Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2314/21.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/24/2022
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:DERROGAÇÃO DE SIGILO BANCÁRIO
MEIOS DE PROVA
CDT PORTUGAL/ ESPANHA
PROCEDIMENTO DE INSPEÇÃO
Sumário:I - É jurisprudência reiterada, seja do STA, seja do TC, que o artigo 146º-B, nº 3 do CPPT, na parte em que determina que os elementos de prova, a acompanhar a petição inicial, devem revestir natureza documental, é materialmente inconstitucional por violar o disposto no artigo 20º, nº 4 da CRP
II - O acesso da ATA à informação bancária não é irrestrito (artigo°63.°, n.°3, da LGT), sendo que o legislador estabeleceu no n. °l do artigo 63.°-B, da LGT as condições concretas em que tal acesso se pode verificar por ato administrativo, condições essas que têm de ser evidenciadas em procedimento inspetivo iniciado a pessoa que apresente algum elemento de conexão ao sistema fiscal português (art.°18.°, n.°3, da LGT).

III - No âmbito da assistência mútua internacional em matéria fiscal, a recolha de informação fiscal deverá ser realizada através de procedimento tributário, nomeadamente, através de procedimento tributário de inspeção.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO


S................, UNIPESSOAL, LDA, intentou no Tribunal Tributário de Lisboa, nos termos e ao abrigo, conjugadamente, do preceituado nos artigos 63º-B, nº5 da Lei Geral Tributária (LGT) e 146º-A e 146-B, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), recurso contra a decisão do Diretora de Serviços de Relações Internacionais da Autoridade Tributária e Aduaneira que determinou, por referência ao período compreendido entre 1 de janeiro de 2015 a 31 de dezembro de 2019, o levantamento do sigilo da conta bancária com o IBAN PT ………………, de que é titular no Banco ……………………….., S.A.

O Tribunal Tributário (TT) de Lisboa julgou o recurso improcedente e, em consequência, manteve a decisão recorrida.

Inconformada com o assim decidido, apelou a recorrente para este Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul), tendo na sua alegação formulado as seguintes conclusões:

«A. O Douto Tribunal a quo não relevou devidamente a prova produzida nos presentes autos, pelo que a Sentença recorrida enferma de vício quanto à matéria de facto considerada provada, na medida em que se absteve de considerar como provados factos invocados pelos Recorrentes e que são evidenciados pelos elementos probatórios constantes dos presentes autos;

B. Face à prova documental constante dos presentes autos, devem ser aditados os seguintes factos à matéria de facto provada:

i) Não foram efectuados pagamentos de rendimentos ao gerente da Recorrente a partir da conta bancária de que a Recorrente é titular no BANCO ………………, S.A., com o IBAN ……………. e que esta conta é movimentada apenas no âmbito da sua actividade comercial, não sendo uma conta bancária de uso pessoal do gerente da Recorrente – cfr. §8 da petição inicial e cópia de declaração do técnico oficial de contas da Requerente, junta como documento n.º 1 através de requerimento apresentado nos presentes autos a 9 de Dezembro de 2021;

ii) As declarações fiscais do gerente da Recorrente e, bem assim, as declarações fiscais e a informação contabilística da Recorrente, que se presumem verdadeiras ao abrigo do artigo 75.º, n.º 1, da LGT, e que se encontram na posse da Administração Tributária nos termos e para os efeitos do artigo 74.º, n.º 2, da LGT, confirmam também que a Recorrente não efectuou pagamentos de rendimentos ao seu gerente – cfr. §9 da petição inicial e cópias de comprovativos de entrega de declarações de rendimentos modelo 3 do IRS do gerente da Recorrente, junta como documento n.º 4 com a petição inicial;

iii) O gerente da Recorrente não utilizou a conta bancária da Recorrente junto do BANCO ………….. com o IBAN …………………. para fins pessoais – cfr. §8 e documento n.º 4, junto com a petição inicial e documento n.º 1, junto com o requerimento apresentado pela Recorrente a 9 de Dezembro de 2021;

C. Tendo o Douto Tribunal a quo indeferido a inquirição do gerente da Requerente nos presentes autos, tal como por esta solicitado em sede de petição inicial, não poderia ter deixado de considerar os referidos factos como provados por falta de suporte probatório;

D. Entendendo esse Douto Tribunal ad quem que o presente recurso não contém os meios probatórios suficientes para o aditamento dos factos acima referidos à matéria de facto provada, deverá ordenar a inquirição de testemunhas requerida pela Recorrente na respectiva petição inicial, conforme peticionado pela Recorrente no recurso do Despacho interlocutório de 24 de Janeiro de 2022, interposto pela Recorrente a 17 de Março de 2022, o qual deverá ser também apreciado por esse Douto Tribunal ad quem.

E. Carece manifestamente de relevância previsível o pedido de acesso a informações de um terceiro que não esteja na posse de elementos relevantes para os objectivos da investigação ao contribuinte visado pelas autoridades fiscais do Estado requerente;

F. As autoridades administrativas e judiciais portuguesas – maxime o Douto Tribunal a quo e esse Douto Tribunal ad quem – devem aferir a relevância do acesso à informação bancária da Recorrente para a investigação encetada pelas Autoridade Fiscais espanholas, recusando a derrogação do sigilo bancário da Recorrente na medida em que se possa concluir pela manifesta irrelevância dessa informação para a determinação da residência fiscal do gerente da Recorrente, contribuinte visado pela referida investigação;

G. As Autoridades Fiscais espanholas não avançaram quaisquer indícios de que a conta bancária da Recorrente junto do Banco ……………………….. com o IBAN …………………..esteja a ser movimentada pelo gerente da Recorrente para fins pessoais e que o acesso aos movimentos dessa conta permita vir a demonstrar que o referido gerente não tem a sua residência fiscal em Portugal, mas sim em Espanha;

H. As Autoridades Fiscais espanholas não indicaram quais as informações que poderiam vir a ser obtidas através da consulta à conta bancária da Recorrente com o IBAN ……………………que seriam previsivelmente relevantes para confirmar a residência fiscal do gerente da Recorrente;

I. Não tendo a Recorrente pago rendimentos de qualquer natureza ao seu gerente entre os anos de 2015 e 2019 e que não tendo a referida conta bancária sido utilizada para o seu gerente efectuar pagamentos pessoais, não será possível concluir a partir da informação bancária visada pelas Autoridades Fiscais espanholas pela existência de um nexo do gerente da Recorrente com o território português que justifique a sua residência fiscal em Portugal;

J. Se as Autoridades Fiscais espanholas suspeitam que a referida conta bancária foi utilizada para efectuar pagamentos em território espanhol de despesas pessoais do gerente da Recorrente ou para receber rendimentos de fonte espanhola, pagos por terceiros, cujo beneficiário efectivo é na realidade o gerente da Recorrente (e não a própria Recorrente), pretendendo por essa via justificar o carácter fictício da alteração de residência fiscal do gerente da Recorrente, sempre deveriam ter indicado e evidenciado, ainda que sumariamente, tal suspeita na fundamentação do seu pedido de troca de informações, o que todavia não ocorreu;

K. As Autoridades Fiscais espanholas limitaram-se a levantar suspeitas sobre a efectiva residência fiscal em Portugal do gerente da Recorrente afirmando que «A Agencia Estatal de Administración Tributaria está a levar a cabo um procedimento inspectivo em relação à situação tributária de S ……………….. dos exercícios de 2015 a 2019. No curso do referido procedimento, obteve-se a seguinte informação: S ………………… é administrador único, sócio único e trabalhador de S................, UNIPESSOAL, LDA. Com efeito, apenas foram invocadas razões de carácter laboral para a alteração da sua residência fiscal para Portugal. Ainda que S……………….declare ser residente fiscal em Portugal desde o ano de 2016, todos os seus actos indicam que a alteração de residência possa ter sido fictícia, não só por haver suspeitas sobre a sua permanência no país durante mais de 183 dias por ano, mas também pela permanência em Espanha dos seus familiares e de importantes interesses económicos», sem contudo avançar em que medida será possível concluir, a partir da consulta da informação bancária da Recorrente, se o seu gerente é efectivamente residente fiscal em Portugal ou em Espanha;

L. As suspeitas levantadas pelas Autoridades Fiscais espanholas relativamente à existência de rendimentos obtidos pelo gerente da Recorrente com a alienação de participações sociais também não podem ser tidas como relevantes para fundamentar o acesso à informação bancária da Recorrente com vista à confirmação da residência fiscal do referido gerente.

M. Pretendendo as Autoridades Fiscais espanholas aferir se o gerente da Recorrente auferiu rendimentos pagos pela Recorrente poderiam, designadamente, ter solicitado à Administração Tributária portuguesa as respectivas declarações de rendimentos, podendo então concluir a partir desses elementos que a Recorrente não pagou quaisquer rendimentos ao seu gerente entre 2015 e 2019, o que, todavia, não fizeram;

N. Tendo presente a fundamentação avançada pelas Autoridades Fiscais espanholas, o acesso à informação bancária da Recorrente redundará numa pesquisa aleatória, sendo manifesta a previsível falta de relevância da informação visada pelas Autoridades Fiscais espanholas para os fins em causa, em violação do artigo 1.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 61/2013, de 10 de Maio, que transpõe o artigo 1.º, n.º 1, da Directiva 2011/16/UE, de 16 de Fevereiro;

O. A Sentença recorrida deve ser revogada por esse Douto Tribunal ad quem com fundamento em erro de julgamento decorrente da violação do pressuposto previsto no artigo 1.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 61/2013, de 10 de Maio, que transpõe o artigo 1.º da Directiva 2011/16/UE, de 16 de Fevereiro, na medida em que, contrariamente ao que afirma o Douto Tribunal a quo, o acesso à informação bancária da Recorrente redundará numa pesquisa aleatória, sendo manifesta a previsível falta de relevância da informação visada pelas Autoridades Fiscais espanholas para os fins visados – i.e., a confirmação da residência fiscal do gerente da Recorrente;

P. O acesso à conta bancária da Recorrente consubstancia um meio desadequado e consequentemente desproporcional para confirmar a informação visada pelas Autoridades Fiscais Espanholas;

Q. A Sentença em crise enferma também de erro de julgamento na medida em que a concretização da decisão de derrogação do sigilo bancário se traduzirá na violação do regime ínsito nos artigos 26.º da CEDT Portugal/Espanha, 1.º, n.º 2, e 13.º do Decreto-Lei n.º 61/2013, de 10 de Maio, 63.º, n.º 4, da LGT, e do princípio da proporcionalidade, previsto nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT;

