (então com quase 20 anos), “de molde a adequá-lo à nova realidade económica e social (Sic.).

14ª - Ora, o referido DL 519-M/79 estabelecia o regime jurídico do abono de ajudas de custo e transporte ao pessoal da Administração Pública, quando deslocado em serviço público em território nacional.

15ª - Esse diploma legal não se aplica ao abono de ajudas de custo e transporte ao pessoal da Administração Pública quando deslocado em serviço público no estrangeiro.

16ª - De resto, o Art° 15° desse DL corrobora inequivocamente este entendimento ao dispor que “O abono de ajudas de custo por deslocações ao estrangeiro e no estrangeiro é regulado por diploma próprio.” (Sic., com sublinhado nosso).

17ª - “Pois bem, o próprio Decreto-Lei n.° 106/98, exclui da sua regulamentação as ajudas de custo atribuídas em deslocação ao estrangeiro e no estrangeiro, conforme expressamente refere o seu artigo 15º.” (passagem da sentença do TAF de Braga, de 22-05-2007, supra citado).

18ª - “Assim, o DL 106/98 é inaplicável à situação em apreço, pelo que qualquer acto praticado e fundamentado nos pressupostos deste diploma enferma do vício de violação de lei, ...” (idem).

19ª - Posteriormente à entrada em vigor daquele DL não foi ainda publicado diploma próprio, pelo será aplicável tão-somente o DL 192/95, como acima se referiu.

20ª -“Desta forma aplicar uma norma que ao caso não pode ser aplicada por não reger sobre ajudas de custo ao estrangeiro é facto deveras original, gravoso e ilegal” (idem).

21ª - E sendo aplicável este último diploma legal, resulta dos autos (concretamente da inspecção tributária), em primeiro lugar, que não foram ultrapassados os limites da tabela a que se refere a alínea a) do n° 1 do seu Art° 2°.

22ª - Por conseguinte, a questão ou fundamento precedente - não aplicabilidade ao caso sub judice das disposições gerais do DL 106/98, de 24-04 - em que o Recorrido decaiu é invocado a coberto do n° 1 do Art° 684°-A do CPC (Ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido), ou seja, a título subsidiário, prevenindo a necessidade da sua apreciação.

23ª - Por outro lado, mesmo que se pretendesse que ao caso sub judice se aplicam as “Disposições gerais” do DL 106/98, isto é, o 1º e o 2° Artigos, o que se não admite nem aceita, a situação em análise preenche os pressupostos de incidência dessas normas, pois que se trata de trabalhadores deslocados do seu domicílio necessário (Art° 1°, n° 1), este tal como considerado no Art° 2º.

24ª - Trata-se de trabalhador deslocado em serviço para local diferente do seu domicílio necessário.

25ª - O Recorrido, embora deslocado temporariamente em Pais estrangeiro, celebrou com a sua entidade patronal (S...) um contrato de trabalho em Portugal e para exercer a sua actividade profissional em território nacional.

26ª - Simplesmente, como se trata de empresa com actividade em países estrangeiros, tem necessidade de fazer deslocar temporariamente para aí trabalhadores nacionais e a prestar serviço em Portugal para suprir necessidades locais, designadamente, cumprimento de contratos de maior complexidade técnica e de prazo fixo e improrrogável, que foi o que se verificou na situação em apreço.

27ª - É justamente para situações deste tipo que o CCT para o sector da construção civil e obras públicas estabelece que as deslocações para fora do continente são sempre objecto de acordo escrito entre o trabalhador c a entidade patronal, podendo acordar-se o pagamento de ajudas de custo (Art° 31°).

28ª - Foi exactamente o que se passou na presente situação, em que a entidade patronal do impugnante celebrou com este um adicional ao contrato de trabalho pré-existente prevendo a sua deslocação para País estrangeiro, por um período de seis meses, embora renovável.

29ª - Todavia, apesar do pontual acordo para a deslocação, a obrigação originária foi para prestar trabalho em Portugal, obrigação que permanece válida, sendo aliás, obrigação principal!

30ª - O adicional ao contrato de trabalho começa por estabelecer que o contrato originário se mantém e dá por reproduzido e integrado (Cláusula 1ª), prevendo a obrigação do trabalhador regressar de imediato a Portugal logo que terminado o período de tempo acordado (clausula 8a, n° 1), e mesmo a possibilidade de a entidade patronal mandar regressar de imediato o impugnante a Portugal, fazendo cessar a deslocação (cláusula 8ª, n° 2).

31ª - Para efeitos dos art°s 1° e 2° do DL 106/98, o domicílio necessário do impugnante é Portugal, por ser esse o local onde aceitou o lugar ou cargo e aí ficou a prestar serviço.

32ª - O facto de, ulteriormente, ter aceite ser deslocado para país estrangeiro para aí temporariamente prestar o concurso do seu trabalho não retira a Portugal o carácter de domicílio necessário.

33ª - A entidade patronal do impugnante, e as empresas portuguesas de maior dimensão do sector, sempre assim procedeu, tendo sido alvo, ao longo dos últimos anos, de diversas acções de fiscalização e/ou inspecção e nunca os serviços da DGCI puseram em causa tal procedimento.

34ª - O que não pode deixar de significar que sempre tiveram como bom e correcto esse procedimento!

35ª - Pôr agora em causa esse mesmo procedimento, depois de dezenas de anos de prática constante e reiterada, consubstanciaria uma violação do princípio da tutela da confiança dos administrados na actuação da Administração Pública. 

36ª - Atitude que é fortemente lesiva e penalizadora quer dos interesses da empresa quer do ora impugnante e dos demais trabalhadores, pois ter-se-iam alterado procedimentos caso a DGCI nas diversas inspecções e acções de fiscalização a que procedeu tivesse sancionado o procedimento seguido.

