Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04567/11
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/14/2011
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. TAXAS SOBRE COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTOS DE SAÚDE.
CADUCIDADE. IMPOSTO DE OBRIGAÇÃO ÚNICA. AUDIÇÃO PRÉVIA.
Sumário:Doutrina que dimana da decisão:
1. A chamada taxa de comercialização sobre produtos de saúde constitui um verdadeiro imposto sobre o consumo ou contribuição especial, estando subordinado aos princípios e normas que regem os demais impostos, na parte em que lhe falta regulamentação própria;
2. E constitui um imposto de obrigação única, na medida em que incide sobre o concreto volume de cada produto e em cada mês, que nenhum relevo tem para o mês seguinte, sendo o respectivo prazo de caducidade do direito à liquidação a contar a partir do dia um do mês seguinte àquele a que diz respeito;
3. As causas de suspensão do decurso de tal prazo de caducidade apenas se podem reportar aos concretos litígios donde dependa aquela concreta liquidação, ou no caso desta apenas resultar de reclamação graciosa ou de impugnação judicial, donde a mesma venha a nascer;
4. Tendo a liquidação sido oficiosa por a contribuinte não ter cumprido com o seu dever de declaração e de pagamento da mesma, não há lugar à dispensa do direito de audição antes da liquidação e nem tal formalidade se degrada em formalidade não essencial, por não se poder afirmar que, mesmo ela tendo sido cumprida, a decisão final do procedimento não poderia deixar de ser a mesma.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:RECURSO JURISDICIONAL N.º 4.567/11.


Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP, identificado nos autos, dizendo-se inconformado com a sentença proferida pelo M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A...Cosméticos, Lda, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


1ª A douta sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia, por não se ter pronunciado, como devia, sobre matéria de facto relevante para a boa decisão da causa, violando, assim, o n.º 1 do artigo 125.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, bem como o n.º 2 do artigo 660.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 2.º daquele Código.
2ª A douta sentença recorrida enferma de insuficiência, quanto à decisão sobre a matéria de facto, por não considerar provados factos relevantes para a boa decisão da causa, violando, deste modo, a alínea a) do n.º 2 do artigo 46.º da Lei Geral Tributária, os artigos 514.º e 535.º e o n.º 3 do artigo 659.º do Código de Processo Civil, o n.º 2 do artigo 123.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, deve, por isso, tal decisão ser revista, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 712.º do Código de Processo Civil, ou anulada e ordenada a baixa do processo à primeira instância, nos termos do n.º 4 do mesmo preceito.
3ª A douta sentença recorrida fez errada aplicação do direito, no que se refere à questão da caducidade do direito de liquidação, porque não se não considerou as causas de suspensão do prazo legal de caducidade, como entendeu que se estava perante um imposto de obrigação única, quando efectivamente se trata de um imposto periódico.
4ª A douta sentença recorrida não considerou as hipóteses de suspensão que já lhe haviam sido propostas em sede de Contestação, quando devia ter considerado ter ocorrido essa suspensão e julgasse totalmente improcedente a impugnação judicial da liquidação efectuada, violando, assim, o preceituado nas alíneas a) e d) do n.º 2 do artigo 46.º da Lei Geral Tributária.
5ª A douta sentença recorrida considerou que o tributo dos autos é um imposto de obrigação única e que, por este facto, o prazo de caducidade do direito de liquidação se contaria desde o momento em que o facto tributário ocorreu, quando, no caso, a obrigação tributária se inicia desde que o sujeito passivo inicia a sua responsabilidade pela colocação no mercado de produtos cosméticos e de higiene corporal e renova-se mensalmente enquanto durar essa responsabilidade, não sendo, por isso, possível afirmar-se que se está perante um imposto de obrigação única.
6ª Assim, o prazo de caducidade do direito de liquidação sempre teria de contar-se «a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário» e não a partir do momento em que ocorreu o facto tributário, como erradamente se entendeu na douta sentença recorrida, pelo que decidindo diferentemente e considerando que o prazo de caducidade se contava a partir do momento em que ocorreu o facto tributário, a douta sentença recorrida violou o n.º 2 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária.
7ª A douta sentença recorrida considerou que os actos tributários impugnados enfermam de falta de audição prévia quando a mesma, pelo facto de esses actos terem assentado em elementos contabilísticos fornecidos pela Impugnante estava dispensada, nos termos do artigo 60.º da lei Geral Tributária.
8ª Ainda que se entendesse que esta dispensa não ocorre, teria de considerar-se que se está perante uma formalidade que se degrada em não essencial, visto que apenas está em causa a prática de um acto essencialmente vinculado, que consiste a aplicação de uma taxa a certo volume de vendas fornecido pela própria Impugnante, não existindo qualquer indício de que, promovida a audição, o tributo liquidado seria diferente. Além disso, a Impugnante não questiona sequer o valor do tributo liquidado.
9ª Ao decidir como decidiu a douta sentença recorrida violou o artigo 60.º da lei Geral Tributária e decidiu em sentido oposto a jurisprudência anterior proferida em caso semelhante.
10ª A douta sentença recorrida considerou ainda que os actos tributários impugnados padeciam de falta de fundamentação, quando é certo que alguns dos aspectos que considerou estarem em falta não são, sequer, exigíveis, como é o caso do preço de venda ao consumidor final e a discriminação dos tipos de produtos.
11ª Os actos tributários impugnados contêm a fundamentação exigida peio artigo 77.º da Lei Geral Tributária e o certo é que a Impugnante demonstrou nos autos ter bem compreendido o iter cognoscitivo e valorativo seguido pelo INFARMED nas liquidações impugnadas, tendo procedido à sua impugnação nos termos que considerou adequados.
12ª De salientar ainda que, em situação idêntica, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, secundado pelo Tribunal Central Administrativo Sul considerou actos de liquidação do INFARMED, referentes ao mesmo tributo devidamente fundamentados, pelo que, ao decidir como decidiu, a douta sentença recorrida violou o artigo 77.º da Lei Geral Tributária e decidiu em sentido oposto a jurisprudência anterior proferida em caso semelhante.