R. Persistindo dúvidas quanto ao carácter manifestamente irrelevante da informação bancária da Recorrente para o procedimento de inspecção tributária encetado pelas Autoridades Fiscais espanholas, face à fundamentação do pedido de troca de informações ora em crise, nos termos e para os efeitos do artigo 1.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 61/2013, de 10 de Maio, que transpõe o artigo 1.º, n.º 1, da Directiva 2011/16/UE, de 16 de Fevereiro, ou quanto à desproporcionalidade do levantamento do sigilo bancário da Recorrente, o que se admite por mero dever de patrocínio e sem conceder, deverá esse Douto Tribunal Arbitral, promover a interpretação por parte do Tribunal de Justiça da União Europeia do conceito de «manifesta irrelevância» consagrado no artigo 1.º, n.º 1, da Directiva 2011/16/UE, de 16 de Fevereiro, e da relevância do critério da proporcionalidade como requisito de derrogação do sigilo bancário no contexto de um pedido de troca de informações ao abrigo do artigo 1.º, n.º 1 da referida Directiva, suspendendo a presente instância e submetendo, a título prejudicial, a seguinte questão ao Tribunal de Justiça da União Europeia, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do TFUE:

«1. O artigo 1.º, n.º 1, da Directiva 2011/16/UE, de 15 de Fevereiro, deve ser interpretado no sentido de que falta manifesta relevância previsível a um pedido de troca de informações que, com vista à obtenção de elementos que visem confirmar a residência fiscal do contribuinte alvo de uma investigação iniciada pelas Autoridades Fiscais do Estado-Membro requerente, se traduza no acesso a informação coberta pelo sigilo bancário de um terceiro (i) quando nem as Autoridades Fiscais do Estado-Membro requerente nem tão-pouco as Autoridades Fiscais do Estado-Membro requerido tenham evidenciado em que medida a informação bancária do terceiro, circunscrita à sua actividade comercial, será relevante e adequada para apurar a residência fiscal do sujeito passivo fiscalizado pelas Autoridades Fiscais do Estado-Membro requerente ou (ii) quando tenha ficado demonstrado, através de meios de prova apresentados pelo terceiro, que este não pagou quaisquer rendimentos ao contribuinte visado pela investigação iniciada pelas Autoridades Fiscais do Estado-Membro requerente?

2. Perante um pedido ao abrigo do artigo 1.º, n.º 1, da Directiva 2011/16/UE, de 16 de Fevereiro, as Autoridades Fiscais do Estado-Membro requerido devem recusar a prestação de informações às Autoridades do Estado-Membro requerente, quando tais informações se refiram a um contribuinte que não foi visado nas investigações em matéria fiscal do Estado requerente, sempre que uma eventual não recusa afecte desproporcionalmente o direito desse contribuinte à privacidade (previsto no artigo 7.º da Carta Europeia dos Direitos do Homem), o que se considera verificado relativamente a matéria abrangida pelo sigilo bancário quando a informação visada possa ser obtida por outros meios junto do Estado requerido?».

Nestes termos e nos demais de Direito que esse Douto Tribunal ad quem suprirá, e requerendo-se desde já a remessa para esse Douto Tribunal ad quem do recurso do Despacho interlocutório de 24 de Janeiro de 2022, que se encontra actualmente suspenso sob o n.º 2314/21.7BELRS, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente, revogando-se, com fundamento em erro de julgamento, a sentença recorrida, nos termos e com os fundamentos acima expostos, tudo com as demais consequências legais, nomeadamente substituindo a pronúncia jurisdicional do Douto Tribunal a quo por outra julgando integralmente procedente o recurso da decisão de derrogação de sigilo bancário interposto pela Recorrente.

Finalmente, na exacta medida da procedência do presente recurso, requer-se a esse Douto Tribunal ad quem a condenação da Fazenda Pública no pagamento das custas de parte, nos termos do artigo 26.º do RCP, tudo com as demais consequências legais.”


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Não há registo de contra-alegações.

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Antes da prolação da sentença foi interposto, ao abrigo dos artigos 281.º, 282.º, n.º 2, 283.º e 286.º, do CPPT e 644.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Civil (CPC), recurso do despacho interlocutório, proferido pelo TT de Lisboa, o qual indeferiu a produção de prova testemunhal nos presentes autos.

Tal recurso apresenta as seguintes conclusões:

“A. O presente recurso tem por objecto o Despacho interlocutório de 24 de Janeiro de 2022, a fls. 126 dos autos, nos termos do qual o Douto Tribunal a quo indeferiu a produção de prova testemunhal requerida pela Recorrente, com fundamento no artigo 146.º-B, n.º 3, in fine, do CPPT;

B. O Douto Tribunal a quo indeferiu a diligência probatória requerida pela Recorrente invocando expressamente como base legal para a sua decisão o artigo 146.º-B, n.º 3, do CPPT, sendo, pois, seu entendimento que os elementos de prova admissíveis nos presentes autos «devem revestir natureza exclusivamente documental;

C. À luz de uma interpretação literal e directa do artigo 146.º-B, n.º 3, do CPPT, apenas é admissível no processo especial de derrogação do sigilo bancário a prova documental, vendando assim o legislador ordinário a priori, e em termos absolutos, a possibilidade de as partes recorrerem à prova testemunhal para evidenciarem os factos subjacentes à relação jurídico-tributária controvertida;

D. Prevendo o legislador ordinário um meio processual específico para a tutela dos direitos em matéria tributária dos contribuintes no âmbito do qual não admite o recurso à prova testemunhal, e não permitindo aos contribuintes recorrer a outro meio processual para a tutela de tais direitos, essa restrição probatória é excessiva face aos fins que visa salvaguardar, nos termos e para os efeitos do artigo 18.º, n.º 2, da CRP, traduzindo-se assim na violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, prevista no artigo 20.º, n.º 1, da CRP;

E. Os presentes autos são a derradeira oportunidade para a Recorrente demonstrar que não estão verificados os pressupostos da derrogação do seu sigilo bancário, recorrendo para esse efeito à inquirição de S……………………….., uma vez que não dispõe de qualquer outro meio de tutela judicial para obstar à concretização da decisão da Administração Tributária;

F. Não pode ser negado à Recorrente o direito à produção de prova testemunhal nos presentes autos, na medida em que a inquirição requerida possa ser relevante para aferir a legalidade da decisão da Administração Tributária em crise, sob pena de violação dos princípios da tutela judicial efectiva e da proporcionalidade, previstos nos artigos 20.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da CRP;

G. A norma prevista no artigo 146.º-B, n.º 3, do CPPT, é inconstitucional, por violação dos artigos 20.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da CRP, na medida em que se traduza na restrição absoluta da possibilidade de produção de prova testemunhal no âmbito do processo especial de derrogação de sigilo bancário, previsto nos artigos 146.º-A, 146.º-B e 146.º-D, do CPPT;

H. O artigo 146.º-B, n.º 3, do CPPT, é inconstitucional por violação dos princípios da tutela jurisdicional efectiva e da proporcionalidade, consagrados nos artigos 20.°, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da CRP, na interpretação de que os contribuintes não podem produzir prova testemunhal no âmbito do recurso da decisão de derrogação de sigilo bancário, previsto nos artigos 146.º-A, 146.º-B e 146.º-D, do CPPT;

I. O Despacho de 24 de Janeiro de 2022, é nulo ex vi artigo 195.º, n.os 1 e 2, do CPC, uma vez que o Douto Tribunal a quo, interpretando o artigo 146.º-B, n.º 3, do CPPT, no sentido de esta norma vedar o recurso à prova testemunhal nos presentes autos, impossibilitou à Recorrente, em termos absolutos, a utilização da prova testemunhal para evidenciar os factos que, no seu entender, são relevantes para a efectiva tutela judicial dos seus direitos em matéria tributária.

Nestes termos e nos demais de Direito que esse Douto Tribunal ad quem suprirá, uma vez instruído, nos termos e para os efeitos do artigo 646.º, n.º 1, do CPC, com certidão do recurso da decisão de derrogação de sigilo bancário de fls. 5 a 21 dos presentes autos, com a certidão da oposição da Administração Tributária de fls. 98 a 109 dos presentes autos e com certidão do Despacho a fls. 126 dos presentes autos, deverá o presente recurso ser julgado procedente com fundamento na violação dos princípios da tutela jurisdicional efectiva e da proporcionalidade, previstos nos artigo 20.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da CRP, sendo em consequência declarada a nulidade do Despacho proferido pelo Douto Tribunal a quo a 24 de Janeiro de 2022, nos termos e para os efeitos do artigo 195.º, n.os 1 e 2, do CPC, tudo com as demais consequências legais, designadamente, a condenação da Fazenda Pública nas respectivas custas de parte”.


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Neste TCA, o Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, aderindo ao parecer que já havia sido proferido pelo EMMP no Tribunal a quo, bem como à fundamentação aduzida na sentença sob escrutínio.

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Com dispensa dos vistos legais, atento o carácter urgente dos autos, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO


- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

“III - Com base nos elementos constantes dos autos julgo provados com interesse para a presente decisão, os factos que a seguir se indicam:

A) Em 09/02/2021, ao abrigo da Diretiva do Conselho 2011/16/EU, de 15/02, relativa à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade, da Convenção para evitar a Dupla Tributação e Estabelecer Regras de Assistência Administrativa Recíproca em Matéria de Impostos sobre o Rendimento (CDT) celebrada entre Portugal e Espanha, e da Convenção Nórdica sobre Assistência Mútua Administrativa em Matéria de Impostos, as Autoridades Fiscais Espanholas efetuaram um pedido de troca de informação à Administração Tributária Portuguesa, com referência a S………………….., com o NIF……………, nascido em …………, Espanha, no dia 23/09/1949 (cf. doc. 1, junto com a oposição);

B) O pedido fundamentou-se no facto do contribuinte estar a ser objeto de uma investigação à sua situação fiscal em território espanhol, conforme se passa a transcrever (cf. doc. 1, junto com a oposição):

“(…)La Agencia Estatal de Administración Tributaria está llevando a cabo actuaciones inspectoras enrelación con la situación tributaria de S ……………… de los ejercicios 2015 a2019. En el curso de las citadas actuaciones se ha obtenido la siguiente información: S…………………es administrador único, socio único y trabajador de S................, UNIPESSOAL, LDA. De hecho, la razón alegada para su cambio dedomicilio a Portugal fue exclusivamente de carácter laboral. Si bien S........ ........ ........, declara ser residente fiscal en Portugal desde el año 2016, todas las actuaciones realizadas indican que el cambio de residencia pudiera ser ficticio,no solo por tener sospechas de su permanencia en el país durante más de 183 días al año, sinotambién por la existencia en España de sus familiares e importantes intereses económicos. En el año 2018 S………………transmitió a una sociedad luxemburguesa susacciones en H……………………SA (actualmente SL), adquiriendo a su vez una participaciónen la misma que le permitía seguir participando en H…………..C…………… SA en un 15%. Poresta operación percibió más de 34 millones de euros y declaró, como no residente, una gananciapatrimonial de 27.674.542,86 euros. Además, en el mismo año 2018 se incoaron actas a S ………………… por IRPF 2012 y2013 en las que se pone de manifiesto la ocultación a la Hacienda Pública hasta 2017 deinversiones y rentas en Jersey y Chipre por importe superior a los 14 millones de euros(ganancial con su esposa). En el curso de las actuaciones inspectoras se ha solicitado, en el ámbito nacional, a entidadespúblicas y privadas, toda la información que ha sido posible para acreditar su residencia, talescomo movimientos de tarjetas de crédito, estancias en hoteles, consultas a clínicas y hospitales,etc. Considerando que existen dudas acerca de la residencia fiscal en Portugal de S………………., se estima que conocer los movimientos de la única cuenta de la que estaInspección tiene noticia a nombre de la sociedad a través de la que recibe fondos de H ……………………. SL y de la que es socio único, administrador, trabajador y el motivo principalalegado por el contribuyente de su cambio de domicilio a Portugal, es una prueba importante a lahora de conocer su actividad en Portugal”.