37ª - Por isso, sempre a obrigação agora preconizada de enquadrar as ajudas de custo como rendimento do trabalho dependente também constituiria violação do princípio da boa-fé, na vertente do venire contra factum proprium!
TERMOS EM QUE, deve ser negado provimento ao Recurso, mantendo-se integralmente a douta sentença recorrida.
ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA!”
* *
O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
* *
Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

Cumpre, desde já, relevar em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, que as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito na qualificação dos montantes em causa, ao ter decidido que os montantes pagos pela entidade patronal a título de ajudas de custo tinham natureza compensatória, não sendo considerados como rendimento do trabalho dependente nos termos da alínea a) do nº 1 do art. 2º do CIRS.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1) O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Compulsados os autos e analisada a prova documental encontram-se assentes, por provados, os seguintes factos com interesse para a decisão do mérito:

A) Com data de 6 de Janeiro de 2003, consta um documento com a epígrafe "contrato de trabalho por tempo indeterminado", assinado pelo Impugnante e pelo representante da "Sociedade de Construções S..., S.A.", onde foi escrito, nomeadamente, o seguinte: "(...)
1ª - O primeiro contraente é uma empresa de construção civil e obras públicas que exerce a sua actividade em território Nacional e no Estrangeiro.
2ª - O segundo contraente exerce a profissão de Engenheiro Técnico Mecânico com a categoria profissional Grau IB esta desde 06/01/2003 encontrando-se, como tal, inscrito no Sindicato de --- onde tem o n°---- o que declara sob sua inteira responsabilidade.
3ª - Pelo presente contrato, o segundo contraente obriga-se para com o primeiro contraente a dar- lhe, sob a direcção e autoridade deste, o concurso do seu trabalho, na profissão c com a categoria indicadas na cláusula anterior, mediante a remuneração mensal de € 1.400,00 (Mil e quatrocentos euros) a que corresponde o grau C, acrescida do valor devido a titulo de subsídio de alimentação conforme estipulado no C.C.T.V. para a Indústria da Construção Civil.
4ª - O local de trabalho do segundo contraente abrange toda a cidade do Porto, os concelhos de Vila Nova de Gaia, Gondomar, Maia, Matosinhos e Torres Vedras.
5ª- Porém, o segundo contraente desde já aceita prestar, sem quaisquer reservas c de livre vontade, o concurso do seu trabalho fora deste local e em qualquer ponto do território Nacional ou no Estrangeiro, que lhe seja designado pelo primeiro contraente.
6ª- Nas deslocações para fora das zonas definidas na cláusula 4ª o segundo contraente tem direito, além da retribuição normal, às prestações c subsídios para tanto estabelecidos no contrato colectivo ou portaria de regulamentação de trabalho aplicável, a menos que as partes acordem noutro regime.
7ª - Mais se obriga o segundo contraente a cumprir o horário de trabalho afixado na obra para que for destacado, o qual tem a duração de 40 horas semanais e 8 horas diárias.
8ª - Reconhecendo as partes que para o segundo contraente demonstrar as suas aptidões profissionais é necessário um período experimental de 180 (Cento e oitenta) dias, desde já declaram, reciprocamente, aceitar tal prazo.
Único - Durante o período experimental fixado na presente cláusula, qualquer das partes pode fazer cessar o contrato, sem aviso prévio, nem alegação de justa causa, não havendo direito a qualquer indemnização.
9ª 1 - Relativamente a férias, o 2° contraente tem direito à concessão das mesmas em o conformidade com o estabelecido no Dec. Lei nº 874/76 e posteriores alterações.
2 - A lª contraente obriga-se a proporcionar ao 2º contraente um ambiente de trabalho respeitador das regras de Segurança e Higiene, bem como a fornecer os equipamentos de protecção individual adequados a cada função ou tarefa.
3- O 2º contraente obriga-se a cumprir escrupulosamente todos os procedimentos relativos a Segurança e Higiene do trabalho
10ª - O segundo contraente, no caso de cessação do contrata de trabalho, obriga-se a não fazer concorrência ao primeiro contraente.
11ª - O presente contrato entra em vigor e produz efeitos a partir da data da sua assinatura pelo segundo contraente; porém acordam as partes que o presente contrato só é válido a partir da data da sua assinatura por qualquer um dos Administradores ou Chefe do Departamento de Pessoal do primeiro contraente e da sua autenticação com carimbo ou selo branco deste.
Este contrato é feito em duplicado, sendo um exemplar para cada uma das partes, ficando o original carimbado ou selado na posse do primeiro contraente. 

