Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:01030/05
Secção:Contencioso Administrativo - 2º Juízo
Data do Acordão:10/20/2005
Relator:Xavier Forte
Descritores:AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA
RAZÕES HUMANITÁRIAS
GRAVE INSEGURANÇA
ÓNUS DA PROVA
SISTEMÁTICA VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
Sumário:I)- A concessão de autorização de residência por razões humanitárias , prevista no artº 8º , nº 1 , da Lei nº 15/98 , de 26-03 , depende da existência no país da nacionalidade do interessado de uma situação de « grave insegurança devida a conflitos armados ou à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifiquem » .

II)- Não tendo sido invocado pela recorrente a existência de conflitos armados , tal pressuposto fica desde já afastado , mas só se estará perante uma «sistemática violação dos direitos humanos » , para aquele efeito , quando esteja em causa a violação de direitos humanos relacionados com a segurança dos cidadãos e que as violações ocorram , frequentemente , de forma que gerem , na generalidade dos residentes nesse país um sentimento de grave insegurança .

III)- Recai sobre o requerente de autorização de residência o ónus da prova dos factos em que se baseia a sua pretensão .
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:A recorrente veio interpor Acção Administrativa Especial do despacho que indeferiu o seu pedido de asilo , na vertente de aplicação do artº 1º e do artº 8º , da Lei nº 15/98 , de 26-03 , proferido pelo Ministro da Administração Interna , com base na proposta do Comissariado Nacional para os refugiados , com vista à declaração da sua nulidade e a anulabilidade , bem como à sua substituição pelo acto administrativo legalmente devido .

Alega que a presente acção deve ser julgada procedente por provada , sendo o despacho recorrido declarado nulo e a autoridade recorrida condenada a conceder à recorrente protecção , nos termos do artº 1º ou artº 8º , da LAR , seguindo-se os demais termos até final .

A fls. 898 e ss , foi proferida douta sentença , datada 18-05-2005 , no TAF de Sintra , foi julgada improcedente , por não provada , a presente acção administrativa especial , mantendo-se o acto impugnado , improcedendo , consequentemente , o pedido de substituição pelo acto administrativo legalmente devido .

Inconformada com a sentença , a recorrente veio dela interpor recurso jurisdicional , apresentando as suas alegações de fls. 958 e ss , com as respectivas conclusões de fls. 989 a 999 .

A fls. 1063 e ss , a entidade recorrida veio apresentar as suas contra-
-alegações , com as respectivas conclusões de fls. 1070 a 1076 , que de seguida se juntam por fotocópia extraída dos autos

A fls. 1090 , o Sr. Procurador-Geral Adjunto entendeu que o recorrente deveria sintetizar as 70 conclusões das suas alegações , sob a cominação do não conhecimento do recurso ( artº 690 , nº 4 , do CPC ) .

A fls. 1322 e ss , a recorrente veio sintetizar as conclusões das suas alegações , que de seguida se juntam por fotocópia extraída dos autos .

No seu douto e fundamentado parecer , de fls. 1353 a 1354 , o Sr. Procurador-Geral Adjunto entendeu que dverá manter-se a sentença recorrida , improcedendo o recurso .

MATÉRIA de FACTO :

Com interesse para a decisão , considero provados e relevantes os factos constantes da sentença - alínea a) a q) - , de fls. 910 a 915 dos autos , nos termos do artº 713º , 6 , do CPC .
O DIREITO :

A fls. 1322 e ss , a recorrente veio apresentar as conclusões das suas alegações , ao abrigo do disposto no nº 4, do artº 690º , do CPC , conjugado com o artº 146º , nº 4 , do CPTA .

O recorrido , Ministério da Administração Interna , veio responder , nos termos do nº 5 , do artº 146º , do CPTA .

Porém , notificada da resposta do recorrido e tendo entendimento distinto sobre a matéria , a recorrente , através da sua ilustre mandatária , notificou o mesmo da peça apresentada no TCAS , com o propósito de responder à Resposta , citada , do Recorrido .

O recorrido tem razão na reclamação que apresentou .

