Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06468/13
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:04/23/2015
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:REQUISITOS FORMAIS DE DOCUMENTOS INTERNOS PARA EFEITOS DE IRC.
Sumário:I. Em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos arts. 23.º, n.º 1, e 41.º, n.º 1, alínea h), do CIRC (na redacção aplicável aos autos), não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as facturas em sede de IVA, bastando documento, que até poderá ser interno, desde que descreva suficientemente todos os elementos da operação que titulam;

II. Os documentos internos terão de conter os elementos essenciais da operação que titulam por forma a possibilitar à AT quer ao controle da legalidade da dedução para efeitos fiscais do gasto, quer da respectiva tributação dos montantes auferidos pelos prestadores de serviços, o que não ocorre se os documentos internos não identificam de forma adequada as pessoas singulares que prestaram os serviços, nem se encontram assinados quaisquer recibos que atestem quem e quanto recebeu.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

PROCESSO N.º 06468/13


I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Beja, que julgou procedente a impugnação apresentada pela………………………………., LDA do indeferimento do recurso hierárquico da reclamação graciosa da liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 1994.

A Recorrente FAZENDA PÚBLICA apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:
A
A Administração Tributária não contesta a realização dos trabalhos respeitantes aos custos incorridos;
B
A Administração Tributária não refuta tais custos de não indispensáveis, para a prossecução da actividade desenvolvida;
C
Salvo o devido respeito por opinião diferente, entende a Representação da Fazenda Pública que, embora aos documentos de suporte de custos, em IRC, não seja imposta a mesma densidade formal que para efeitos de IVA;
D
A referência a “encargos não devidamente documentados” pressupõe um mínimo de formalidade;
E
Desde logo a correta identificação fiscal do beneficiário de tais rendimentos;
F
Porque ao custo incorrido, por parte da impugnante, correspondeu um proveito por parte de outro sujeito passivo;
G
E ao não identificar fiscalmente o beneficiário desses proveitos, a impugnante está a propiciar a subtracção ao controlo das Autoridades Tributárias, quer desses rendimentos quer dos seus beneficiários;
H
Como também não pode colher o argumento “que tais trabalhadores não estão, nem querem estar, colectados para efeitos de IRS e registados para efeitos de IVA”;
I
Porque a colecta e o registo, para efeitos de IRS e IVA, são obrigações decorrentes do exercício de determinadas actividades, que não assentam na disponibilidade do seu titular;
J
E mesmo considerando os custos incorridos, como trabalho por conta de outrem, com o seu comportamento, a impugnante subtraiu tais rendimentos, quer ao controlo das Autoridades Tributárias, quer ainda às obrigações para a Segurança Social;
L
Além de que “os princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real, não são absolutos, antes têm como limites outros valores constitucionalmente protegidos, …, deve dar-se prevalência ao interesse público da prevenção e combate à evasão fiscal, …”, conforme Acórdão de 05/07/2012, do Supremo Tribunal
Administrativo, já citado em XVII das alegações;
M
De onde, e citando ainda e mais uma vez o já referido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, “mutatis mutandis”, decidir no sentido da procedência da Impugnação, é “fazer tábua rasa da obrigação que impende sobre a recorrente quanto às exigências de contabilidade organizada e, ao mesmo tempo, convidar a ficarem fora do sistema fiscal, múltiplos agentes económicos”;

N
Pelo que a douta sentença “a quo” enferma de erro no julgamento dos fatos e no direito aplicável.

Finaliza com o seguinte pedido: “Pelas razões acima invocadas, deve ser dado provimento ao presente recurso e Como consequência, ser revogada a sentença recorrida e substituída por Acórdão que Julgue a presente impugnação improcedente,
Como é de justiça.”
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O Recorrido, não apresentou contra-alegações.
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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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A questão invocada pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, por os gastos objecto de correcção pela AT não estarem devidamente documentados, e deste modo, não podem ser fiscalmente dedutíveis.