B) Foi assinado igualmente pelo Impugnante e por um representante da "Sociedade de Construções S..., S.A.", um documento, com a epígrafe "Adicional do contrato de trabalho (condições especiais de deslocação)", sem data, onde consta, nomeadamente, o seguinte:
“(…) Considerando que o exercício da actividade das Empresas em Mercados Internacionais é um objectivo de primordial importância para a Economia Nacional, para as próprias Empresas e para os seus trabalhadores;
Considerando que a "S..." é cada vez mais, uma Empresa exportadora de serviços na área de Construção Civil e Obras Públicas, desenvolvendo uma actividade que, no âmbito das relações entre Portugal e Angola, não deixa de revestir carácter de cooperação técnica; Considerando a necessidade que a Empresa tem de fazer deslocar para a República de Angola alguns dos seus trabalhadores;
Considerando, ainda, que as condições que rodeiam a prestação de trabalho na República de Angola, são diferentes das que ocorrem em Portugal e caracterizam, de modo particular, a relação de trabalho,
A "SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES S..., S.A.", com sede na Rua S..., Porto, Portugal, como entidade patronal e primeira contraente,
E N... nº 4... como trabalhador e segundo contraente, declaram e reciprocamente aceitam o seguinte:
Cláusula 1ª- CONTRATO
Em / / , ambos os contraentes celebraram entre si um contrato de trabalho Sem Termo, que aqui se dá, para todos os efeitos, conto reproduzido e integrado.
Cláusula 2ª - OBJECTO
Pelo presente acordo, o segundo contraente obriga-se a deslocar-se para a República de Angola, onde prestará ao primeiro contraente, ou a quem este indicar, o concurso do seu trabalho nas obras que ali estão em curso, com a profissão e categoria que lhe compete.
Cláusula 3ª - PRAZO DE DESLOCAÇÃO
1. O prazo de deslocação na República de Angola é de 06 (seis) meses, com início em 06/Janeiro/03.
2. Todavia, caso o concurso do seu trabalho seja necessário por tempo superior ao do prazo estipulado no número um, o segundo contraente obriga-se desde já a aceder à sua eventual prorrogação.
Cláusula 4ª - HORÁRIO DE TRABALHO
1. Atendendo às condições que rodeiam a prestação de trabalho na República de Angola, ambos os contraentes acordam num período normal de trabalho de 44 horas semanais, distribuídas por 9 horas de trabalho diário, de segunda a quinta-feira, inclusivé, e 8 horas à sexta-feira, tendo o nº l da cláusula 7ª sido acordado contemplando esse facto.
2. O início e o termo, bem como o intervalo de descanso do período normal de trabalho, serão fixados pelo primeiro contraente, tendo em conta as condicionantes do local e a especificidade dos trabalhos.
3. Sempre que o bom andamento dos trabalhos o exija e o primeiro contraente o determine, o segundo contraente dá desde já o seu assentimento à prestação de trabalho extraordinário, bem como em dias de descanso semanal e feriados.
Cláusula 5ª - DIREITOS DO TRABALHADOR
Durante a vigência do presente acordo e enquanto o segundo contraente se mantiver deslocado na República de Angola, terá direito: 
1. Ao pagamento das despesas de viagens de ida e de regresso, desde que estas se processem de harmonia com o itinerário, data e demais condições fixadas pelo primeiro contraente.
2. A gozar férias em Portugal, durante 15 (quinze) dias consecutivos, incluindo dias de viagem, por cada 5 (cinco) meses e meio de efectiva prestação de trabalho, nas datas a fixar pelo primeiro contraente.
Cláusula 6ª - DEVERES DO TRABALHADOR
Para além dos deveres consagrados nas alíneas do n° l, do artigo 20° do Decreto-Lei n° 49.408, de 24/11/69, o segundo contraente obriga-se ainda a:
1. Não se dedicar a actividades políticas, a não emitir comentários da mesma natureza e ainda a abster-se de qualquer actividade particular lucrativa.
2. Respeitar as 1eis, os usos e costumes locais.
3. Pôr o maior empenho no desenvolvimento da actividade profissional dos trabalhadores Angolanos com quem colaborar, a fim de que estes possam aprender todos os ensinamentos úteis dessa actividade.
4. Cumprir integralmente, prestando trabalho, o período de tempo de deslocação acordado com o primeiro contraente.
5. Indemnizar a entidade patronal de todos os prejuízos que a esta advenham e que resultem de acção ou omissão que lhe sejam imputáveis.
Cláusula 7ª - REMUNERAÇÃO
1. Durante o período de deslocação na República de Angola, o segundo contraente, para além do vencimento base, de € 1.400, terá direito a um subsídio de deslocação, equivalente a 25% sobre o vencimento base, no montante de € 350, quantias essas que serão pagas, em Portugal, mediante crédito em conta bancária.
2. Para fazer face ao acréscimo de despesas resultantes da deslocação, o segundo contraente terá ainda direito a uma ajuda de custo de € 3240, paga em Portugal.
3. As despesas efectuadas pelo segundo contraente, e que sejam da sua responsabilidade, serão deduzidas pelo primeiro contraente, no montante das quantias mensais a pagar.
Cláusula 8ª - TERMO DA DESLOCAÇÃO
1. Uma vez cumprido o período de tempo acordado para a sua deslocação na República de Angola, o segundo contraente, obriga-se a regressar de imediato a Portugal, na data que lhe for determinada pelo primeiro contraente.
2. No caso de interrupção ou termo da(s) obra(s) antes do prazo previsto para a sua conclusão, por decisão do dono da mesma, ou do primeiro contraente na sua qualidade dc Empreiteiro, por imposição das autoridades locais ou ainda por motivo de força maior, o primeiro contraente poderá mandar regressar de imediato a Portugal o segundo contraente fazendo cessar a deslocação, sem que desse facto lhe advenham quaisquer obrigações, ou decorra para o segundo contraente o direito a qualquer indemnização.
Cláusula 9ª - RESCISÃO DO CONTRATO
A violação pelo trabalhador do disposto na cláusula 6ª, além de outros factos, constitui justa causa para a entidade patronal rescindir o contrato de trabalho.
Cláusula 10ª - INDEMNIZAÇÃO
1. No caso de rescisão do contrato de trabalho com justa causa por iniciativa da entidade patronal, sem justa causa por iniciativa do trabalhador ou por qualquer outro facto que lhe seja imputável e determine o seu regresso antes do termo do prazo acordado para a sua deslocação, o segundo contraente indemnizará o primeiro, nomeadamente, das despesas havidas com as viagens, na proporção do período de tempo de deslocação não cumprido.
2. Para efeitos do número anterior, ambos os contraentes acordam que o valor das viagens é, actualmente, de €1.507 (mil quinhentos e sete euros).
Cláusula 11ª-DIREITO APLICÁVEL
As relações entre o primeiro e o segundo contraentes regular-se-ão pelo contrato de trabalho, por este adicional e, subsidiária e unicamente, pelo Direito Português aplicável.
Cláusula 12ª - ENTRADA EM VIGOR
O presente acordo entra em vigor na data da assinatura, produzindo efeitos a partir de 06/01/03, data do embarque para a República de Angola. (…)”

