Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11093/14
Secção:CA - 2º. JUÍZO
Data do Acordão:10/23/2014
Relator:NUNO COUTINHO
Descritores:TEMPESTIVIDADE DO RECURSO CONTENCIOSO DE ANULAÇÃO
VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DE DEFESA E DO PRINCÍPIO NE BIS IN IDEM
Sumário:1 – Mostrando-se que os documentos requeridos à entidade recorrida, ao abrigo do nº 1 do artº 31 da L.P.T.A., são necessários a compreensão do acto, não se verifica a extemporaneidade de recurso contencioso de anulação se o mesmo foi interposto no prazo de dois meses contados da remessa dos referidos documentos, extemporaneidade que nunca se verificaria relativamente aos invocados fundamentos de nulidade do acto.
2. Viola os direitos de defesa de particular e o princípio ne bis in idem o acto que aplica sanção mais gravosa relativamente a anteriormente aplicada – previstas ambas no Regulamento da Academia Militar - sem que o particular tenha sido notificado para se pronunciar quanto à possibilidade de aplicação da segunda sanção e quando a anteriormente aplicada já tinha sido cumprida.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – Relatório

P…… interpôs contra o Comandante da Academia Militar, recurso contencioso de anulação visando despacho proferido em 13 de Setembro de 2002, nos termos do qual foi a Recorrente eliminada da frequência da Academia Militar e lhe aplicou a pena de expulsão

Por sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, em 25 de Novembro de 2013, foi julgada improcedente a excepção de caducidade de direito de acção, suscitada pelo ora Recorrente, bem como julgado procedente o pedido, tendo sido declarado nulo o acto recorrido.

Inconformado com o decidido, o Recorrido recorreu para este TCA Sul, tendo formulado as seguintes conclusões:

1ª- Como foi considerado provado na douta Sentença recorrida, o despacho impugnado contenciosamente foi notificado à interessada em 18 de Setembro de 2002, pelo que, tendo o recurso contencioso dado entrada no Tribunal apenas em 17 de Dezembro de 2002, tal ocorreu depois do decurso do prazo de 2 meses previsto na alínea a) do n°1 do artigo 28° da LPTA.

2ª - A referida notificação incluiu o teor integral daquele acto, mostrando-se irrelevantes, para efeitos da contagem do prazo de impugnação contenciosa, os pedidos de elementos posteriormente efectuados pela Recorrente, aliás, de forma dispersa no tempo, em virtude de tais pedidos não respeitarem à insuficiência da notificação, não podendo, consequentemente, a mesma beneficiar da eficácia interruptiva prevista no n°2 do artigo 31° da L.P.T.A., a qual, aliás, nem sequer foi invocada.
3ª - Assim, e ao contrário do que se decidiu, deveria ter sido julgada procedente a excepção da caducidade do direito de acção, invocada na resposta da entidade recorrida, e esta ter sido absolvida da instância.

4ª - Ao contrário do que também se julgou na douta Sentença, não ocorreu a violação das garantias de audição e defesa da Recorrente, nomeadamente por esta não ter sido notificada para se pronunciar sobre a intenção de lhe ser aplicada a pena disciplinar escolar de expulsão da frequência da Academia Militar.

5ª - É que, nem o Regulamento da Academia Militar (RAM), aprovado pela Portaria n°425/91, de 24 de Maio nem o Regulamento de Disciplina Militar, aprovado pelo Decreto-Lei n°142/77, de 9 de Abril, em vigor à data dos factos, impunham que o arguido no processo disciplinar fosse notificado previamente da pena que era intenção aplicar-lhe.

- Também a fundamentação do ato punitivo não foi além da factualidade apurada no procedimento disciplinar, e que constava da nota de culpa que foi notificada à Recorrente, verificando-se, apenas, que, por entender que essa pena não se mostrava adequada à gravidade daqueles factos, o Comandante da Academia Militar, fazendo uso da faculdade que lhe é conferida pelo n°7 do artigo 160° do RAM, procedeu à substituição da referida pena pela de expulsão da frequência da Academia Militar, prevista nos artigos 153°, n°1, alínea e), e 1 57° do RAM.

7ª - Sendo que, para cumprimento do disposto no n°2 do artigo 157° do RAM, a substituição da pena teve de ser precedida da audição prévia do conselho de disciplina da Academia Militar.

8ª - Por último, também padece a decisão recorrida de erro de julgamento, ao considerar que se verifica a violação do princípio non bis in idem, pois a Recorrente não foi punida duas vezes pela prática dos mesmos factos, tendo a pena escolar de expulsão sido aplicada em substituição da pena aplicada pelo comandante da Escola Prática de Administração Militar e não cumulativamente com esta.”


Contra-alegou a Recorrente nos seguintes moldes:

Contrariamente ao afirmado pela ora recorrente, na sentença recorrida decidiu-se bem relativamente à tempestividade do recurso contencioso, quer quanto à procedência dos vícios invocados.

Sendo a ata n°1/2002 do Conselho de Curso, o despacho 126/96 e as certidões respeitantes às avaliações da Recorrente no curso TPO, documentos necessários à integral compreensão do ato recorrido, os requerimentos da militar então recorrente solicitando a passagem de certidão que os contivesse são relevantes para a contagem do prazo de recurso contencioso e, em conformidade, deve considerar-se que o referido prazo se iniciou com o envio das últimas certidões relativas à sua avaliação, remetidas por ofício de 12.11.2002 nos termos dos artigos 68°, do CPA, e 31°/1, da LPTA, e o recurso contencioso tempestivo

A fundamentação do ato recorrido de expulsão no "parecer" do Conselho de Disciplina da Academia Militar e na "avaliação" do Conselho de Curso TPO da EPAM, matéria relativamente à qual se não tinha pronunciado do antecedente no processo disciplinar instaurado na EPAM, bem como a parte em que o despacho refere ter sido admoestada verbalmente pelo director, constituem e configuram factos novos, que, manifestamente, constituem fundamento da pena de expulsão aplicada e não da pena de vinte e cinco dias de detenção escolar anterior.

Não se tendo podido pronunciar sobre os citados acima parecer e avaliação, manifesto se mostra que foi violado o direito de defesa da aluna o qual constitui nulidade, por violação dos artigos 269°, n°3, da CRP e 133°, n° 2-d do CPA, pelo que a sentença recorrida, obviamente decidiu bem relativamente a tal questão.

5ª. Não corresponde à verdade o invocado pela ora recorrente no sentido de o fundamento do acto punitivo não ter ido além da factualidade apurada no procedimento disciplinar, porquanto é o próprio despacho de 13 de Setembro de 2002, do Comandante da Academia Militar que determina que se anexem ''aos autos, certidões, por extracto, da acta do Conselho de Disciplina na parte respeitante ao parecer para o efeito emitido, bem como da acta do Conselho de Curso da EPAM, onde conste a classificação e respectiva fundamentação respeitante à militar em causa", e refere como conduta gravemente censurável os factos identificados por remissão que não constavam do acto recorrido.

