Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1246/20.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2021
Relator:LUISA SOARES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL;
DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA;
REQUISITOS
Sumário: I. Nos termos do n.º 4 do artigo 52.º da LGT o pedido de dispensa de prestação de garantia depende de três requisitos, sendo dois deles de verificação alternativa e um terceiro de verificação cumulativa, a saber: alternativamente, importa provar que (i) a prestação de garantia causa prejuízo irreparável ou (ii) a manifesta falta de meios económicos a qual é revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido; cumulativamente, cumpre demonstrar (iii) a inexistência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado.

II. Recai sobre o Requerente o ónus de alegar e provar os pressupostos da dispensa de prestação da garantia assente quer na ocorrência de prejuízo irreparável, quer na manifesta falta de meios económicos do executado.

III. Por seu turno, à Administração Tributária cabe demonstrar a existência de fortes indícios de que a insuficiência de bens se deveu a atuação dolosa por parte do executado.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

A Fazenda Pública, vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a reclamação deduzida ao abrigo do art. 276º do Código de Procedimento e de Processo Tributário por “U... Lda”, contra a decisão proferida pelo órgão de execução fiscal no âmbito do processo de execução fiscal nº 3336201001211463 e apensos, que indeferiu o pedido de isenção da prestação de garantia.

A sentença recorrida considerou que a Reclamante beneficia de isenção de prestação de garantia por se encontrarem preenchidos os requisitos previstos no nº 4 do art. 52º da LGT.

A Recorrente termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

A) In casu, salvaguardado o elevado respeito, deveria ter sido dada uma maior acuidade ao escopo do vertido no artigo 52.º da LGT e art.º 668º, nº 1, al. d) do CPCivil ex vi art. 2.º, al. e) do CPPT.

B) Tudo assim, devidamente condimentado e com arrimo no respeito pelo Princípio da legalidade e do Principio da Justiça.

C) Também, deveria o respeitoso Aerópago a quo, ter melhor valorado e considerado o acervo probatório documental constante dos autos (maxime, o teor do vertido na informação oficial da Direcção de Finanças de Lisboa constante de págs. 48 a 53 do documento 006944710 da numeração do SITAF).

D) Ao que acresce a vicissitude de terem sido extraídas erradas ilações jurídico-factuais da factualidade dada como assente (mormente a vertida no item 6) e 17) do probatório.

E) Para que, se pudesse aquilatar pela IMPROCEDÊNCIA DA RECLAMAÇÃO aduzida pelo Recorrido, maxime pela não verificação dos requisitos que permitem a dispensa de prestação de garantia nos termos do preceituado no art. 52.º da LGT.

F) Como as conclusões do recurso exercem uma importante função de delimitação do objeto daquele, devendo “corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo Tribunal a quo” - (Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4.ª ed., Coimbra, Almedina, 2017, p. 147),

G) A delimitação do objecto do recurso supra elencado, é ainda melhor explanado, explicitado e fundamentado do item 17º ao 38º das Alegações de Recurso que supra se aduziram (itens aqueles que por economia processual aqui se dão por expressa e integralmente vertidos) e das quais as presentes Conclusões são parte integrante.

H) Posto que, aquelas vicissitudes supra elencadas, estão comprovadas, referenciadas e dadas como assentes nos presentes autos, não tendo sido devidamente relevadas pelo Tribunal a quo,

I) pois que, a tê-lo sido, o itinerário decisório a implementar pelo respectivo Areópago, de certo, que teria sido outro.

J) Nem, tão pouco, da factualidade dada como assente e do acervo probatório existente nos autos sub judice, foram extraídas ilações jurídico-factuais assertivas por parte do respeitoso Areópago recorrido.

K) Por conseguinte, salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo lavrou em erro de julgamento.


NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, e com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença proferida com as devidas consequências legais.
CONCOMITANTEMENTE,
Apela-se desde já à vossa sensibilidade e profundo saber, pois, se aplicar o Direito é um rotineiro ato da administração pública, fazer justiça é um ato místico de transcendente significado, o qual poderá desde já, de uma forma digna ser preconizado por V. as Ex.as, assim se fazendo a mais sã, serena, objectiva e acostumada JUSTIÇA!”


* *
A Recorrida não apresentou contra-alegações.
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O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
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Com dispensa de vistos prévios atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para decisão.
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II- OBJECTO DO RECURSO

Cumpre, desde já, relevar em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, que as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, a questão que importa decidir é saber se a sentença padece de erro de julgamento ao ter considerado que estavam verificados os pressupostos de dispensa de prestação de garantia nos termos do nº 4 do art. 52º da LGT.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