C) O grupo S..., SGPS, S.A, foi objecto de uma acção de fiscalização, relativamente ao exercício de 2003, tendo sido detectadas irregularidades em sede de IRS, nomeadamente, em relação ao pagamento de ajudas de custo aos seus trabalhadores colocados em centro de custos de Angola, com repercussões ao nível de cada sujeito passivo de IRS (trabalhador), tendo sido elaborado um relatório de inspecção no qual consta, nomeadamente, o seguinte: "(...)
INFORMAÇÃO
Na sequência de uma acção de inspecção externa ao exercício de 2003 à empresa “Sociedade de Construções S..., SA.”, contribuinte nº 5... , com sede na Rua S..., 4250-453 Porto, verificamos a existência de irregularidades declarativas em sede de IRS relativamente a sujeitos passivos residentes na área da Direcção de Finanças de Lisboa, que a seguir discriminamos:
1. Enquadramento indevido dos rendimentos pagos
a) Ajudas de Custo
A Sociedade de Construções S..., S.A., não incluiu nas declarações a que se referem as alíneas b) e c) do nº 1 do art. 119º do CIRS o total de € 273.740,32 (ver Anexo 1), pago a título de ajudas de custo, a trabalhadores colocados em centro de custo de Angola, considerado como rendimento de trabalho dependente (categoria A), nos termos da alínea d) do nº 3 do art. 2º do CIRS, uma vez que não foram observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado, previstos no Decreto-Lei nº106/98 de 24 de Abril - Regime Jurídico do Abono de Ajudas de Custo e Transporte do Pessoal da Administração Pública, e no Decreto-Lei nº 192/95 de 28 de Julho - Ajudas de Custo no Estrangeiro.
Apesar das empresas privadas serem livres de estabelecer os montantes de ajudas de custo que lhes aprouver, bem como as condições em que as mesmas são atribuídas, a não tributação em sede de IRS dos valores abonados a titulo de ajudas de custo está dependente de não se excederem os limites e de se verificarem as condições de atribuição aos servidores do Estado por força da actual redacção da alínea d) do nº 3 do art. 2° do CIRS.
Deste modo, passou assim a ser expressamente considerado no quadro normativo jurídico-tributário o estabelecido em matéria de ajudas de custo no Decreto-Lei nº 106/98, de 24 de Abril (regime jurídico do abono de ajudas de custo e transporte ao pessoal da administração pública) e no Decreto-Lei nº 192/95, de 28 de Julho (regula a atribuição de ajudas de custo por deslocações em serviço público no estrangeiro e no estrangeiro).
Da análise aos elementos da contabilidade do sujeito passivo verificámos que paga mensalmente uma quantia fixa e regular aos funcionários que se encontram a trabalhar no estrangeiro (na República de Angola e em Moçambique), a título de ajudas de custo, que não foi tributada em sede de 1RS, mas que é de considerar como rendimentos de trabalho dependente (categoria A), nos termos da alínea d) do nº 3 do art 2º do CIRS, pelos seguintes motivos:
A) Inexistência de deslocação do domicílio necessário
De acordo com o artigo 1º do DL 106/98 (inserido no capítulo I — Disposições gerais, de aplicação generalizada quer para as deslocações em território nacional quer para as realizadas para e no estrangeiro), o abono de quantias a titulo de ajudas de custo tem como pressuposto e finalidade exclusiva, a atribuição pela entidade patronal de uma compensação aos seus trabalhadores dependentes quando estes se desloquem do seu local de trabalho habitual ao serviço e em favor da entidade patronal, de forma a compensá-los dos gastos acrescidos (com alimentação e alojamento) em consequência dessa deslocação. 
Deste modo, o que caracteriza a figura das ajudas de custo é o facto do correlativo pagamento ser a compensação pelas despesas efectuadas e suportadas pelos trabalhadores em resultado de deslocações destes do local normal de trabalho para obras ou serviços da entidade patronal, deslocações essas aleatórias, temporárias e não previsíveis decorrentes da necessidade dos serviços.
O principal pressuposto para atribuição de ajudas de custo aos servidores do Estado é a existência de deslocação do funcionário em serviço para local diferente do seu domicílio necessário, conforme estabelecido no artigo 1º do citado Decreto-Lei, sendo definido no seu artigo 2º, domicílio necessário como sendo:
“a) a localidade onde o funcionário aceitou o lugar ou cargo, se aí ficou a prestar serviço;
b) a localidade onde exerce funções se for colocado em localidade diversa da referida na alínea anterior;
c) a localidade onde se situa o centro da sua actividade funcional, quando não haja local certo para exercício de funções ".
Assim sendo, só serão atribuíveis ajudas de custo, e relevadas fiscalmente como tal, as importâncias pagas aos trabalhadores dependentes que resultem de uma efectiva deslocação do domicílio necessário.
O Contrato Colectivo de Trabalho para a Indústria da Construção Civil e Obras Públicas, celebrado pelas empresas que se dedicam à actividade da construção civil e obras públicas, numa das suas cláusulas, estabelece que o Local Habitual de Trabalho deve ser entendido como o lugar onde deve ser realizada a prestação de trabalho de acordo com o estipulado no contrato ou o lugar resultante de transferência de local de trabalho; noutras das suas cláusulas, estabelece ainda que as normas reguladoras das deslocações para fora do continente serão sempre objecto de acordo escrito entre o trabalhador e a entidade patronal.
Neste seguimento, o sujeito passivo elaborou um adicional ao Contrato de Trabalho celebrado com os trabalhadores, onde estabelece que os mesmos possam a prestar serviço na República de Angola ou Moçambique.
O referido adicional ao contrato de trabalho refere, nas suas cláusulas 2A. e 3A., que o funcionário obriga-se a deslocar-se para a República de Angola/Moçambique (conforme o caso) onde prestará à empresa ou a quem esta indicar o concurso do seu trabalho nas obras que estão em curso nesse território, durante um período de 6 meses (renovável por iguais períodos, aceitando o trabalhador, “ab initio”, a sua eventual prorrogação).
Assim sendo, nesta situação, o domicílio necessário corresponde ao local onde a actividade é exercida (“… o concurso do seu trabalho nas obras que ali estão em curso...”), estipulado no próprio adicional ao contrato de trabalho, pelo que só poderão ser atribuídas ajudas de custo por deslocações fora da área abrangida pela obraa onde foi colocado para desempenhar as suas funções. 
B) Pagamento de um valor regular mensal
Na cláusula 7A- do referido adicional ao contrato de trabalho está definido ainda que o funcionário, para além do vencimento base mensal, terá direito a um subsídio de deslocação equivalente a 25% sobre o vencimento base (sujeito a retenção em sede de IRS) e a uma ajuda de custo de valor fixo estabelecido no contrato para fazer face ao acréscimo de despesas resultantes da deslocação.
Os funcionários colocados na República de Angola e em Moçambique recebem um valor mensal constante (12 meses no ano), a título de ajuda de custo, o que contraria o estipulado na alínea a) do n.° l do artigo 2° do Decreto-Lei n.° 192/95, que estabelece o pagamento de um abono de ajuda de custo diária, em todos os dias da deslocação, de acordo com tabela em vigor (tabela essa actualizada anualmente).
Independentemente do mês, o sujeito passivo considera que o trabalhador se encontra deslocado 30 dias no mês, não sendo efectuado nenhum acerto relativamente aos dias de calendário.
Esse valor mensal constante, pago a título de ajuda de custo, aos funcionários que se encontram no estrangeiro, corresponde a um mês completo de trabalho, sendo apenas deduzido o nº de dias não trabalhados por motivo de doença ou de baixa sem vencimento.
Na cláusula 5A. do adicional ao contrato de trabalho, está estipulado também que o funcionário tem direito a gozar férias em Portugal durante 15 dias consecutivos, incluindo dias de viagem, por cada 5 meses e meio de efectiva prestação de trabalho (sendo as despesas de viagens de ida e volta por conta da empresa), o que significa que no ano existe, pelo menos, um período total de um mês, em que o funcionário não está ao serviço da empresa, sendo processadas e pagas também nesse período ajudas de custo.
Ora, estes factos-índice, apreciados à luz das regras da experiência comum, que conjugados permitem concluir, com um grau de certeza que ultrapassa o da mera verossimilhança ou probabilidade, de que os montantes abonados a título de ajudas de custo não se destinam a compensar os trabalhadores de quaisquer despesas efectuadas por estes em favor da sua entidade patronal, sendo antes um complemento de remuneração.
Acresce ainda, que tendo em conta que o processamento de ajudas de custo é efectuada de forma sistemática e continuada, indicando ter carácter de permanência, conforme estipulado no próprio adicional ao contrato de trabalho, a sua atribuição preenche antes os pressupostos de subsídio de deslocação, e não de “ajudas de custo” cuja deslocação aleatória, temporária e não previsível que lhe está subjacente, conferindo-lhe, por esse facto, um carácter de precaridade e de limitação temporal confirmada pelo contexto lógico-literal do regime jurídico das ajudas de custo assente no Decreto-Lei nº 106/98 e no Decreto-Lei nº 192/95. Assim sendo, se os funcionários já recebem uma compensação por se encontrarem deslocados (subsídio de deslocação correspondente a 25% do vencimento base, como já referido anteriormente), não haverá razão para que simultaneamente lhe sejam atribuídas ajudas de custo.
Deste modo, por incumprimento dos pressupostos tributários substantivos da não tributação em sede de IRS da atribuição de ajudas de custo previstos a “contrario sensu” na alínea d) do nº 3 do artigo 2º do CIRS, ou seja, por não preenchimento nos termos atrás descritos, em matéria de ajudas de custo dos pressupostos da sua atribuição previstos no Decreto-Lei nº 106/98, de 24 de Abril e do Decreto-Lei nº 192/95 de 28 de Julho, em face da respectiva descaracterização como ajudas de custo, os montantes pagos a esse título, no total de € 273.740,32 por constituírem uma remuneração devida pela prestação de trabalho dependente, estão sujeitos a tributação em IRS na esfera do trabalhador beneficiário de acordo com o consagrado na alínea d) do nº 3 do artigo 2º do CIRS.