6ª. O Regulamento da Academia Militar (RAM), aprovado pela Portaria n°425/91, de 24 de Maio e o Regulamento de Disciplina Militar, aprovado pelo Decreto-Lei n° 142/77, de 9 de Abril, em vigor à data dos factos, impunham que fosse notificada previamente a aluna da pena que era intenção aplicar-lhe, atendendo às circunstâncias de já ter cumprido pena, se encontrar encerrado o processo, do mesmo não ter sido interposto recurso, de constituir pena máxima e à de as normas e preceitos disciplinares deverem ser interpretados de acordo com a CRP, nomeadamente de acordo com os princípios subjacentes ao artigo 2°, 29°, e 32° da CRP, princípios do contraditório e das garantias de defesa e ainda de acordo com os decorrentes da participação dos interessados (100°, do CPA).

7ª. Tal como na sentença recorrida, também se entende que no caso houve violação do princípio "ne bis in idem" porquanto os autos não foram remetidos ao Comandante da Academia Militar para apreciação, a aluna cumpriu a pena de 25 dias de detenção escolar, e a situação satisfaz a previsão do n° 5 do artigo 161° do RAM que põe termo ao processo.

8ª. Acresce à conclusão que antecede que o despacho recorrido do Comandante da Academia Militar, viola o disposto no artigo 73°, n°1 do RDM aprovado pelo DL 142/77, de 9 de Abril, segundo o qual "não se aplicará mais de uma pena disciplinar pela mesma infracção".
A pena aplicada pelo Comandante da EPAM foi aplicada e cumprida, de modo que não se vislumbra que qualquer outra pena aplicada posteriormente não viesse a constituir uma nova pena, até porque não se tratava de aumentar o grau da anterior (passar por exemplo de uma pena de 10 dias de detenção para uma de 25 dias de detenção), mas determinar o cumprimento de pena de outro grau (pena máxima possível) que fazia cessar a relação jurídica existente entre a aluna e as Forças Armadas, quando a primeira já se encontrava cumprida.

10ª. Tendo sido aplicadas e cumpridas, a pena de 25 dias de detenção escolar e a pena de expulsão, sem que se possa afirmar que a pena de expulsão aplicada absorve a pena de detenção escolar, teremos por concluir, tal como na sentença recorrida, que existiu violação do princípio "ne bis in idem" por à aluna terem sido aplicadas e cumpridas duas penas diferentes sobre os mesmos factos, o que constitui nulidade.

11ª. A recorrida adere à bem fundamentada decisão da sentença relativamente ao desvalor do acto recorrido, cominado com nulidade, porquanto ocorreu falta absoluta de possibilidades de defesa por a aluna ter sido coarctada ou ficado impossibilitada de se defender dos factos que fundamentaram a expulsão, quer por não ter participado nos órgãos que elaboraram pareceres anexos ao despacho recorrido, quer por não ter sido notificada da sobredita intenção de expulsão para que se pronunciasse.”

O EMMP emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso

II) Na sentença recorrida foram dados como assentes os seguintes factos:


1) A Recorrente, P……, Aspirante a Oficial TPO S AM NIM …….., iniciou em 01.10.2001 o estágio de carácter profissionalizante, designado Tirocínio para Oficial (TPO), na Escola Prática de Administração Militar (EPAM) da Póvoa do Varzim (cfr. docs. fls. 36 e 37 do processo instrutor).

2) Em Auto de Notícia, datado de 10.06.2002, o Oficial de Dia da referida EPAM fez constar que "P……, da Companhia de Instrução, foi encontrada a dormir no quarto do Segundo Sargento (...) J...... (....) pela Alferes (...) A…… (Oficial Dia cessante) e pela Aspirante (...) M…… (Oficial de Prevenção), que passaram no quarto do Segundo Sargento M…… após solicitação da minha parte para que confirmassem se a Aspirante TPO P…… se encontrava ali, conforme se suspeitava" (Doc. fls. 2 do processo instrutor).

3) Na sequência do referido auto de notícia e após processo de averiguações, no qual concluiu deverem ser instaurados processos disciplinares, foi, por despacho do Comandante da EPAM, de 19.06.2002, instaurado processo disciplinar à Aspirante P……. (docs. fls. 23 e 25 do processo instrutor).

4) Em 20.06.2002 foi elaborada nota de culpa contra a Aspirante a Oficial P……, com a seguinte acusação "(...) após ter entrado pelas 23hOO de 09Jun02 (Sábado) no aquartelamento da EPAM, na viatura do Segundo Sargento (...) J……, conduzida pelo próprio, se ter dirigido às instalações dos alojamentos de sargentos e pernoitado no quarto do seu acompanhante, onde permaneceu até cerca das 10h00 do dia seguinte, altura em que ali foi encontrada por pessoal de serviço.
Infringiu os deveres 1°, 4°, 16° e 23° do artigo 4.° do RDM, sendo o primeiro com referência ao artigo 54° do Regulamento Geral do Serviço nas Unidades do Exército, aos deveres indicados em a) e b) do artigo 144° do Regulamento da AM (Portaria 425/91, de 24 MAI) e ainda ao ponto VIII do Código de Honra da AM;
Tem como agravantes as circunstâncias g) e j) do artigo 71° do RDM e a circunstância i) do mesmo artigo, esta no que respeita à reiteração da utilização indevida das instalações reservadas a Sargentos, para cuja prática fora oportunamente admoestada.
Nos termos do n.°4 do artigo 161° do Regulamento da AM, é conferido à arguida o prazo de 10 dias para, querendo, apresentar a sua defesa por escrito, podendo dizer ou requerer o que tiver por conveniente para a mesma e indicar quaisquer meios de prova, tendo ainda o direito de escolher defensor ou constituir advogado", (doc. fls. 40 do processo instrutor).
5) Em 20.06.2002 foi entregue a referida nota de culpa à Recorrente (doc. fls. 28 do processo instrutor).

6) A Recorrente respondeu à nota de culpa, em requerimento escrito, subscrito pelo seu advogado (doc. fls. 47 e s. e 43 e s. do processo instrutor).

7) No âmbito do referido processo disciplinar foi elaborado Relatório no qual se concluiu:
- Que a arguida P…… praticou os factos descritos em 7.a e b. e nas condições aí descritas;
- Que a arguida agiu de forma consciente e de livre vontade e não procurou outra solução que agora lhe parece mais razoável;
- Na graduação da medida da pena a aplicar, deverão ser tidas em consideração as circunstâncias agravantes g), i) e j) do artigo 71,° do RDM e a circunstância atenuante prevista na alínea f) do artigo 72° do mesmo Regulamento (doc. fls. 66/70 do processo instrutor).