Com efeito , a resposta apresentada pela recorrente , não tem , efectivamente, cabimento .

E nesse sentido é claro o disposto no artº 146º , nº 5 , quando refere que «no caso previsto no número anterior – o relator convida o recorrente a completar ou esclarecer as conclusões formuladas – a parte contrária é notificada da apresentação de aditamento ou esclarecimento pelo recorrente, podendo responder no prazo de 10 dias , não se falando em « réplica » , pois nesse caso teria que reconhecer-se ao recorrido , igualmente , a possibilidade de responder àquele , eternizando-se a lide , pela abertura sucessiva dos posteriores direitos de resposta .

Daí que , por ilegal , a resposta apresentada pela recorrente a fls. 1348 , terá que ser desentranhada e entregue à parte , deferindo-se , assim , a reclamação de fls. 1360 . ( cfr. , ainda , o douto parecer de fls. 1413 a 1414 , que vai , precisamente , no sentido do desentranhamento da resposta ) .

Custas do incidente pela recorrente , fixando-se a taxa de justiça no mínimo.


Como se referiu , a recorrente apresentou as conclusões das suas alegações , a fls. 1322 e ss , e , embora as mesmas não primam pela perfeição , o certo é que , como refere o Digno Magistrado do MºPº , a fls. 1353 , a síntese pouco conseguida , que a recorrente se terá esforçado por alcançar , não impede a suficiente compreensão dos vícios que imputa à decisão impugnada .

Acresce que a deficiente sistematização das conclusões , se bem que exija um maior esforço de apreensão do fio condutor do raciocínio da alegação , não é tal que se torne intolerável e que exija , como pretende o recorrido , a fls. 1333 e ss , a rejeição do recurso .

Nas conclusões das suas alegações a recorrente refere , designadamente , que o acórdão recorrido enferma , a mais de um título , de nulidade – conclusões d)- 668-1, al. a) , do artº 668º , do CPC - , n) – alínea d) , do nº1do artº 668º , do CPC – al. r) – artº 668º , 1 , al. d) , do mesmo Código e de erro de julgamento , de facto e de direito , e ainda as consequências de nulidades processuais anteriormente verificadas ( als. e) e f) ) .

E na conclusão ee) , a recorrente refere que o acórdão recorrido ao permitir a devolução da recorrente à Índia e não concessão à mesma do Asilo viola o artº 33º , da Convenção de Genebra , o artº 2º e 3º , da Convenção Europeia dos Direitos do Homem , o artº 7º , do Pacto Internacional de direitos Civis e Políticos e artº 3º , da Convenção contra a Tortura .


Ora , quanto à nulidade prevista na alínea a) , do nº 1 , do artº 668º , do CPC , a mesma não se verifica , já que o douto acórdão está assinado , digitalmente , como se verifica a fls. 932 , dos autos ( Digitally signed by Isabel Maria Vaz Martins Fernandes Gomes Ferreira , Ana Cristina de Sá Lameira Veigas Cordeiro e Ana Cristina Gomes de Carvalho ) .

Improcede a invocada nulidade .

Improcedem , ainda as nulidades invocadas e previstas , no artº 668º , 1 , alínea d) , do CPC , já que entendemos , como se verifica pelo probatório e pelo direito aplicável, que o Tribunal conheceu de todas de todas as questões que lhe foram colocadas e deu , com justeza , uma solução adequada às mesmas .

Entendemos , ainda que não procede a nulidade , quando a recorrente diz que o tribunal « a quo » não se pronunciou quanto à questão controvertida – correr a recorrente risco para a sua integridade física – quando é certo que a douta sentença é muito clara , quando refere que « não basta sublinhar a mera insegurança . O legislador foi mais longe ao exigir a grave insegurança e a sistemática violação dos direitos humanos » .

E como bem refere a sentença , não existe uma sistemática violação dos direitos humanos , na União Indiana , que não está referenciada como sendo um País que dê origem a « refugiados » .

É um País democrático e respeitador dos direitos humanos , embora com alguns problemas relacionados com a religião , como acontece com todos os países do mundo .

