Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 03312/09 |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 06/09/2016 |
Relator: | ANA PINHOL |
Descritores: | IRS; MAIS VALIAS; PROCURAÇÃO IRREVOGÁVEL |
Sumário: | I. A procuração constitui um negócio cujo efeito consiste em alguém, o dominus, atribuir a outrem, o procurador, poderes para que este celebre negócios ou pratique outros actos jurídicos em sua representação e o substitua assim na prática desses actos ou negócios (cfr.artigo 262º, n.º 1 do Código Civil). II. Diz-se irrevogável a procuração no interesse exclusivo do dominus (cfr. artigo 265º, n.º 2 do Código Civil), que é livremente revogável e a procuração também no interesse do credor ou de terceiros (cfr.artigo 265º, n.º 3 do Código Civil), que é irrevogável, salvo acordo do interessado ou justa causa. III. A outorga de procuração irrevogável não afasta a tributação na esfera jurídica do Recorrido, pois os negócios celebrados por procurador a quem foram conferidos poderes de representação produzem os seus efeitos em relação aos representados. IV. O facto gerador do imposto, ou seja, a sua exigibilidade, ocorre, no momento da alienação dos prédios (cfr. artigo 10.º n.º 3 do CIRS), sendo esse o momento em que os ganhos de mais-valias se consideram obtidos. |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | A FAZENDA PÚBLICA, veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença do TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE LOULÉ, datada de 1 de Abril de 2009, que julgou procedente a impugnação judicial, deduzida por C… contra o acto de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2003. A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: 1 - A douta sentença recorrida decidiu que tendo o impugnante transmitido a sua metade indivisa dos prédios em causa em 2002, "nada mais tinha a declarar sendo ilegal a tributação de mais-valia, ocorrida pela transmissão de 29 de Setembro de 2003". 2 - Mas definido e apurado que o impugnante interveio através de representante como alienante em negócio de compra e venda, afirmada perante notário a sua vontade de vender, impõe-se ao juiz retirar das premissas postas o efeito jurídico que a norma formula para todas as espécies daquela categoria. 3 - Pelo que, a Meritíssima Juiz não podia desconsiderar os efeitos translativos da propriedade dos prédios sob o arts. matriciais n° 253 e 1095, da esfera jurídica do impugnante para o comprador, pelo contrato celebrado em 29/09/03. 4 - Nem desconsiderar para efeitos fiscais esse contrato. 5 - Pois, nos termos do art. 10 al. a) do CIRS, estão sujeitas a tributação as mais-valias derivadas da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, a capacidade tributária revelada por aquele negócio nos precisos termos em que é celebrado. 6 - Pelo que, ao contrário do decidido, nos parece inequívoca a legalidade da liquidação impugnada. Nestes termos, e pelo muito que V. Exc. doutamente suprirão deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença do Tribunal recorrido.» *** O EXMº PROCURADOR-GERAL ADJUNTO junto deste Tribunal emitiu parecer, a fls.442/443 dos autos, no sentido da procedência do recurso.*** Foram colhidos os vistos aos Exmos Juízes Adjuntos, pelo que vem o processo submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso já que nada obsta.*** II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Novo Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Com este pano de fundo a única questão a apreciar e decidir consiste em saber se a sentença sob recurso incorre em erro de julgamento por haver concluído pela ilegalidade da tributação de mais – valias decorrentes da transmissão ocorrida em 29.09.2003. *** III. FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS Na decisão recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a fundamentação respectiva que nos seguintes termos: A) C… e P…, adquiriram, em comum e em partes iguais, pelo preço de 10.500$00, por escritura pública celebrada no Cartório Notarial de …, em 21-10-1997 o prédio urbano inscrito na matriz com o nº 59 e pelo preço de 500.000$00 o prédio inscrito na matriz sob o artº 253 ambos da freguesia da …, concelho de … (fls 31 a 33, do PA apenso); B) Em 2001-11-19 C…, como primeiro outorgante, e P…, como segundo outorgante, celebraram o contrato promessa de compra e venda, de fls 59 a 60, onde com interesse para os autos: “Objecto do presente contrato: metade indivisa de um prédio urbano, sito em …, inscrito na matriz sob o artigo 59 