8) Os factos dados como provados no referido Relatório são os seguintes:
a. Que no dia 08.06.2002 a Aspirante a Oficial P……, da Academia Militar, adida à Companhia de Instrução da EPAM, a frequentar o Tirocínio de Administração militar, após ter entrado pelas 23h (Sábado) no Aquartelamento da EPAM, na viatura do 2° Sargento J……, conduzida pelo próprio, dirigiu-se às instalações dos alojamentos dos Sargentos e pernoitou no quarto do seu acompanhante, onde permaneceu até cerca das 10h do dia seguinte, altura em que ali foi encontrada sozinha por pessoal de serviço;
b. Que o 2° Sargento ……, no dia 08.06.2002, pelas 23h5m, estacionou a sua viatura junto ao campo de ténis e foi ter com a Aspirante …… logo a seguir a esta ter entrado no quarto que a ele estava atribuído e onde ela foi dormir, falou com ela, emprestou-lhe o seu pijama e voltou ao mesmo quarto no dia seguinte pelas 08.30m, altura em que tomou banho, barbeou-se e fardou-se na casa de banho interior do quarto, a fim de se preparar para entrar de serviço às 9h30m;
c. Que a Aspirante …… sabia que não lhe era permitido frequentar o bar e os alojamentos de Sargentos, pois o seu Director de Curso já a tinha proibido de frequentar tais instalações;
d. Os alojamentos estão distribuídos em Blocos separados para Oficiais e para Sargentos e em cada um destes por alas distintas para militares femininos e masculinos e os quartos estão distribuídos nominalmente;
e. O quarto distribuído ao 2° Sargento …… tem três camas e está distribuído a ele e mas dois Sargentos do seu curso que naquela noite não pernoitaram no local;
f. Que os factos ocorreram com a anuência da própria e do 2° Sargento ... (doc. fls. 68/69 do processo instrutor).


9) Por despacho, de 10.07.2002, do Comandante da EPAM, foi decidido punir P…… com vinte e cinco dias de detenção escolar, nos termos do artigo 153°/1-c) do RAM, com os seguintes fundamentos:
- Pelo facto de no dia 08.06.2002, pelas 23h, ter entrado na EPAM juntamente com o 2° Sargento T…… e de seguida se ter dirigido às instalações destinadas exclusivamente a Sargentos onde pernoitou até às 10h do dia seguinte, sabendo que tal conduta lhe estava proibida, por existirem na Escola alojamentos expressamente destinados a oficiais, sargentos e praças, tendo sido encontrada naquele local pelo pessoal que se encontrava de serviço;
- Com a sua conduta ilícita infringiu os deveres 1°, 4°, 16° e 23° do artigo 4.° do RDM, sendo o primeiro com referência ao artigo 54 do RGSUE e artigo 144.°/a e b) do RAM;
- Tem como circunstância agravantes as constantes das alíneas g), i) e j) do artigo 71 do RDM, nomeadamente por o comportamento da arguida ter afetado a honra, o brio e o decoro militar, ter a sua condita sido reiterada, para a qual tinha sido advertida e ainda por o posto detido na hierarquia ser elevado;
- Tem como circunstância atenuante a ai. f) do artigo 72° do RDM, dado o bom comportamento o militar anterior, (doc. não numerado do processo instrutor)

10) A Recorrente foi notificada do despacho punitivo referido no ponto anterior, em 11.07.2002, com a advertência de que cabe direito recurso da pena aplicada para o Comandante da Academia Militar (doc. não numerado do processo instrutor).

11) A Recorrente apresentou, perante o Comandante da EPAM, reclamação da punição de 25 dias de detenção escolar (doc. fls. 217 27 e 177/183 dos autos).

12) A referida reclamação foi indeferida por despacho de 31.07.2002 do Comandante da EPAM, por se entender que o RAM não contempla a figura da reclamação mas sim a do recurso - artigo 162.° do RAM (doc. fls. 184/185 dos autos).

13) Em Ata n.°111, datada de 30.07.2002, do Conselho de Disciplina da Academia Militar, convocado para "que fosse apreciado o comportamento da Aluna Aspirante a Oficial Tirocinante, P……., e emitir parecer sobre se o mesmo se configura como atentatório do brio e decoro militar e se disciplinar e eticamente justifica a aplicação da pena prevista no artigo 157.° do RAM", o referido Conselho de Disciplina deliberou, por unanimidade, "pronunciar-se pela expulsão da Aluna por motivos éticos" (doc. fls. 59/68 dos autos).

14) Em Ata n°1/2002 do Conselho de Curso para o Tirocínio para Oficiais da EPAM, datada de 12.09.2001, foi decidido, a respeito da "classificação desfavorável em Mérito Pessoal" da Aspirante P……., que o referido Conselho emitisse parecer no sentido de que a referida Aspirante P…… "não reúne as condições necessárias e indispensáveis para o ingresso no Quadro Permanente dos Oficiais do Exército Português" (doc. não numerado do processo instrutor e fls. 69/71 dos autos).