Improcede , manifestamente , a invocada nulidade , pois o Tribunal «a quo», pronunciou-se sobre a questão controvertida .

Quanto ao mérito , a recorrente mantém nas conclusões das suas alegações os mesmos vícios que já invocara , na sua petição , contra o acto impugnado.

Porém , não tem razão , como se passará a demonstrar .

Com vista a uma justa decisão , faremos ressaltar os seguintes factos , constantes da matéria fáctica provada :

i)- Em 09-02-2004 , foi elaborado ,pelo Comissário Nacional para os refugiados , projecto de proposta de decisão o qual se dá aqui por integralmente reproduzido , o qual cncluíu no sentido de :

« A)- Que seja indeferido o pedido de asilo formulado pela requerente Mónica Bedi , não só por ser inadmissível por força do artº 13º , nº 1 , e alíneas a) , b) , d) e e) , da Lei nº 15/98 , de 26-03 , mas também por não estarem reunidos os pressupostos do artº 1º , deste mesmo diploma legal ;
B)- E ainda e também que por falta de pressupostos do artº 8º , da Lei acima referida , não seja concedida à requerente Monica Bedi autorização de residência por razões humanitárias » - cfr. fls. 344 e 360 do PI .

j)- Em 10-02-2004 , a autora por requerimento dirigido ao Comissário Nacional para os Refugiados , solicitou a reapreciação do Projecto de Proposta , referido em i) .

k)- Em 25-02-04 , o Comissário Nacional para os Refugiados emitiu proposta , mantendo nos seus exactos termos , o projecto referido em i) .

l)- Após instrução do processo , por despacho de 01-03-2004 , proferido pelo Secretário de Estado da Administração Interna , foi negada a pretensão da Autora , nos seguintes termos :

« PROCº 79E/03-GAR/SEF

No uso da competência que me foi delegada pelo Despacho nº 17296/2002 , do MAI , datado de 09-02-02 , publicado no DR nº 180 , II Série , de 06-08-02 , com base na proposta do CNR e nos termos do artº 23º, nº 5 , da Lei nº 15/98 , de 26-03 , não é concedido asilo à cidadã Monica Bedi , de nacionalidade indiana , por não se encontrarem preenchidos os pressupostos do artº 1º , da mesma Lei .

Com base na mesma proposta , e por não se verificarem actualmente os pressupostos contidos no artº 8º , da supramencionada Lei , não é concedida autorização de residência por razões humanitárias à cidadã acima identificada .



Nos termos do artº 25º , da mesma Lei , a cidadã pode permanecer em território nacional , durante 30 dias , findo o qual fica sujeita à legislação sobre estrangeiros .

Lisboa , 01-03-04

O Secretário de Estado da Administração Interna

Ass) Ilegível

( Nuno Miguel Miranda de Magalhães ) » .

n) Por Acórdão de 28-11-03 , da 6ª Vara Criminal de Lisboa , 2ª secção , proferido no processo 13/02.8TELSB , a Autora foi condenada « (...) pela comissão delitiva de um crime de uso de documento falso , na sua forma continuada , p.p. pelo artº 256º , 1-c e nº 3 , com referência ao artº 30º,nº 2 , ambos do CP , na pena de 2 ( dois ) anos de prisão – cfr. fls. 170 a 187 , do PI .

o)- Tal Acórdão foi confirmado por decisão do TRL , tendo transitado em julgado , em 13-08-2004 .

E foi perante este circunstancialismo que a recorrente veio intentar , nos termos do artº 24º , nº 1 , da Lei nº 15/98 , de 26-03 , a presente Acção Administrativa Especial do despacho que indeferiu o seu pedido de asilo , na vertente de aplicação do artº 1º e do artº 8º , da Lei nº 15/98 , de 26-03 , proferido pelo MAI , com base na proposta do comissariado Nacional para os Refugiados , com vista à declaração da sua nulidade e a anulabilidade , bem como à sua substituição pelo acto administrativo devido .