D) Em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI200505148, foi realizada uma acção de inspecção interna ao Impugnante, tendo sido elaborado o relatório de inspecção, constante a fls. 32 a 42 do processo administrativo em apenso, que aqui se considera integralmente reproduzido, e no qual consta nomeadamente: "(…)
l. Na sequência de inspecção efectuada pela Direcção de Serviços da Inspecção Tributária à empresa GRUPO S... SGPS SA, com sede na R. da S..., em Ramalde - Porto, constatou-se que o Sujeito Passivo Supramencionado recebeu os montantes de 36.967,28 €, referentes a Ajudas de Custo, durante o ano de 2003, que de acordo com a alínea d) do n.° 3 do art. 2º do CIRS, e pelos factos descritos nos relatórios da Inspecção Tributária (anexo 1 de 9 páginas) são tributáveis em sede de IRS como rendimentos da Categoria A.
2. O Sujeito Passivo foi notificado pelo n/ Oficio nº 54.877 em 17/07/2006 para proceder à substituição da declaração de rendimentos (anexo 2 de 2 páginas), com vista a inclusão desse montante na sua declaração de IRS, não o tendo feito até à presente data.
3. Face ao exposto, e na falta de cumprimento do solicitado na notificação, vai proceder-se a correcção do rendimento sujeito a IRS - Categoria A - nos termos do n° 4 do artigo 65° do CIRS, do seguinte modo: 
Ano de 2003
1. Rendimento Declarado – Categoria A
21.870,00 €
2. Ajudas de Custo não declaradas – Cat A 36.967,28 €
3.Total Rendimento Bruto da Categoria A (1+2) 58.837,28 €

4. Na análise efectuada aos elementos constantes do processo foi detectada a prática da seguinte infração:
. Omitiu parte dos rendimentos auferidos nas declarações de 2002 e 2003, infração ao artigo 57º do CIRS, punível pelo artigo 119º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT).
5. Destes factos foi notificado o obrigado tributário, nos termos dos artigos 60º da Lei Geral Tributária (LGT) e 60º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT).
6 A notificação para o exercício do Direito de audição foi recebida em 28/09/2006 (anexo 3 de 3 páginas), no entanto, no prazo estabelecido para o exercido do direito de audição não foram efectuadas quaisquer diligências.
7. Em virtude de não ter sido exercido o direto de audição, as correcções propostas mantêm-se inalteradas.
8. Foi preenchido o DC Único para o ano 2003, para posterior liquidação pelos serviços competentes do imposto a pagar.
9. Foi levantado Auto de Notícia a punir as infracções verificadas por contra-ordenação.
(…)”.