“A Agência Estatal de Administração Tributária está a levar a cabo ações de fiscalização em relação à situação tributária de S ……………….. nos anos de 2015 a 2019. No decurso das referidas ações, foram obtidas as seguintes informações: S ………………… é o único administrador, único sócio e trabalhador da S................, UNIPESSOAL, LDA. Com efeito, o motivo alegado da mudança de domicílio para Portugal foi exclusivamente de natureza laboral. Embora S…………………….., se declare residente fiscal em Portugal desde 2016, todas as ações realizadas indicam que a mudança de residência pode ser fictícia, não só devido a suspeitas de permanência no país por mais de 183 dias por ano, mas também pela existência na Espanha de seus parentes e importantes interesses económicos. Em 2018 a S ………………… transferiu as suas ações da H ……………… SA (atual SL) para uma empresa luxemburguesa, adquirindo por sua vez uma participação que lhe permitiu continuar a deter 15% da H ……………… SA. Por esta operação recebeu mais de 34 milhões de euros e declarou, como não residente, um património líquido de 27.674.542,86 euros. Para além disso, no mesmo ano de 2018 iniciaram-se ações a S………………..pelo IRPF 2012 e 2013 nas quais se descobriu a ocultação à Fazenda Pública até 2017 investimentos e rendimentos em Jersey e Chipre de valor superior a 14 milhões de euros(lucro com a sua esposa). No decurso das ações de fiscalização, foram solicitadas a entidades públicas e privadas, a nível nacional, todas as informações que tenha sido possível para comprovar a sua residência, como movimentos de cartão de crédito, estadias em hotéis, consultas em clínicas e hospitais, etc. Atendendo a que existem dúvidas sobre a residência fiscal em Portugal de S........ ........ ........, estima-se que conhecendo os movimentos da única conta de que esta Fiscalização tem notícias por conta da empresa através da qual recebe fundos da H........ ..... SL e da qual é o sócio único, administrador, trabalhador e o motivo principal invocado pelo contribuinte para a mudança de domicílio para Portugal é uma prova importante para o conhecimento da sua atividade em Portugal”.

C) É referido ainda na informação da Direção de Serviços de Relações Internacionais, subjacente ao despacho de autorização da derrogação de sigilo bancário que (cf. doc, 2 junto com a oposição):

“(…) 4 - As autoridades fiscais espanholas fundamentam o pedido porquanto suspeitam que, não obstante o sujeito passivo investigado tenha alterado o seu domicílio fiscal para Portugal, o mesmo possa ter feito essa alteração somente com o objetivo de contornar a lei fiscal espanhola e reduzir o seu rendimento tributável naquele território.

5. Tanto mais que, não obstante tenha alegado como motivo da mudança de domicílio para Portugal razões exclusivamente de natureza laboral, e, de acordo, com o informado pelas autoridades fiscais espanholas, seja o único administrador, único sócio e trabalhador da empresa portuguesa S................, UNIPESSOAL, LDA, com o NIF 513913076 (da qual consta como gerente no cadastro da AT), a verdade é que o Sr. S........ ........ ........ não declarou qualquer rendimento obtido em território português, o que suscita muitas dúvidas quanto ao efetivo exercício de uma atividade laboral.

6. Não se conhecendo, igualmente, despesas que denunciem de forma clara a sua permanência em Portugal.

7. Assim, entre outros elementos eventualmente pertinentes, a informação bancária ora solicitada afigura-se bastante útil no contexto da investigação em curso em Espanha.

8. De facto, da análise aos extratos bancários da conta bancária portuguesa conhecida com a qual está relacionado (conta nº PT…………. do Banco …………, SA, titulada pela S................, UNIPESSOAL, LDA, com o NIF …………., da qual consta como gerente no cadastro da AT, e da qual, de acordo, com o informado pelas autoridades fiscais espanholas, é o único administrador, único sócio e trabalhador), será possível perceber se existem rendimentos pagos ao contribuinte em causa, mas por ele não declarados, ou outros valores que indiquem se o seu comportamento indicia uma permanência em território português que justifique a sua consideração como residente (não habitual) em Portugal, em concreto nos anos de 2015 a 2019.

9. Por outro lado, as Autoridades Fiscais espanholas reconhecem que esgotaram as fontes habituais de informação a que teriam podido recorrer segundo as circunstâncias para obter as informações solicitadas sem correr o risco de prejudicar a consecução dos seus objetivos, condição prévia para o pedido, o nº1 do artº13º do Decreto-lei nº 61/2013 de 10/05, que transpôs a Diretiva 2011/16/EU para a ordem jurídica nacional.

10. Pelo que se reconhece legitimidade á Administração Fiscal espanhola para aceder à informação bancária solicitada com o objetivo de poder verificar a verdadeira situação tributária do sujeito passivo.”

D) A informação na qual se estribou o despacho recorrido, analisou o pedido e elaborou proposta de decisão da seguinte forma (cf. doc. 2, junto com a oposição):

«(…)11. Face ao exposto, há-que aferir se estão, ou não, reunidos os pressupostos para que possa ser autorizado o levantamento do sigilo bancário.

12. Desde logo, sendo prevista, tanto na CDT Portugal/Espanha, como na Diretiva 2011/16/EU, de 15/11, transposta para a ordem jurídica nacional pelo Decreto-lei nº 61/2013 de 10/05, a possibilidade de troca de informação entre os Estados-Membros da União Europeia (UE), Portugal está vinculado ao seu cumprimento, por decorrência do nº4 do artº8º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

13. Sendo que a CDT Portugal/Espanha, no seu artº26º, e o Decreto-lei nº 61/2013 de 10/05, não impõem qualquer obrigação ao Estado-Membro requerido de tomar medidas administrativas, nomeadamente proceder a inquéritos ou comunicar informações, se a sua realização infringir a sua legislação e/ou for contra a sua prática administrativa.

14. De onde se infere que é necessário que a legislação interna permita a derrogação do sigilo bancário aqui solicitado.

15. Ora, nos termos dos nºs1 e 4 do artº76º da LGT, fazem fé (quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos), as informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras ao abrigo de convenções internacionais de assistência mútua a que o Estado Português esteja vinculado, sem prejuízo da prova em contrário do sujeito passivo ou interessado.

16. Note-se que, não obstante os limites à prestação de informações estabelecidos nos nº2, 3 e 4 do artº13º do Decreto-lei nº 61/2013 de 10/05, que transpôs a Diretiva 2011/16/EU para a ordem jurídica nacional, tal não pode, em caso algum, ser entendido como autorizando a autoridade requerida de um Estado-Membro a escusar-se a prestar informações apenas pelo facto de essas informações estarem na posse de uma instituição bancária, de outra instituição financeira, de uma pessoa designada ou atuando na qualidade de agente ou de fiduciário ou pelo facto de estarem relacionadas com uma participação no capital de uma pessoa, conforme estatui o nº6 do artº14º do Decreto-lei nº 61/2013 de 10/05, que transpôs a Diretiva 2011/16/EU para a ordem jurídica nacional.

17. E, se por um lado não se afigura aqui invocável qualquer um daqueles limites (inexistência de obrigação de proceder a inquéritos ou de comunicar informações, se a realização de tais inquéritos ou a recolha das informações pretendidas para fins próprios infringir a legislação nacional, podendo haver escusa na prestação de informações sempre que, por razões legais, o Estado-Membro requerente não esteja em condições de prestar informações análogas, ou quando conduza à divulgação de um segredo comercial, industrial ou profissional ou de um processo comercial, ou de informações cuja divulgação seja contrária à ordem pública),

18. Por outro, e em face do que acima se referiu (pontos 4 a 14 da presente informação) parece evidente que o presente pedido se enquadra no conceito de troca de informações previsivelmente relevantes para a administração incluído no nº2 do artº1º do Decreto-lei nº 61/2013 de 10/05, que transpôs a Diretiva 2011/16/EU para a ordem jurídica nacional.

19. Nesta medida, conjugadas as referidas normas legais, porque o pedido formulado pelas autoridades fiscais espanholas, remetido ao abrigo da CDT Portugal/Espanha e da Diretiva 2011/16/EU, de 15/02, se fundou em informação bem fundamentada, na qual se apurou a relevância previsível das informações solicitadas, nada obsta à recolha da informação bancária solicitada.

PROPOSTA DE DECISÃO

20. Concluindo, em face de tudo quanto se expôs, e atento o disposto no nº6 do artº14º do Decreto-lei nº 61/2013 de 10/05, que transpôs a Diretiva 2011/16/EU para a ordem jurídica nacional, afigura-se que deve ser autorizada a derrogação do sigilo bancário, nos termos do nº4 do artº63º-B da LGT, de modo a permitir o acesso à seguinte informação bancária solicitada, relativa à PT 5……………… do Banco ……………………, SA, titulada pela S................, UNIPESSOAL, LDA, com o NIF 513913076, para o período de 01/01/2015 a 31/12/2019:- Extratos da conta e saldos a 31 de Dezembro de cada um dos anos em causa (2015 a 2019)

AUDIÇÃO PRÉVIA

21. De notar que, previamente a qualquer autorização da derrogação do sigilo bancário, e através do ofício nº5381 de 05/07/2021, foi notificada a empresa S................, UNIPESSOAL, LDA, na qualidade de terceiro numa relação especial com o contribuinte investigado, dando-lhe conhecimento de tal intenção, bem como para, querendo, exercer o direito de audição prévia, nos termos dos nºs 2 e 5 do artº63º-B da LGT, em conformidade com os nºs 3 e 5 do artº 14º do Decreto-lei nº 61/2013 de 10/05.

(…)

25. Ora, em suma, a requerente alega que os serviços da AT “não fundamentam suficientemente a necessidade de proceder á derrogação do sigilo bancário” (ponto 6 da audição prévia), e que tal derrogação “se revela manifestamente desproporcional face aos fins visados pela fiscalização realizada pelas Autoridades Fiscais Espanholas” (ponto 15 da audição prévia).

