Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 02815/08 |
Secção: | Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 11/25/2009 |
Relator: | Rogério Martins |
Descritores: | IRS; MAIS-VALIAS; TERRENO PARA CONSTRUÇÃO; ARTIGO 5.º DO DECRETO-LEI N.º 442-A/88, DE 30 DE NOVEMBRO |
Sumário: | Por força do disposto no artigo 5.º do Decreto-lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, não são tributados em sede de IRS os ganhos obtidos com a transmissão de terrenos agrícolas que foram adquiridos antes da vigência do Código IRS e se mantinham com essa natureza no momento da sua entrada em vigor. |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os juízes da Secção Tributária do Tribunal Central Administrativo Sul: A Fazenda Pública veio interpor, a fls. 264, RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada de 30.09.2009, a fls. 254 e seguintes, pela qual foi julgada procedente a impugnação deduzida por José ... e mulher contra a liquidação adicional de IRS do ano de 2002. Apresentou as seguintes conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: 1) A douta sentença errou no seu julgamento, pois se baseou em pressupostos errados; 2) O art.° 5º, n. ° 1 do DL n.° 442 -A/88 de 30/11 não constitui norma de incidência, logo não se pode falar de aplicação retroactiva da lei; 3) A ponderação crítica e nos moldes vindos de concretizar, de toda a factualidade apurada permite-nos assumir a ocorrência de indícios seguros e relevantes de que, no momento da transmissão em apreço, o propósito, por parte dos intervenientes no negócio, era de afectar o terreno integrante de tal prédio à construção urbana, particularmente, comercial e/ou industrial. Apesar do rótulo de "rústico", o objecto da negociação e da transmissão, levada a cabo pelos impugnantes, integra e é subsumível ao conceito legal de 'terreno para construção; 4) Na sentença, no probatório, faz-se referência (vd. alínea E. b.) aos indícios materiais, apurados pelos Serviços de Inspecção e que estiveram subjacentes ao negócio: “ b. Os serviços classificaram o terreno como terreno para construção com base nos seguintes elementos: i. Existência de um contrato-promessa de compra e venda cujo preço ficaria sujeito a aprovação pela Câmara Municipal de Almada de um projecto de loteamento; ii. No terreno existiam benfeitorias e construções clandestinas; iii. Num protocolo assinado com a Câmara Municipal de Almada esta entende que o prédio em causa é urbanizável; iv. Em 06/06/2001 a Câmara Municipal de Almada aprovou o projecto de loteamento apresentado pela sociedade “ Cantial - Empreendimentos Imobiliários, S.A.". 5) A suportar o supra exposto e por todos, vejam-se os Ac. do TCA-N, proc. 0098/04, de 13/03/2008 e Ac. STA (Pleno) de 20.6.1990, rec.010478; 6) Mostra-se assim correcta a liquidação impugnada nos termos em que foi efectuada, devendo ser mantida na ordem jurídica nos seus precisos termos. 7) Não tendo ocorrido qualquer violação de preceitos legais, mormente do art.° 5 do DL. 442-A/88, de 30/Nov, e dos art.°s 10°, n.° 1, alínea a) e n.° 3, alínea b), 42°, n.° 1, alínea c) e 45°, todos do CIRS. Os recorridos apresentaram contra-alegações, a fls. 287-294, com as seguintes conclusões: 1.a Como resulta dos próprios autos, o Recurso deduzido pela Fazenda Pública não deverá ser conhecido pelo Tribunal ad quem. Com efeito, 2.a A liquidação adicional impugnada baseou-se no entendimento que os ganhos auferidos pelos impugnantes e ora recorridos com a alienação de um prédio rústico onde se encontravam algumas edificações onde tinham sido praticados actos comerciais por uma sociedade comercial integraram a categoria B da incidência do IRS nos termos previstos na alínea c) do n.° 2 do artigo 3.° do Código do IRS, tendo sido contra esta liquidação que foi deduzida a impugnação judicial onde foi proferida sentença judicial; 3.a A douta sentença recorrida, anulando embora a liquidação adicional impugnada, decidiu em desconformidade com o pedido e com a causa de pedir da impugnação na medida em que considerou que os referidos ganhos integravam a categoria G da incidência do IRS prevista nos "artigos 9.° n.° 1 alínea a), 10.° n.° 1 alínea a) e 22.° n.° 1, todos do CIRS", expressamente invocados na sentença; 4.a Ora, atentando nos termos do Recurso e das suas Alegações, a Ex.ma Representante da Fazenda Pública recorrente aceitou que os ganhos tributados se integravam na categoria G do IRS ao ter invocado o seu enquadramento no artigo 10.°, n.° l, alínea a) do CIRS e pelo facto de ter discordado da sentença recorrida apenas na parte em que esta considerou que tais ganhos estavam afastados da tributação por aplicação do disposto no n.° 1 do artigo 5.° do Decreto-Lei n.° 442-A/88, de 30/11; 5.a Assim, ao não ter arguido a desconformidade da sentença com o acto de liquidação impugnado e com o objecto do processo de impugnação, não pode deixar de se concluir que a Ex.ma Representante da Fazenda Pública aceitou a referida desconformidade; 6.a Nestes termos conclui-se que a divergência assinalada, por não ter sido arguida por quem processualmente o poderia fazer, não pode ser agora suprida nem pode ser oficiosamente conhecida pelo Tribunal ad quem, conforme decorre expressamente do artigo 125.