1) Em data não apurada, foi realizada uma ação de inspeção externa por parte da Autoridade Tributária, ao abrigo das Ordens de Serviço n.º OI201701983; OI201800218 e OI201800219, à situação tributária da ora reclamante relativamente aos anos de 2014, 2015 e 2016, tendo sido emitidas liquidações adicionais de IVA e IRC.
(cfr. fls. 59 a 64 do doc. n.º 006944710
doc. n.º 006944709 do Sitaf).
2) A ora Reclamante, na sequência da notificação das liquidações adicionais emitidas, resultantes da inspeção a que se refere o ponto anterior, e aqui em execução fiscal, apresentou impugnações judiciais, as quais correm termos neste Tribunal com os n.ºs 185/19.2BELRS e 206/19.9BELRS.
(cfr. fls. 59 a 64 do doc. n.º 006944710
E fls. 55 do doc. n.º 006944709 do Sitaf).
3) Não tendo sido pagas as liquidações adicionais de IVA e IRC referidas nos pontos anteriores foram instauradas as seguintes execuções contra a Reclamante:
3336201801211463 e apensos (3336201801213628, 3336201801213636, 3336201801213644, 3336201801213652, 3336201801213660, 3336201801213679, 3336201801213687, 3336201801213695, 3336201801213709, 3336201801213717, 3336201801213725, 3336201801213733, 3336201801213741, 3336201801213750 3336201801213768, 3336201801213776, 3336201801213784, 3336201801213792, 3336201801213806, 3336201801213814, 3336201801213822, 3336201801213830 3336201801213849, 3336201801213857, 3336201801213881, 3336201801213890, 3336201801213903, 3336201801213911, 3336201801213920, 3336201801213938, 3336201801213946, 3336201801213954, 3336201801213962, 3336201801213970 3336201801213989, 3336201801213997, 3336201801214004, 3336201801214012, 3336201801214020, 3336201801214039, 3336201801214047, 3336201801214055, 3336201801214063, 3336201801214071, 3336201801214349, 3336201801214357 3336201801214365, 3336201801214373, 3336201801214381, 3336201801214390, 3336201801214403, 3336201801214411, 3336201801214420, 3336201801214438, 3336201801214446, 3336201801214454, 3336201801214462, 3336201801214470, 3336201801214489, 3336201801214497, 3336201801214500, 3336201801214519, 3336201801214527, 3336201801214535, 3336201801214543, 3336201801214551, 3336201801214560, 3336201801214578, 3336201801214586, 3336201801215191 3336201801222830).
(cfr. fls. 70 do doc. n.º 006944709 do Sitaf).
4) A 28.12.2018, a reclamante apresentou um pedido de prestação de garantia junto do Serviço de Finanças de Lisboa-6, através de fiança pessoal a prestar pelo sócio-gerente Z..., no qual peticiona o seguinte:
« (...) Requer-se a V. Exª que:
(i) Admita a prestação de fiança pessoal do sócio-gerente da Requerente, Z..., contribuinte n.º ..., com vista à suspensão dos processos de execução fiscal instaurados para cobrança das dívidas decorrentes da ação de inspeção tributária encetada em cumprimento das ordens de serviço n.º OI201701983, OI201800218 e OI201800219.
(ii) Indique os elementos que a Requerente terá de apresentar com vista à constituição da referida garantia.»
(cfr. fls. 5 a 14 do doc. n.º 007006047 do Sitaf).
5) A 04.01.2019, foi remetido um ofício à Reclamante com a epígrafe «citação», onde se dá conhecimento de que foram instaurados contra si os processos de execução n.º 3336201801211463 e apensos, por dívidas de IRC e IVA, peticionando-se os seguintes montantes:

(Imagem no original)
(cfr. fls. 4 do doc. n.º 007006047 do Sitaf).
6) A 22.04.2019, foi elaborada uma Informação pelos serviços da Direção de Finanças de Lisboa, sobre o pedido de prestação de garantia através de fiança, do qual consta, com relevo, o seguinte:
«3 - Dos resultados:
3.1. Análise com base nos rácios:
3.1.1 Património Liquido: Se o valor dos bens e direitos (activos) é inferior ao valor das exigibilidades e obrigações (passivo) a garantia não é idónea atenta a falta de capacidade do fiador.
No vertente caso foi dado conhecimento do património do fiador proposto. Da consulta aos elementos disponíveis resultou que existem dois prédios, propriedade do proponente fiador, como se indica no quadro infra:
«Imagem no original»