15) Por despacho do Tenente-General Comandante da Academia Militar, datado de 13.09.2002, foi decidido substituir a pena de 25 dias de detenção, aplicada à Aspirante Oficial P……, pela pena de expulsão, com os seguintes fundamentos:
"1. Mediante auto de notícia para o efeito elaborado, foram levados ao conhecimento do Comandante da Escola Prática de Administração Militar (EPAM), na Póvoa de Varzim, factos ocorridos naquela Unidade em 08 e 09 de Julho de 2002 e indiciadores de consubstanciarem responsabilidade disciplinar assacável à Aspirante a Oficial TPO SAM NIM …… P……., que se encontrava a frequentar naquela Escola o estágio de carácter profissionalizante, designado Tirocínio Para Oficial (TPO).
2. Na sequência, o Comandante da EPAM exarou despacho no sentido de se proceder a averiguações que conduziram à instauração de processo disciplinar à sobredita militar, que pendeu termos naquela Unidade, tendo sido deduzida a necessária acusação, materializada na competente nota de culpa, sendo que a arguida a esta decidiu responder e constituir mandatário forense.
3. Tendo por finalidade o apuramento da verdade material dos factos e no respeito pelo princípio do contraditório, os autos em causo culminaram com a aplicação da pena de vinte e cinco dias de detenção escolar à identificada militar, imposta pelo Comandante da EPAM que, assim, usou do máximo da sua competência nesta matéria.
4. Da pena imposta resolveu a arguida reagir, reclamando para o autor do acto punitivo, tendo a apresentada reclamação improcedido, porquanto a legislação em vigor ao caso aplicável [art. 162.° do Regulamento da Academia Militar (RAM), aprovado pela Portaria n.° 425/91, de 24 de Maio, D. R. I Série-B, n°119] não contempla semelhante figura, mas, outrossim e desde logo, a figura do recurso.
5. Quedou-se, assim, a Aspirante F……. pela reclamação, entendendo não exercer o direito de recurso da decisão em causa para o Comandante da Academia Militar (AM).
6. Os autos em questão foram remetidos à AM, que fez publicar [por transcrição da Ordem de Serviço (O. S.) n.°122 da EPAM, de 11JUL02] na sua O. S. n°130, de 18JUL02, o despacho punitivo do Comandante da EPAM.
7. Sendo certo, como é, que, por um lado, da aplicação da sobredita pena o Comandante da AM não foi chamado a intervir como entidade "ad quem': dado que a militar em causa entendeu não apelar para aquela entidade como instância de recurso e que, por outro lado, os autos não foram, formalmente, a esta remetidos para usar, querendo, da faculdade ínsita no art. 160° do RAM, parecendo, assim, obstar a que, em sentido próprio, a referida entidade oficialmente conheça da decisão tomada, a verdade é que, atentas as competências do Comandante da AM consignadas no RAM, inevitável se mostra que esta entidade, querendo, conheça e analise os factos vertidos nos autos, os valore em conformidade com a lei e com o que a sua consciência ditar, e sobre eles emite o seu juízo de censura ou de reprovação, podendo, de resto, decidir diferentemente do Comandante da EPAM.
8. Entendimento contrário que conclua, "in casu", pelo não reconhecimento da faculdade de atenuar, agravar ou substituir a pena imposta quando inexista recurso apresentado ou, oficialmente, se não remetam os autos para apreciação do alto critério do Comandante da AM, para os efeitos do preceituado no artigo 160° do RAM, n.°s 2 ou 7, conforme o caso, para além de ir ao arrepio do positivado naquele Regulamento, quer no que concerne à sua letra quer quanto ao seu espírito, configuraria a subversão do princípio da hierarquia funcional militar e amputaria a competência do Comandante da AM em matéria disciplinar, limitando-o a intervir exclusivamente na matéria que oficial e formalmente fosse levada ao seu conhecimento para decisão, com consequências nefastas de todo inaceitáveis ao nível da disciplina militar, condição indispensável para o cumprimento da missão da Instituição Castrense.
9. Ora, não sendo, como não é, este o entendimento que se perfilha, após uma análise atenta e cuidada dos autos e da prova para estes carreada, a Aspirante a Oficial Aluna A…… ao praticar os factos dados como provados nos autos, para os quais desde já se remete para todos os devidos e legais efeitos, revelou, no mínimo, falta de idoneidade moral, consubstanciada na ausência de aptidão e ou competência para desempenhar funções militares, em conformidade com o que, consabidamente, são os costumes e opiniões instituídos e aceites na Instituição Militar, enquanto conjunto de normas de conduta consideradas universalmente válidas.
10. Por assim entender e ser essa a convicção do Comandante da AM, ao abrigo das disposições conjugadas dos art.°s 157°, n°2 e 18°, n°3 do RAM, foi determinada a convocação do Conselho de Disciplina da AM para o dia 30 de Julho de 2002, pelas 14H30, no Salão Nobre da AM, conforme publicado na O. S. n°135/AM/26-07-2002, pág. 889.
11. Reunido aquele órgão colegial para os efeitos da sua convocação, após ter circunscrito a matéria de facto a apreciar e no sentido da emissão do competente parecer ao abrigo das suas competências estatuídas no artigo 17° do RAM, decidiu colocar duas questões a votação, que se transcrevem:
1ª "A aluna no seu comportamento mostrou falta de carácter e/ou idoneidade moral?
2ª À aluna deverá ser aplicada a pena de expulsão prevista no art. 157.° do RAM ?".
A ambas as questões a resposta foi afirmativa, por unanimidade.
12. Nesta conformidade, o antedito órgão específico de conselho do Comandante da AM em matéria de disciplina entendeu emitir parecer, por unanimidade, no sentido de à Aspirante a Oficial F……. ser aplicada a pena de Expulsão, por motivos éticos.
13. Por outro lado e em reforço da sua falta de aptidão militar, acresce que, conforme se extrai da Acta n°01/2002, de 12 de Setembro de 2002, do Conselho de Curso TPO da EPAM, apreciada que foi nesta sede no final do TPO, a Asp. a Oficial A…….. não logrou obter aproveitamento ao nível da aptidão militar, condição que sempre provocaria a Sua eliminação da frequência da AM (165.° RAM), porquanto, no Grupo de Classificação I (Mérito Pessoal) referente ao Regulamento do TPO, aprovado pelo Despacho n°126/96, de 16 de Maio, do Gen CEME e elaborado de acordo com o art.64°, n°4, do RAM, a identificada militar obteve classificação inferior a dez valores.
Diante de tudo quanto antecede,
Considerando:
14. O relatório, a análise e as conclusões, com as quais, aliás, concordo, do Oficial Instrutor do processo disciplinar, de que a presente peça é parte integrante, para o qual desde já remeto para todos os devidos e legais efeitos, mandado instaurar pelo Comandante da EPAM à Aspirante a Oficial TPO SAM NIM …….. P……..;
15. Toda a matéria factual dada como provada no âmbito dos sobreditos autos a fls. 68 a 70, com especial relevo para a vertida na primeira - em 7. a. e c. -, para a qual remeto e aqui dou por integralmente reproduzida na parte que releva considerar;
Considerando ainda que:
16. No cometimento dos factos dados como provados nos autos, a identificada militar revelou, no mínimo, falta de idoneidade moral, consubstanciada na ausência de aptidão e ou competência para desempenhar funções militares, em conformidade com o que, consabidamente, são os costumes e opiniões instituídos, enquanto conjunto de normas de conduta consideradas universalmente válidas e aceites na Instituição Militar;
17. Não obstante insistidas vezes a mesma militar ter sido alertada pelos seus pares de curso e admoestada verbalmente pelo director deste para que não frequentasse, internamente, instalações cujo acesso e frequência lhe estava vedado, ainda assim, insistiu na prática continuada de tal conduta, acabando por pernoitar num quarto dos alojamentos reservado a Sargentos, num ostensivo e reincidente desrespeito pelas regras internas existentes na Unidade que regem o acesso e a frequência a determinados locais, designadamente alojamentos, refeitórios e salas de convívio, conforme a categoria e a situação do militar;
18. Os factos dados como provados nos considerandos que antecedem, incluindo os identificados por remissão, descrevem, do ponto de vista militar, uma conduta gravemente censurável, cujo agente denota evidente falta de aptidão e competência para desempenhar funções militares, sobretudo se se tiver em linha de conta que se está na presença de militar com aspirações a constituir-se num futuro quadro permanente do Exército;
19. O Conselho de Disciplina emitiu, por unanimidade, parecer no sentido de à identificada militar ser aplicada a pena de expulsão, por motivos éticos;
20. A identificada Aspirante a Oficial agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta lhe não era permitida por lei e que contrariava, também, desrespeitosamente, ordens verbais emanadas de entidade hierárquica e funcionalmente competente;
21. Inexiste causa que exclua a ilicitude dos factos assacados à Aspirante F……, mais não resta que considerar a sua conduta ilícita;
22. No concernente à culpa, na medida em que esta envolve, por natureza, um complexo juízo de censura ou reprovabilidade que assenta sobre o nexo existente entre o facto ilícito e a vontade do agente, "in casu", dúvidas não sobrestam de que há uma actuação culposa da militar em questão, posto que é imputável, inexistem causas de exclusão da culpa e as circunstâncias exigiam que o seu comportamento fosse diferente, i. e., deveria, face à alegada mas não lograda comprovação, e como tal não considerada, situação de doença ter tido outro comportamento que soubesse não lhe estar proibido;
23. Com a descrita conduta, a Aspirante a Oficial F…… violou os deveres previstos no art. 144.°, alíneas a) e b), do RAM, bem como, por remissão do art. 143.° do mesmo diploma, os ínsitos no art. 15.°, n.°s 1 e 2, alíneas a) e e) do Estatuto dos Militares das Forças Armadas (EMFAR), aprovado pelo Dec-Lei n.° 236/99, de 25 de Junho, cometendo, deste modo, infracção disciplinar punível com pena prevista no art. 153.° do RAM, qualificada pelo facto de afectar a honra, o brio e o decoro militar, e atenuada em razão do seu bom comportamento militar;
24. Em sede de Conselho de Curso a Asp. A Oficial A…… não logrou obter aproveitamento ao nível da aptidão militar, condição que sempre provocaria a sua eliminação da frequência da AM; Destarte, tudo visto e ponderado,
Ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 6.°, n°1, 160.°, n.°s 1, al. a) e 7, reconhecendo a conveniência disciplinar em usar a faculdade vertida na última das disposições citadas, substituo, em regime de agravamento, a pena de 25 (vinte e cinco) dias de detenção escolar imposta, por despacho de 10JUL02, pelo Comandante da EPAM, à Aspirante Oficial TPO SAM NIM …….. P……., pela pena de expulsão.
Anexem-se aos autos, certidões, por extracto, da acta do Conselho de Disciplina, na parte respeitante ao parecer para o efeito emitido, bem como da acta do Conselho de Curso da EPAM, onde conste a classificação e respectiva fundamentação respeitante à militar em causa.
Dê -se cumprimento ao consignado nos art. 158.°, n°1. al. c), 170.° e 153 ° , n.° 2, todos do RAM, bem como da demais legislação ao caso aplicável. Notifique-se integralmente a arguida, bem como o seu mandatário constituído, do teor do presente despacho." (doc. não numerado do processo instrutor e fls.).