Pelo que, Venerandos Desembargadores, julgando procedente o presente recurso nos moldes supra enunciados, V. Exas. farão JUSTIÇA e cumprirão a LEI.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


Também a recorrida veio a apresentar as suas alegações e nestas as respectivas conclusões, as quais igualmente na íntegra se reproduzem:


a) Não se verifica a nulidade da douta sentença recorrida por omissão de pronúncia pelo facto de a mesma não ter justificado porque é que a pendência de processos judiciais relativos a outros actos de liquidação, nos quais a então Impugnante não era parte, bem como as diligências desenvolvidas pela Associação do sector, não suspenderam o prazo de caducidade, face ao disposto nas alíneas a) e d) do nº 2 do artº 46º da LGT.
b) O que a lei impõe é que o Tribunal se pronuncie sobre questões que deva apreciar (artº 125° do CPPT) e que decida as questões que as partes submeteram à sua apreciação (artº 660º do CPC) e não que se pronuncie sobre todos os argumentos invocados pelas partes para sustentar a sua pretensão, sobretudo quando tais argumentos não são razoáveis face ao ao texto das normas invocadas, como é o caso.
c) A pendência de processos judiciais relativos a outros actos de liquidação, nos quais a então Impugnante não era parte, bem como as diligências desenvolvidas pela Associação do sector, são factos manifestamente irrelevantes para a decisão relativamente à questão da caducidade e das suas eventuais suspensões e como tal insusceptíveis de alterar a decisão quanto a essa matéria, pelo que não há insuficiência da matéria de facto por não terem sido incluídos na fundamentação da douta sentença recorrida.
d) Ao contrário do afirmado pela Recorrente, resulta provado dos autos que na sequência de notificação do Infarmed datada de 10 de Dezembro de 2004 a ora Recorrida não forneceu àquela entidade os elementos contabilísticos solicitados, facto que foi alegado pela Impugnante na petição de Impugnação (artº 7º) e cuja veracidade foi confirmada pela ora Recorrente na Contestação (art° 2º).
e) E não só a ora Recorrente confirmou tal facto como não juntou aos autos qualquer documento comprovativo do contrário.
f) E também resulta provado dos autos que, na sequência de visita do Infarmed às suas instalações, a ora Recorrida não forneceu elementos contabilísticos “complementares, destinados a esclarecer os anteriormente fornecidos" - os elementos recolhidos pelo Infarmed no âmbito da acção de inspecção foram os primeiros e únicos documentos recolhidos, conforme invocado nos artºs 13º e 14º da petição de Impugnação e confirmado no artº 2º da Contestação.
g) Assim, a douta sentença recorrida considerou, e bem, todos os factos admitidos por acordo e documentalmente provados, pelo que também neste aspecto é manifestamente improcedente a alegada insuficiência da matéria de facto.
h) De uma correcta interpretação da al. a) do n.º 2 do art. 46.º da LGT decorre que apenas há suspensão do prazo de caducidade em caso de litígio judicial que envolva directamente o contribuinte visado e não litígios judiciais em que este não seja parte.
i) Donde, a pendência de processos judiciais que envolviam o INFARMED e outros sujeitos passivos que não a ora Recorrida não constitui causa de suspensão do prazo de caducidade da liquidação das taxas devidas pela mesma, caso contrário estar-se-ia a infringir o princípio da segurança jurídica e da tutela da confiança dos contribuintes, ao alargar injustificadamente o prazo de caducidade com base em factos totalmente fora do controlo dos contribuintes, na medida em que estes não são partes processuais nos referidos litígios.
j) Embora não seja clara a exposição da Recorrente no que toca à alegada violação da ali. d) do nº 2 do artº 46º que assaca à douta decisão recorrida, supõe-se que o seja a propósito da pendência de "reclamações e outras intervenções procedimentais desenvolvidas pela Associação dos Industriais de Cosmética, Perfumaria e Higiene Corporal (AIC)" que, não obstante, não são concretizadas.
k) Ainda que tenham existido diligências por parte da AIC, as mesmas não podem ser qualificadas como "reclamações", no sentido que é dado pela al. d) do n.º 2 do art. 46.º da LGT.
l) Para os efeitos desta norma, os termos "reclamação" ou "impugnação" não poderão deixar de ter o significado de "reclamação graciosa" ou de "impugnação judicial" previstos respectivamente nos artigos 70.º e ss e 99.º e ss do CPPT.
m) Sendo que, nos termos da ali. d) do nº 2 do artº 46º da LGT, apenas ocorre a suspensão do prazo de caducidade quando o direito à liquidação do tributo resultar de reclamação ou de impugnação que tenham como objecto a revogação ou a anulação de um acto tributário, facto que manifestamente não é invocado.
n) A douta sentença recorrida fez assim uma correcta interpretação do disposto nas alíneas a) e d) do nº 2 do artº 46º da LGT no que respeita às eventuais causas de suspensão do prazo de caducidade pelo que improcede manifestamente a alegada violação daquelas normas.