(...)
4. Síntese e Conclusões:
A análise financeira efetuada pela Equipa do Apoio Externo desta Divisão ao proponente fiador C..., NIF ..., enquanto garante do valor de € 259.168,58, nos processos de execução fiscal supracitados, em que é devedora a firma U..., LDA, NIF ..., ascendendo o valor do activo bruto a €495.330,18 e do Passivo a €585.867,55, resultando, desde logo, daí um saldo negativo de €90.537,37, bem como o teor do ponto 3.1.2 anterior, não se pode concluir pela existência de património liquido do proposto fiador em valor suficiente para garantir a dívida em apreço.
Assim, não nos parece que o proponente fiador tenha capacidade de assumir o cumprimento das suas obrigações e ainda as da executada, da qual pretende ser garante.
Por fim, porque o credor AT não pode ser forçado a aceitar como fiador quem não tiver capacidade real para só obrigar ou não dispuser de património liquido suficiente para garantir a dívida em causa, deve ser recusada a garantia apresentada com fundamento na falta de capacidade para pagar demonstrada pelo fiador.
F) - Conclusão
Deste modo, face ao supra exposto, da análise efectuada à garantia oferecida - fiança a prestar por terceiro - verifica-se que a mesma é inidónea pela falta de capacidade para pagar demonstrada pelo fiador.
Para os efeitos tidos por convenientes nos termos dos art.ºs 169° e 199 °, ambos do CPPT, propõe-se a remessa da presente informação ao Serviço de Finanças de Lisboa 6.»
(cfr. fls. 18 a 26 do doc. n.º 007006047 do Sitaf).
7) A 07.05.2019, foi proferido pelo Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, despacho de concordância com a Informação referida no ponto anterior, tendo indeferido o pedido de prestação de garantia, através de fiança a prestar por terceiro.
(cfr. fls. 18 do doc. n.º 007006047 do Sitaf).
8) A 10.05.2019, foi remetido um ofício à Reclamante, sob o assunto «notificação de despacho», do qual consta o seguinte: «Fica por este meio notificado do despacho de 07/05/2019, proferido pelo Sr. Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, sobre o pedido de aceitação de garantia - fiança, solicitado no processo de execução fiscal n.º 3336201801211463 e aps.».
(cfr. fls. 27 do doc. n.º 007006047 do Sitaf).

9) A 30.05.2019, a Reclamante solicitou à C... que fosse concedida uma garantia bancária, no montante de €259.168,58, a favor da Autoridade Tributária.
(cfr. fls. 82 do 006944710 do Sitaf).
10) A 07.06.2019, a Reclamante solicitou novamente à C... a concessão de garantia bancária.
(cfr. fls. 82 a 85 do 006944710 do Sitaf).
11) A garantia bancária solicitada pela Reclamante não foi concedida.
(cfr. fls. 82 a 85 do 006944710 do Sitaf e declarações de parte).
12) A 12.06.2019, a Reclamante apresentou um pedido de dispensa de garantia, do qual consta, com relevo, o seguinte:
«10. Tendo tomado conhecimento, através da referida decisão, da impossibilidade de prestar garantia para suspensão dos presentes autos de execução fiscal, através do património pessoal do seu gerente, a Executada procurou então obter outras formas de garantias idóneas que lograssem tal objectivo.
11. Nesse sentido, a Executada aferiu junto de instituições de crédito a possibilidade de emissão de garantia bancária pelo montante de EUR 259.168,58 a favor da Administração Tributária com vista à suspensão dos processos de execução fiscal em referência - cfr. cópia de e-mail enviado ao gestor de conta da Executada, junta como documento n.° 5.
12. Apesar de, até à presente data, a Executada não ter recebido uma resposta formal ao seu pedido de emissão de garantia, foi-lhe informalmente antecipado pelo seu gestor de conta que, face à situação patrimonial da sociedade, não seria viável a prestação da garantia no referido montante.
13. Por outro lado, face à sua situação patrimonial, a Executada não dispõe de meios económicos para efectuar o pagamento das dívidas exequendas nos processos de execução fiscal em referência, cujo valor ascende a EUR 197.111,53 - cfr. cópia do balancete analítico referente ao exercício de 2018 da Executada, junta como documento n.° 6.