26. Quanto à fundamentação, não é verdade que a mesma inexista, ou que seja insuficiente, a contrario do sugerido pela requerente.

27. Aliás, a requerente parece confundir, nos seus argumentos, falta de fundamentação com discordância perante os fundamentos que lhe foram apresentados.

28. De facto, a leitura conjugada do ponto 3 com os pontos 4 a 10, permite perceber que as suspeitas das autoridades fiscais espanholas são perfeitamente legitimas e fundadas.

29. Com efeito, não será razoável considerar factualmente contraditório, e assim, objetivamente questionável, que, por um lado, Sr. S........ ........ ........ tenha alegado como motivo da mudança de domicílio para Portugal razões, em exclusivo, de natureza laboral, e, de acordo, com o informado pelas autoridades fiscais espanholas, seja o único administrador, único sócio e trabalhador da empresa portuguesa S................, UNIPESSOAL, LDA, com o NIF ………………….(da qual consta como gerente no cadastro da AT), e, por outro, que o mesmo não tenha declarado qualquer rendimento obtido em território português?

30 E que se não declarou qualquer rendimento, tal significa que não ocorreu qualquer atividade laboral.

31. E se não ocorreu qualquer atividade laboral, deixa de existir a alegada única razão de ser razão para a mudança de domicilio de Espanha para Portugal.

32. Perante tal cenário, e sem prejuízo de poderem existir outras possibilidades para a prossecução da investigação em curso, afigura-se adequada, aos fins em causa, a fundamentação apresentada pelas autoridades fiscais espanholas para legitimar o seu pedido, na media em que da análise aos extratos bancários da conta bancária portuguesa conhecida com a qual está relacionado (conta nº PT…………………….. do Banco …………………, SA, titulada pela S................, UNIPESSOAL, LDA, com o NIF …………….., da qual consta como gerente no cadastro da AT, e da qual, de acordo, com o informado pelas autoridades fiscais espanholas, é o único administrador, único sócio e trabalhador), será possível perceber se existem rendimentos pagos ao contribuinte em causa, mas por ele não declarados, ou outros valores que indiquem se o seu comportamento indicia uma permanência em território português que justifique a sua consideração como residente (não habitual) em Portugal.

33. Tais fundamentos revelam-se assim proporcionais aos fins visados.

34. Nesse contexto, inexistindo qualquer falta de fundamentação ou violação do princípio da proporcionalidade,

35. E porque, nos termos dos nºs1 e 4 do artº76º da LGT, fazem fé (quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos), as informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras ao abrigo de convenções internacionais de assistência mútua a que o Estado Português esteja vinculado,

36. Nada obsta a que a autorização da derrogação do sigilo bancário em questão possa ser efetivada.

37. Concluindo, em face de tudo quanto se expôs, não são atendíveis os argumentos invocados quanto à pretendida rejeição da autorização da derrogação do sigilo bancário, devendo, por conseguinte, manter-se a proposta inicial. (…)»

E) Na sequência da proposta referida na alínea precedente em 25-10-2021 foi proferido despacho, com o seguinte teor: “(…) Autorizo a derrogação de sigilo bancário nos termos e com os fundamentos propostos.(…)”.- cf. doc. 2, junto com a oposição.

F) A recorrente foi notificada da decisão final de derrogação do dever de sigilo bancário referida na alínea anterior, em 17-11-2021 – facto não controvertido.

G) O presente recurso foi interposto em 29-11-2021 (cf. pág. 1/SITAF).

H) O contabilista da recorrente assinou uma declaração com o seguinte conteúdo:

“Eu abaixo assinado, G……………, titular do cartão de cidadão n.º …………… e contribuinte n.º ………….., membro da Ordem dos Contabilistas Certificados inscrito sob o n.º …………….., na minha qualidade de contabilista certificado da sociedade comercial S................, UNIPESSOAL, LDA., contribuinte fiscal n.º ………….., com sede na Rua ……………… n.º 9, 1.º Frente, …………..-184 Lisboa, tendo analisado os pertinentes registos contabilísticos da empresa, declaro, a pedido da referida empresa e por ser verdade, que a conta bancária com o IBAN PT …………………… de que é titular a empresa é movimentada no âmbito da sua actividade comercial, não sendo uma conta bancária de uso pessoal do gerente da empresa, e que não foram pagos rendimentos ao gerente da empresa a partir da referida conta.”


*


Inexistem factos não provados, com relevância para a decisão da causa.

*


Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se nos documentos juntos aos autos, conforme indicado em cada uma das alíneas, dando-se aqui como integralmente reproduzidos o teor dos documentos para os quais se remete”.

*

- De Direito

Vem interposto recurso jurisdicional da sentença que, julgando improcedente o recurso interposto pela S................, Unipessoal, Lda, ao abrigo do disposto nos artigos 63º-B, nº5 da LGT e 146º-A e 146-B, do CPPT, confirmou a decisão do Diretora de Serviços de Relações Internacionais da Autoridade Tributária e Aduaneira que determinou, por referência ao período compreendido entre 01/01/15 e 31/12/19, o levantamento do sigilo da conta bancária com o IBAN PT……………….., do Banco ………………., S.A, da qual a Recorrente é titular.

Como consta do relatório inicial, foram interpostos dois recursos.

Mostra-se essencial iniciar a nossa apreciação pelo recurso que visou o despacho interlocutório, o qual dispensou a produção da prova testemunhal arrolada, em concreto a inquirição de S........ ........ ........, já que a sua eventual ilegalidade é suscetível de afetar a decisão de mérito proferida na sentença recorrida.

O despacho contra o qual a Recorrente se insurge, constante da pág. 126 do SITAF, apresenta, naquilo que para aqui releva, o seguinte teor:

“Contendo os autos os elementos necessários a prolação da decisão, o tribunal indefere a produção de prova testemunhal (cf. art. 146º-B, nº 3 in fine do CPPT).

Notifique.

(…)”.

Contra o assim decidido, sustenta a Recorrente, em resumo útil, que o Tribunal indeferiu a diligência probatória requerida pela Recorrente “invocando expressamente como base legal para a sua decisão o artigo 146.º-B, n.º 3, do CPPT, sendo, pois, seu entendimento que os elementos de prova admissíveis nos presentes autos «devem revestir natureza exclusivamente documental”, sendo que a “norma prevista no artigo 146.º-B, n.º 3, do CPPT, é inconstitucional, por violação dos artigos 20.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da CRP, na medida em que se traduza na restrição absoluta da possibilidade de produção de prova testemunhal no âmbito do processo especial de derrogação de sigilo bancário, previsto nos artigos 146.º-A, 146.º-B e 146.º-D, do CPPT”. Para a Recorrente, não lhe pode ser negado “o direito à produção de prova testemunhal nos presentes autos, na medida em que a inquirição requerida possa ser relevante para aferir a legalidade da decisão da Administração Tributária em crise, sob pena de violação dos princípios da tutela judicial efetiva e da proporcionalidade, previstos nos artigos 20.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da CRP”.

No caso em análise, portanto, e tal como resulta do teor do despacho recorrido, a Mma. Juíza indeferiu a produção da prova testemunhal com expressa invocação do disposto no artigo 146º-B, nº 3, parte final, do CPPT, nos termos do qual “A petição referida no número anterior não obedece a formalidade especial, não tem de ser subscrita por advogado e deve ser acompanhada dos respectivos elementos de prova, que devem revestir natureza exclusivamente documental”.

É contra a apontada restrição da natureza da prova que a Recorrente se insurge, como vimos, evidenciando desconformidades constitucionais.

Vejamos, então, o que dizer a este propósito, impondo-se, desde já, uma clarificação.

Tal como interpretamos o despacho contestado, apesar da expressa invocação do artigo 146º-B, nº 3 in fine do CPPT, a verdade é que a fundamentação para a recusa da inquirição de S........ ........ ........ assentou na consideração de que os autos contêm “os elementos necessários a prolação da decisão”. Foi este juízo de suficiência dos elementos constantes dos autos que, na interpretação que fazemos, determinou que não fosse ouvido S........ ........ ........, pois, a não ser assim, bastaria ao TT afastar, por legalmente inadmissível, o meio de prova em causa e, como se viu, não foi isso que se verificou. Ao invés, a Mma. Juíza ponderou a aptidão/ suficiência dos elementos de prova necessários à prolação da decisão.

Daí que todo o discurso argumentativo alinhado no recurso interposto do despacho interlocutório, concretamente no sentido de reputar inconstitucional o artigo 146.º-B, n.º 3, do CPPT, por violação dos princípios da tutela jurisdicional efetiva e da proporcionalidade, consagrados nos artigos 20.°, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da CRP, na interpretação de que os contribuintes não podem produzir prova testemunhal no âmbito do recurso da decisão de derrogação de sigilo bancário, afigura-se-nos verdadeiramente incapaz de colocar em causa o despacho contestado.

De resto, como se sabe, é jurisprudência reiterada, seja do STA, seja do TC, que o artigo 146º-B, nº 3 do CPPT, na parte em que determina que os elementos de prova, a acompanhar a petição inicial, devem revestir natureza documental, é materialmente inconstitucional por violar o disposto no artigo 20º, nº 4 da CRP – a título de exemplo, entre muitos outros, do STA, veja-se o acórdão de 19/03/09, processo nº 0135/09, e do TC, o acórdão de 12/12/06, processo nº 372/06.

Pela sua clareza e pertinência vale a pena lembrar, com o STA, que “Como se sabe, processo judicial tributário é, pelo menos desde a Lei Geral Tributária, um processo de partes, pautado pelo princípio da legalidade, do contraditório e da igualdade de partes, devendo o tribunal decidir conforme os factos e as provas que lhe são apresentados dentro das regras processuais. E, por isso, o juiz só pode dispensar a fase de instrução dos autos “se a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários” (artigo 113.º do CPPT), devendo, caso contrário, ordenar as diligências de prova necessárias, nomeadamente a testemunhal, em conformidade com o disposto nos artigos 114.º, 115, n.º 1 e 119.º do CPPT.

Assim, embora o tribunal tenha, em princípio, de admitir todos os meios de prova que as partes ofereçam – posto que em processo tributário de impugnação são, em regra, admitidos todos os meios gerais de prova (artigo 115.º do CPPT) – pode recusar a sua produção caso exista norma legal que limite ou proíba determinado meio de prova ou julgue que as provas oferecidas são manifestamente impertinentes, inúteis ou desnecessárias.

O direito à prova no procedimento e no processo tributário existe e é objecto de uma tutela muito forte, mas não constitui um direito absoluto, pois que o legislador ordinário estabeleceu limites e indicou critérios precisos de restrição do uso de meios de prova em relação a factos determinados, como acontece com o artigo 392.º do Código Civil, onde se estabelece que “A prova por testemunhas é admitida em todos os casos em que não seja directa ou indirectamente afastada”, e com o disposto nos artigos 393.º, 394.º e 395.º desse Código, que prevêem as situações em que é inadmissível a prova testemunhal.