o) Face às características essenciais da taxa, designadamente, o facto de serem cobradas mensalmente, de incidirem sobre o volume de vendas mensal de cada produto e de poderem ser repercutidas no preço ao consumidor final deve concluir-se que se está perante um imposto de obrigação única.
p) A douta sentença recorrida, ao entender que sendo a taxa controvertida caracterizada como um imposto indirecto sobre o consumo ter-se-à de considerar como de obrigação única seguiu, e bem, a doutrina e jurisprudência anterior sobre esta matéria, incluindo a vertida no Acórdão deste Venerando Tribunal que foi junto aos autos pela própria Recorrente, por no, seu entender, ter sido proferido sobre "factualidade idêntica à ora em apreço".
q) Assim, e ao contrário do que conclui a Recorrente, o prazo de caducidade não teria de se contar a partir do final do ano em que se verificou o facto tributário, mas sim a partir do momento em que o mesmo ocorreu, pelo que improcede a alegada violação do nº 2 do artº 45º da LGT.
r) A dispensa de audição prévia prevista no art. 60º da LGT não é aplicável neste caso porque as liquidações das taxas não foram efectuadas com base em "declaração do contribuinte" mas sim exclusivamente com base em documentos
e elementos recolhidos pelo INFARMED nas instalações da Impugnante, no âmbito de uma acção de inspecção externa.
s) Decorre do art. 100º nº 1 do CPA que o direito de audição depende de uma prévia instrução procedimental, ou seja, de um conjunto de formalidades, informações, pareceres, apresentação ou produção de prova, realização de diligências, vistorias e exames necessários à prolação do acto por parte da administração. Havendo essa prévia instrução procedimental, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de tomada a decisão final e a Administração está vinculada ao dever de promover tal audição, como resulta também do artº 60º do RCPIT.
t) Tendo as liquidações da taxa sido realizadas exclusivamente com base em documentos recolhidos pelo INFARMED numa acção de inspecção externa, não só estão reunidos os pressupostos para a obrigatoriedade de audição prévia antes de proferida a decisão final, como não se verificam os requisitos de dispensa da mesma.
u) Por outro lado e contrariamente ao que sustenta a Recorrente, não só a Impugnante não forneceu ao INFARMED o volume de vendas sobre o qual incidiu a taxa - foi o INFARMED que o retirou dos elementos recolhidos – como a Impugnante expressamente questionou o quantum do valor liquidado, designadamente no artº 198° da p.i., pelo que não estamos perante "uma formalidade que se degrada em não essencial."
v) A situação factual subjacente ao douto Acórdão deste Tribunal no processo nº 02876/09, não é idêntica à ora em apreço, designadamente, porque naquele caso foi a B...que forneceu ao Infarmed os balancetes mensais das contas da Classe 7, antes da acção de inspecção (cfr. ponto 8 da matéria de facto provada, pág.16 do Acórdão).
w) E como se refere no citado Acórdão "estando em causa apenas a aplicação duma taxa ao volume de negócios (elemento fornecido pela impugnante), entende este Tribunal que estamos
perante uma situação de degradação duma formalidade" (sublinhado nosso), pelo que a orientação seguida pelo referido Acórdão, no sentido de que a falta de audição prévia
se degradou numa formalidade não essencial não se aplica no caso objecto dos presentes autos.
x) Assim, a douta decisão recorrida ao considerar verificada a preterição da formalidade legal relativa ao direito de audição antes das liquidações, com eficácia invalidante, fez uma correcta análise e interpretação dos factos e do artigo 60º da LGT.
y) Na falta de um relatório de inspecção onde o Infarmed poderia e deveria ter fundamentado as liquidações efectuadas e não tendo sido nunca explicitado à ora Recorrida, concretamente, de entre a multiplicidade de elementos contabilísticos recolhidos no âmbito da inspecção, quais os que foram tomados em consideração para o cálculo do volume de vendas sobre o qual incidiram as taxas impugnadas, é manifesto que os actos de liquidação padecem do vício de falta de fundamentação.
z) Embora a notificação das liquidações mencione que as mesmas tiveram por base “as declarações e os elementos contabilísticos obtidos junto de V. Exa", tal afirmação por si só e no caso concreto, não permite ao destinatário do acto conhecer cabal e inequivocamente, o itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pelo autor do acto, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente, pelo que não estão cumpridas cabalmente as exigências de fundamentação previstas no artº 77º nºs 1 e 2 da LGT.
aa) E nessa medida decidiu bem o Tribunal a quo ao considerar procedente a falta de fundamentação do acto por dele não constarem as razões da consideração dos montantes relativos ao volume de vendas considerado.
bb) E o mesmo se diga quanto ao tipo de produtos considerados pois na notificação apenas é referido que a liquidação é feita "nos termos do artigo 72º da Lei nº 3- B/2000 de 4 de Abril” e esta norma abrangia outros produtos para alem dos cosméticos e de higiene corporal.