14. Na medida em que a Executada se encontra manifestamente desprovida dos meios económicos necessários à prestação de garantia idónea à suspensão do processo de execução fiscal, nos termos do artigo 52.°, n.° 2, da LGT e, porquanto, em todo o caso, a prestação dessa garantia lhe causaria um prejuízo sério e irreparável, não se tendo verificado qualquer responsabilidade da Executada na sua situação de insuficiência patrimonial, deverão os Serviços que V. Ex.° superiormente dirige suspender os presentes autos de execução fiscal, dispensando a Executada de prestação de garantia, em conformidade com o disposto no artigo 52.°, n.° 4, da LGT.
(...)
16. No presente caso, atendendo ao montante da dívida exequenda - EUR 197.111,53 - e confrontando-o com o valor do património da Executada, e, bem assim, atendendo à informação constante do cadastro da Administração Tributária e ao teor das declarações de rendimentos apresentadas ao longo dos últimos anos, facilmente se constata ser a Executada incapaz de proceder ao pagamento da dívida exequenda.
17. Adicionalmente, uma vez que a Executada não se encontra em condições para obter junto uma garantia bancária e tendo os Serviços que V.Ex.ª superiormente dirige indeferido o requerimento apresentado pela Executada com vista à prestação de garantia, através de fiança pessoal a prestar pelo seu sócio-gerente Z..., facilmente se constata ser a Executada totalmente incapaz de proceder à prestação de uma garantia no valor de EUR 259.168,58.
18. Corroborando os factos acima invocados atinentes à situação patrimonial da Executada e à impossibilidade de obtenção de uma garantia, e com vista ao esclarecimento da verdade material da situação subjacente aos presentes autos, requer-se nesta sede, ao abrigo do disposto no artigo 58.° da LGT, a tomada de declarações, por parte dos Serviços que V. Ex.a superiormente dirige, de P..., contabilista, com domicílio profissional na Rua ..., 3750-791, Trofa.
19. Refira-se ainda que o confronto do valor da dívida tributária em causa com o valor do património da Executada evidencia imediatamente e por si só a irreparabilidade do prejuízo que lhe poderá causar a prossecução da execução coerciva daquela dívida.
20. Com efeito, não sendo mantida a suspensão da execução com dispensa de prestação de garantia, tal situação determinará, invariavelmente, a sua asfixia financeira e, consequentemente, o decreto da sua insolvência, demonstrada que está a sua natural impossibilidade para proceder à liquidação do valor em questão, ficando igualmcnte a Executada impossibilitada de cumprir quaisquer dos compromissos assumidos no âmbito da sua actividade, mormente perante os seus fornecedores, clientes e trabalhadores, traduzindo-se assim o prejuízo inerente à falta de dispensa de prestação de garantia no desaparecimento da Executada, com o desmembramento do seu negócio e a liquidação do seu património, o que poderá ser igualmente confirmado pelos Serviços que V. Ex.a superiormente dirige através da tomada de declarações de P....»
(cfr. fls. 87 a 100 do 006944710 do Sitaf).
13) Com requerimento referido no ponto anterior, a Reclamante juntou 6 documentos, nomeadamente o balancete analítico de 2018, e arrolou uma testemunha, o contabilista.
(cfr. fls. 93 do 006944710 do Sitaf).
14) A 23.07.2019, foi elaborada uma Informação pelos serviços da Direção de Finanças de Lisboa-6, sobre o pedido de dispensa de garantia, na qual conclui o seguinte:
«F) Conclusão
Atento ao acima exposto propõe-se que seja proferida decisão e posterior remessa ao SLF de Lisboa 6 para notificação da interessada no sentido de:
- indeferimento do pedido de dispensa de garantia por intempestividade do mesmo nos termos do artigo 170.º n.º 1 do CPPT.»
(cfr. fls. 97 a 100 do 006944710 do Sitaf).
15) Na mesma data, foi proferido pelo Diretor de Finanças adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, despacho do qual consta o seguinte: «Concordo. Face à informação e parecer prestado e com os fundamentes neles aduzidos, indefiro o pedido de dispensa de prestação de garantia por intempestividade do mesmo, nos termos do n.º1 do artigo 170.º e do n.º 10 do artigo 199.º ambos do CPPT.»
(cfr. fls. 96 do 006944710 do Sitaf).
16) A ora Reclamante apresentou uma Reclamação da decisão de indeferimento proferida, que considerou o pedido de dispensa de garantia intempestivo, tendo o processo corrido os seus termos neste Tribunal, com o n.º 162/20.0BELRS, tendo sido proferida sentença, a julgar procedente a reclamação, considerando o pedido apresentado de dispensa de garantia tempestivo.
(cfr. fls. 104 a 114 do 006944710 do Sitaf).