Em suma, compete ao juiz examinar, em cada processo judicial, se é legalmente permitida a produção dos meios de prova oferecidos pelas partes, e, no caso afirmativo, aferir da necessidade da sua produção em face das questões colocadas, sabido que instrução tem por objecto os factos controvertidos e relevantes para o exame e decisão da causa tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito” - acórdão do STA, de 14/09/11, processo nº 215/11.

Ora, como dissemos, no caso em análise, o Mma. Juíza do TT de Lisboa decidiu pelo indeferimento da produção de prova testemunhal por os autos conterem, de acordo com a ponderação efetuada, os elementos necessários a prolação da decisão, sendo certo que este juízo – que, em rigor pode redundar num erro de julgamento – não vem aqui atacado, já que a Recorrente se limitou a alegar as apontadas inconstitucionalidades que, como explicámos, ficaram afastadas da base fundamentadora do despacho posto em crise.

Assim sendo, bastam as palavras que ficaram ditas para concluirmos pelo não provimento do recurso do despacho interlocutório, o que, contudo, não impede que adiante, em sede de recurso da sentença proferida, a questão da suficiência da prova não volte a ser apreciada, sob diferente perspetiva da que aqui vem invocada.


*

Entremos na análise do recurso da sentença proferida pelo TT de Lisboa e que, como dissemos, julgou improcedente o recurso judicial e, em consequência, manteve a decisão da Diretora de Serviços de Relações Internacionais da Autoridade Tributária e Aduaneira que determinou, por referência ao período compreendido entre 1 de janeiro de 2015 a 31 de dezembro de 2019, o levantamento do sigilo da conta bancária com o IBAN PT …………., de que é titular, no Banco ……………, S.A, a S................, Unipessoal, Lda.

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, lidas as conclusões da alegação recursória, temos que a primeira questão que se impõe analisar é a que se prende com o julgamento da matéria de facto, tendo presente que, conforme resulta das conclusões iniciais, face à prova documental produzida devem ser aditados factos ao probatório, como melhor consta dos pontos i), ii) e iii) da conclusão B).

Vejamos em detalhe.

Pretende a Recorrente que aditemos aos factos provados que:

- “Não foram efectuados pagamentos de rendimentos ao gerente da Recorrente a partir da conta bancária de que a Recorrente é titular no BANCO ………………., S.A., com o IBAN PT…………………….e que esta conta é movimentada apenas no âmbito da sua actividade comercial, não sendo uma conta bancária de uso pessoal do gerente da Recorrente”. Para tanto, a Recorrente remete para o artigo 8º da p.i e, bem assim, para a declaração do seu técnico oficial de contas, junta como documento n.º 1 através de requerimento apresentado nos autos a 9 de dezembro de 2021.

Como está bem de ver, a evidenciação de que foram (ou não) efetuados pagamentos ao gerente da Recorrente através de determinada conta bancária ou se tal conta é movimentada apenas no âmbito da atividade comercial da Recorrente, encerra um circunstancialismo que jamais pode ser extraído através duma declaração prestada pelo TOC da sociedade aqui visada. Com efeito, as declarações do TOC não são aptas a demonstrar os registos dos movimentos de uma qualquer conta bancária, o que apenas poderá ser evidenciado através da análise dos respetivos extratos bancários.

Para mais, diga-se que a alínea H) dos factos provados já contém o teor da referida declaração prestada pelo TOC da Recorrente.

Por conseguinte, tanto basta para não proceder ao aditamento do facto em causa.

No ponto ii), cujo aditamento também se pretende, consta o seguinte:

- “As declarações fiscais do gerente da Recorrente e, bem assim, as declarações fiscais e a informação contabilística da Recorrente, que se presumem verdadeiras ao abrigo do artigo 75.º, n.º 1, da LGT, e que se encontram na posse da Administração Tributária nos termos e para os efeitos do artigo 74.º, n.º 2, da LGT, confirmam também que a Recorrente não efectuou pagamentos de rendimentos ao seu gerente”. Neste ponto, a Recorrente remete para artigo 9º da p.i e para as cópias dos comprovativos de entrega de declarações de rendimentos modelo 3 do IRS do gerente da Recorrente, juntas como documento n.º 4 com a p.i.

Que dizer deste ponto? Ressalvada a primeira parte de cariz marcadamente jurídico, quanto à presunção de verdade das declarações fiscais, extrai-se de útil o segmento relativo à alegação segundo a qual “a Recorrente não efectuou pagamentos de rendimentos ao seu gerente”.

Sucede, porém, que a circunstância de a S................ não ter declarado o pagamento de rendimentos ao Sr. S........ e, bem assim, de este não ter declarado, perante as autoridades portuguesas, o recebimento de quaisquer rendimentos por parte da S................, é matéria de facto adquirida nos autos, constante das informações das autoridades espanholas e portuguesas que estão na base de pedido de derrogação do sigilo, o que, aliás, consta das alíneas B), C) e D) do probatório. Dito por outras palavras, não há controvérsia sobre a não declaração do pagamento e a não declaração do recebimento de rendimentos por parte da S................ ao Sr. S......... De resto, é precisamente a falta de declaração quanto a tais rendimentos que, relacionada com a qualidade de gerente único da S................ e a mudança de residência fiscal do Sr. S........ para Portugal, que levaram às suspeições que a derrogação do sigilo bancário visa esclarecer.

Vai, pois, indeferido o pretendido aditamento.

Prossigamos para o ponto iii), pretendendo a Recorrente que seja aditado ao probatório o seguinte:

- “O gerente da Recorrente não utilizou a conta bancária da Recorrente junto do BANCO ……………….. com o IBAN PT………………..para fins pessoais”. Para tal, a Recorrente remete para o artigo 8º da p.i e, bem assim, para o documento n.º 4, junto com a p.i e documento n.º 1, junto com o requerimento apresentado pela Recorrente a 9 de dezembro de 2021. Os documentos em causa reportam-se às declarações fiscais de IRS do Sr. S........ e à já referida declaração do TOC.

A este propósito, e evitando delongas inúteis por repetitivas, remetemos para tudo quanto dissemos sobre o pretendido aditamento do ponto i), uma vez que são idênticas as razões para o não acolhimento do aditamento agora apreciado.

Vejamos, de seguida, se, como pretende a Recorrente, a única testemunha arrolada – lembre-se, S........ ........ ........ – deveria (ou deve) ser ouvida para efeitos de prova do circunstancialismo a que alude o artigo 8º da p.i. Importa lembrar, desde já, o teor da asserção aí contida, a saber: “…não foram efectuados pagamentos de rendimentos ao gerente da Recorrente a partir da conta bancária de que a Recorrente é titular no B…………………….., S.A, com o IBAN PT …………………… e que esta conta é movimentada apenas no âmbito da sua actividade comercial, não sendo uma conta bancária de uso pessoal do gerente da Recorrente”.

Partamos de um pressuposto claro e do qual já antes deixámos devida nota e que é o seguinte: sem prejuízo de entendermos que o Tribunal tem, em regra, de admitir todos os meios de prova que as partes ofereçam, a verdade é que pode a produção da prova ser recusada (para além dos casos de limitação ou proibição legal) quando se conclua que as provas oferecidas são manifestamente impertinentes, inúteis ou desnecessárias.

É o caso, claramente.

Correndo o risco de nos repetirmos, a verdade é que a demonstração de que uma conta bancária de que é titular uma sociedade foi, ou não, utilizada para efetuar pagamentos de rendimentos a determinada pessoa e, bem assim, se tal conta é movimentada unicamente no âmbito da atividade comercial da empresa, é matéria que, pela sua natureza, só se pode demonstrar pela análise dos registos bancários da própria conta. Dito de outro modo, ainda que a testemunha afirmasse que não lhe foram pagos rendimentos através de determinada conta bancária ou que tal conta só servia um propósito comercial, tal nunca poderia levar a concluir que efetivamente assim era, já que só analisando os movimentos bancários espelhados nos extratos se podem apreender os movimentos de uma conta bancária. Pela natureza da factualidade a demonstrar – os movimentos de uma conta bancária – a prova testemunhal é absolutamente imprestável para tal.

Acresce que a testemunha arrolada - S........ ........ ........ – é precisamente a pessoa visada pelo procedimento iniciado pelas autoridades fiscais espanholas, o qual está na origem do pedido de derrogação de sigilo bancário, sobre quem recaem dúvidas quanto à residência fiscal em Portugal, pelo que, como bem se percebe, trata-se de alguém com forte interesse no desfecho da presente causa. Para mais, o dito S........ ........ ........ é gerente único, sócio único e trabalhador da S................, titular da conta bancária a cujo acesso a Recorrente se opõe.

Por conseguinte, são óbvias as razões para este Tribunal não vislumbrar qualquer erro de julgamento ou défice instrutório que reclame o depoimento da única testemunha arrolada.

Em suma, improcedem as conclusões que vimos de analisar, a que correspondem as alíneas C) e D) do presente recurso.


*

Isto dito, avancemos para o julgamento de direito efetuado na sentença, o qual suscita a firme discordância da Recorrente.

Lidas atentamente as conclusões da alegação de recurso e, bem assim, o corpo das alegações, temos que a Recorrente se centra, com clara insistência, na necessidade de ser evidenciado o carácter manifestamente relevante da informação bancária pretendida, carácter este que, do seu ponto de vista, não se mostra, contrariamente ao decidido, minimamente demonstrado.

De resto, a este propósito, a Recorrente não hesita, se dúvidas subsistirem ao Tribunal sobre o conceito de “informações previsivelmente relevantes para a administração”, consagrado no artigo 1º, nº1, da Diretiva 2011/16/EU, de 16 de fevereiro, em suscitar o recurso ao reenvio prejudicial a fim de ser obtida a interpretação do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre o alcance de tal conceito.

Realce-se, ainda, que nas conclusões a Recorrente não deixa de chamar a atenção para o dever das autoridades administrativas portuguesas de aferirem, elas próprias, de tal relevância previsível do acesso à informação bancária para a investigação das autoridades espanholas – vide, além do mais, a conclusão F).

São estas as questões, portanto, que somos chamados a analisar e decidir no presente recurso jurisdicional.

Para que melhor se perceba a apreciação que faremos face às questões que nos vêm colocadas, importa que deixemos devidamente evidenciado, naquilo que para aqui importa, o percurso argumentativo seguido pelo Tribunal a quo e que permitiu extrair a conclusão quanto à legalidade de despacho contestado, ou seja, quanto à legalidade da derrogação do sigilo bancário da conta de que é titular a Recorrente, no Banco ………………….