II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

A) “A Impugnante dedica-se à agricultura e à pecuária;


B) O exercício de 1994 foi fiscalizado e efectuadas correcções ao lucro tributável declarado que passou de PTE 570 649$00 para PTE 16 591 695$00 e imposto a pagar no montante de PTE 7 617 324$00;


C) Em 1996.10.01, foi emitida a liquidação adicional de IRC do exercício de 1994, nº…………….., no montante de PTE 7 659 089, com data limite de pagamento de 1996.11.25 (cf. fls. 12 do PA junto);


D) Em 1997.02.12, a Impugnante reclamou (cf. fls. 2 a 10 do PA junto);


E) Em 1998.07.24, o Director de Finanças exarou despacho manuscrito, que aqui se dá por reproduzido, constante de fls. 129 a 133 do PA, do qual se transcreve:


a. Processo nº ………………………….;


b. Vem a sociedade ………………………, Lda., (...) reclamar da liquidação adicional de IRC que lhe foi feita com referência ao exercício de 1994, no montante de PTE 7 659 089$00;


c. (...);


d. Quanto aos subcontratos:


i. Os subcontratos no [montante] de PTE 8 742 500$00, a reclamante invoca que esses trabalhadores ou pequenos produtores agrícolas não estão nem querem estar colectados para efeitos de IVA e que estão dispensados do cumprimento das obrigações previstas no artigo 28/1 do CIVA, designadamente a emissão de facturas e junta um parecer da Direcção de Serviços de Concepção e Administração do IVA – Informação nº 1325 de 1993.02.24 (...) para demonstrar que tem razão no que afirma e como tal os custos contabilizados estão devidamente documentados e devem ser considerados custos na sua totalidade;


ii. A doutrina expressada pela referida informação refere-se apenas a pequenos produtores agrícolas – isentos no artigo 9/3 – e mesmo quanto a esses documentos de substituição da factura todos devem constar todos os elementos referidos no artigo 35º do CIVA;


iii. Neste caso concreto a realidade dos factos é bem diferente, são trabalhadores agrícolas que de facto é bem diferente, são trabalhadores agrícolas que de facto não querem cumprir quaisquer obrigações fiscais e não querem sequer ser empregados doas empresas, preferem fazer trabalhos por empreitada – apanha de frutos, poda de árvores, instalação de rega, trabalhos de pedreiro e muitos outros;


iv. Não querendo assinar quaisquer papeis e os produtores agrícolas que são os mais precisam desta mão-de-obra – quase sempre sazonal – só têm duas alternativas, ou não fazem os trabalhos ou aceitam as condições impostas por estes trabalhadores, quase sempre optam pela segunda que é a mais racional;

v. Esta é a verdade dos factos, pelo menos na nossa região, todos sabemos que é assim;


vi. A Administração Fiscal não pode pactuar com estes procedimentos porque se o fizer fica o caminho aberto para serem consideradas todas as irregularidades e para que os contribuintes possam moldar os custos e consequentemente os lucros a seu belo prazer;


vii. Os documentos juntos ao processo confirmam de facto o que atrás se diz, veja-se como exemplo os documentos a fls. 20 e 21, onde se diz «plantação de meloa», a Teresa, a Oliva, a Almerinda etc., etc. PTE 125 000$00;


viii. Isto não são documentos idóneos e à Administração Fiscal não lhe resta outra alternativa que seja não os considerar como custos, por isso também aqui não pode ser dada razão à Reclamante;


e. (...);


f. Conclusão e decisão:


i. Indefere-se a reclamação quanto às importâncias de PTE 5 621 431$00 de amortizações, PTE 8 742 500$00 de subcontratos, PTE 520 431$00 de despesas de conservação e reparação e PTE 492 900$00 de outros fornecimentos e serviços e defere- se quanto à importância de PTE 122 140$00 de deslocações e estadas, ficando o lucro tributável de PTE 16 591 695$00 referente ao exercício de 1994, determinado em 1996.06.20, alterado para PTE 16 469 555$00 (...);


ii. (...);


F) Este despacho foi comunicado à Impugnante por carta registada com aviso de recepção assinado em 1998.08.12 (cf. fls. 134 e 134-v do PA);


G) Em 1998.09.07, no Serviço de Finanças de Mértola, deu entrada recurso hierárquico (cf. fls. 136 a 142 do PA);


H) Por despacho de 2001.03.23, do Subdirector Geral foi concedido provimento parcial ao recurso (cf. fls. 180 do PA):


a. Concordo, pelo que na ausência de resposta, converto em definitivo o Proj. de desp. de indeferimento do recurso, por se manterem válidos os fundamentos nele expressos;