17) A 26.06.2020, foi elaborada uma Informação pelos Serviços da Direção de Lisboa, da qual consta com relevo, o seguinte:
D - Da análise do pedido de dispensa de prestação de garantia
(...)
Em consonância, quer a dispensa da prestação de garantia assente na ocorrência de prejuízo irreparável, quer na manifesta falta de meios económicos do executado, é sobre o requerente que recaí o ónus de alegar e provar os pressupostos para tal dispensa, sob pena de indeferimento da dita dispensa.
Ora, parece-nos que a sociedade executada no seu petitório alude quer à insuficiência de bens quer à ocorrência do prejuízo irreparável, assim vejamos.
A executada, no presente caso, apenas junta como prova documental, para aferir da sua situação financeira, o balancete analítico relativo ao exercício de 2018 e um pedido de garantia bancária (cópia de e-mail enviado em 30.05.2019 ao gestor de conta da sociedade executada a indagar tal possibilidade).
Saliente-se, assim, que a executada, no que concerne à ocorrência de prejuízo irreparável, conforme lhe competia, não indicou nem demonstrou, por exemplo, através das suas demonstrações financeiras, no sentido de juntar prova e de indicar nos autos o valor concreto dos encargos que teria de suportar com uma garantia idónea e suficiente. E, neste caso, consequentemente a existência de prejuízo irreparável decorrente da prestação de garantia, concretizando no que se traduziria esse prejuízo. Cumprindo, ainda, referir, se ao caso fosse aplicável, no que concerne à aferição do pressuposto prejuízo irreparável com a prestação de garantia idónea, importaria para o efeito atentar que releva para a lei que a prestação de garantia tem de causar um prejuízo irreparável ao executado, sem retorno ao status quo ante, sendo, pois, necessário concretizar e demonstrar essa condição. Neste sentido, refira-se, também, que o pressuposto prejuízo irreparável com a prestação de garantia pressupõe uma relação de causalidade direta e imediata entre a prestação de garantia e o prejuízo irreparável.
A executada junta ao seu requerimento pedido de emissão de garantia bancária que foi solicitado à C... em 30.05.2019, informando que ainda se encontra a aguardar resposta por parte daquela instituição bancária, mas referindo que foi-lhe informalmente antecipado pelo seu gestor de conta que face à situação patrimonial da sociedade não será viável a prestação de garantia no referido montante.
Ora, aqui, cumpre, também, desde logo frisar que para além da garantia bancária há outras formas de garantia previstas na lei.
Vejamos também que:
No que tange à inexistência de bens na esfera juridico-patrimonial da executada, mesmo não cabendo à AT esta demonstração probatória, como está na sua atuação sujeita aos princípios da legalidade, do inquisitório e da boa-fé considerar os meios de prova que tenha em seu poder, observamos, após compulsado o sistema informático ao dispor da AT, que:
- Não se encontram em nome da executado quaisquer bens imóveis;
- Quanto a bens móveis sujeitos a registo encontra-se um veículo automóvel, com a matricula ..., de 01 09 2011, marca Mercedes-Benz.
Também, na declaração Modelo 22 relativa ao exercício de 2017 verifica-se que foi declarado pela contribuinte um total de rendimentos do período no valor de €197.364,54 e um total do volume de negócios de €194.051,73. E na declaração Modelo 22 referente ao exercício de 2018 constata-se um total de rendimentos do período de €230.153,54 e um volume de negócios de €229 644,81.
Assim, ainda no que tange à inexistência de bens (ativos) na esfera jurídico-patrimonial da executada, observamos, atento ao balancete analítico referente ao exercício de 2018 o ao sistema informático ao dispor da AT, designadamente a consulta do anexo A da declaração IES, referente ao ano de 2018, por exemplo, no Balanço, que o total do ativo se cifra no montante de €482.417.78, correspondendo a ativo não corrente o valor do €198 549.29 e ativo corrente o valor de €283 868.49.
Prosseguindo,
A sociedade U... Lda. exerce a sua atividade desde 2013.12.01, estando isenta com o código CAE principal 47711 - Comércio a Retalho de Vestuário para Adultos Estabelecimento Especifico.
Assim, encontrando-se a executada a laborar, constitui bem penhorável o seu estabelecimento comercial, enquanto universalidade jurídica, que integra vários elementos, designadamente, ativos fixos tangíveis, inventários, propriedades de investimento, ativos intangíveis, instrumentos financeiros, devidamente organizado para a prática do comércio.
O regime da penhora do estabelecimento comercial encontra-se previsto no n.° 1 do artigo 782.° do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi alínea e) do art. 2 ° do CPPT, que dispõe que a penhora do estabelecimento comercial se faz por auto. no qual se relacionam os bens que essencialmente o integram.
O n.° 2 da mesma norma determina que a penhora do estabelecimento comercial não obsta a que a executada possa prosseguir o seu funcionamento normal, sob gestão do executado, nomeando o juiz, sempre que necessário, quem a fiscalize, aplicando-se, com as necessárias adaptações, os preceitos referentes ao depositário.
Do que ficou supra exposto, e uma vez que existe na esfera jurídica da sociedade executada, o estabelecimento comercial, ou caso assim não se considere, a existência, designadamente de bens móveis, carecendo de avaliação nos termos do artigo 199.º-A do CPPT, todos bens suscetíveis de constituir garantia nos termos do artigo 199.º do CPPT. não se considera cumprindo o requisito da manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, ao abrigo do n.° 4 do artigo 52 ° da LGT.
Diga-se ainda, atento ao supra exposto, no que concerne quanto à declaração de parte solicitada pela contribuinte, na análise do caso concreto, parece-nos revelar-se a mesma desnecessária, nos termos do disposto no artigo 90.º n.° 3 do CPTA aplicável 'ex vi' artigo 2 °, alínea c) do CPPT, uma vez que dos autos já constam os elementos necessários à decisão da causa (documentos carreados para os autos pelo contribuinte e elementos extraídos do sistema informático da AT).
Desta forma, não obstante o alegado pela executada e o que resulta da consulta efetuada ao sistema informático ao dispor da AT, constata-se que a mesma não provou que a sua situação em concreto preenche os prossupostos do n.° 4 do artigo 52.° da LGT (nomeadamente quanto à inexistência/ insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda c acrescido), por forma a habilitar esta DGDE a autorizar tal dispensa.
E) Conclusões
Nos termos do supra exposto, propõe-se que seja proferida decisão e posterior remessa ao SF de Lisboa 6, para notificação da sociedade ora requerente, na pessoa dos seus mandatários, do indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, uma vez que não estão preenchidos os requisitos para a sua concessão, nos termos do n.°4 do artigo 52° da LGT.»
(cfr. fls. 48 a 53 do 006944710 do Sitaf).
18) A 29.06.2020, foi proferido despacho pelo Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, do qual consta o seguinte: «Concordo. Face à informação e pareceres prestados e com os fundamentos nele aduzidos, indefiro o pedido de dispensa de prestação de garantia por não se mostrarem preenchidos os requisitos legais para tal.»
(cfr. fls. 47 do 006944710 do Sitaf).
19) A 20.07.2020, a Reclamante remeteu a presente petição ao Serviço de Finanças de Lisboa-6.
(cfr. fls. 1 e ss do 006944710 do Sitaf).