Lê-se na sentença, além do mais, o seguinte:

“(…)

Como estabelece o n.º 1 do art. 2.º do Decreto-Lei n.º 127/90, de 17 de Abril, que transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva nº 77/799/CEE (EUR-Lex), do Conselho, de 19 de Dezembro de 1977, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados Membros no domínio dos impostos directos, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Directiva 79/1070/CEE (EUR-Lex), do Conselho, de 6 de Dezembro, em sintonia com o disposto no artigo 2.º da Directiva 77/799/CEE, do Conselho, de 19 de Dezembro, prescreve que se a autoridade competente recebe um pedido apresentado por uma autoridade competente de outro Estado-Membro, nas condições previstas no artigo 2.° da Directiva, deve prestar-lhe as informações importantes e necessárias à correcta determinação do imposto, e, se necessário, promover as investigações necessárias, para o efeito.

Por seu lado, o art. 26º da Convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e Espanha, estabelece uma obrigação mútua das administrações fiscais em trocar informações com relevância tributária para a aplicação da Convenção ou do direito interno dos Estados Contratantes relativamente a impostos compreendidos na Convenção, assim como impedir a Fraude e a Evasão fiscal.

O pedido das Autoridades Espanholas que tem tutela constitucional no artigo 8.º, n.º 2 da CRP e na alínea c) do n.º 2 do artigo 64º da Lei Geral Tributária refere expressamente que o dever de sigilo cessa: “ c) Assistência mútua e cooperação da administração tributária com as administrações tributárias de outros países resultante de convenções internacionais a que o Estado Português esteja vinculado, sempre que estiver prevista reciprocidade;”

Por outro lado, a alínea h) do n.º 2 do artigo 63.º da Lei Geral Tributária, permite o cumprimento das disposições internacionais ao referir como fundamento autónomo para derrogação de sigilo bancário que: “h) Quando se trate de informações solicitadas nos termos de acordos ou convenções internacionais em matéria fiscal a que o Estado português esteja vinculado.”

No caso dos autos, o pedido efectuado pela autoridade competente do Estado Requerente identificou o contribuinte que estava a ser objecto de investigação fiscal, os anos em causa e a natureza das informações que pretende sejam recolhidas e transmitidas pela autoridade competente do Estado Requerido.

A relevância das informações que são objecto do pedido estão relacionadas com uma investigação ou procedimento em curso relativamente a um contribuinte identificado, cujos contornos estão devidamente fundamentados pelas Autoridades Espanholas. De que é exemplo, o facto de as Autoridades Espanholas terem identificado que no ano de 2018, o gerente da Requerente transmitiu a uma sociedade luxemburguesa as acções da H……………….S.A. e que, por esta operação recebeu mais de 34 milhões de euros e declarou como não residente uma importância cerca de 27 milhões de euros.

De facto a questão da residência é instrumental relativamente aos valores que possam ter sido desviados para outras jurisdições fiscalmente mais favoráveis como seja o caso de Chipre Jersey, contudo, no âmbito da troca de informações, cabe à autoridade requerente avaliar o carácter útil da informação requerida em termos de saber se o conteúdo da informação objecto de intercâmbio é relevante, por isso, não pode a autoridade competente requerida recusar-lhe a possibilidade de a examinar e de avaliar se é relevante e susceptível de ser utilizada num procedimento tributário iniciado ou que possa ser iniciado.

Também não pode a autoridade competente determinar se as informações recolhidas são ou não susceptíveis de conduzir à divulgação de um segredo comercial, segredo industrial ou de um segredo de um processo comercial, cabendo ao contribuinte manifestar-se a este respeito.

Ora, in casu, a Recorrente não invocou qualquer segredo comercial ou industrial, pelo contrário, tendo em consideração à declaração emitida pelo contabilista, vem informar que se trata de informação meramente comercial, não coberta por qualquer segredo que possa preencher os limites legalmente previstos ao envio da informação, o que corrobora que inexistem quaisquer entraves legais ao envio da informação.

A propósito da relevância da informação pretendida, sumariou-se no Acórdão do TCA Sul datado de 17/9/2020, no processo 402/20.6BELRA, citado pelo Digno Magistrado do Ministério Público, no seu douto parecer, o seguinte:

“(…)III – A Convenção entre Portugal e a França para Evitar a Dupla Tributação, prevê no seu art. 27.°, mecanismos de troca de informação em matéria fiscal; e a Directiva 2011/16/EU, do Conselho, de 15/02/2011, relativa à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade, prevê (art.°5.°) a troca de informações previsivelmente relevantes para a administração e a execução da legislação interna dos Estados-Membros respeitante aos impostos a que se refere o artigo 2.°, aí se incluindo os impostos sobre o rendimento;

IV - Resulta da jurisprudência do TJUE que o juiz nacional poderá fiscalizar a legalidade da decisão da AT quanto à “relevância previsível” das informações requeridas, porém a ilegalidade do pedido de troca de informações apenas se verifica se concluir que ocorre a falta manifesta dessa relevância (cf. parágrafo 89 do acórdão Berlioz). Ou seja, cumpre ao juiz nacional analisar o pedido de troca de informações e a sua fundamentação e aferir se estamos perante uma situação em que a informação solicitada é manifestamente desprovida de relevância”,

(…)

Volvendo ao caso dos autos.

Resulta do probatório a pertinência e/ou relevância da informação solicitada, a qual, se encontra relacionada com uma investigação/procedimento em curso, em Espanha, tendo o Estado Requerente identificado o contribuinte que estava a ser objecto de investigação fiscal, os anos em causa e a natureza das informações que pretende sejam recolhidas e transmitidas.

Foram explicitados os motivos pelos quais os elementos a apurar com a pretendida derrogação do segredo bancário, concorrem para a apreciação/conclusão do carácter real ou fictício da mudança de residência fiscal para Portugal, conjugado com a “…existência na Espanha de seus parentes e importantes interesses económicos. Em 2018 S........ ........ transferiu as suas ações da H…………..s SA (atual SL) para uma empresa luxemburguesa, adquirindo por sua vez uma participação que lhe permitiu continuar a deter 15% da H…………..SA. Por esta operação recebeu mais de 34 milhões de euros e declarou, como não residente, um património líquido de 27.674.542,86…”, com relevância para a tributação do mesmo, sendo que, ao exposto, acresce a falta de cooperação do contribuinte com as autoridades espanholas.

Atendendo à factualidade provada, a derrogação do dever de sigilo bancário, decorrente do despacho impugnado, mostra-se como medida necessária, adequada e proporcional, tendente à satisfação do pedido efectuado pelas autoridades fiscais espanholas, não afrontando qualquer norma legal”.

Vejamos, então, se, como defende a Recorrente, a sentença errou ao validar a derrogação do sigilo bancário relativamente à Recorrente, entidade terceira em relação ao seu gerente, sobre o qual recaem (por parte das autoridades fiscais espanholas) suspeitas quanto à efetiva residência fiscal do mesmo em Portugal, com isso violando, desde logo, o regime ínsito nos artigos 26º da CEDT Portugal/Espanha, 1.º, n.º 2, e 13.º do Decreto-Lei n.º 61/2013, de 10 de Maio, 63.º, n.º 4, da LGT, e o princípio da proporcionalidade, previsto nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT.

Comecemos pelo devido enquadramento legal do tema que nos ocupa, para o que recuperamos aqui (com as necessárias adaptações) o que já havíamos escrito no acórdão nº 3/20.9 BELRA, de 25/06/20, deste TCA.

Sob a epígrafe, Troca de informações, estabelece o artigo 26º Convenção entre Portugal e a Espanha para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, doravante CDT, assinada em Madrid em 29 de maio de 1968, o seguinte:

1. As autoridades competentes dos Estados Contratantes trocarão entre si as informações necessárias para aplicar esta Convenção e as leis internas dos Estados Contratantes relativas aos impostos abrangidos por esta Convenção, na medida em que a tributação nelas prevista for conforme com esta Convenção. Todas as informações deste modo trocadas serão consideradas secretas e só poderão ser comunicadas às pessoas ou autoridades encarregadas do lançamento ou cobrança dos impostos abrangidos por esta Convenção.

2. O disposto no n.º 1 nunca poderá ser interpretado no sentido de impor a um dos Estados Contratantes a obrigação:

a) De tomar medidas administrativas contrárias à sua legislação ou à sua prática administrativa ou às do outro Estado Contratante;

b) De fornecer informações que não possam ser obtidas com base na sua legislação ou no âmbito da sua prática administrativa normal ou das do outro Estado Contratante;

c) De transmitir informações reveladoras de segredos comerciais, industriais, de negócios ou profissionais ou de processos comerciais ou industriais, ou informações cuja comunicação seria contrária, à ordem pública.

Para além disso, em conformidade com o disposto no artigo 5º da Diretiva n.º 2011/16/EU do Conselho, de 15 de fevereiro de 2011, relativa à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade, publicada no Jornal Oficial da União Europeia, de 11 de março de 2011, e transposta para o direito interno português através Decreto-Lei n.º 61/2013, de 10 de maio de 2013, com entrada em vigor no dia 11 de Maio de 2013, doravante designada por Diretiva, “[a] pedido da autoridade requerente, a autoridade requerida comunica à autoridade requerente todas as informações a que se refere o n.º 1 do artigo 1.º de que disponha ou que obtenha na sequência de inquéritos administrativos.”

A isto acresce que, nos termos do artigo 6º, nº 1, da Diretiva, “[a] autoridade requerida manda efectuar os inquéritos administrativos necessários para obter as informações a que se refere o art. 5.º”, determinando o n.º 2 que “[o] pedido a que se refere o artigo 5.º pode conter um pedido fundamentado de inquérito administrativo específico. Caso a autoridade requerida entenda que não é necessário um inquérito administrativo, informa imediatamente a autoridade requerente das razões que lhe assistem.”

Por sua vez, de harmonia com o estatuído no artigo 17º, n.º 1, da Diretiva, “[a] autoridade requerida de um Estado-Membro comunica à autoridade requerente de outro Estado-Membro as informações a que se refere o artigo 5º, desde que a autoridade requerente tenha esgotado as fontes habituais de informação a que teria podido recorrer segundo as circunstâncias para obter as informações solicitadas sem correr o risco de prejudicar a consecução dos seus objectivos”, dispondo o n.º 2 que “[a] presente directiva não impõe qualquer obrigação ao Estado-Membro requerido de proceder a inquéritos ou de comunicar informações, se a realização de tais inquéritos ou a recolha das informações pretendidas para fins próprios infringir a sua legislação”, o n.º 4 que “[a] prestação de informações pode ser recusada quando conduza à divulgação de um segredo comercial, industrial ou profissional ou de um processo comercial, ou de informações cuja divulgação seja contrária à ordem pública” e o n.º 5 que “[a] autoridade requerida informa a autoridade requerente dos motivos que obstam a que o pedido de informações seja satisfeito.”