Nestes termos e nos demais de Direito e com o sempre mui
douto suprimento deste Venerando Tribunal, deve ser negado provimento ao recurso mantendo-se a douta sentença recorrida, com as demais consequências legais, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser concedido provimento ao recurso, por além do mais a sentença recorrida não ter levado ao probatório da mesma os factos pertinentes em ordem a conhecer da invocada caducidade do direito à liquidação, incorrendo em grave insuficiência de apreciação da matéria de facto donde veio a ter lugar a decisão proferida.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a conhecer: Se a sentença recorrida padece do vício formal de omissão de pronúncia conducente à declaração da sua nulidade; E não padecendo, se as liquidações oficiosas das taxas de comercialização de produtos de saúde relativas a 2000 e 2001 se não encontra caducado o respectivo direito à sua liquidação; Se não ocorreu a falta de audição prévia antes das mesmas liquidações ou se tal falta se degradou em não essencial; E se não é de conhecer do outro fundamento do recurso, de falta de fundamentação (formal) de tais liquidações, por prejudicado.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório o M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
1 - A impugnante vem impugnar o acto de liquidação oficiosa da taxa incidente sobre a comercialização de produtos de saúde e de produtos cosméticos e de higiene corporal, instituída pelo artº 72º, da Lei n° 3-B/2000, de 04.04., mantida em vigor pela Lei n° 30-C/2000, de 29.12. e pela Lei n° 109-B/2001, de 27.12., regulamentada pelo Dec-Lei nº 312/2002, de 20.12., relativo aos meses de Janeiro a Dezembro de 2000 e de 2001, e ainda de Janeiro a Novembro do ano de 2002 e respectivos juros compensatórios, na importância de € 1.594.749,06, efectuada em 27.12.05, e recebida em 04.01.06- cfr p.i. de fls 3 e segs, ofícios de notificação de fls 141 a 172, dos autos.
2- A liquidação mencionada supra, resultou de uma acção de inspecção efectuada à sociedade impugnante, tendo sido notificada da data de início da acção inspectiva e iniciando­se a mesma em 12.01.05, e recolhido os elementos relativos á contabilidade e documentos de suporte, não foi determinado a conclusão do procedimento e elaborado o relatório final, não tendo sido ouvido o interessado ao longo daquele procedimento - cfr Carta aviso de fls 100 e 101, e Auto de recolha de documentação, de fls 103 a 107, dos autos.
3- A impugnante procedeu ao pagamento das taxas referentes aos meses de Dezembro de 2002 a Dezembro de 2004. - ­cfr requerimento e documento de pagamento de fls 199 a 202, dos autos.
X
Factos Não Provados
Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.
X
Motivação da decisão de facto
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.


4. Na matéria das suas duas primeiras conclusões das alegações do recurso, vem o ora recorrente assacar à sentença recorrida o vício formal de omissão de pronúncia, a existir, conducente à declaração da sua nulidade – bem como o respectivo e consequente pedido desde logo formulado, de que “deve, tal decisão ser revista...ou anulada e ordenada a baixa do processo à primeira instância” - porque o mesmo a ocorrer gerar, na realidade, a nulidade desta, nos termos do disposto nos art.ºs 668.º n.º1 alínea d), 660.º n.º2 e 713.º n.º2 do Código de Processo Civil (CPC), 143.º e 144.º do Código de Processo Tributário (CPT), e hoje dos art.ºs 124.º e 125.º do CPT, importa por isso conhecer, em primeiro lugar, desta invocada nulidade.

Aquela invocada nulidade só pode ocorrer, nos termos daquelas normas citadas em primeiro lugar, quando o Juiz deixe de pronunciar-se em absoluto de questão que deva conhecer, que por isso tenha sido submetida à sua apreciação e da qual não conheça, nem o seu conhecimento tenha sido considerado prejudicado pela solução dada a outra(s), como constitui jurisprudência abundante(1).

Como sabiamente invocava o Professor Alberto dos Reis - Código de Processo Civil Anotado, volume V, (Reimpressão), pág. 142 e segs - «Esta nulidade está em correspondência directa com o 1.º período da 2.ª alínea do art.º 660.º. Impõe-se aí ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras....
São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão».

Consubstancia, no caso, a recorrente, tal omissão de pronúncia, por o M. Juiz do Tribunal "a quo", na sentença recorrida ...não se ter pronunciado, como devia, sobre matéria de facto relevante para a boa decisão da causa...A douta sentença recorrida enferma de insuficiência, quanto à decisão sobre a matéria de facto, por não considerar provados factos relevantes para a boa decisão da causa... sendo assim esta a concreta “questão” que aponta como tendo sido omitido o seu conhecimento na sentença recorrida e que por si tenha sido articulada na respectiva petição inicial de impugnação judicial, sendo certo, na verdade, que o juiz deve conhecer na sentença, ...das questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não de todos os argumentos ou raciocínios expendidos pelo recorrente para sustentar a sua posição, nos termos do disposto no art.º 660.º n.º2 do CPC, sendo manifesto não ter ocorrido a apontada omissão de pronúncia, já que nenhuma verdadeira omissão é apontada a tal sentença, tal como ela formalmente se nos apresenta, antes o recorrente a fazendo radicar naquilo que entende que ela deveria conter e não contém, relativamente à sua matéria de facto, na sentença que julgou procedente a presente impugnação judicial e sobre que versa o presente recurso.

A enfermar tal sentença do invocado vício sobre a sua matéria de facto, então, o que a mesma poderá padecer é de um seu vício de substância, de fundo, de errado julgamento, conducente à sua revogação que não à declaração da sua nulidade, sabido que tal vício formal resulta de uma violação do disposto nos art.ºs 125.º, n.º1 do CPPT e 660.º, n.º2 do CPC, como acima se disse, sendo que o invocado errado julgamento sobre a matéria de facto deve ser suscitado pelo recorrente, enquanto fundamento do seu recurso e nos termos do disposto no art.º 690.º-A do CPC(2) (redacção de então e a aplicável), como igualmente, bem se pronuncia a recorrida na matéria das suas duas primeiras conclusões recursivas, desta forma não tendo ocorrido a apontada omissão de pronúncia conducente à declaração de nulidade da mesma sentença.