Assim , quanto aos invocados vícios de nulidade por fundamentação deficiente , nos termos do artº 124º e 125º , do CPA , e por omissão de formalidades essenciais , nos termos do nº 2 , do artº 24º , da LAR ( Lei nº 15/98 , de 26-03 ) , entendemos que os mesmos não se verificam , não merecendo qualquer reparo a douta sentença recorrida .

Ora , tendo o acto impugnado declarado expressamente a sua concordância com a fundamentação do Projecto de Proposta do Comissariado Nacional para os Refugiados , esta proposta , nos termos do nº 1, do artº 125º , do CPA , constitui parte integrante daquele acto , e , expondo-se nela , sucintamente , mas de forma clara , suficiente e congruente , as razãos de facto e de direito pelas quais se sustenta que a pretensão do recorrente deve ser indeferida não está o despacho recorrido viciado de falta ou insuficiência de fundamentação . ( Cfr., entre outros , o Ac. do STA , de 14-
-10-98 , Rec. 39 178 ) .

Improcede , assim , o invocado vício de falta de fundamentação .

Também não se verifica a nulidade por omissão de formalidade essencial , nos termos do nº 2 , do artº 24º - Notificação e recurso - , da LAR .

Ficou provado pela alínea m) , da matéria de facto provada , que « em 12-
-03-2004 , por fax , foi informado o Conselho Português para os Refugiados da decisão final que recaíu sobre o pedido de asilo efectuado pela Autora , proferida em 01-03-2004 » .

Ora , não estabelecendo a Lei qualquer prazo para tal procedimento , improcede o invocado vício de preterição de formalidades essenciais invocados pela Autora .

Mas , ainda que assim se não considerasse , a douta sentença , e bem , refere que o eventual atraso na comunicação seria uma irregularidade procedimental , que não pode ser considerada uma formalidade essencial tanto mais que não comprometeu os direitos de defesa da aqui Autora , não tendo , assim , impedido a concessão do objectivo visado pela lei ao exigí-
-la .

Quanto à eventual violação dos artºs 6º e 6º-A e 133º , al. d) , todos do CPA, a Autora justifica a violação de tais normas pelo facto de terem sido juntas ao procedimento duas petições subscritas pela União Indiana e respectivos mandatários , facto que seri suficiente para cominar de nulidade o procedimento .

Ora , como se refere na douta sentença não ficou provado que a União Indiana tivesse sido parte no procedimento de asilo , antes resultou da consulta do processo instrutor que o acesso ao processo por parte do Estado de origem da Autora lhe foi expressamente negado .

A fls. 315 do PI , e em resposta a exposições apresentadas pela União Indiana , refere-se que « O Estado de origem da requerente não pode constituir-se parte interessada neste tipo de processo , porquanto nele só existe um interesse a proteger , o do requerente » .

Verifica-se , assim , que a actuação da Entidade Demandada se revela respeitadora dos princípios da boa fé , da justiça e da Imparcialidade ao não admitir a intervenção da União Indiana no procedimento , pelo que se inverificam os invocados vícios de violação de lei .

Quanto à violação dos artºs 1º - Garantia do direito de asilo – , e 8º- Autorização de residência por razões humanitárias - , da Lei nº 15/98 , de 26-03 ( LAR ) , a Autora invoca ter receio de ser perseguida pelas autoridades indianas caso regresse ao seu país de origem , em virtude de se ter unido por matrimónio aom alguém que é suspeito de actividades terroristas .

Mais refere que será vítima de tortura durante os interrogatórios com vista a extraírem-lhe informação que a possa incriminar e ao seu marido . Receia ainda a fúria da população , que a descriminará face à religião que professou , bem como represálias da máfia indiana .

A entidade demandada alega , designadamente , que existem questões prévias que determinam , no caso concreto , por si só , a exclusão e a inadmissibilidade do pedido formulado pela Autora , de concessão de asilo , como seja o facto de ter sido condenada em processo crime , na pena de dois anos de prisão ( al. n) ) e ainda o facto de ter apresentado o pedido de asilo extemporaneamente .