e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número mil cento e cinquenta e sete, inscrito a favor dos vendedores pela inscrição G-Dois e metade indivisa de um prédio urbano, sito na …, inscrito na matriz sob o artigo 253 e descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o número quinhentos e oitenta e dois. CLÁUSULAS PRIMEIRA: O primeiro outorgante é dono é legitimo possuidor da metade indivisa dos referidos prédios urbanos, que promete vender ao segundo outorgante e este por sua vez prometem comprar-lhe. G) Em 2003-09-29 por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de … P…, por si e na qualidade de procurador de C… venderam à Mo…, Ldª, o prédio urbano inscrito na matriz sob o artº 253, pelo preço de 1.800,00€ e o prédio urbano inscrito na matriz sob o artº 1095, pelo preço de 77.100,00€ (fls 80 a 82, da PA apenso); Rendimento Global
L) O impugnante foi notificado para exercer o direito de audição (fls 93, do PA apenso); *** III. DO DIREITO A Mmª Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé julgou procedente a impugnação judicial considerando, em síntese, que « (…) na escritura pública celebrada, em 29 de Setembro de 2003, por P… (de fls 22 a 25), existe desde logo a menção que efectivamente essa(s) transmissão(ões) dos prédios inscritos na matriz sob os artºs 253 e 1095, se realizaram sem a presença do impugnante já que foram outorgadas fazendo uso da procuração irrevogável emitida por este. Procuração essa a que se refere o “parágrafo único do contrato-promessa.». E, concluiu: «Sendo certo que o impugnante transmitiu, em 2002, a sua metade indivisa dos prédios adquiridos em 1997, pelo preço total de €24.939,90, sendo este o facto jurídico tributável, nada mais tinha a declarar sendo ilegal a tributação de mais-valias, ocorrida pela transmissão de 29 de Setembro de 2003, pelo que, terá de ser declarada procedente a impugnação.». A Recorrente Fazenda Pública insurge-se contra o assim fundamentado e decidido na consideração de que [Conclusões 2 a 4] se impunha à Mmª Juíza retirar o efeito jurídico decorrente da intervenção do Impugnante através de representante como alienante na escritura pública de compra e venda outorgada em 29.09.2003, respeitante aos prédios inscritos artigos matriciais n° 253 e 1095. Vejamos se é como a Recorrente pretende que seja. A sentença sob recurso qualificou correctamente o contrato de promessa de compra e venda outorgado entre o Impugnante e P… em 19.11.2001 (cfr. al.B) do probatório). Efectivamente, estamos perante um contrato obrigacional ( artigos 410º, 441º, 442º e 830º do Código Civil ), dai decorrendo que apenas produz efeitos entre as partes. E isto é assim porque se trata de contrato promessa relativo a (dois) imóvel, donde neste caso, para que seja dotado de eficácia real seria necessário que: (i) o contrato conste de escritura pública; (ii) os seus outorgantes declarem expressamente que atribuem eficácia real ao contrato; (iii) que seja feita inscrição no registo predial dos direitos emergentes da promessa, circunstâncias estas que não ocorrem nos presentes autos. Importa por isso, observar o que ficou assente na al.F) do probatório, que aqui se transcreve: «Em 29.09.2003, por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de … P…, por si e na qualidade de procurador do Impugnante venderam à Mo…, Ldª, o prédio urbano inscrito na matriz sob o artº 253, pelo preço de 1.800,00€ e o prédio urbano inscrito na matriz sob o artº 1095, pelo preço de 77.100,00€.». E, conforme consta do respectivo texto notarial, o Sr. notário atestou, para além do mais o seguinte: «Pelo primeiro outorgante por si e na qualidade invocada foi dito que pela presentes escritura pelo preço global de SETENTA E OITO MIL E NOVECENTOS EUROS, que já recebeu, VENDE, à representada do segundo outorgante». Pois bem. Dispõe o artigo 10º, nº 3, al.a) do CIRS, após estabelecer no seu nº 1 a noção de mais valias para efeitos do Código, que os ganhos se consideram obtidos no momento da prática dos actos previstos no nº 1, sem prejuízo de nos casos de promessa de compra e venda ou de troca se presumir que o ganho é obtido logo que verificada a tradição ou posse dos bens ou direitos objecto do contrato. E, como é sabido, o contrato de compra e venda de imóveis, celebrado através de escritura pública é translativo do direito de propriedade (cfr. artigos 874º, 875º e 879º alínea a) do Código Civil) Nesta linha, podemos então afirmar, que o contrato de compra e venda celebrado por escritura pública entre P…, por si e na qualidade de procurador do Impugnante e a sociedade “Mo…, Ldª”, produziu todos os seus efeitos típicos – transferência da propriedade dos imoveis e pagamento do preço. Como já o dissemos, no acórdão deste Tribunal Central Administrativo de 18.06.2015, proferido do processo n.