Mais se provou que,

20) Do balancete de 2018, junto com o pedido de dispensa de garantia, consta o seguinte:

(Imagem no original)
(cfr. fls. 115 a 120 do 006944710 do Sitaf).


21) Do Balanço referente a 2018 e 2019, consta o seguinte:

(Imagem no original)
(cfr. fls. 131 do 006944710 do Sitaf).


22) Do mapa de depreciações e amortizações do modelo de IRC 32, consta o seguinte:

(Imagem no original)
(cfr. fls. 121 a 130 do 006944710 do Sitaf).


Factos não provados
Não existem factos não provados com relevância para a decisão.
*
Motivação da matéria de facto:
O Tribunal fundou a sua convicção na análise dos documentos e informações oficiais, constantes dos autos, para os quais se remete no final de cada facto, que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do Tribunal e ainda nas declarações de parte prestadas, as quais foram espontâneas e coerentes, tendo merecido credibilidade.”.
* *
IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Por sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa foi julgada procedente a reclamação apresentada nos termos do art. 276º do CPPT contra a decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia. Para o efeito o Tribunal a quo considerou que estavam reunidos os pressupostos previstos no nº 4 do art. 52º da LGT, mais concretamente, o prejuízo irreparável causado pela prestação de garantia.

Discordando do decidido vem a Fazenda Pública apresentar o presente recurso, defendendo nas suas alegações, que o tribunal interpretou de forma errada os factos constantes das alíneas 6 e 17 do probatório (cfr. conclusão D) das alegações), e se bem entendemos a pretensão da Recorrente, que existe contradição entre a fundamentação e a decisão na medida em que o tribunal considerou que não era manifesta a falta de meios económicos para prestar a garantia e veio a entender que se verificava o prejuízo irreparável, e, pese embora aflore a questão da nulidade da sentença (invocando, certamente por lapso o anterior art. 668º, nº 1, alínea d) do CPC), concluiu, que sendo uma contradição na coerência e na lógica da sua fundamentação quanto ao decidido, considera tratar-se de erro de julgamento.

Assim, a questão que cumpre apreciar e decidir, é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de facto e de direito ao ter determinado a anulação do despacho de indeferimento de dispensa de prestação de garantia, por violação do n.º 4 do artigo 52.º da LGT.

Vejamos.

A Recorrente, nesta sede recursiva, alega que o tribunal recorrido errou no julgamento de facto e de direito ao entender que se encontravam preenchidos os pressupostos de que depende a dispensa de prestação de garantia, prevista no n.º 4 do artigo 52.º da Lei Geral Tributária (LGT) quanto ao prejuízo irreparável, tendo decidido previamente pela suficiência de bens da executada, que no entender da Recorrente, são duas realidades fáctico-jurídicas incompatíveis entre si. Mais resulta do teor das alegações 27º e 28º, e se bem entendemos, a Recorrente insurge-se com o facto de o tribunal ter considerado que apesar de o “…1º dos requisitos para permitir a dispensa de garantia não estar verificado” (a manifesta falta de meios económicos para prestar a garantia), “… ainda assim considerou que relativamente ao 2º requisito para a dispensa de garantia (a prestação de garantia lhe cause prejuízo irreparável) estava preenchido.”, afirmações que parecem evidenciar que, no entendimento da Recorrente, tais requisitos seriam cumulativos, o que, como veremos, não é o que se encontra tipificado na lei, pelo que inexiste a arguida contradição.

Importa destacar que a suspensão da execução fiscal depende da prestação de garantia idónea nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 52.º da LGT. Pode, porém, a Administração Fiscal, mediante requerimento do executado, dispensá-lo da prestação de garantia, nos termos previstos no n.º 4 do mesmo preceito legal.

O artigo 52.º, n.º 4 da LGT, estabelece que “
A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.”

Também o artigo 170.º, nº 1, do CPPT, consagra que “Quando a garantia possa ser dispensada nos termos previstos na lei, deve o executado requerer a dispensa ao órgão da execução fiscal, no prazo de quinze dias a contar da apresentação do meio de reacção previsto no artigo anterior”, e de acordo com o nº 3 do mesmo artigo “O pedido a dirigir ao órgão da execução fiscal deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária”.