I) Do projecto de decisão, constante de fls. 182 a 183 do PA, transcreve-se:


a. (...);


b. Quanto aos Subcontratos que envolve PTE 8 742 500$00, de pagamentos a trabalhadores, não só não se aplica ao sujeito passivo em apreço o disposto na Informação nº 1325, de 1993.02.24 do SIVA, como também o seu procedimento na qualidade de empregador e pagador dos Serviços que lhe prestam, não está de acordo com as normas que regulam o imposto sobre o rendimento;


c. Assim, o sujeito passivo ao substituir-se aos prestadores de Serviços que se integram no disposto naquela informação, teria que processar as facturas de acordo com os requisitos exigidos no artigo 35/5 do CIVA;


d. Ao pagar ou atribuir as importâncias aos trabalhadores, teria de as contabilizar como remunerações de trabalho, que processar os correspondentes recibos e que as declarar para efeitos fiscais nos termos do artigo 114º do CIRS;


e. Os elementos constantes do processo que pretendem substituir os documentos externos não estão nem processados nos termos em que deveriam se a informação do SIVA se lhe aplicasse, nem reúnem os requisitos mínimos indispensáveis para que possam ser reconhecidos fiscalmente e aceites como custos para efeitos de apuramento de lucro tributável integrando-se no disposto no artigo 41.h) do CIRC;


f. (...);


g. Face ao exposto é de deferir a importância de PTE 5 651 431$00, respeitante à rubrica para plantação de pomares, e de indeferir as restantes, relativas às rubricas
«subcontratos», «Conservação e Reparação» e Outros

Fornecimentos e Serviços», no montante total de PTE 9 755 831;

J) Este despacho foi comunicado à Impugnante por carta registada com aviso de recepção assinado em 2001.04.30 (cf. fls. 196 do PA junto);


K) Em 2001.07.02, no Tribunal Tributário de I Instância de Beja deu entrada a presente impugnação;



b) Factos não provados


Os factos constantes das precedentes alíneas consubstanciam o circunstancialismo que, em face do alegado nos autos, se mostra provado nos autos com relevância, necessária e suficiente à decisão final a proferir, à luz das possíveis soluções de direito.



IV – Motivação da decisão de facto


A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo.”

Acorda-se dar como provado os seguintes factos, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º do CPC, com relevo para a decisão do recurso:

L) A liquidação mencionada na alínea C) surge na sequência do preenchimento oficioso da declaração DC22, na qual se efectuaram várias correcções, e no que para os autos importa, a correcção no montante de 8.742.500$ relativa a subcontratos, com o fundamento de que se encontravam indevidamente documentados, nos termos do art. 41.º, alínea h) do CIRC (cfr. Documentos de fls. 101 e 102).

M) Os gastos mencionados na alínea anterior constam de várias folhas manuscritas, elaboradas pela Impugnante, que contêm a data e a natureza da prestação do serviço, o nome próprio de cada um dos trabalhadores, número de dias de trabalho, montante diário e montante total pago, data e forma de pagamento (cfr. Documentos de fls.20 a 77 do apenso, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido).

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2. Do Direito

Conforme resulta dos autos, a Impugnante apresentou impugnação da liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 1994, invocando para tanto, e em síntese, que os custos desconsiderados pela AT dizem respeito a montantes pagos a trabalhadores rurais que naquele exercício prestaram serviços de carácter eventual ou esporádico. Tais trabalhadores encontram-se dispensados de emissão de facturas pelas prestações de serviços efectuadas, e por isso, a Impugnante documentou internamente os gastos, documento que contém todos os elementos necessários.

A liquidação assenta no entendimento, em síntese, de que os documentos relativos a subcontratos se encontravam indevidamente documentados, nos termos do art. 41.º, alínea h) do CIRC.

A sentença recorrida julgou procedente a impugnação, com o fundamento, na parte com relevo para a decisão que:

“Como vimos, as despesas não foram tidas em conta pela Administração Tributária, por não estarem suportadas em documentos externos formais, ou existindo, serem incompletos.
Alegou a Impugnante que os montantes em causa correspondem a pagamentos efectuados a trabalhadores rurais que prestaram serviços de carácter eventual ou esporádico, trabalhadores que por força do baixo rendimento que auferem ou por entenderem que exercem uma actividade isenta para efeitos de IVA, não estão colectados para efeitos de IRS nem registados para efeitos de IVA – encontram-se dispensados da emissão de factura (artigo 28/3 CIVA).
Na solução a dar ao caso seguiremos de perto a opinião de Rui Duarte Morais: é que a não-aceitação, por razões de índole meramente formal, da dedutibilidade de um custo que efectivamente foi suportado, corresponderia à tributação por um lucro que não existe, a um imposto a que não subjaz a correspondente capacidade contributiva".
Tem, assim de ser dada razão à Impugnante: o motivo teorético é este apresentada por Rui Duarte Morais, o motivo conceptual da decisão é o que acima foi apresentado no sentido jurisprudencial da distinção entre inexistência de documentos da despesa e prova da despesa por outros meios, sendo certo que no caso é a própria Administração que aceita, no fundamental, estar a despesa provada, aduzindo somente que o não está pelo meio formalmente adequado.”