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário em conjugação com os números 3 e 4 do artigo 668.° do Código de Processo Civil, não devendo consequentemente tomar-se conhecimento do recurso; 7.a Ou se, por mera hipótese, for tomado conhecimento do recurso deve o mesmo ser julgado improcedente uma vez que não assiste qualquer razão à recorrente; 8.a Finalmente, não obstante os termos das presentes alegações, os recorridos querem deixar expresso que não pretendem arguir nem invocar qualquer vício da douta sentença recorrida, uma vez que, processualmente, não é a eles que competiria essa arguição. O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. * Cumpre decidir já que nada a tal obsta.* I - A sentença recorrida deu como assentes os seguintes factos, sem reparos nesta parte: A) Por escritura pública de 21/07/1978 os impugnantes adquiriram uma parcela de terreno rústico, sito na Quinta da Aldeia – Capuchos, pelo valor de €4.987,98 (Esc. 1.000.000$00). B) Por escritura pública de 22/11/2002 os impugnantes alienaram o terreno rústico mencionado na alínea anterior à sociedade “C... – , S.A.”, pelo preço de € 4.987.978,97. C) Os impugnantes foram objecto de uma acção de inspecção em sede de IRS ao ano de 2002, no âmbito da qual foram efectuadas correcções à matéria tributável no montante de €3.235.062,02, com fundamento no disposto nos art.ºs 9.º n.º 1 alínea a), 10.º n.º 1 alínea a) e 22.º n.º 1 todos do CIRS. D) Da correcção mencionada na alínea anterior resultou a liquidação de IRS n.º 2006 50004557007, referente ao ano de 2002, no montante total de € 1.464.960,22, onde se inclui o montante de € 181.079,88 de juros compensatórios. E) Para efectuar as correcções oficiosas, os serviços de inspecção entenderam o seguinte: a. Embora na escritura de compra e venda realizada em 22/11/2002 o terreno em causa tenha sido qualificado como rústico, e a sua aquisição tenha ocorrido antes da entrada em vigor do CIRS, não aproveitam a exclusão da tributação prevista no art.º 5.º do DL 442-A/88 de 30/11, sendo que tal elemento de classificação do terreno não é o único a ponderar; b. Os serviços classificaram o terreno como terreno para construção com base nos seguintes elementos: i. Existência de um contrato-promessa de compra e venda cujo preço ficaria sujeito a aprovação pela Câmara Municipal de Almada de um projecto de loteamento; ii. No terreno existiam benfeitorias e construções clandestinas; iii. Num protocolo assinado com a Câmara municipal de Almada esta entende que o prédio em causa é urbanizável; iv. Em 06/06/2001 a Câmara Municipal de Almada aprovou o projecto de loteamento apresentado pela sociedade “Cantial – Empreendimentos Imobiliários, S.A.”. * II - Enquadramento jurídico. 1. – Obstáculo ao conhecimento do recurso jurisdicional. Referem os recorridos nas suas contra-alegações que ao não ter arguido a desconformidade da sentença com o acto de liquidação impugnado e com o objecto do processo de impugnação, a Fazenda Pública aceitou a referida desconformidade; como este vício não pode ser do conhecimento oficioso nem a sua referência por parte dos recorridos vale como arguição, não se pode conhecer do recurso. Não procede, em nosso entender, esta argumentação. Quem define o objecto do recurso jurisdicional é o recorrente, neste caso a Fazenda Pública, através das suas alegações e mais precisamente das respectivas conclusões. Por imposição lógica, a existência de eventual obstáculo ao conhecimento de mérito do recurso deve ser aferida pelos termos em que o recurso é delineado pelo recorrente. Saber se os vícios imputados à sentença pelo recorrente (independentemente da existência de outros de conhecimento oficioso ou não) se verificam, não é questão adjectiva, antes constitui o cerne, o mérito, do próprio recurso jurisdicional. O que sucede é que não sendo a eventual desconformidade da sentença recorrida com o acto de liquidação impugnado uma questão suscitada pelas partes ou de conhecimento oficioso, fica afastado o respectivo conhecimento. Termos em que improcede a questão prévia suscitada pelos recorridos. 2. – O mérito do recurso jurisdicional. A sentença recorrida definiu como questão a decidir nos presentes autos a de saber se a alienação do prédio ora em causa e adquirido em data anterior à entrada em vigor do Dec. - Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro, está ou não sujeito a tributação em sede de IRS, mais especificamente sujeito à norma de incidência prevista na alínea a) do nº l do art. 10º do Código IRS, ou se tal tributação está excluída em função do regime transitório previsto no nº l do art. 5º do citado diploma legal. E a recorrente, como vimos, não imputou qualquer vício no que diz respeito a este enquadramento. Apenas entende que o acto de liquidação impugnado não violou antes respeitou estes preceitos legais. Definido assim o objecto do presente recurso jurisdicional, vejamos. Dispunha a este propósito o art. 1.