16) Por ofício dos serviços da Academia, datado de 18Set02, foi enviado ao mandatário da Recorrente cópia autenticada do despacho de 13.09.2002 do Comandante da Academia Militar (doc. fls. 28 e s. dos autos).

17) A Recorrente foi notificada do referido despacho de 13.09.2002 naquela data de 18.09.2002 (por acordo - cfr. artigo 6.° da pi e artigo 2.° da resposta).

18) Por requerimento de 19.09.2002 a Recorrente solicitou ao Tenente-General Comandante da Academia Militar, certidão da ata n°01/2002 do Conselho de Curso TPO da EPAM (doc. fls. 72 dos autos).

19) Por requerimento, sem data, a recorrente solicitou ao Diretor da Academia Militar que lhe fosse passada certidão do despacho 126/96, de 16 de maio, do General CEME, com vista a "melhor fundamentar o recurso contencioso a interpor do despacho de 13 de setembro de 2002" e requerendo, ainda "informação, nos termos do artigo 68.° nº1 al. c) do CPA relativamente ao despacho prolactado a 13 de Setembro, sobre qual o órgão competente para apreciar a impugnação do ato, no caso de não ser susceptível de recurso contencioso" (doc. fls. 35 dos autos).

20) Por ofício, de 17.10.02, emitido em resposta a "carta de 12Out02", os serviços da Academia Militar enviaram ao mandatário da Recorrente "cópia autenticada do Despacho n°126/96 de 16 Maio do GEN CEME" e informaram que "as decisões do Comandante da AM relativas a aplicação de penas disciplinares são definitivas" e que "no caso de a matéria em apreciação não ser susceptível de recurso contencioso, o órgão competente para apreciar a eventual impugnação de ato praticado por determinada Entidade será sempre o mais elevado superior hierárquico desta (...) no caso (...) o Chefe do respectivo Ramo" (doc. fls. 36 dos autos).

21) O citado despacho 126/96, de 16 de maio, do GEN CEME, aprova o "Regulamento do Tirocínio Oficial do Quadro Permanente" da Academia Militar do Estado Maior do Exército (doc. fls. 37/ 45 dos autos).

22) O mandatário da Recorrente requereu junto da Academia Militar, por carta de 24.10.2002, a consulta de documentos relativos à classificação a Recorrente, a qual foi deferida por ofício datado de 05.11.2002 (docs. fls. 46 e 49 dos autos).

23) Na sequência da referida consulta, o mandatário da Recorrente requereu, em 08.11.2002, um conjunto de certidões relativas à avaliação e classificações da Recorrente (doc. fls. 50 dos autos).

24) Por ofício da Academia Militar, de 12.11.2002, foram enviadas ao mandatário da Recorrente as seguintes certidões:
- Certidão da nota 4296
- Certidão do anexo à nota 4296
- Certidão das avaliações finais
- Certidão da 1ª parte das avaliações
- Certidão da 2ª parte das avaliações
- Certidão da 3ª parte das avaliações (doc. fls. 52 e s. dos autos).

25) Do teor das referidas certidões resulta, nomeadamente, o seguinte:
- Na Avaliação TPO S AM 2001/2002 da EPAM a Aspirante F…… foi classificada em "mérito pessoal" com a classificação de "8,00", obtendo a "média final" de "11,79";
- Na "3a Parte - Avaliações", referente aos Estágios, consta que a referida Aspirante "Não terminou o Estágio no Centro de Finanças" (docs. fls. 53 a 58).

26) O presente recurso contencioso deu entrada em juízo em 17.12.2002 (carimbo aposto a fls. 1).