A Fazenda Pública não se conforma com a sentença recorrida, assacando-lhe erro de julgamento, uma vez que os gastos objecto de correcção pela AT não estavam devidamente documentados, e deste modo, não poderiam ser fiscalmente dedutíveis.

Apreciando.

Nos termos do disposto no art. 23.º do CIRC, consideram-se gastos os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, seguindo-se, na previsão legal, uma enumeração exemplificativa dos mesmos. Se um gasto não está comprovado ou não é indispensável, então, não integra a previsão normativa do n.º 1 do artigo 23.º, do CIRC, podendo, pois, ser por esta via, fiscalmente desconsiderado.


Relativamente ao requisito da efectiva existência do gasto, para que dos mesmos se possa aferir em sede de IRC é preciso que estejam suficientemente documentados/comprovados, dando-se cumprimento ao disposto no n.º 1 do art.º 23.º, do CIRC, que utiliza o advérbio “comprovadamente”.

Da mesma forma, o art.º 41.º, do CIRC, na sua alínea h) (na redacção vigente à época), determinava a não consideração dos custos “não devidamente documentados”.

Assim sendo, a realização de gastos tem de estar devidamente justificada por meio de documento para que seja fiscalmente dedutível enquanto custo fiscal.

Relativamente a forma que o documento comprovativo do gasto deve assumir, considerando que estamos no âmbito do IRC, não tem necessariamente de conter os requisitos formais exigidos para as facturas em sede de IVA. Com efeito, em sede de IRC, a par de facturas ou documentos equivalentes, outros documentos podem servir para fundamentar os gastos, designadamente documentos internos.

Com efeito, assim se decidiu no o Ac. do STA de 05/07/2012, proc. n.º 0658/11:

“Em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos arts. 23º, nº1, e 42º, nº 1, alínea g), do CIRC, não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as facturas em sede de IVA, uma vez que a exigência de prova documental não se confunde nem se esgota na exigência de factura, bastando tão-só um documento escrito, em princípio externo e com menção das características fundamentais da operação, uma vez que ao contrário do que se passa com o IVA, em sede de IRC, a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova.”

In casu, conforme resulta da factualidade aditada oficiosamente, os documentos subjacentes à liquidação impugnada, e que titulam os gastos desconsiderados como custos fiscais pela AT, são documentos internos, ou seja, documentos elaborados pela própria empresa para justificar os gastos com prestação de serviços no âmbito da sua actividade agrícola.

A Impugnante, justificando tal situação, invocou que tais trabalhadores encontram-se dispensados de emissão de facturas pelas prestações de serviços efectuadas, e por isso, documentou internamente os gastos, documentos que contêm todos os elementos necessários.

Aplicando ao caso dos autos o direito e jurisprudência supra expostos, há que considerar que o facto de a Impugnante documentar os gastos com prestação de serviços agrícolas com documentos internos, não conduz, de per se, à sua desconsideração enquanto custo não documentado.

No entanto, se a inexistência de documento externo suprida por documento interno não obsta a dedução de um determinado gasto, nos termos do disposto no art. 23.º do CIRC, a verdade é que esse documento interno terá de respeitar algumas exigências de forma que se mostrem adequadas a garantir que ao pleno exercício da actividade fiscalizadora da AT, não só junto da Impugnante para a comprovação da existência de tais gastos, mas também, junto dos terceiros que prestaram os serviços, aferindo se os respectivos rendimentos foram declarados para efeitos de tributação.

Com efeito, “[a]s exigências formais em sede de comprovação de custos visam propiciar à Administração Fiscal um eficaz controlo das relações económicas quer do lado do adquirente quer do fornecedor, uma vez que, como ficou dito, à revelação de um custo para um agente, contrapõe-se um proveito para o outro, e não se tratando de uma prática isolada, mas de uma prática reiterada e que envolve vários agentes económicos, com e sem contabilidade organizada, aceitar tais notas como documento idóneo a comprovar os respectivos custos, seria fazer tábua rasa da obrigação que impende sobre a recorrente quanto às exigências de contabilidade organizada e, ao mesmo tempo, convidar a ficarem fora do sistema fiscal, múltiplos agentes económicos.” (Ac. do STA de 05/07/2012, proc. n.º 0658/11 – sublinhado nossos).

Regressando novamente ao caso dos autos, os documentos em causa consistem em várias folhas manuscritas, elaboradas pela própria Impugnante, nas quais consta a data e a natureza da prestação do serviço, o nome próprio de cada um dos trabalhadores, número de dias de trabalho, montante diário e montante total pago, data e forma de pagamento.