O artº 1º da Lei nº 15/98 , de 26-03 , dispõe no seu nº 1 que « é garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição em consequência de actividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia , da libertação social e nacional , da paz entre os povos , da liberdade e dos direitos humanos .

O nº 2 dispõe que têm ainda direito à concessão de asilo os estrangeiros e os apátridas que , receando com fundamento ser perseguidos , em virtude da sua raça , religião , nacionalidade , opiniões políticas ou integração em certo grupo social , não possam ou , em virtude desse receio , não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual » .
...

Por sua vez , o artº 3º -Exclusão e recusa do asilo – dispõe :

«1- Não podem beneficiar de asilo :
...

c) Aqueles que tenham cometido crimes dolosos de direito comum puníveis com pena de prisão superior a três anos .

Resulta da matéria fáctica provada que a Autora foi condenada pela comissão delitiva de um crime de uso de documento falso , na sua forma continuada , na pena de dois anos de prisão .

A Autora invoca que , embora o crime seja punível com a pena de prisão superior a três anos , à recorrente foi apenas aplicada uma pena efectiva de dois anos .

E a sentença refere que outra conclusão não se alcança que não a de considerar verificada a causa de exclusão do direito ínsita na alínea c) , do nº 1 ,do artº 3º , da LAR , de 26-03 .

E muito pertinentemente , o Digno Magistrado do MºPº - a fls. 1354 - , entendeu que é de rejeitar , quer a interpretação de que relevante será a moldura concreta e não a abstracta , pois que a norma legal fala em crime punível ( e não punido ) , quer a de que o prazo de oito dias para formular o pedido é mais ou menos elástico , pois que se trata de um prazo peremptório contado a partir dos factos referidos nos nºs 1 e 2 do citado artº 11 , em nome da seriedade e objectividade da motivação do pretendente e para evitar o seu uso para fins alheios à lei , como , aliás , parece ser o caso presente .

Não se verifica , assim , o vício de violação do artº 1º , da Lei nº 15/98 , de 26-03 ( LAR ) .

Quanto à violação do artº 8º , da mesma Lei , o nº 1 dispõe que « é concedida autorização de residência por razões humanitárias aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artº 1º e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao País da sua nacinalidade ou da sua residência habitual , por motivos de grave insegurança devida a conflitos armados ou à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verificam » .

Começaremos por dizer que a Autora não invoca a existência de conflitos armados .

E quanto ao sentimento de insegurança previsto no referido artº 8º , o mesmo tem que ultrapassar os padrões de normalidade , daí que a lei aluda a «grave insegurança » ; e tem forçosamente que assentar em factos objectivos suficientemente graves para pôr em perigo a vida , a integridade física ou a liberdade pessoal da requerente . ( Cfr. , entre outros , o douto Ac.do STA , de 30-03-04 , P. 01600/02 e o de 29-10-03 , P 0151/03 ) .

Ora , acontece que das próprias declarações da Autora , no decorrer do procedimento administrativo , não resulta que exista uma sistemática violação dos direitos humanos , por forma a concluir-se que se trata de violação potencialmente geradora de uma situação de grave insegurança para os residentes naquele País .

O que realmente existe são , por vezes confrontos , entre a comunidade hindu e a muçulmana e também a cristã , mas que são pontuais .

Aliás , tendo em conta a Informação junta ao processo a fls. 321 , da Direcção Geral das Relações Bilaterais do MNE , verifica-se que a violência esporádica que possa existir entre aquelas duas comunidades religiosas nunca é dirigida a um indivíduo particular , não existindo qualquer atitude hostil das comunidades indianas face a conversões de hindus ao islamismo .

Falece , assim , a argumentação da recorrente , quando refere ter receio de ser perseguida e maltratada pela comunidade hindu , por ter trocado a religião hindu pela mulçumana , aquando do seu casamento .

Improcede o vício de violação do artº 8º , da LAR , pois a Autora não demostrou a existência de grave insegurança ou a sistemática violação dos direitos humanos na União Indiana .

