Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04389/10
Secção:CT
Data do Acordão:07/13/2016
Relator:ANA PINHOL
Descritores:SISA, ARTIGO 2.º, §1.º 2.º DO CIMSISD
Sumário:I. Nos termos do artigo 2º , §1º, n.º2, do Código Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, as promessas de compra e venda de bens imoveis são havidas como transmissões efectivas, para efeitos de sisa, desde que se verifique a tradição para o promitente comprador.
II. Compete à Administração Tributária demonstrar os legais pressupostos da aplicabilidade das regras de incidência ou seja e ao que aqui releva, que, no caso, os Recorrentes celebraram um contrato de promessa de bens imóveis tendo ocorrido a tradição efectiva (traduzida na entrega ou abandono do gozo ou fruição dos lotes em questão pelos promitentes vendedores em favor dos Recorridos (promitentes compradores) e o exercício por estes de poderes materiais sobre os lotes de terreno objecto do contrato promessa) dos bens prometidos vender.
III. Embora o contrato-promessa de compra e venda esteja sujeito à forma escrita (artigo 410° nºs 1 e 2 Código Civil), a sua revogação por mútuo consenso não tem de obedecer à mesma forma.
IV. Embora o disposto nos artigos 394.º e 395.º do Código Civil relativamente à admissibilidade de prova testemunhal para prova de convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento, se a análise das circunstâncias do caso concreto tornar verosímil a existência de convenção das partes, é admissível prova testemunhal acerca desta.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I.RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da sentença proferida pelo TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE LEIRIA, datada de 28 de Junho de 2010 que julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida por MARIA … e JOSÉ … contra o acto de liquidação de SISA e juros compensatórios, no montante de € 73.822,09.
A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«Com o devido respeito pela douta sentença de que se recorre e salvo melhor e mais acertada opinião, entendemos que a mesma padece de Erro de julgamento por omissões na factualidade dada como provada e por erro na ponderação dos factos considerados provados e respectivos meios de prova porquanto:
I.A omissão dos factos enunciados no corpo do presente recurso constitui causa geradora da nulidade da decisão do tribunal a quo, porquanto é susceptível de influenciar a decisão a causa, mormente, porque tais factos permitiriam aquilatar: da data da revogação; do seu motivo; do porquê de o promitente vendedor ter a sua maquinaria nos imóveis objecto do contrato de promessa, quer à data da celebração do contrato, quer após;
II.As questões colocadas no ponto anterior são pertinentes para a boa decisão da causa e não encontram resposta nos factos dados como provados na douta sentença recorrida;
III.Não se descortina em que factos se baseou o tribunal a quo para julgar no sentido de que não ocorreu a tradição dos imóveis;
IV.Se o julgamento, de que a tradição se operou, se fundou no averbamento do licenciamento em nome do promitente vendedor, não se descortina porque foi este facto positivamente valorado em relação ao do registo da aquisição provisória efectuado pelos promitentes compradores e ora impugnantes;
V.Assim, ponderação dos factos e respectivos meios de prova não se encontra devidamente fundamentada, não se percepcionando o porquê de uns factos terem sido considerados e outros terem sido desatendidos, na aferição da tradição dos imóveis;
VI.O averbamento do loteamento em nome do promitente vendedor não serve só por si para concluir pela não tradição dos imóveis, porquanto: o documento em que o mesmo se suporta não abranger todos os imóveis objecto do contrato de promessa; o primitivo titular do loteamento ser o impugnante marido enquanto administrador da sociedade "C, Lda", inclusive até dois meses após a celebração do contrato de promessa de compra e venda em discussão; nem sempre o averbamento de um processo de loteamento se encontra em nome do proprietário ou do possuidor, correndo muitas vezes em nome da entidade que promove e/ou realiza as obras;
VII.O facto de o loteamento se manter em nome do impugnante marido enquanto administrador da sociedade "C, Lda", inclusive até dois meses após a celebração do contrato de promessa de compra e venda em discussão permite, inclusive, concluir pela tradição a favor dos impugnantes;
VIII.A nulidade da sentença recorrida resulta assim, tanto da omissão factual, como do erro de julgamento na ponderação dos factos considerados provados e respectivos meios de prova;
IX.O erro de julgamento conduz à nulidade da douta sentença recorrida nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 668º do CPC aplicável ex vi art. 2º al. e) do CPPT e art. 2º al. d) da LGT.