E, nos termos do artigo 18.º, n.º 1, da Diretiva, “[s]e forem solicitadas informações por um Estado-Membro nos termos da presente directiva, o Estado-Membro requerido recorre às medidas que tenha previsto em matéria de recolha de informações para a obtenção das informações solicitadas, mesmo que não necessite dessas informações para os seus próprios fins fiscais. Esta obrigação é imposta sem prejuízo dos n. os 2, 3 e 4 do artigo 17.º, cuja invocação não pode em caso algum ser entendida como autorizando um Estado-Membro requerido a não prestar informações apenas por não ter interesse nessas informações a nível interno”, acrescentando o n.º 2 que “[o] disposto nos n. os 2 e 4 do artigo 17. o não pode, em caso algum, ser entendido como autorizando a autoridade requerida de um Estado-Membro a escusar-se a prestar informações apenas pelo facto de essas informações estarem na posse de uma instituição bancária, de outra instituição financeira, de uma pessoa designada ou actuando na qualidade de agente ou de fiduciário ou pelo facto de estarem relacionadas com uma participação no capital de uma pessoa.”

No mesmo sentido, atente-se no previsto no artigo 4.º, n.º 1, da Convenção sobre Assistência Administrativa Mútua em Matéria Fiscal, da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económico (OCDE), aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 80/2014 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 68/2014, publicada no Diário da República, Série I, n.º 178, de 16 de setembro de 2014, com entrada em vigor, em 1 de março de 2015, “[a]s Partes trocam, designadamente de acordo com o previsto nesta Secção, qualquer informação que seja previsivelmente relevante para a administração ou execução da legislação interna respeitante aos impostos abrangidos pela presente Convenção.”

Também no artigo 5.º, n.º 1, da Convenção se estabelece que “[a] pedido do Estado requerente, o Estado requerido presta-lhe qualquer informação prevista no artigo 4.° sobre determinadas pessoas ou transacções”, determinando o n.º 2 que “[s]e a informação disponível nos processos fiscais do Estado requerido for insuficiente para lhe permitir dar cumprimento ao pedido de informação, esse Estado adoptará todas as medidas necessárias a fim de prestar ao Estado requerente a informação solicitada.”

A isto acresce que, de acordo com o estipulado no artigo 20.º, n.º 2, da Convenção “[s]e o pedido for rejeitado, o Estado requerido informa, logo que possível, o Estado requerente sobre essa decisão e os motivos da mesma.”

E, nos termos do artigo 21.º, n.º 1, da Convenção, “[n]ada na presente Convenção afectará os direitos e as garantias concedidos às pessoas pela legislação ou pela prática administrativa do Estado requerido”, dispondo o n.º 2 que “[à] excepeção do previsto no artigo 14º, as disposições da presente Convenção não serão interpretadas como impondo ao Estado requerido a obrigação de:

a) …;

b) …;

c) Prestar informação que não pode ser obtida ao abrigo da sua própria legislação ou de acordo com a sua prática administrativa, ou ao abrigo da legislação ou de acordo com a prática administrativa do Estado requerente;

d) Prestar informação suscetível de revelar um segredo comercial, empresarial, industrial ou profissional, ou um processo comercial, ou informação cuja divulgação seria contrária à ordem pública;

e) Prestar assistência administrativa, se e na medida em que considerar que a tributação do Estado requerente é contrária aos princípios tributários geralmente aceites ou às disposições de uma convenção para evitar a dupla tributação ou de qualquer outra convenção que ele tenha concluído com o Estado requerente;

f) Prestar assistência administrativa para efeitos de administração ou aplicação de uma disposição do Direito fiscal do Estado requerente, ou para efeitos de preenchimento de qualquer requisito conexo que seja discriminatório de um nacional do Estado requerido em relação a um nacional do Estado requerente em idênticas circunstâncias;

g) Prestar assistência administrativa, se o Estado requerente não tiver executado todas as medidas razoáveis previstas na sua legislação ou de acordo com a sua prática administrativa, exceto quando o recurso a tais medidas acarretar dificuldades desproporcionadas;

h) …”, o n.º 3 que “[s]e o Estado requerente solicitar a informação ao abrigo da presente Convenção, o Estado requerido utilizará as suas medidas de recolha de informação para obter a informação solicitada, mesmo que o Estado requerido não necessite dessa informação para os seus próprios fins tributários. A obrigação contida na frase anterior está sujeita aos limites previstos na presente Convenção, mas tais limites, designadamente os limites previstos nos números 1 e 2, em caso algum serão interpretados no sentido de permitir que o Estado requerido se recuse a prestar tal informação apenas com base no facto de ela não ter para ele interesse a nível interno ” e o n.º 4 que “[a]s disposições da presente Convenção, incluindo as dos números 1 e 2, em caso algum serão interpretadas no sentido de permitir que o Estado requerido se recuse a prestar informações apenas com base no facto delas estarem na posse de um banco, de outra instituição financeira, de um mandatário ou de uma pessoa agindo na qualidade de agente ou de fiduciário, ou de as mesmas estarem relacionadas com os direitos de propriedade de uma pessoa”.

Em contrapartida, em conformidade com o disposto no artigo 63.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT), sob a epígrafe «Inspecção», “[o]s órgãos competentes podem, nos termos da lei, desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes…”, dispondo o n.º 3 que “[s]em prejuízo do número anterior, o acesso à informação protegida pelo sigilo bancário e pelo sigilo previsto no Regime Jurídico do Contrato de Seguro faz-se nos termos previstos nos artigos 63.º-A, 63.º-B e 63.º-C.”

A finalizar, diga-se que, nos termos do artigo 63.º-B, n.ºs 1 e 2, da LGT e com relevo para o caso concreto, “[a] administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários, bem como a informações ou documentos de outras entidades financeiras previstas como tal no artigo 3.º da Lei n.º 25/2008, de 5 de junho, alterado pelos Decretos- Leis n.os 317/2009, de 30 de outubro, e 242/2012, de 7 de novembro, sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos:

a) (…)

b) Quando se verifiquem indícios da falta de veracidade do declarado ou esteja em falta declaração legalmente exigível;

c) (…)

d) (…)

e) (…)

f) (…)

g) (…)

h) Quando se trate de informações solicitadas nos termos de acordos ou convenções internacionais em matéria fiscal a que o Estado português esteja vinculado.

2 - A administração tributária tem, ainda, o poder de aceder diretamente aos documentos bancários e aos documentos emitidos por outras entidades financeiras previstas como tal no artigo 3.º da Lei n.º 25/2008, de 5 de junho, nas situações de recusa da sua exibição ou de autorização para a sua consulta, quando se trate de familiares ou terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte”.

Por último, de acordo com o nº4 do preceito que temos vindo a citar, “As decisões da administração tributária referidas nos números anteriores devem ser fundamentadas com expressa menção dos motivos concretos que as justificam e, salvo o disposto no número seguinte e no n.º 13, notificadas aos interessados no prazo de 30 dias após a sua emissão, sendo da competência do diretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, ou dos seus substitutos legais, sem possibilidade de delegação”.

Não restam dúvidas, por conseguinte, que sempre que um determinado Estado, incluindo o espanhol, requeira ao Estado português informação relativa a um determinado contribuinte (ou no caso, a um terceiro relacionado com o contribuinte cuja situação fiscal as autoridades fiscais requerentes investigam quanto à efetiva residência fiscal) que se encontre protegida pelo sigilo bancário, a mesma deve ser recolhida e fornecida de acordo com a observância das regras aplicáveis e que atrás ficaram devidamente transcritas.

Aproximemo-nos do caso concreto, ressaltando o circunstancialismo que resulta da matéria de facto provada e que consta das alíneas B), C) e D). Temos, assim, que:

- as autoridades tributárias espanholas iniciaram uma ação de fiscalização em relação à situação tributária de S........ ........ ........, aos anos de 2015 a 2019;

- apuraram que S........ ........ é o único administrador, sócio e trabalhador da S................, Unipessoal, Lda;

- apesar de o visado ter alegado razões de natureza laboral para a mudança de domicílio fiscal para Portugal, as averiguações efetuadas indiciam que tal mudança de residência pode ser fictícia, havendo suspeitas da sua permanência em Espanha por mais de 183 dias por ano, país onde tem parentes e importantes interesses económicos;

- foi apurado que, em 2018, S........ ........ transferiu as suas ações da H ……………… SA para uma empresa luxemburguesa, adquirindo, por sua vez, uma participação que lhe permitiu continuar a deter 15% daquela sociedade; nesta operação recebeu mais de 34 milhões de euros e declarou, como não residente, um património líquido de 27.674.542,86 euros;

- foi apurado, ainda, a ocultação às autoridades tributárias espanholas, até 2017, de investimentos e rendimentos em Jersey e Chipre de valor superior a 14 milhões de euros;

- no decurso da fiscalização, foram solicitadas a entidades públicas e privadas, em Espanha, informações com vista a comprovar a sua residência, como movimentos de cartão de crédito, estadias em hotéis, consultas em clínicas e hospitais, etc.

- segundo as autoridades espanholas, subsistem dúvidas sobre a residência fiscal em Portugal de S........ ........, admitindo-se que o “conhecimento dos movimentos da única conta de que esta Fiscalização tem notícias por conta da empresa através da qual recebe fundos da H........ ..... SL e da qual é o sócio único, administrador, trabalhador e o motivo principal invocado pelo contribuinte para a mudança de domicílio para Portugal é uma prova importante para o conhecimento da sua atividade em Portugal”, o que pediram às autoridades portuguesas que obtivessem.

Perante este pedido, constata-se (vide alíneas C e D dos factos provados) que a administração tributária portuguesa aceitou, como bons, os fundamentos apresentados pela administração tributária espanhola e invocando o quadro legal considerado pertinente foi autorizado, após o exercício do direito de audição prévia da S................, o levantamento do sigilo bancário sobre a conta bancário por esta titulada, na sua qualidade de terceiro relativamente ao inspecionado S........ ........, no Banco Santander Totta.

Da análise das alíneas C e D dos factos provados resulta, em nosso entendimento, que não foram ponderados quaisquer motivos para recusar a informação pretendida ou infirmar as suspeitas quanto à residência fiscal de S........ ........, o que dificilmente se compreende atendendo, desde logo, à sua condição de residente fiscal em Portugal, jurisdição perante a qual está obrigado ao cumprimento de obrigações declarativas/ tributárias. Mas mais. Da análise dos autos não resulta que tenha sido dado início a qualquer procedimento de inspeção com vista a aferir do preenchimento dos pressupostos do levantamento do sigilo bancário, em violação do disposto nos artigos 63.º, n.ºs 1 e 3 e 63.º-B, n.º 1, da LGT.