Do n.º 4 do artigo 52.º da LGT resulta que o deferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia está sujeito à verificação de três requisitos, sendo dois deles de verificação alternativa e um terceiro de verificação cumulativa, a saber: alternativamente, importa provar (i) que a prestação de garantia causa prejuízo irreparável ou (ii) a manifesta falta de meios económicos a qual é revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido; cumulativamente, cumpre demonstrar (iii) a inexistência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado (Nesse sentido veja-se os Acórdãos do TCA Sul de 24/01/2020- proc 1623/19.0BELRS e do TCA Norte de 28/04/2016 – proc. 02303/15.0BEPRT).

Desta forma resulta do n.º 4 do artigo 52.º da LGT que, quer a dispensa de prestação da garantia assente na ocorrência de prejuízo irreparável, quer na manifesta falta de meios económicos do executado, é sobre o Requerente que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos para tal dispensa. Por seu turno, à Administração Tributária compete a demonstração da existência de fortes indícios de que a insuficiência de bens se deveu a atuação dolosa por parte do executado.

No caso em apreço em 12/06/2019 foi apresentado pela Recorrida o pedido de dispensa de prestação de garantia, cujo teor se encontra parcialmente transcrito na alínea 12) do probatório, tendo junto prova documental e arrolado como testemunha, o contabilista (cfr. alínea 13 do probatório).

Na sequência desse pedido, foi elaborada em 26/06/2020 a informação parcialmente transcrita na alínea 17) do probatório, no sentido do indeferimento da dispensa de prestação de garantia, tendo em 29/06/2020 sido proferido o despacho de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia por não se mostrarem preenchidos os requisitos legais para o efeito (cfr. alínea 18) dos factos assentes).

Na sentença recorrida foi entendido que, face à prova produzida, o Recorrido não logrou provar a manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis porquanto
(…) A reclamante apenas tem o material da loja e um veículo de 2011 (cfr. ponto 22 do probatório).
Resulta do balanço e do mapa de depreciações do modelo 32 do IRC que o valor dos ativos fixos tangíveis é de €198.549.29, referindo-se uma parte a obras, outra a material de escritório, equipamento básico e uma viatura.
Ora, para a dispensa de prestação de garantia é necessária a «manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido».
Donde se constata que nem todos os ativos fixos tangíveis são penhoráveis, sendo apenas o material da loja e de escritório e um veículo automóvel.
Pelo que apesar de os ativos fixos tangíveis se quantificarem em €198.549.29, o que sucede é que nem todos os ativos são bens penhoráveis, não podendo ser considerado o valor das obras.
Há assim que ter em consideração tal circunstância para efeitos de apreciação da manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido.
Deste modo, dentro do valor de €198.549.29 dos ativos tangíveis, €116.482,72 refere-se a obras; €11.863, 28 a equipamento básico; €66.583,32 a viaturas e €3.619,97 a equipamento administrativo.
Pelo que em 2018, a sociedade tinha como bens penhoráveis (material de escritório e da loja e uma viatura), o que dá um valor de cerca €82.066,57.
Para além destes bens, tinha ainda investimentos financeiros no montante de €10.465,25 (cfr. ponto 22 do probatório).
Quanto ao ativo corrente em 2018, a sociedade tinha ainda em inventários €129.419,40; na rubrica clientes €112.911,59 e depósitos em bancos o valor de €15.913,19.
O que significa que em 2018 a soma dos bens e direitos pertencentes ao ativo era superior ao valor da garantia.
Deste modo, se atendermos ao ano de 2018, o valor do ativo é superior ao montante a prestar em garantia, pelo que não é manifesta a falta de meios económicos para prestar garantia.”.

Não se verificando a manifesta falta de meios económicos para prestar a garantia, o Tribunal a quo, analisou o outro requisito alternativo, a saber, o prejuízo irreparável com a prestação da garantia, tendo decidido que esse prejuízo irreparável se verificava.

Para efeito verteu o seguinte discurso fundamentador: “(…) analisado o Balanço de 2018 e de 2019, verifica o Tribunal que a Reclamante apresenta um passivo muito superior ao ativo; concretamente um passivo no montante de €988.215,61 e um ativo no montante de €482.417,78 (cfr. ponto 20 e 21 do probatório). Deste modo, a prestação de garantia colocaria em causa o cumprimento das obrigações por parte da reclamante relativas aos serviços essenciais para a manutenção da atividade desta, conduzindo a uma situação de insolvência.
Veja-se que a sociedade reclamante apresenta uma dívida a fornecedores em 2018 no montante de €696,753,18 que se agravou em 2019 em €709.066,46 (cfr. ponto 21 do probatório).
Verifica o Tribunal que a empresa se encontra numa situação de asfixia económica, sendo que a prestação de uma garantia lhe causaria um prejuízo irreparável, ficando numa situação de insolvência.
Atento o exposto, conclui-se que se verifica o requisito do prejuízo irreparável.”.