Como é sabido, por questões a que se reporta a norma do art.º 668.º n.º1 d) do CPC, não abrangem os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir(3), como se pronuncia entre outros, o acórdão deste Tribunal de 27.9.2005, recurso n.º 738/05, tendo como relator o do presente.

No caso, tendo o M. Juiz do Tribunal “a quo” conhecido e decidido das invocadas e verdadeiras questões, no âmbito global em que as mesmas apareciam nessa petição inicial e eram susceptíveis de levar à procedência da impugnação judicial, tendo daí retirado as devidas implicações jurídicas na parte decisória da mesma sentença, desta forma não deixou de conhecer de qualquer “questão”, enquanto factualidade enformadora com aptidão para conduzir à procedência da impugnação judicial e à anulação respectiva (ou, eventualmente, à declaração da sua nulidade) das liquidações em causa, do citado montante, pelo que não ocorreu a apontada omissão de pronúncia, assim não podendo deixar de improceder a matéria das conclusões do recurso atinente a este vício formal, sendo de não declarar nula a sentença recorrida.


Improcede assim, a matéria das primeiras duas conclusões do recurso.


4.1. Para julgar procedente a impugnação judicial considerou o M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que as impugnadas taxas sobre comercialização de produtos de saúde mais não são do que impostos cuja criação obedeceu aos ditames legais para estes previstos, que são reportados aos respectivos volumes de vendas, que os mesmos não violam os princípios da igualdade, da equivalência, da capacidade contributiva e da progressividade, que os mesmos não violam o direito comunitário, que os relativos a 2000 e 2001 liquidados que foram para além de 4 anos ocorreu a caducidade do direito à liquidação, como impostos de obrigação única que são e que igualmente ocorreram os vícios formais de falta do direito de audição e de falta de fundamentação (formal).

Para o recorrente, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é contra parte desta fundamentação que veio esgrimir argumentos tendentes a revogar ou alterar a sentença recorrida, pugnando que não ocorreu a caducidade do direito à liquidação por terem, no caso, ocorrido causas da sua suspensão e tratar-se de um imposto de não obrigação única, que não ocorreu a falta de direito de audição prévia por a liquidação ter assente em elementos recolhidos na contabilidade da ora recorrida e que em todo o caso, sempre a mesma se degradaria em formalidade não essencial e que tais actos não padecem do vício de falta da sua fundamentação formal.

Vejamos então.
Desde logo convém frisar que a chamada taxa sobre comercialização de produtos de saúde, foi criada pelo art.º 72.º da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril (Lei do Orçamento do Estado para 2000), tendo como sujeito activo dessa imposição o ora recorrente e como sujeito passivo, os produtores e importadores, ou seus representantes de produtos de saúde colocados no mercado, e que não obstante a epígrafe deste artigo (produtos de saúde), a mesma era aplicável, também a outros produtos como os cosméticos e produtos de higiene pessoal – cfr. alíneas a) e b) do seu n.º2 – havendo diferenciação entre uns e outros, apenas, no que concerne à taxa aplicável, sendo mais elevada a destes últimos.

E que tais taxas, sempre vieram na nossa jurisprudência a serem qualificadas como de verdadeiros impostos sobre o consumo, quer na jurisprudência deste TCAS, como constitui exemplo o acórdão de 28-10-2009, proferido no recurso n.º 2876/09(4), quer na jurisprudência do STA, em cuja contestação, a Exma Representante da Fazenda Pública elenca um número de 16, bem como no mais recente acórdão de 6-10-2010, proferido no recurso n.º 1218/03, em que igual caminho se continuou a trilhar, qualificação com que também se continua a concordar, e também nem as próprias partes dela dissentem nas conclusões do presente recurso.

Assim sendo, tais imposições criadas por lei a favor do ora recorrente para fazer face às atribuições que igualmente por lei lhe foram acometidas, encontram-se sujeitas à disciplina legal aplicáveis aos demais impostos, em tudo o que a sua disciplina própria de modo diverso não dispuser, como desde logo emana da norma geral do art.º 81.º, n.º1 da LGT, pelo que nada nesta se dispondo sobre a caducidade do seu direito à liquidação, se lhes aplicam as normas gerais dos art.ºs 45.º e 46.º da LGT.

E tal prazo geral de caducidade é de quatro anos contado, nos impostos periódicos, desde o termo do ano em que se verificou o facto tributário e nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu – cfr. n.ºs 1 e 4 do art.º 45.º da LGT.

Dissente o ora recorrente da sentença recorrida, quer quanto à qualificação do tributo como de obrigação única, quer quanto à inexistência de causas de suspensão desse prazo de caducidade, que entende existirem, pugnando que tal caducidade do direito à liquidação não terá chegado a completar-se.

Nos termos do disposto no n.º3 do art.º 72.º da mesma Lei, tal taxa incide sobre o volume de vendas de cada produto, tendo por referência o respectivo preço de venda ao consumidor final, constituindo receita própria daquele Instituto, e sendo o seu valor pago, mensalmente, com base nas declarações de vendas mensais, pelo que à matéria colectável assim ocorrido em cada mês, se lhe aplica a respectiva taxa, sendo o resultado dessa operação aritmética o valor da imposição a pagar pelo sujeito passivo por cada mês, que assim constitui o respectivo período temporal relevante para o apuramento do quantum do imposto devido.