E) A 28 de Novembro de 2006 foi emitida a nota de liquidação de IRS nº 2006 400..., e liquidação de juros compensatórios nº 2006 2415110, que resultaram na emissão da nota de compensação nº 2006 0001..., no valor de €14.822,84, com data limite de pagamento a 10 de Janeiro de 2007 (cf. fls. 13 dos autos).

F) A 10 de Janeiro de 2007 foi paga a nota de compensação identificada no ponto anterior (cf. vinheta aposta no documento a fls. 13 dos autos).

G) A presente acção foi interposta a 24 de Janeiro de 2007 (cf. carimbo aposto a fls. 2 dos autos).

H) Os montantes pagos a título de ajudas de custo eram calculados face às especificidades da economia de Angola, quer a distância, quer o elevado custo dos bens essenciais praticados naquele país (prova testemunhal).

Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir.
Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório.
Foi igualmente tido em consideração o depoimento da testemunha Francisco José Ferreira, face ao aproveitamento da prova produzida em sede do Proc. n.° 463/07.3BELRS, que correu termos no presente Tribunal, e que depôs com clareza e revelou ter conhecimento directo dos factos, em virtude de exercer funções no departamento de recursos humanos da empresa S..., tendo a seu cargo as tarefas relativas à contratação e despedimento de trabalhadores.

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O Recorrido impugnou junto do Tribunal Tributário de Lisboa a liquidação adicional de IRS do ano de 2003 no montante total de € 14.017,84, invocando para o efeito que as quantias auferidas da entidade patronal e que a administração tributária considerou tratar-se de complementos remuneratórios do trabalho dependente sujeitos a tributação em sede de IRS nos termos do art. 2º do CIRS, não têm essa natureza, dado tratar-se de montantes destinados a compensá-lo pela deslocação para país estrangeiro ao serviço da entidade patronal.

A sentença recorrida considerou que a liquidação de IRS padecia de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos e julgou a impugnação judicial procedente, anulando a liquidação adicional de IRS, tendo considerado que a administração tributária não recolheu factualidade indiciária bastante para concluir que tais montantes corresponderiam a contribuições de natureza remuneratória.

Inconformada, a Fazenda Pública no presente recurso jurisdicional defende a legalidade do acto tributário, dado que em seu entender, não restam dúvidas que o montante auferido pelo Recorrido em 2003, o foi a título de remuneração do trabalho e, como tal, sujeito a tributação em sede de IRS, defendendo que o domicílio necessário do Recorrido corresponde ao local onde a actividade é exercida, neste caso a República Popular de Angola, e que não lhe podiam ser atribuídas ajudas de custo por deslocações fora da área abrangida pela obra onde o Recorrido foi colocado para desempenhar as suas funções e, por outro lado, constituindo característica essencial das ajudas de custo o seu carácter compensatório, nos autos ficou demonstrado o carácter sistemático (permanente) daquelas ajudas de custo, evidenciado pelo próprio adicional ao contrato celebrado, pelo que, também nesta perspectiva se mostravam não verificados os pressupostos legais da sua atribuição.

Vejamos então.


Salienta-se desde já que a questão fulcral suscitada no presente recurso tem vindo a ser apreciada em numeroso arestos dos nossos Tribunais Superiores revelando uma posição jurisprudencial uniforme e consolidada a qual seguiremos de perto (cfr. a título meramente exemplificativo e com referência à mesma sociedade empregadora, os Acórdãos do TCA Norte de 08/05/2008 – processo nº 00272/06.7BEPNF, de 03/05/2012 – proc. 00209/08.9BEMDL e de 25/03/2021 – processo nº 00204/08.8BEMDL bem como a doutrina a sufragada em diversos Acórdãos proferidos por este Tribunal, de 28/09/2017 e de 17/05/2018, nos processos nºs 578/13.9BEALM e 696/13.3BEALM respectivamente, que, haviam já seguido o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 10/11/2016, proferido no processo nº 00764/13.1BEPNF, bem como no processo nº 463/07.3BELRS referente ao mesmo impugnante, e a situação idêntica à dos presentes autos e em relação ao qual foi efectuado o aproveitamento da prova testemunhal nele produzida para os presentes autos).

Em relação ao argumento apresentado pela Recorrente quanto ao “domicílio necessário”, destacamos que da factualidade vertida nas alíneas A) e B) do probatório resulta que o “local de trabalho” do Recorrente não é Angola mas sim Portugal, mais concretamente a cidade do Porto, os concelhos de Vila Nova de Gaia, Maia, Matosinhos e Torres Vedras, local de trabalho esse que não abrange, nem veio posteriormente a abranger, a República Popular de Angola, já que o que resulta dos autos (alínea B) do probatório) é que o Recorrido se limitou a aceitar, a autorizar expressamente que a partir de uma determinada data e durante um determinado período de tempo a sua prestação de serviço fosse noutro local, que não o seu local de trabalho, razão pela qual no documento que formalizou essa autorização ou aceitação se reafirmou a vigência do contrato de trabalho celebrado, de que esse documento constituía mero “Adicional” e se consagrou a sua obrigação de regressar a Portugal (local de trabalho) findo o período de tempo previsto para essa prestação fora do território nacional ou por determinação da entidade patronal sem direito a qualquer indemnização (cláusula 1ª e 8ª do Adicional ao Contrato de Trabalho – Condições Especiais de Deslocação – cfr. alínea B) do probatório).

Desta forma consideramos que ficou provado nos autos que o Recorrido foi contratado para desenvolver a sua actividade laboral em Portugal, concretamente nos concelhos acima mencionados, constituindo estes o seu local de trabalho, devendo entender-se a sua ida para a República Popular de Angola, por um período previsível de 6 meses, como uma deslocação temporária do seu local de trabalho, ao serviço da sua entidade patronal.