Ademais, a adensar o supra exposto, verifica-se que foi indeferida a prestação da fiança e recusada a obtenção de crédito bancário.

Sobre o prejuízo irreparável destacamos o entendimento vertido no Acórdão do TCA Sul de 25/05/2017 – no processo 925/16.1BESNT ao afirmar-se que “(…) O legislador recorre a um conceito relativamente indeterminado na norma em exame (prejuízo irreparável), o qual permite a avaliação judicial concreta da natureza do prejuízo (ou dano) invocado, sendo que dano irreparável não é o mesmo que dano de difícil reparação ( cfr.artº.120, nº.1, alªs.b) e c), do C.P.T.A.), e muito menos o mesmo que prejuízo considerável ( cfr. artº. 692, nº.4, do C.P.Civil), ou seja, não basta, pois, que o reclamante alegue e prove o risco de lesão considerável, ou até de lesão de difícil reparação. Antes é necessário que o dano invocado e objecto de prova tenha a característica de irreparável, que não seja susceptível de reparação. Prejuízo esse a analisar de acordo com as regras da experiência comum e segundo um juízo de probabilidade (teoria da causalidade adequada), mais sendo o carácter irreparável do mesmo derivado, desde logo, de uma conjuntura de impossível reparação ou reconstituição da situação existente.» [Ac. do TCA Norte, de 27.06.2014, P. 77/14.1BEVIS].
(…)
A situação de falta de liquidez e de falta de património da recorrida é comprovada, quer pelos elementos coligidos nos autos (o imóvel sede da recorrida não lhe pertence, restando o equipamento utilizado na sua actividade), quer pela sua sujeição ao PER. O compromisso no sentido do cumprimento da dívida exequenda não é passível de dúvida, dado o plano de pagamento em prestações em vigor e a garantia que lhe está associada.
Neste quadro, os encargos da garantia bancária a constituir contendem com a concretização do plano de pagamento em prestações referido. O mesmo deve dizer-se em relação à eventual apreensão dos créditos de clientes da recorrida. Por seu turno, a eventual apreensão do equipamento que serve de suporte à actividade da recorrida põe em causa a possibilidade do seu funcionamento. O risco de asfixia económica, derivado da exigência da prestação de garantia, num quadro de insuficiência de património e de falta de liquidez, mostra-se comprovado nos autos. Antevê-se, como provável, a ocorrência de prejuízo irreparável ou irreversível, consubstanciado na insolvência da recorrida, no caso de ser exigida a prestação de garantia. Os elementos relativos à recusa da concessão de garantias bancárias reforçam a ilustração da situação de insuficiência económica e comprovam o juízo de prognose sobre a probabilidade da eclosão do dado irreversível.” (sublinhado nosso)

Destarte, perante os elementos constantes dos autos, e atento o montante da dívida exequenda (€ 197.122,00), podemos afirmar que a Recorrida, tal como referido na sentença, encontra-se numa situação de pré-insolvência (montante do activo de € 482.417,78 sendo o montante do passivo de € 988.215,61 – cfr. alíneas 20 e 21 do probatório), pelo que, encontrando-se a Recorrida numa situação de “asfixia económica” a exigência de prestação da garantia irá acarretar um prejuízo irreparável ou irreversível face a uma situação de insolvência.

Acresce ainda destacar, como enunciado no Acórdão do TR Lisboa, proferido no processo nº 14089/18, de 12.11.2109:
1. A lei consagrou o critério do fluxo de caixa para avaliação da incapacidade/impossibilidade de cumprimento com que define a insolvência, pelo que, estão em situação de insolvência as entidades com fundo de maneio negativo e tesouraria negativa, mesmo que possuam ativos valiosos, mas não geradores de fluxos de caixa para honrar as suas obrigações contraídas.
2. A existência de ativo inferior ao passivo é legalmente apta a indiciar a situação de insolvência (cfr. art. 3º, nº 2 e 3 e 20º, nº 2, al. h) (…)”

Consideramos assim que se verifica o requisito do prejuízo irreparável.

E no que concerne ao terceiro pressuposto (cumulativo) da prova de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado, a AT nada provou ou sequer invocou. E nesta perspectiva o Tribunal a quo relevou que cabe à administração tributária a prova de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do executado, sendo que no caso em apreço a administração tributária nada mencionou ou provou.

Tal como referido supra, tratando-se de requisitos alternativos, e estando provado o prejuízo irreparável, tinha a Recorrente direito à dispensa de prestação da garantia, pelo que a decisão do órgão de execução fiscal, que assim não decidiu, tem de ser anulada.

Por tudo o que vem exposto conclui-se que a sentença proferida pelo Tribunal a quo não merece qualquer censura, sendo de negar provimento ao recurso.
* *
V- DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os juízes da 2ª Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.
Lisboa, 30 de Setembro de 2021

[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Mário Rebelo e Patrícia Manuel Pires].
Luisa Soares