27) O referido despacho punitivo foi publicado na Ordem de Serviço n°122 da EPAM, de 11.07.2002, que foi transcrita no capítulo "Punições, Justiça e Disciplina Escolar - Alunos" da Ordem de Serviço da Academia Militar n° 130, de 18.07.2002 (doc. fls. 174/175 dos autos).

28) Em "Registo Disciplinar", datado de 19.07.2001, consta uma anterior pena de detenção da militar F……, cumprida em 30.05.2001 (doc. fls. 35 do processo instrutor).

29) A Recorrente cumpriu a referida pena de detenção escolar por 25 dias.

III) Fundamentação jurídica


No presente recurso importa apreciar duas questões: a caducidade de direito de acção e a procedência do recurso contencioso interposto pela ora Recorrida.

A caducidade de direito de acção

Referiu o Recorrente que na data em que foi interposto o recurso contencioso de anulação já se mostrava esgotado o prazo previsto no artigo 28 nº 1 alínea a) do C.P.T.A., dado o acto recorrido ter sido notificado à ora Recorrida em 18 de Setembro de 2002 tendo o recurso sido interposto no dia 17 de Dezembro de 2002.

Para a decisão deste segmento do recurso importa recordar os seguintes factos:-
- Por ofício dos serviços da Academia, datado de 18Set02, foi enviado ao mandatário da Recorrente cópia autenticada do despacho de 13.09.2002 do Comandante da Academia Militar (doc. fls. 28 e s. dos autos).

- A Recorrida foi notificada do referido despacho de 13.09.2002 naquela data de 18.09.2002

- Por requerimento de 19.09.2002 a Recorrida solicitou ao Tenente-General Comandante da Academia Militar, certidão da ata n°01/2002 do Conselho de Curso TPO da EPAM

- Por requerimento, sem data, a recorrente solicitou ao Director da Academia Militar que lhe fosse passada certidão do despacho 126/96, de 16 de maio, do General CEME, com vista a "melhor fundamentar o recurso contencioso a interpor do despacho de 13 de Setembro de 2002" e requerendo, ainda "informação, nos termos do artigo 68.° nº1 al. c) do CPA relativamente ao despacho prolactado a 13 de Setembro, sobre qual o órgão competente para apreciar a impugnação do ato, no caso de não ser susceptível de recurso contencioso"

Por ofício, de 17.10.02, emitido em resposta a "carta de 12Out02", os serviços da Academia Militar enviaram ao mandatário da Recorrente "cópia autenticada do Despacho n°126/96 de 16 Maio do GEN CEME" e informaram que "as decisões do Comandante da AM relativas a aplicação de penas disciplinares são definitivas" e que "no caso de a matéria em apreciação não ser susceptível de recurso contencioso, o órgão competente para apreciar a eventual impugnação de ato praticado por determinada Entidade será sempre o mais elevado superior hierárquico desta (...) no caso (...) o Chefe do respectivo Ramo".

- O citado despacho 126/96, de 16 de maio, do GEN CEME, aprova o "Regulamento do Tirocínio Oficial do Quadro Permanente" da Academia Militar do Estado Maior do Exército

- O mandatário da Recorrida requereu junto da Academia Militar, por carta de 24.10.2002, a consulta de documentos relativos à classificação a Recorrente, a qual foi deferida por ofício datado de 05.11.2002.

- Na sequência da referida consulta, o mandatário da Recorrida requereu, em 08.11.2002, um conjunto de certidões relativas à avaliação e classificações da Recorrente.

- Por ofício da Academia Militar, de 12.11.2002, foram enviadas ao mandatário da Recorrente as seguintes certidões:
- Certidão da nota 4296
- Certidão do anexo à nota 4296
- Certidão das avaliações finais
- Certidão da 1ª parte das avaliações
- Certidão da 2ª parte das avaliações
- Certidão da 3ª parte das avaliações.

- O presente recurso contencioso deu entrada em juízo em 17.12.2002

Nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 28º da LPTA os recursos contenciosos de actos anuláveis são interpostos no prazo de 2 meses, podendo o recurso contencioso de actos nulos ser interposto a todo o tempo, conforme resulta do nº 2 do artigo 134º do C.P.A..

Prescrevia o nº 1 do artigo 31º da referida Lei de Processo: “se a notificação ou a publicação não contiver a fundamentação integral da decisão e as demais indicações a que se refere o artigo anterior, pode interessado dentro de um mês, requerer a notificação das que tenham sido omitidas ou a passagem de certidão que as contenha”, prevendo o nº 2 do mesmo preceito que “se o interessado usar da faculdade concedida no número antecedente, o prazo para o recurso conta-se a partir da notificação ou da entrega da certidão que tenha sido requerida.”

Recordando que o artigo 30º da LPTA foi revogado pelo D.L. nº 229/96, de 29 de Novembro, importa transcrever o artigo 68º do C.P.A. – aprovado pelo D.L. nº 442/91, de 15 de Novembro – quanto ao conteúdo das notificações dos actos administrativos:
“Artigo 68º
Conteúdo da notificação
1. Da notificação deve constar:
a) O texto integral do acto administrativo;
b) A identificação do procedimento administrativo, incluindo a indicação do autor do acto e a data deste;
c) O órgão competente para apreciar a impugnação do acto e o prazo para este efeito, no caso de o acto não ser susceptível de recurso contencioso.”

No caso em apreço, e conforme se refere na decisão recorrida “…os documentos pedidos pela Recorrente – a acta nº 1/2002 do Conselho de Curso, o despacho 126/96 (que aprova o Regulamento do Tirocínio Oficial do Quadro Permanente) e as referidas certidões respeitantes às avaliações da Recorrente no curso TPO – apresentam-se como documentos necessários à integral compreensão do acto recorrido, desde logo, porque são no mesmo referenciados e integram a sua fundamentação de facto e de direito (cfr. entre outros, os pontos 13. e 24. do acto recorrido, acima transcrito). Aliás, dúvidas não haverá quanto à importância de tais documentos e sua estreita relação com a fundamentação do acto recorrido, uma vez que o próprio recorrido, na parte final do acto recorrido, ordena a anexação aos autos de certidões das actas do Conselho de Disciplina e do Conselho de Curso da EPAM, na parte relativa à classificação, e respectiva fundamentação, da militar em causa.”