Da análise de tais documentos internos resulta manifestamente a insuficiência formal da descrição dos elementos da operação que titulam.

Com efeito, pese embora se descreva o local em que o serviço foi prestado, a respectiva data, a verdade é que no que diz respeito aos prestadores dos serviços a descrição é insuficiente para que possam ser identificados.

Na verdade, no que respeita à identificação dos prestadores de serviço de agricultura, apenas temos a identificação do nome próprio, sem indicação de bilhete de identidade, ou número de contribuinte, ou pelo menos a respectiva morada para que de algum modo se pudesse saber quem recebeu os montantes descritos naquele documento.

Como facilmente se compreenderá, é manifestamente insuficiente fazer-se constar apenas o primeiro nome da pessoa que prestou o serviço, sem se fazer constar outro qualquer elemento identificativo que permitisse a AT cumprir a sua função fiscalizadora e cruzar informações com as pessoas singulares que auferiram os rendimentos de trabalho.

Por outro lado, os documentos internos em causa nos autos não contêm qualquer assinatura das pessoas singulares a quem foram pagas as quantias em causa pelo trabalho prestado. Importava documentar internamente que aquelas pessoas efectivamente receberam aquelas quantias e não outras, e facilmente se atingiria tal desiderato pela simples elaboração de um recibo pela Impugnante e que dele constasse a assinatura dos prestadores de serviços que, por este meio, atestariam que receberam, por determinado trabalho agrícola prestado em determinadas datas, um determinado montante.

O recibo que aqui aventamos não necessitaria de ser um “recibo verde” documento de forma legalmente estabelecida, bastaria um recibo manuscrito, elaborado no momento, o importante é que contivesse todos os elementos identificativos de quem prestou o serviço e quanto recebeu.

Os documentos que a Impugnante elaborou, desprovidos de qualquer identificação das pessoas que prestaram o serviço, sem qualquer assinatura que ateste o recebimento das quantias que constam do referido documento, e de quantias pagas em dinheiro, não respeita minimamente as exigências de forma que o documento interno deve revestir.

Nesse sentido, também se decidiu no citado acórdão do STA:

“Se a recorrente, além de não ter apresentado documentos externos identificadores das principais características das transacções, se limita a apresentar notas internas contabilizadas referindo-se a compras, carne, peixe, ovos, e a meros talões de compras, sem identificação das principais características das operações efectuadas, tais como, o objecto, o adquirente, o fornecedor e o preço, não podem relevar como documentos comprovativos dos respectivos custos para efeitos do disposto nos arts. 23º, nº 1, alínea a), e 42º, nº 1, alínea g), do CIRC, preceito segundo o qual para o efeito da determinação do lucro tributável só relevam os encargos devidamente documentados.” (sublinhado nosso).

Em suma, os documentos internos terão de conter os elementos essenciais da operação que titulam por forma a possibilitar à AT quer ao controle da legalidade da dedução para efeitos fiscais do gasto, quer da respectiva tributação dos montantes auferidos pelos prestadores de serviços, o que não ocorre no caso dos autos, porquanto os documentos não identificam de forma adequada as pessoas singulares que prestaram os serviços, nem se encontram assinados quaisquer recibos que atestem quem e quanto recebeu.

Pelo exposto, e em suma, procedem as conclusões de recurso, e nessa medida, a sentença recorrida deve ser revogada, e consequentemente, a impugnação ser julgado improcedente.

3. Sumário do acórdão

I. Em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos arts. 23.º, n.º 1, e 41.º, n.º 1, alínea h), do CIRC (na redacção aplicável aos autos), não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as facturas em sede de IVA, bastando documento, que até poderá ser interno, desde que descreva suficientemente todos os elementos da operação que titulam;

II. Os documentos internos terão de conter os elementos essenciais da operação que titulam por forma a possibilitar à AT quer ao controle da legalidade da dedução para efeitos fiscais do gasto, quer da respectiva tributação dos montantes auferidos pelos prestadores de serviços, o que não ocorre se os documentos internos não identificam de forma adequada as pessoas singulares que prestaram os serviços, nem se encontram assinados quaisquer recibos que atestem quem e quanto recebeu.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida, e em consequência julgar improcedente a impugnação.

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Custas pela Recorrida, em ambas as instâncias.
D.n.
Lisboa, 23 de Abril de 2015.

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Cristina Flora

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Cremilde Abreu Miranda

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Joaquim Condesso