Delineado legalmente os elementos estruturais de tal imposto, facilmente se pode concluir, encontrarmo-nos perante um imposto de obrigação única, tendo em conta que se trata de um tributo incidente sobre as concretas vendas de cada produto a ele sujeito, apuradas nesse mês, tendo assim um carácter instantâneo, não repetível no período de imposto seguinte, essas vendas realizadas no anterior mês(5), pelo que nos termos do disposto no n.º4 do art.º 45.º da LGT, o prazo de caducidade se conta desde a data em que ocorreu o facto tributário, como bem se fundamentou na sentença recorrida, mas em contrário do pretendido pelo ora recorrente, cuja argumentação assim não pode ser acolhida.

Quanto a esta questão, continua o recorrente também a assacar à sentença recorrida o seu errado julgamento por não ter tomado em consideração, na contagem do prazo de caducidade as suas causas de suspensão, que no caso entende serem os acórdãos do Tribunal Constitucional em que se discutia a constitucionalidade das normas que criaram tais imposições e as reclamações deduzidas pela Associação dos Industriais de Cosmética, Perfumaria e Higiene Corporal (AIC), em representação de todos os associados, no sentido de tais taxas virem a ser revogadas – cfr. matéria dos art.ºs 30.º a 37.º da sua contestação – invocando para tanto as normas das alíneas a) e d) do n.º2 do art.º 46.º da LGT.

Nos termos gerais do disposto no art.º 328.º do Código Civil, o prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine, começando este a decorrer, desde o momento em que do direito puder legalmente ser exercido, nos termos do art.º 329.º deste Código.

No âmbito tributário em que nos encontramos, no que à caducidade do direito à liquidação tange, as invocadas normas das alíneas a) e d) do n.º2 do citado art.º 46.º (redacção que não sofreu alteração com a Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho), consagram a suspensão do decurso desse prazo, quer em caso de litígio judicial de cuja resolução dependa a liquidação do tributo, quer no caso do direito à liquidação resultar de reclamação ou impugnação, situações estas que, nenhuma delas, em concreto, o ora recorrente sequer invoca, nem dos autos se vê rasto de qualquer prova nesse sentido, quanto a estas concretas liquidações relativas a 2000 e 2001, pelo que nenhumas causas de suspensão do decurso do prazo destas liquidações podem ser atendidas para este efeito, já que, subsumível a tais normas se encontram os concretos litígios donde resultaram as concretas liquidações, quer as concretas reclamações ou impugnações dos mesmos, não bastando a existência de litígios com objectos similares e outros meios tendentes a, por outra via, obter a revogação ou a suspensão da cobrança de tais taxas, como exposições sobre tal matéria, ainda que, eventualmente, pudessem vir a ter efeitos nas mesmas, nem mesmo a invocada inconstitucionalidade com força obrigatória geral de tais normas, derivada de decisão do Tribunal Constitucional – cfr. matéria dos art.ºs 30.º a 35.º da mesma contestação – para sem mais, poder suspender o decurso do prazo para as liquidações em causa, aqui os seus efeitos, dependiam da decisão nesse concreto sentido, nos termos do disposto no art.º 282.º da CRP, na redacção de então, introduzida pela 4.ª revisão constitucional.

Neste conspecto, ao contrário do invocado pela Exma RMP, junto deste Tribunal no seu parecer, também a sentença recorrida não padece de errado julgamento sobre a matéria de facto relativamente às causas que pudessem ter por efeito a suspensão do decurso do prazo de caducidade por, como acima se disse, nenhumas terem desde logo sido invocadas que pudessem ser subsumíveis em tais fundamentos legais de suspensão do decurso desse prazo, não bastando para tal, as diligências genéricas desenvolvidas pela AIC, em representação do seus associados, no sentido de pôr cobro à existência de tais taxas, como nesta parte bem se pronuncia a recorrida na matéria das suas conclusões j) a n) das suas contra-alegações.

Assim, tendo o termo inicial do decurso de tal prazo de caducidade se iniciado em 1-1-2002 (para a taxa mais recente), em 4-1-2006, data em que foi notificada, entre outras, destas liquidações – cfr. matéria do ponto 1. do probatório fixado na sentença recorrida – já haviam decorrido mais de 4 anos, pelo que o respectivo direito por banda do ora recorrente já fora dele foi exercido, desta forma se tendo completado tal prazo de caducidade, como bem se decidiu na sentença recorrida, que assim não é merecedora da apontada censura formulada pelo ora recorrente.


Passamos agora a conhecer se não ocorreu o vício formal de preterição da formalidade legal de falta de audição prévia da ora recorrida antes das liquidações das (restantes) taxas em causa, ou se tal formalidade se degradou em não essencial, questão que foi conhecida em, entre outros, no recurso deste Tribunal, n.º 4043/10(6) e que para aqui se aporta enquanto seu discurso fundamentador.
(...)
(7) É certo que os contribuintes têm direito a ser ouvidos e a pronunciar-se nos procedimentos que lhes digam respeito, antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados do sentido dela: Cfr. 267° n.º 5 da Constituição da República Portuguesa (CRP), arts. 8° e 100° e ss do Código de procedimento Administrativo (CPA), art. 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e art.º 45° do CPPT.