º do Código IMV (aprovado pelo DL. 46 373 de 9.6.1965): "O imposto de mais-valias incide sobre os ganhos realizados através dos actos que a seguir se enumeram: §1. º Transmissão onerosa de terreno para construção, qualquer que seja o título por que se opere, quando dela resultem ganhos não sujeitos aos encargos de mais-valia previstos no artigo 17. º da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948, ou no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 41616, de 10 de Maio de 1958, e que não tenham a natureza de rendimentos tributáveis em contribuição industrial". Com a entrada em vigor do Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares, e nos termos do art. 10º, nº 1, deste Código, constituem mais-valias sujeitas a tributação: "... os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos comerciais, industriais ou agrícolas, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis... ;" Enquanto no Código IMV apenas eram tributados os ganhos resultantes da alienação onerosa de terrenos para construção, no Código IRS tal tributação passou a abranger os ganhos resultantes da alienação onerosa de quaisquer bens imóveis. Daí que houvesse que definir um regime transitório, de forma a prevenir a aplicação retroactiva da lei àquelas situações que anteriormente não se encontravam tipificadas. A tal preocupação respondeu o nº l do art. 5º do Dec.-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro (diploma que aprovou o Código IRS), na redacção que lhe foi dada pelo Dec.-Lei nº 141/92, de 17 de Julho, nos termos do qual, “os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46373, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afectos ao exercício de uma actividade agrícola ou da afectação destes a uma actividade comercial ou industrial, exercida pelo respectivo proprietário, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código.” Trata-se, ao contrário do sustentado pela Fazenda Pública - e com todo o respeito pela posição assumida pelo acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da Secção Tributária), de 20.06.1990, de 010478, que cita - de uma norma de incidência tributária: define-se aqui quais os ganhos sujeitos a IRS no período transitório de entrada em vigor do novo Código. Em todo o caso, quando a sentença recorrida se refere, bem, a evitar a aplicação retroactiva da lei, citando o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29/03/2006, processo n.º 1213/05, não alude, tal como toda a jurisprudência que vai neste mesmo sentido, à aplicação retroactiva do nº l do art. 5º do Dec.-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro; refere-se à aplicação retroactiva do Código do IRS que aquele preceito pretendeu evitar. No caso dos autos a administração tributária qualificou o terreno alienado como destinado à construção, com base nos seguintes elementos: I - Existência de um contrato-promessa de compra e venda cujo preço ficaria sujeito a aprovação pela Câmara Municipal de Almada de um projecto de loteamento; II. No terreno existiam benfeitorias e construções clandestinas; III. Num protocolo assinado com a Câmara municipal de Almada esta entende que o prédio em causa é urbanizável; IV. Em 06/06/2001 a Câmara Municipal de Almada aprovou o projecto de loteamento apresentado pela sociedade “C..., S.A.”. A definição de terreno apto para construção surge no art.º 1º, § 2.º do Código IMV, diploma em que o conceito era relevante: “São havidos como terrenos para construção os situados em zonas urbanizadas ou compreendidos em planos de urbanização já aprovados e os assim declarados no título aquisitivo.” Assim, de todos estes elementos indicados pela Administração Fiscal apenas o último – que se reporta a 2001 – releva para efeitos de se poder classificar o terreno como apto para construção. Como se sustenta na sentença recorrida, para que seja aplicável o art. 5º do DL nº 442-A/88, de 30/11, é necessário que se trate de terrenos com a mesma natureza (terrenos para construção), quer antes, quer depois da vigência deste normativo, pois, caso contrário, estaríamos perante uma aplicação retroactiva da lei. Conforme, decidiu o Supremo Tribunal Administrativo no seu acórdão de 29/03/2006, processo n.º 1213/05, citado na sentença recorrida, e, mais recentemente, no acórdão de 04-02-2009, processo 0872/08 (sumário): “Por força do disposto no artigo 5.º do Decreto-lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, não são tributados em sede de IRS os ganhos obtidos com a transmissão de terrenos agrícolas que foram adquiridos antes da vigência do CIRS e se mantinham com essa natureza no momento da sua entrada em vigor.” No mesmo sentido, esmagadoramente maioritário, podem ler-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 29-10-2008, processo n.º 0539/08, de 13.02.2008, processo n.º 763/2007, e de 06-06-2007, processo n.º 0179/07. Ora na data que foi adquirido o prédio, no ano de 1978, era rústico. Assim, não estão os ganhos (mais valias) aqui em causa sujeitos a imposto de rendimento (IRS). Por conseguinte, e tal como se decidiu, a liquidação impugnada enferma de vício de lei e nessa medida deve ser anulada. Termos em que se impõe manter a sentença recorrida. * III - Pelo exposto, os juízes da Secção Tributária do Tribunal Central Administrativo Sul acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional, mantendo a sentença recorrida. Custas pela Fazenda Pública. * Lisboa, 25.11.2009 (Rogério Martins) (Lucas Martins) (Magda Geraldes) |