Com efeito, os apontados preceitos legais, em conjugação com os normativos por nós acima transcritos da CDT, da Diretiva e da Convenção não logram dispensar a administração tributária portuguesa de levar a cabo os procedimentos legalmente previstos para a recolha das informações que lhe são solicitadas pelas administrações tributárias estrangeiras, a começar pelo procedimento de inspeção tributária, previsto nos artigos 63.º, n.ºs 1 e 3, e 63.º-B, n.º 1, da LGT.

Dito, por outras palavras, a administração tributária portuguesa, até pela especial relação que tem com um seu residente fiscal, não pode ignorar a situação tributária do visado S........, em relação com o qual se mostra o terceiro (Sofistigoragem, ora Recorrente), titular da conta bancária a que as autoridades espanholas pretendem aceder.

Em nosso entendimento, no caso concreto, competia à administração tributária portuguesa desencadear o procedimento de inspeção tributária com vista a averiguar se estavam reunidos os pressupostos necessários ao levantamento do sigilo bancário da Recorrente (terceira relativamente ao visado na investigação espanhola), apurando os elementos ao seu dispor com vista a apreciar o país em que o referido S........ deve ser considerado como residente para efeitos fiscais. Há, nesta omissão, nas palavras da Recorrente, o incumprimento do dever das autoridades administrativas portuguesas de aferirem, elas próprias, da relevância previsível do acesso à informação bancária para a investigação das autoridades espanholas, o que deveria ser feito – repita-se – através de procedimento próprio, tal como a lei portuguesa prevê.

Realce-se, aliás, que o pedido das autoridades fiscais espanholas assenta no convencimento de S........ ........ não ser residente fiscal em Portugal e ser residente fiscal em Espanha. Mas, perante tal, considerando que o Recorrido se apresentou, nos anos em causa, como residente fiscal em Portugal, aqui entregando as respetivas declarações de rendimentos, não se pode aceitar que, sem mais, a ATA autorize a derrogação do sigilo bancário de um terceiro relacionado com o S........, numa decisão que assenta – repete-se – em pressupostos que as autoridades nacionais estão em condições de – no mínimo – questionar/ averiguar.

Nada disto foi feito e, nesta medida, a legalidade do despacho que autoriza a derrogação do sigilo bancário fica posta em causa.

Como tivemos ocasião de sumariar no acórdão citado de 25/06/20, o acesso da AT à informação bancária não é irrestrito (artigo°63.°, n.°3, da LGT), sendo que o legislador estabeleceu no n. °l do artigo 63.°-B, da LGT as condições concretas em que tal acesso se pode verificar por ato administrativo, condições essas que têm de ser evidenciadas em procedimento inspetivo iniciado a pessoa que apresente algum elemento de conexão ao sistema fiscal português (art.°18.°, n.°3, da LGT).

Nesse acórdão, no qual se fazia referência a outro aresto do TCAN, escreveu-se:

“(…) devendo evidenciar-se que o mesmo está de acordo com o entendimento seguido pelo TCA Norte, no acórdão nº 200/16.1 BEMDL, de 10/11/16, que se reproduz seguidamente. Em tal aresto se lê, relativamente a uma situação com diversas semelhanças com a presente, além do mais, o seguinte:

“Se bem entendemos, para o tribunal a quo se os motivos invocados pela administração fiscal estrangeira e assumidos pela AT encontrassem enquadramento numa das situações elencadas nas alíneas a) a g), do n°l do art.°63°-B da LGT, estaria legitimada a decisão da AT de aceder, por acto administrativo, à informação bancária.

Não entendemos assim. É certo que a citada Convenção entre Portugal e a França para Evitar a Dupla Tributação, no seu art.°27.°, prevê mecanismos de troca de informação em matéria fiscal; e a referida Directiva 2011/16/EU, do Conselho, de 15/02/2011, relativa à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade, prevê (art.°5.°) a troca de informações previsivelmente relevantes para a administração e a execução da legislação interna dos Estados-Membros respeitante aos impostos a que se refere o artigo 2.°, aí se incluindo os impostos sobre o rendimento (em causa nos autos).

No entanto, a informação que a AT pode disponibilizar à administração requerente restringe-se à que disponha sobre o contribuinte visado por via das obrigações acessórias dele ou declarativas de terceiros (cf. art.°63.°-A, da LGT) ou à que possa obter, na sequência dos designados «inquéritos administrativos» (artigos 3.°, n.°7 e 5.° da Directiva e art.°2.°, n.°2 alínea j), do RCPIT), sendo que, neste caso, a informação que pode fornecer à administração fiscal estrangeira se restringe à que possa obter livremente no exercício da sua acção inspectiva e fiscalizadora, genericamente previstas no n.°l do art.°63.° da LGT e art.°2.° do RCPIT, ou, em normas tributárias especiais.

Como se sabe, o acesso da AT à informação bancária não é irrestrito (art.°63.°, n.°3, da LGT) sendo que o legislador estabeleceu no n.°l do art.°63.°-B, da LGT, as condições concretas em que tal acesso se pode verificar por acto administrativo, condições essas que têm de ser evidenciadas em procedimento inspectivo iniciado a pessoa que apresente algum elemento de conexão ao sistema fiscal português (art.°18.°, n.°3, da LGT).

Como resulta do citado o n.°3 do art.°63.° da LGT, epigrafado “inspecção”, «...o acesso à informação protegida pelo sigilo bancário faz-se nos termos previstos nos artigos 63.°- A, 63.°-B e 63.°-C», o que inculca a ideia de que tal acesso só pode fazer-se no âmbito de um procedimento inspectivo, em que resulte evidenciado algum dos pressupostos elencados nas alíneas a) a g) do n.°l do art.°63.°-B da LGT, que legitime a decisão administrativa de levantamento do sigilo bancário.

Nesse sentido, pode ver-se o recente Ac. deste TCAN, de 14/01/2016, tirado no proc.°01680/15.8BEPRT, em que se deixou consignado: «Os pressupostos da derrogação do sigilo bancário a que se refere o art. 63°B da LGT são: decorra uma ação de fiscalização tributária [art. 63°, n.°3 da LGT];_nessa ação de fiscalização se recolha indícios de incumprimento dos deveres de colaboração do s.p. que decorrem das circunstâncias mencionadas nas várias alíneas do n.°l, [n.°l, do art. 63°B];_ que a derrogação do sigilo bancário seja necessária, adequada e proporcionada ao apuramento da situação tributária», visado na inspeção, [n.°l, do art. 63°-B, “diligências necessárias ao apuramento da situação tributária” em conjugação com o art. 55° (proporcionalidade) e art. T do RCIT]».

O art.º 18.°, n.°2, da Directiva não contende com o entendimento propugnado. Estatui esse preceito: «O disposto nos n.°s 2 e 4 do artigo 17.° não pode, em caso algum, ser entendido como autorizando a autoridade requerida de um Estado-Membro a escusar-se a prestar informações apenas pelo facto de essas informações estarem na posse de uma instituição bancária, de outra instituição financeira, de uma pessoa designada ou actuando na qualidade de agente ou de fiduciário ou pelo facto de estarem relacionadas com uma participação no capital de uma pessoa».

Por seu lado, estabelecem aqueles n.°s 2 e 4 do art.°17.° da Directiva:

«2. A presente directiva não impõe qualquer obrigação ao Estado-Membro requerido de proceder a inquéritos ou de comunicar informações, se a realização de tais inquéritos ou a recolha das informações pretendidas para fins próprios infringir a sua legislação.

(...)

4. A prestação de informações pode ser recusada quando conduza à divulgação de um segredo comercial, industrial ou profissional ou de um processo comercial, ou de informações cuja divulgação seja contrária à ordem pública».

Compreende-se o esforço de harmonização fiscal a nível da União Europeia através de medidas de combate coordenado à evasão fiscal. No entanto, tal norma não pode ser interpretada em sentido lato, de modo a vincular a AT a fornecer informação bancária pessoal à qual, nos termos do direito interno, não tem acesso irrestrito (mas só através do subprocedimento previsto no art.°63.°-B da LGT enxertado em procedimento inspectivo), apenas a vinculando a fornecer informação não protegida na posse das instituições financeiras sobre categorias de dados relativos a contas de clientes” – fim de citação.

Na mesma linha de entendimento, quanto à necessidade de procedimento inspetivo, chamamos à colação outro acórdão deste TCA Sul, de 17/09/20, proferido no processo nº 402/20.6BELRA, do qual consta, no que para aqui importa, o seguinte:

“(…)

De referir que no âmbito da assistência mútua internacional em matéria fiscal, a recolha de informação fiscal deverá ser realizada através de procedimento tributário, nomeadamente, através de procedimento tributário de inspecção. Como se afirma no Acórdão do STA de 23/10/2013 – rec. 1361/13 “A actuação procedimental que permite ao Estado Português a recolha de informação fiscal para ser facultada a outro Estado-Membro da União Europeia no âmbito de Assistência Mútua Internacional em Matéria Fiscal pode/deve ser realizada através de procedimento tributário de inspecção disciplinado no Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária, aprovado pelo Dec. Lei nº 413/98, de 31.12”

Ora a recolha da informação fiscal protegida pelo sigilo bancário, poderá ser efectuada no âmbito de um procedimento inspectivo como resulta do n.°3 do art.°63.° da LGT, que sob a epígrafe “Inspecção” consagra que “...o acesso à informação protegida pelo sigilo bancário faz-se nos termos previstos nos artigos 63.°- A, 63.°-B e 63.°-C”, o que traduz a ideia de que tal acesso pode fazer-se no âmbito de um procedimento inspectivo”.

O acabado de transcrever na diversa jurisprudência citada é aqui inteiramente aplicável e, como tal, dispensa-nos de aturadas considerações adicionais para que possamos concluir pelo provimento do recurso, em face da procedência da questão que começámos por analisar (leia-se, “o dever das autoridades administrativas portuguesas de aferirem, elas próprias, de tal relevância previsível do acesso à informação bancária para a investigação das autoridades espanholas – vide, além do mais, a conclusão F”), deixando prejudicado o conhecimento do demais alegado.

Há, assim, que conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogar a sentença recorrida, julgar procedente o recurso apresentado ao abrigo dos artigos 146º-A e 146º-B do CPPT e anular a decisão que autorizou a derrogação do sigilo bancário.


*




III - Decisão




Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em:


- negar provimento ao recurso interposto do despacho interlocutório, condenando-se a Recorrente nas respetivas custas;


- conceder provimento ao recurso da sentença, revogar a sentença, julgar procedente o recurso apresentado ao abrigo dos artigos 146º-A e 146º-B do CPPT e, consequentemente, anular a decisão que autorizou a derrogação do sigilo bancário, condenando-se a Recorrida nas respetivas custas.

Registe e Notifique.

Lisboa,24/11/22


Catarina Almeida e Sousa

Isabel Fernandes

Lurdes Toscano