Por outro lado a Recorrente discorda ainda da decisão proferida pelo tribunal a quo porquanto, em seu entender, ficou demonstrado pelos factos apurados que as quantias recebidas a título de ajudas de custo constituem verdadeiras remunerações ou contrapartida do trabalho prestado pelo Recorrido.

Como se refere no Acórdão do TCA Norte de 03.05.2012, rec. 00209/08.9BEMDL, “O Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), introduzido no sistema tributário português pelo Dec. Lei 442-A/88, de 30/11, pode definir-se como um imposto direto, dado que incide sobre manifestações diretas ou imediatas da capacidade contributiva como é o rendimento. É um imposto de características pessoais, visto levar em consideração as características que se verificam na pessoa do contribuinte. É, ainda, um tributo de características unitárias, no sentido de abranger todos os rendimentos, consagrando nove cédulas ou categorias diferentes dos mesmos. Encontramo-nos perante um imposto progressivo, que assenta, em princípio, na tributação do rendimento real ou efetivo, embora admita presunções de rendimento, assim como a sua fixação através de métodos indiciários.
Na construção do conceito de rendimento tributário o CIRS adota a conceção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos (cfr.nº.5 do preâmbulo do CIRS; Paulo de Pitta e Cunha, A Fiscalidade dos Anos 90, O Novo Sistema de Tributação do Rendimento, Almedina, 1996, pág.20).
O ato tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstrata e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objetivos. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efetuada.
É no art. 2º, do CIRS, que se englobam todos os rendimentos da categoria A - rendimentos do trabalho dependente - sujeitos ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, para o efeito se exigindo o caráter remuneratório dos mesmos, ou seja, que se trate de rendimentos obtidos como retribuição de trabalho prestado por conta de outrem.
O legislador, na redação dada ao referido art. 2º teve como objetivo a tipificação da forma mais ampla da incidência do imposto, nela se incluindo todos os rendimentos de alguma forma advindos do trabalho dependente. Há que salientar, desde logo, que este conceito de remuneração é mais lato que o acolhido pelo direito laboral, tal como que o relevante para efeitos de incidência das contribuições para a segurança social. Assim, é rendimento da categoria A tudo aquilo que o trabalhador receba em razão do seu trabalho, em dinheiro, em espécie ou sob a forma de quaisquer outras vantagens, salvo o expressamente excetuado pela lei. Tais remunerações, qualquer que seja a forma ou denominação sob que se apresentem (cfr. art. 2º, nº.2, do CIRS), poderão resultar, quer do cumprimento de obrigações contratuais da entidade patronal, quer de decisões a que esta não se encontra legalmente obrigada (a título de exemplo veja-se a concessão de prémios). Poderão resultar, ainda, de prestações feitas por terceiros, mesmo que espontaneamente. Por sua vez, o nº.3, do artº.2, do CIRS, pode entender-se como uma norma clarificadora, que mais não faz do que exemplificar ou concretizar o que resulta dos números anteriores do preceito (cfr. Prof. Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.52).
Tecidas estas considerações gerais, em síntese retenha-se que, os pressupostos tributários substantivos do pagamento de ajudas de custo e da sua não tributação em sede fiscal eleitos pela lei são os seguintes:
- A realização de uma efetiva deslocação por parte de trabalhador ao serviço e portanto no interesse da sua entidade patronal;
- O pagamento de quantitativo diário que não exceda os limites anualmente fixados para os servidores do Estado.
E, aqui se levanta a questão dominante chamada a resolver por via do presente recurso jurisdicional, qual seja a do ónus da prova de que os montantes percebidos pelo trabalhador não têm finalidade compensatória, antes consubstanciando rendimentos que proporcionam um acréscimo de capacidade contributiva, assim sendo suscetíveis de tributação, ónus esse da competência da Administração Fiscal (cfr.artº.342, do Código Civil; artº.74, nº.1, da Lei Geral Tributária; neste sentido veja-se Acórdãos do STA de 04.05.2004, in proc. 832/2003, de 07.11.2006, in proc de 1099/06 e de 27.01.2009, in proc. 2690/2008 e Acórdãos do TCA Sul de 04.05.2004, in proc.832/03, de 07.11.2006, in proc.1099/06 e de 27.12.2009, in proc.2690/08).
Mais se diga, na esteira do entendimento jurisprudencial, designadamente do STA e TCA (veja-se a jurisprudência referenciada), a prova da factualidade caracterizadora de uma qualquer verba como ajuda de custo, atenta o preenchimento do respetivo conceito nos termos já referenciados, pode ser feita por qualquer dos meios probatórios admitidos em direito ou, o que é o mesmo que dizer que, não carece de ser feita exclusivamente por via documental.
No entanto, tudo o que se disse, não invalida uma outra conclusão a de que “ … é aos contribuintes que suportam tais importâncias e/ou aos que as recebem, quando entre eles exista uma relação laboral, e que delas se pretendem valer no âmbito fiscal enquanto ajudas de custo, que cabe demonstrar a respetiva aderência à realidade, por um qualquer daqueles meios de prova admitidos em direito uma vez colocado em crise o dever de colaboração com a AF e que sobre eles impende e por facto que lhes seja imputável, no sentido de facultar a esta última o cumprimento estrito do seu poder/dever de controlar a situação fiscal daqueles em obediência ao princípio da legalidade por aplicação do princípio declarativo vigente no nosso ordenamento jurídico nos termos do qual sempre que, mas também apenas quando, a conduta da AT se consubstancie na prática de atos positivos e constitutivos do direito a que se arrogue com consequências negativas na esfera dos direitos dos contribuintes, é a ela que cabe a obrigação de demonstrar da factualidade relevante ou dito de outra forma é à AT que cabe fazer a «...prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável)...» pertencendo, por contrapartida, «...ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, quando se mostrem verificados esses pressupostos...»”(in ac. do TCA Sul de 07.11.2006, in proc. N.º 1099/06).
Assim, a tributação dos montantes em causa nos presentes autos em sede de IRS só pode ser sustentada se, porventura, se puder considerá-los como um complemento de remuneração, sem fim compensatório.
Contudo sempre se dirá que não se pode considerar que os montantes atribuídos não configuravam ajudas de custo porque os pagamentos eram regulares, a que acresceu o facto de o impugnante ter tido direito ao subsídio de deslocação equivalente a 25% sobre o vencimento base, não havendo razões para que simultaneamente lhe fossem atribuídas ajudas de custo.
Não se pode concluir que as prestações auferidas pelo Impugnante a título de ajudas de custo integram a respectiva retribuição ou remuneração de trabalho, constituindo um complemento desta, pelo facto de terem sido estipulados montantes de natureza fixa e regular por cada mês de trabalho porque, precisamente, essa quantia lhe foi atribuída apenas desde o momento em que o Impugnante se deslocou para Angola em serviço e a favor da entidade patronal. Ou seja, essa prestação não lhe foi atribuída independentemente da existência dessa mesma deslocação de 6 meses, que não deixa de ser ocasional.
Relativamente ao subsídio de deslocação.
Não se provou, nem foi alegado, que este subsídio (o equivalente a 25% sobre o vencimento base) tivesse como finalidade acautelar o acréscimo de despesas que obrigatória e logicamente o Impugnante teria de suportar por ter de trabalhar fora do seu local habitual de trabalho. As causas deste acréscimo remuneratório poderão ser várias, designadamente as que dizem respeito ao facto do trabalhador ter de sair fora do pais, de estar afastado da família, ou de não ter acesso a bens e a serviços a que estava habituado etc. Ou seja, não se provou que este acréscimo de remuneração constituísse uma compensação paga pela “S.” ao Impugnante pelas despesas por este realizadas, nomeadamente com alojamento, alimentação e transportes, por ter de se deslocar ao serviço daquela para fora do seu local habitual de trabalho. Só assim é que ficaria esvaziada de sentido outras ajudas de custo pagas para compensar as mesmas despesas a que aquele subsídio estivesse adstrito.
Ora, seguindo o Ac. n.º 0063/01 de 6/4/2006, in www.dgsi.pt do TCAN, era a AT, e não o Impugnante ou terceiros, que tem o ónus de apontar elementos factuais demonstrativos ou seriamente indiciantes de que os abonos recebidos não tinham qualquer fim compensatório, designadamente porque não existiam deslocações do trabalhador ou, existindo, porque os abonos não tinham qualquer relação com essas deslocações ou, tendo-a, cobriam largamente as despesas normais que as deslocações provocam, fazendo, por isso, parte da retribuição – e isto em consideração ao princípio da não fundamentação posterior dos actos.
Neste caso ficou por demonstrar que os pagamentos regulares em causa, feitos pela “S.” ao Impugnante, não tivessem qualquer fim compensatório.”.