Conforme doutrina expressa no Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul de 03/05/2005, no Recurso n° 1076/03, "o direito de audição reclamado pelo impugnante integra o princípio da participação dos contribuintes consignado no Art.º 267/5 da CRP e 60 e segs. da LGT [sendo dispensada no caso de a liquidação se efectuar com base em (...) reclamação ou petição favorável. (n.º 2 do Art.º 60 LGT e 103/2, b) do CPA].
(...)
Não sendo a decisão impugnada favorável ao contribuinte, não podia ser dispensada a sua audição.
Ao preterir-se a formalidade essencial de audição prévia, o acto tributário está ferido de invalidado, por vício de forma.
Contudo, esta invalidade não é geradora de nulidade mas sim de mera anulabilidade, uma vez que a lei não comina a sanção, mais severa, de nulidade.
(...)
Hoje a LGT, que veio adequar a disciplina do procedimento tributário ao Código do Procedimento Administrativo e à Constituição (vd. relatório do Decreto-Lei n.º 398/98, de l7 de Dezembro) consagra expressamente e regulamenta a audiência prévia no procedimento.
Porém, ao fazê-lo, visa mais a concretização do princípio democrático na sua dimensão participativa, e não tanto a ideia garantística inerente ao princípio do Estado de Direito, pois o que aí está em causa é fundamentalmente um princípio de organização e acção administrativa, sendo por isso que já anteriormente o CPA veio estabelecer como forma de participação no procedimento administrativo a audiência dos interessados regulada nos seus artigos 100.º e seguintes, que, no essencial, pressupõe o reconhecimento do direito de os interessados se pronunciarem sobre o objecto do procedimento antes da decisão final e assegurar que a Administração não tome nenhuma decisão sem ter dado ao interessado oportunidade de se pronunciar sobre as questões que importam a essa mesma decisão.
(...)
Porque estamos em presença de um conflito entre interesses e as correspondentes posições subjectivas, diríamos que estamos no âmbito do contraditório e por isso não se impunha a audiência pretendida pela recorrente.
Acresce que em nosso critério a violação do art. 100.º CPA se reconduz a um vício de forma, por preterição de uma formalidade essencial, estando essa formalidade instituída para assegurar as garantias de defesa da interessada, por forma a garantir a justeza e correcção do acto final do procedimento.
Ora, tratando-se de um trâmite destinado a assegurar as garantias de defesa dos particulares a possibilidade de também aqui ser possível ocorrer a sua degradação em formalidade não essencial, quer dizer que a preterição não implica necessariamente a invalidade do acto final.
(...)
Por outro lado, nos termos do disposto no art.º 60.º da LGT, que define as formas do princípio da participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito, dispõe, expressamente, que esta se pode efectuar nos termos aqui prescritos, sempre que lei não prescrever em sentido diverso...(realce nosso),ou seja, é a própria LGT, ela própria, que igualmente dá relevo a outras formas de participação dos contribuintes nas decisões que lhes digam respeito, de acordo com os vários procedimentos tributários específicos (caso existam), que neste caso são os directamente aplicáveis, que não o regime da mesma LGT, ainda que por remissão expressa desta.
(...)
A ratio deste n.º2 do art.º 60.º da LGT, visa evitar que a audição se transforme num momento procedimental que não tenha qualquer sentido racional na perspectiva da utilidade para a formação da decisão ou deliberação tributárias. Um momento de simples decoração do procedimento, que nenhum valor substancial justifica e antes é arredado pelos princípios gerais da utilidade racional dos actos jurídicos, da celeridade, da simplicidade e da eficiência do procedimento(8).
(...)
Porém, o mesmo não acontece com o prédio inscrito na matriz sob o art.º 2122, em que a AT igualmente procedeu à liquidação da sisa e dos juros compensatórios que considerou devidos, pela parte dos lotes de terreno cedidos ao Município no âmbito do respectivo processo de loteamento – cfr. matéria do ponto 13.º do probatório e doc. de fls 46 dos autos – não tendo a ora recorrente quanto ao mesmo, pedido qualquer liquidação de sisa (eventualmente por entender não devida, tendo em conta a posição por si assumida desde logo nas declarações relativas aos outros prédios, referidos, de que a cedência de lotes é equivalente à revenda), mas não se conhecendo em concreto qual a posição que a mesma tomaria quanto a tal liquidação, designadamente quanto aos juros compensatórios igualmente liquidados e que dependem da culpa no retardamento da liquidação (cfr. art.º 35.º da LGT), pelo que não se pode nesta parte, falar em degradação desta falta de audição em não essencial e em realização de liquidação de igual conteúdo, e não tendo sido havido qualquer cumprimento desse direito, a consequente liquidação enferma desse vício formal de falta de audição prévia, conducente à sua anulação, como aliás também se pronuncia o Exmo RMP, junto deste Tribunal, no seu parecer, ainda que também o entenda quanto às restantes liquidações, acima tratadas, e em que de forma oposta se entendeu e decidiu supra.
(...)

No caso, tendo presente os diversos diplomas que vieram manter em vigor e regular tais imposições a favor do ora recorrente – Leis n.ºs 30-C/2000, de 29 de Dezembro e 109-B/2001, de 27 de Dezembro (Orçamentos do Estado para 2001 e 2002, respectivamente), e Dec-Lei n.º 312/2002, de 20 de Dezembro (que as veio a regulamentar) – como bem se pronuncia o M. Juiz do Tribunal “a quo” na sentença recorrida, que não vieram a estabelecer qualquer específica forma de participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito, é-lhe aplicável o regime geral contido no art.º 60.º da LGT, em que tal audição se encontra prevista antes da liquidação – alínea a) do seu n.º1 – havendo, contudo, lugar à sua dispensa, quando a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte – seu n.º2, na redacção de então – declaração da contribuinte para o efeito apresentada que no caso não existiu, como se não encontra em causa, e em que a liquidação (oficiosa) teve lugar por acto de inspecção do ora recorrente, onde da contabilidade da mesma recolheu os pertinentes elementos em ordem a tais liquidações, como desde logo das mesmas liquidações se pode colher – cfr. também matéria fixada nos pontos 1. e 2. do probatório da sentença recorrida – pelo que, ao abrigo da norma do citado n.º2, não era um caso de dispensa do direito de audição da contribuinte prévia a tais liquidações, contra o que ora recorrente, verdadeiramente, nem se insurge – cfr. matéria das suas conclusões 7.ª e 8.ª das suas alegações do recurso – antes radicando, nesta parte, a sua insatisfação com a sentença recorrida, por não ter considerado tal falta como degradada em formalidade não essencial.