Concluiu-se, assim, que os documentos solicitados pela ora Recorrida se relacionavam com a fundamentação do despacho impugnado, dado serem no mesmo referidos, tendo sido ordenada a anexação de certidões dos mesmos aos autos, pelo que tendo a Recorrida requerido logo em 19 de Setembro de 2012 a acta do Conselho de Curso nº 1/2002 e solicitado, em requerimento sem data, ao Director da Academia Militar que lhe fosse passada certidão do despacho 126/96, de 16 de maio, do General CEME, com vista a "melhor fundamentar o recurso contencioso a interpor do despacho de 13 de Setembro de 2002", bem como solicitado informação, relativamente ao despacho impugnado, “…sobre qual o órgão competente para apreciar a impugnação do acto, no caso de não ser susceptível de recurso contencioso” tendo os serviços da Academia Militar remetido, através de ofício datado de 17 de Outubro de 2002, “cópia autenticada do Despacho nº 126/96, de 16 de Maio do GEN CEME, que aprovou o “Regulamento do Tirocínio Oficial do Quadro Permanente” da Academia Militar do Estado Maior do Exército e informado a requerente de que “…as decisões do Comandante da AM relativas a aplicação de penas disciplinares são definitivas”, e recordando a data em que foi interposto o presente recurso contencioso de anulação – 17 de Dezembro de 2002 – deve concluir-se pela tempestiva interposição do mesmo, conclusão a que sempre se chegaria face ao disposto no artigo 134º nº 2 do C.P.A., dado que tendo sido declarado nulo o acto praticado pelo Comandante da Academia Militar, nulidade invocada pela Recorrida na petição inicial nos itens 15º e 24º, sempre seria de considerar que a interposição do recurso contencioso de anulação, visando o referido acto, não estava sujeita a qualquer prazo, quanto às invocadas causas de nulidade do acto recorrido e que, a final, foram acolhidas na sentença recorrida.

Concluindo pela improcedência da argumentação aduzida pelo Recorrente quanto à extemporaneidade do recurso contencioso de anulação importa analisar o erro de julgamento quanto à violação dos direitos de defesa da ora recorrida e da violação do princípio ne bis in idem.

Para análise dos fundamentos da pretensão recursiva importa recordar excerto da decisão recorrida:
“Resulta provado que, à data dos factos, a Recorrente era Aspirante a Oficial, aluna da Academia Militar, e que se encontrava a efetuar o Tirocínio para Oficiais (TPO) do Serviço de Administração Militar na Escola Prática de Administração Militar (EPAM) da Póvoa do Varzim. No decurso da frequência do citado curso na EPAM, foi-lhe instaurado processo disciplinar, tendo sido elaborada nota de culpa, que foi notificada à Recorrente para que sobre a mesma se pronunciasse, na qual se imputava à Recorrente a seguinte factualidade:
"(...) após ter entrado pelas 23hOO de 09Jun02 (Sábado) no aquartelamento da EPAM, na viatura do Segundo Sargento (...) J……, conduzida pelo próprio, se ter dirigido às instalações dos alojamentos de sargentos e pernoitado no quarto do seu acompanhante, onde permaneceu até cerca das 10h00 do dia seguinte, altura em que ali foi encontrada por pessoal de serviço.
Infringiu os deveres 1°, 4°, 16° e 23° do artigo 4.° do RDM, sendo o primeiro com referência ao artigo 54° do Regulamento Geral do Serviço nas Unidades do Exército, aos deveres indicados em a) e b) do artigo 144° do Regulamento da AM (Portaria 425/91, de 24 MAI) e ainda ao ponto VIII do Código de Honra da AM;
Tem como agravantes as circunstâncias g) e j) do artigo 71° do RDM e a circunstância i) do mesmo artigo, esta no que respeita à reiteração da utilização indevida das instalações reservadas a Sargentos, para cuja prática fora oportunamente admoestada."

Foi elaborado Relatório final e, na sequência, o Comandante da EPAM proferiu despacho, datado de 10.07.2002, pelo qual puniu a Recorrente com 25 dias de detenção escolar, que a Recorrente cumpriu.
Posteriormente, e por se entender que a referida pena não se mostrava adequada à gravidade dos sobreditos factos, foi, por despacho (aqui recorrido) do Comandante da Academia Militar, de 13.09.2002, aplicada à Recorrente a pena de expulsão da frequência da Academia Militar. A referida pena foi aplicada - como aí expressamente se refere - em substituição e regime de agravamento da anterior pena de detenção escolar, invocando-se para o efeito a faculdade prevista no artigo 160.° do RAM.

Os fundamentos determinantes da aplicação desta pena de expulsão foram:
- Os factos apurados no citado processo disciplinar, que foram, pelo Recorrido, valorados como sendo reveladores, no mínimo, de falta de idoneidade moral, consubstanciada na ausência de aptidão ou competência para desempenhar funções militares, em conformidade com o que consabidamente são os costumes e opiniões instituídos e aceites na Instituição Militar (pontos 9, 14, 15 e 16 do despacho);
- O facto de a militar já ter sido alertada pelos seus pares de curso e admoestada verbalmente pelo diretor para que não frequentasse, internamente, instalações cujo acesso e frequência lhe estava vedado (ponto 17 do despacho);
- O parecer, emitido pelo Conselho de Disciplina da Academia Militar em 30.07.2002, que se pronunciou, por unanimidade, no sentido de o comportamento da Aspirante a Oficial P…… revelar falta de carácter e idoneidade moral e de à mesma dever ser aplicada a pena de expulsão, por motivos éticos (pontos 10 a 12 e 19 do despacho);
- A Ata n.°1/2002, de 12.09.2002, do Conselho de Curso TPO da EPAM, da qual consta que a referida militar não logrou obter aproveitamento ao nível da aptidão militar, por ter tido classificação inferior a 10 valores no item "mérito pessoal", condição que sempre provocaria a sua eliminação da frequência da Academia Militar, de acordo com o artigo 165.° do RAM (pontos 13 e 24 do despacho).
Ou seja, e em síntese, a pena de expulsão aplicada à Recorrente teve como fundamento os factos apurados no referido processo disciplinar, que foram considerados relevadores de falta de idoneidade moral, consubstanciada na ausência de aptidão ou competência para desempenhar funções militares; o referido parecer do Conselho Disciplinar da AM favorável à aplicação da pena de expulsão por falta de carácter e idoneidade moral; e a falta de aptidão militar, comprovada pela avaliação do Conselho de Curso TPO da EPAM, por ter obtido classificação negativa no item "mérito pessoal".
Além disso, verifica-se que a pena de expulsão determinada no despacho recorrido foi aplicada a título de sanção disciplinar. O que é expressamente assumido no despacho recorrido, onde se invoca a competência disciplinar do seu autor, conferida pelo artigo 160.°/1-a) do Regulamento da Academia Militar (RAM, aprovado pela Portaria n.°425/91, de 24 de maio), única entidade com competência para aplicar a pena disciplinar escolar máxima (expulsão), expressamente prevista no artigo 153.°/1-e) do mesmo RAM.”

Mostra-se, ainda, assente que a Recorrente foi ouvida no âmbito do processo disciplinar que conduziu à aplicação da pena de detenção escolar, tendo apresentado resposta à respectiva nota de culpa; e que não voltou a ser ouvida antes de ser proferido o despacho, aqui recorrido, que determinou a sua expulsão da Academia Militar.