Perante a factualidade patente nos presentes autos podemos afirmar que a AT não invocou nem reuniu elementos suficientes para abalar a presunção de veracidade da declaração do Recorrido quanto às verbas que lhe foram pagas a título de ajudas de custo.

Na verdade, as denominadas «ajudas de custo» traduzem-se em montantes colocados à disposição do trabalhador para compensar os custos que este suportou ao serviço da entidade patronal. Estas importâncias não devem ser consideradas rendimento para efeitos tributários (e muito menos remuneração) porque não representam nenhum acréscimo patrimonial, destinando-se apenas a compensar gastos que afectam negativamente a esfera patrimonial do trabalhador e que devam ser imputados à sua actividade laboral e no interesse da sua entidade empregadora.

Caberia, por isso, à administração tributária reunir indicadores que, por si só ou conjugadamente, suportassem a conclusão de que as quantias percebidas são consideradas remuneração de trabalho, como decorre do artigo 74º' da Lei Geral Tributária. Contudo os serviços de inspecção tributária entenderam que tais importâncias não podem ser consideradas como ajudas de custo, mas como rendimento de trabalho dependente (categoria A), nos termos da alínea d) do nº 3 do artigo 2º CIRS, uma vez, que, não foram observados os pressupostos previstos na Lei nº 106/98 de 24 de Abril “Regime Jurídico do Abono de Ajudas de Custo e Transportes do Pessoal da Administração Pública” e no Decreto-Lei nº 192/95 de 28 de Julho “Ajudas de Custo no Estrangeiro”.
O principal pressuposto para a atribuição de ajudas de custo aos servidores do Estado é a existência de deslocação do funcionário em serviço para local diferente do seu domicílio necessário e, na óptica da Administração Tributária, o seu domicílio necessário seria o local onde aceitou prestar o serviço (Angola), mas o que resulta do contrato é que o Recorrido foi contratado para prestar serviço em Portugal e aceitou trabalhar deslocado em Angola. O centro da sua actividade funcional é em Portugal (diversos concelhos), sendo dentro ou fora do território português os locais onde aceitou deslocar-se para realização da prestação de trabalho.

Em conclusão, aceite que estava, pela Administração Tributária, a efectividade da deslocação, a qual, segundo as regras da experiência comum, implica geralmente despesas, incumbia-lhe demonstrar (ainda que através de factos indiciantes) que esse abono mensal e diário era totalmente independente das deslocações e das inerentes e normais despesas, representando um ganho real para o trabalhador ou, pelo menos, que esse abono excedia as despesas normais das deslocações ao serviço da entidade patronal. O que não fez, já que não provou, minimamente, a inexistência de despesas normais ou, sequer, que elas fossem largamente inferiores às importâncias pagas para as compensar.

Desta forma e sem necessidade de maiores considerações, conclui-se que o presente recurso não merece provimento e, consequentemente, mantém-se o decidido quanto à ilegalidade do acto tributário de liquidação adicional de IRS.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente, em ambas as instâncias.

Lisboa, 16 de Setembro de 2021

[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Mário Rebelo e Patrícia Manuel Pires].
Luisa Soares