No que respeita à violação do artº 33º , 8- a lei define o estatuto do refugiado político - , a mesma não se verifica , pela simples razão de que a Autora não reunia os pressupostos da concessão do direito de asilo , por ocorrerem causas de exclusão de tal direito , designadamente a prática de crime doloso de direito comum , punível com pena de prisão superior a três anos .

A recorrente invoca a violação do artº 33º , da Convenção de Genebra e artº 3º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem , artº 7º do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e artº 3º , da Convenção contra a Tortura , recepcionados pelo artº 8º , da CRP , que , assim , obstariam à sua expulsão para um país – União Indiana – onde a sua vida e liberdade fosse ameaçada , parecendo , assim entender que a não concessão do pedido de asilo violaria aqueles preceitos .

Mas essa violação é insusceptível de se verificar no caso em apreço , como em caso paralelo se decidiu , no Ac. do TCAS , de 22-09-05 , Recurso nº 0993/05 , quer porque não se está perante um acto de expulsão , quer porque a eventual ameaça da vida e da liberdade da recorrente não decorria da sua raça , religião , nacionalidade , filiação em grupo social ou opiniões políticas , conforme exigía o citado artº 33º , nº 1 , mas de ter praticado um crime .

Como refere a douta sentença , basta assim , para apreciar a existência do vício de violação de lei indicado saber se os factos indicados na motivação do acto eram suficientes para justificar o indeferimento do pedido de autorização de residência por razões humanitárias ao abrigo do artº 8º , da Lei nº 15/98 .

Tendo sido apreciada a alegada violação do artº 8º , da Lei nº 15/98 , e tendo-se concluído que o acto impugnado fez uma adequada interpretação e aplicação do mesmo dispositivo legal , improcede , por isso , tal vício .

A douta sentença refere ainda a não verificação das cláusulas de inadmissibilidade previstas no artº 13º , da LAR .

O artº 13º , da Lei nº 15/98 , dispõe , no nº 1 , que « 1- O pedido é considerado inadmissível se através do procedimento previsto na presente lei forem , desde logo , apuradas como manifestas algumas das causas previstas no artº 3º ou nas alíneas seguintes ( ... ) » .

Ora , considerou-se verificada a cláusula de inadmissibilidade prevista na al. d) , do artº 13º - o pedido foi apresentado , injustificadamente , fora do prazo previsto no artº 11º - , bem como a cláusula de exclusão prevista na al. c) , do nº 1 , do artº 3º , do mesmo Diploma legal , facto que , por si só , obsta à concessão do asilo .

Improcede , pois , o alegado vício , por não verificação das cláusulas de inadmissibilidade previstas no artº 13º , da LAR .

Finalmente , a recorrente invoca que não se percebe que , tendo o pedido de asilo da Autora sido admitido para posterior análise de mérito , se fundamente quase toda a decisão na inadmissibilidade do pedido de asilo , nos termos do artº 13º , da LAR . E que , se o pedido já tinha sido admitido , cabia ao decisor avaliar se estavam ou não reunidos os pressupostos de aplicação do artº 1º e 8º , da LAR .

Quanto a este argumento , a douta sentença diz que , se os fundamentos constantes do artº 13º da LAR são suficientes para um indeferimento liminar , nada obsta a que possam manter a sua validade para indeferir o requerido , após a realização de uma instrução procedimental mais maturada e cuidada , uma vez verificado o preenchimento dos pressupostos aí referidos , como determinantes para a inadmissibilidade do pedido .

Não há , nem pode haver , uma relação de causa efeito entre a admissibilidade do pedido e a concessão definitiva do pedido .

Improcede , pois , esta argumentação da recorrente .

Bem andou , pois a sentença , em considerar improcedente a presente acção administrativa especial .

DECISÃO :

Acordam os Juízes do TCAS , em conformidade , em negar provimento ao recurso jurisdicional , assim confirmando a a sentença recorrida nos seus precisos termos .

Sem custas , por isenção , na 1ª Instância e neste TCAS ( cfr. artº 62º , da Lei nº 25/98 ) .

Lisboa , 20-10-05