Alegou o recorrente que nem o Regulamento da Academia Militar, nem o Regulamento de Disciplina Militar impunham que o arguido em processo disciplinar fosse, previamente, notificado da pena que era intenção aplicar-lhe, não tendo a fundamentação do acto punitivo ido além da factualidade apurada no procedimento disciplinar e que já constava da nota de culpa, notificada à ora Recorrida, tendo apenas o Comandante da Academia Militar, fazendo uso da faculdade conferida pelo nº 7 do artigo 160º do RAM, procedido à substituição da pena inicialmente aplicada pela pena de expulsão prevista nos artigos 153º nº 1 alínea e) e 157 do Regulamento da Academia Militar, posição rebatida pela Recorrida que sustentou a violação dos seus direitos de defesa, geradora de nulidade do acto recorrido.

Apreciando as teses contraditórias esgrimidas no presente recurso:

É inequívoco serem subjacentes às Forças Armadas valores decorrentes da segurança e disciplina que justificam serem diferentes as garantias consagradas, por exemplo, no processo disciplinar comum dos funcionários e agentes da Administração Central, Regional e Local e o procedimento disciplinar militar, conclusão que, contudo, não obsta a que no procedimento disciplinar militar existam garantias de defesa – como as consagradas no artigo 32º da C.R.P. - que devem ser respeitadas.

Dentro do elenco de garantias de defesa que devem, também, presidir ao procedimento disciplinar militar encontra-se o direito de audiência e defesa do arguido, conforme resulta, aliás, do artigo 161º do Regulamento da Academia Militar e no artigo 90º do Regulamento de Disciplina Militar, na versão aprovada pelo Decreto Lei nº 142/77.

Constitui entendimento do Recorrente que dada a circunstância de nem o Regulamento de Disciplina Militar nem o Regulamento da Academia Militar preverem a necessidade de o arguido ser notificado da sanção disciplinar que se prevê vir a ser aplicada, não existiria a violação do direito de defesa da arguida, argumento que o Tribunal não acolhe dado a pena de expulsão aplicada – como agravamento da sanção de 25 dias de detenção escolar, aplicada por despacho proferido em 10 de Julho de 2002 pelo Comandante da Escola Prática de Administração Militar – dever ter sido precedida de prévia audição da recorrida.

Com efeito, se a possibilidade de agravamento das penas encontra abrigo no disposto no artigo 160 nº 7 do Regulamento da Academia Militar aprovado pela Portaria nº 425/91, de 24 de Maio) a aplicação de pena de expulsão – a mais grave dentro do elenco previsto no artigo 153º do referido Regulamento – após a aplicação – e o cumprimento, como se verá infra, de pena de detenção escolar de 25 dias – implicava necessariamente, sob pena de violação do direito de defesa da arguida, a prévia audição da mesma, argumento que não é prejudicado pelo facto de a ora recorrida ter exercido tal direito previamente à aplicação da pena de 25 dias de detenção escolar.

Ao contrário do sustentado pelo Recorrente não está em causa a circunstância de nem o Regulamento de Disciplina Militar nem o Regulamento da Academia Militar obrigarem a notificar os arguidos da possibilidade da aplicação de uma concreta pena, mas sim a questão de ter sido aplicada a pena mais grave prevista no Regulamento da Academia Militar sem que a arguida fosse, sequer, notificada da possibilidade de ser agravada a pena anteriormente aplicada – já cumprida – o que constitui violação flagrante do direito de audição e defesa da arguida que viu ser-lhe aplicada a pena disciplinar mais grave prevista no Regulamento da Academia Militar quando já tinha cumprido a anterior pena de 25 dias de detenção escolar, conclusão que não é afectada pela circunstância de a Recorrida ter apresentado resposta à culpa de nota previamente à aplicação da sanção de 25 dias de detenção escolar dado os efeitos da aludida apresentação se esgotarem na aplicação da referida sanção, não podendo pretender aproveitar-se a referida nota de culpa para considerar que, sem qualquer notificação à ora Recorrida, da possibilidade de ser-lhe agravada a pena disciplinar aplicada, o direito de audição e defesa da Recorrida não foi violado, violação essa que, igualmente, ressalta da circunstância de os factos que estribaram a pena disciplinar de expulsão não serem totalmente coincidentes com os factos descritos na nota de culpa, sendo ainda referido no item 24 do despacho recorrido que a ora recorrida “em sede de Conselho de Curso (…) não logrou obter aproveitamento ao nível da aptidão militar, condição que sempre provocaria a sua eliminação da frequência da AM”, pelo que, também por este motivo, se mostram violados os direitos de audiência e defesa da ora Recorrida.

A sentença recorrida considerou ainda violado o princípio non bis in idem, sustentando tal conclusão no facto de a pena disciplinar de expulsão não ter substituído a pena de detenção escolar mas sim ter acrescido a esta última, o que mereceu a discordância do Recorrente, que sustentou posição no sentido de a pena disciplinar aplicada por força do despacho recorrido ter substituído a pena de detenção escolar aplicada por despacho proferido em 10 de Julho de 2002 pelo Comandante da Escola Prática de Administração Militar.

O princípio non bis in idem tem consagração constitucional no artigo 29º nº 5 da Constituição da República Portuguesa, aí se prevendo que “ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”, princípio que tem inquestionável aplicação no procedimento disciplinar militar, que comporta duas dimensões: a primeira “…como direito subjectivo fundamental, garante ao cidadão o direito de não ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto, conferindo-lhe, ao mesmo tempo, a possibilidade de se defender contra actos estaduais violadores deste direito (direito de defesa negativo); b) como princípio constitucional objectivo (dimensão objectiva do direito fundamental), obriga fundamentalmente o legislador à conformação do direito processual e à definição do caso julgado material, de modo a impedir a existência de vários julgamentos pelo mesmo facto".(1)

No que concerne ao acto recorrido e tendo presente que a Recorrida cumpriu a pena de detenção escolar de 25 dias – cfr. item 29 dos factos apurados na sentença recorrida - a aplicação da pena de expulsão não substitui a primeira sanção, sendo aquela aplicada cumulativamente com aquela, pelo que se verifica a violação do princípio em apreço, improcedendo a totalidade das alegações de recurso, devendo manter-se na ordem jurídica a sentença recorrida que decidiu pela nulidade do acto recorrido.
III) Decisão

Assim, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul em julgar improcedente o recurso.
Sem custas, face à isenção legal.
Lisboa, 23 de Outubro de 2014


Nuno Coutinho


Carlos Araújo


Rui Belfo Pereira

(1) Gomes Canotilho e Vital Moreira “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 4ª edição revista, pág. 497.