º 02749/08: «A escritura pública, enquanto documento autêntico (artigos 363.º, n.º 2, e 369.º, n.º 1, do CCivil), é dotado de força probatória plena relativamente aos factos tidos por praticados e/ou percepcionados pela respectiva entidade documentadora (artigo 371.º, n.º 1, do CCivil). No que toca á força probatória dos documentos autênticos o artigo 371º nº 1 do C.Civil prescreve que os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; no entanto, os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador. Deste modo, o documento autêntico só faz prova plena: a) Dos factos que o documento refere como praticados pela própria entidade documentadora; b) Daqueles, que não tendo sido praticados pelo documentador, foram por ele atestados com base nas suas percepções. Temos, assim que a força probatória a que alude o artigo 371.º, n.º 1, do C.Civil, não exclui que as declarações nele documentadas não sejam incorrectas, simuladas, afectadas por vícios de consentimento ou produzidas em circunstâncias que afectem a sua eficácia jurídica (Neste sentido, entre muitos outros, o acórdão do STA de 16.11.2011, proferido no processo n.º 0289/11, disponível no endereço www.dgsi.pt)» Ora, nos autos não há notícia que a compra e venda dos prédios inscritos nos artigos matriciais 253 e 1095, viesse a ser declarada nula ou anulada judicialmente, situação a que a verificar-se poderia acarretar a anulação da liquidação do imposto com fundamento em inexistência de facto tributário. Por outro lado, como se referiu atrás, é no momento da celebração dessa escritura de compra e venda que se verifica a sujeição à incidência do imposto e a procuração irrevogável [constitui um negócio cujo efeito consiste em alguém, o dominus, atribuir a outrem, o procurador, poderes para que este celebre negócios ou pratique outros actos jurídicos em sua representação e o substitua assim na prática desses actos ou negócios (artigo 262º, n.º 1 do CC). Diz-se irrevogável a procuração no interesse exclusivo do dominus (artigo 265º, n.º 2), que é livremente revogável e a procuração também no interesse do credor ou de terceiros (artigo 265º, n.º 3), que é irrevogável, salvo acordo do interessado ou justa causa - para maiores desenvolvimentos sobre esta matéria pode ler-se a obra - A procuração irrevogável, Pedro Pais de Vasconcelos Almedina, 2002] não afasta a tributação na esfera jurídica do Recorrido, pois os negócios celebrados por procurador a quem foram conferidos poderes de representação produzem os seus efeitos em relação aos representados. Diremos, pois, que no caso vertente o facto gerador do imposto, ou seja, a sua exigibilidade, ocorre, no momento da alienação dos prédios inscritos nos artigos matriciais 253 e 1095 (artigo 10.º n.º 3 do CIRS), sendo esse o momento em que os ganhos de mais-valias se consideram obtidos. Isto permite-nos afirmar, que a sentença recorrida que em contrário decidiu não se pode manter.
IV. CONCLUSÕES I. A procuração constitui um negócio cujo efeito consiste em alguém, o dominus, atribuir a outrem, o procurador, poderes para que este celebre negócios ou pratique outros actos jurídicos em sua representação e o substitua assim na prática desses actos ou negócios (cfr.artigo 262º, n.º 1 do Código Civil). II. Diz-se irrevogável a procuração no interesse exclusivo do dominus (cfr. artigo 265º, n.º 2 do Código Civil), que é livremente revogável e a procuração também no interesse do credor ou de terceiros (cfr.artigo 265º, n.º 3 do Código Civil), que é irrevogável, salvo acordo do interessado ou justa causa. III. A outorga de procuração irrevogável não afasta a tributação na esfera jurídica do Recorrido, pois os negócios celebrados por procurador a quem foram conferidos poderes de representação produzem os seus efeitos em relação aos representados. IV. O facto gerador do imposto, ou seja, a sua exigibilidade, ocorre, no momento da alienação dos prédios (cfr. artigo 10.º n.º 3 do CIRS), sendo esse o momento em que os ganhos de mais-valias se consideram obtidos.
V. DECISÃO Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo acordam, em conferência conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a presente impugnação judicial.
Custas pelo Recorrido. Registe e notifique. Lisboa, 9 de Junho de 2016. [Ana Pinhol] [Jorge Cortês] [Cristina Flora] |