Como tem sido entendido pela generalidade da nossa jurisprudência, como nos recentes acórdãos do STA de 11-5-2011, no recurso n.º 833/10 e deste Tribunal no recurso n.º 4232/10(9), e que continuamos a sufragar, a degradação de tal formalidade em não essencial, só pode ter lugar para aqueles casos em que se demonstra que, mesmo ela tendo sido cumprida, a decisão final do procedimento não poder deixar de ser a mesma, como nos casos de sisa e hoje de IMT, em que a matéria tributável foi quantificada por acto autónomo, com possibilidade de participação do contribuinte nessa quantificação, e que só depois dela consolidada, é que é efectuada a liquidação (stricto sensu), que acaba por consistir na aplicação de uma taxa, legalmente fixada, a tal quantificação já assim estabilizada, pelo que a participação do contribuinte já teve lugar numa sua fase a montante e onde em regra, ocorrem os maiores conflitos entre o contribuinte e a AT, não se justificando ou perdendo relevo uma segunda participação do mesmo, antes da liquidação assim operada.

Porém, não é o que acontece no caso dos autos, em que o montante sobre que se foi aplicada a taxa - o volume de vendas de cada produto - ainda que recolhido da contabilidade e demais elementos da escrita da ora recorrida, até à fase da liquidação, não teve a mesma a oportunidade legal de sobre tal quantificação se pronunciar, que assim se não mostra estabilizada, como acontece nos casos supra, tanto mais que existem taxas de valores diferentes para produtos também diferentes (produtos farmacêuticos e homeopáticos por um lado, e cosméticos e de higiene corporal, por outro), para além de a ora recorrida questionar essa quantificação desse concreto volume de vendas (ao contrário do invocado pelo ora recorrente na matéria da sua conclusão 8ª e como bem invoca a recorrida na matéria da sua conclusão u), por referência à matéria dos art.ºs 198º e 199.º da sua petição inicial de impugnação judicial, como dela se pode colher, ainda que o faça por referência à sua falta de fundamentação), pelo que não se pode concluir, que se tal formalidade fosse cumprida, o resultado dessas liquidações seria exactamente o mesmo, não sendo assim caso de degradação de tal formalidade legalmente prescrita em formalidade não essencial, com a manutenção das liquidações impugnadas.

Por outro lado, diga-se ainda, que tal questão da preterição de tal formalidade de falta de audição prévia se ter degradado em formalidade não essencial, foi questão que não foi trazida aos autos por nenhuma das partes até ao presente recurso e também não foi conhecida na sentença recorrida – cfr. matéria dos art.ºs 183.º a 194.º da petição inicial e 176.º a 180.º da contestação, então oferecida pelo ora recorrente - pelo que assim se configura como questão nova, que se encontra fora do âmbito do conhecimento do Tribunal, por também não ser de conhecimento oficioso, pelo que ao seu abrigo também não poderia o presente recurso deixar de improceder.


Na sentença recorrida foi ainda conhecido um outro fundamento consistente na existência de um outro vício formal de tais liquidações – falta da sua fundamentação – do qual contudo se não conhece no âmbito do presente recurso, por prejudicado, já que nada iria acrescentar em termos de tutela efectiva à ora recorrida, por tais liquidações sempre se manterem anuladas pelos outros fundamentos já conhecidos, nos termos do disposto no art.º 660.º, n.º2 ex vi do art.º 713.º, n.º2, ambos do CPC.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.


Custas pelo recorrente.


Lisboa,14/06/2011

EUGÉNIO SEQUEIRA
ANÍBAL FERRAZ
LUCAS MARTINS(Com a declaração de que se não acompanha a fundamentação quanto à invocação da degradação em mera irregularidade da violação do direito de audição)




1- Cfr. entre outros, os acórdãos do STA de 2.10.1996 (ambos), recursos n.ºs 20472 e 20491.
2- Ainda que, oficiosamente, em certas circunstâncias, também o tribunal, possa proceder à alteração da matéria de facto, nos termos do disposto no n.º1 do art.º 712.º do CPC.
3- Cfr. neste sentido, para além do acórdão deste TCAS de 12.10.2004, recurso n.º 5815/01, entre muitos outros, os acórdãos do STJ de 2.10.2003 (ambos), recursos n.ºs 2585/03, Rec. Rev., 2.ª Secção e n.º 480/03, Rec. Agravo, 7.ª Secção.
4- Em que o aqui relator ali foi 1.º Adjunto.
5- Como constitui jurisprudência constante e reiterada. Cfr. entre muitos outros, os acórdãos do STA de 7-5-2003, de 15-9-2010 e de 3-3-2010, proferidos nos recursos 65/02, 545/10 e 1076/09, respectivamente, sendo aquele primeiro do Pleno da Secção do CT.
6- Tendo por Relator o do presente.
7- Seguimos aqui de perto, na parte correspondente, a fundamentação expendida no acórdão deste Tribunal de 4.10.2005, recurso n.º 6876/02, em que o aqui Relator ali foi Adjunto.
8- Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 13.11.2002, recurso n.º 977/02-30.
9- O qual teve por Relator o do presente.