Nestes termos e com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se por ocorrer nulidade, a douta sentença do Meritíssimo Juiz "a quo", substituindo-se por outra em que seja julgado o mérito da causa em atenção aos factos dados como provados e assim julgada totalmente improcedente a impugnação judicial.»

Contra alegaram os Recorridos finalizando com o seguinte quadro conclusivo:
« 1.Não deverão V. Exas. conhecer do objecto do recurso, nos termos do nº 2 do art 288° do C.P. P.T., porque faltam pressupostos processuais, quer nas alegações, quer nas conclusões, que obstam a tal conhecimento, visto que:
2.A sentença recorrida não enferma de nenhuma das nulidades a que se refere o art. 125° do C.P.P.T. (ou da alínea c) do nº 1 do art. 668 do CPC invocado pelo Recorrente);
3.O Recorrente não impugna matéria de direito, ou, caso o tenha pretendido fazer, não indica as normas jurídicas pretensamente violadas, ou as que entenderia serem aplicáveis e porquê, ou seja, não cumpre o ónus de impugnação especificada a que se refere o arte 685-A do C.P.C. (aplicável por força do disposto no art. 2°, al. e) do C.P.P.T.);
4.O Recorrente limita-se a expressar a sua discordância quanto à decisão
recorrida sobre matéria de facto, mas quanto a ela, também não cumpre o ónus de impugnação especificada a que se refere o art. 685 ­ B do C.P.C. (aplicável por força do disposto no art.2º, al. e) do C.P.P.T.), nomeadamente porque não indica, nem nas alegações, nem nas conclusões, quais, em concreto, seriam os factos que foram
indevidamente considerados como provados e quais os que deveriam ter sido considerados como provados e quanto a cada um deles os concretos meios probatórios (com indicação exacta do local onde foram registados) que imporiam decisão diferente da que foi tomada ou que fundamentariam os supostos "erros de julgamento" Estas omissões, porque respeitam quer às alegações, quer às conclusões, são insusceptíveis de convite a aperfeiçoamento.
5.Ainda que assim não se entendesse, a decisão recorrida não merece qualquer censura porque o conjunto dos factos dados como provados, quando conjugados entre si e sustentados na documentação junta aos autos (e para a qual a sentença remete), bem como nos depoimentos prestados, apenas permite concluir pela inexistência da tradição efectiva e material dos imóveis que serviu de base à liquidação impugnada;
6.Tal Liquidação baseava-se num documento particular, tendo sido feita prova inequívoca e insofismável de que a tradição dos imóveis nele escrita, não correspondia à realidade na data desse documento e não correspondeu nunca à verdade, visto que tais imóveis se mantiveram sempre na posse, uso e detenção dos Promitentes Vendedores, salvo quanto a um deles (prédio com o nº ) relativamente ao qual a sentença entendeu ter existido "ajuste de revenda" (com presunção Legal de tradição) e improceder a impugnação, segmento decisório com o qual os Recorridos se conformaram.
7. Embora não venha impugnada a matéria de direito, a sentença recorrida, também nessa parte, é inteiramente conforme à Lei e ao entendimento jurisprudencial uniforme que se estabeleceu sobre o art. 2°, § 2°, no 2 do CIMSISSD na redacção vigente à data da Liquidação impugnada.


Termos em que deve ser julgado improcedente o recurso e
mantida integralmente a decisão recorrida.
Decidindo assim, farão Vossas Excelências,
JUSTIÇA!»

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Foi dada vista ao MINISTÉRIO PÚBLICO e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer a fls. 375 dos autos, no sentido do provimento ao recurso.

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Foram colhidos os vistos aos Exmos Juízes Adjuntos, pelo que vem o processo submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso já que nada obsta.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Novo Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Com este pano de fundo as questões que importam dirimir consiste em saber:
(i) se a sentença é nula nos termos da al.c) do n.º 1 do artigo 668º do CPC;
(ii) se a sentença recorrida incorre em erro na apreciação da prova;
(iii) se a sentença recorrida incorre em erro de julgamento de direito ao entender verificada a norma de incidência prevista no artigo 2º, § 1, nº 2, do CIMSISSD.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DOS FACTOS
Na decisão recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a fundamentação respectiva que nos seguintes termos:
«A) Em 21 de Janeiro de 1999, entre Jerónimo e mulher, Rosa , na qualidade de promitentes vendedores e primeiros outorgantes e os impugnantes na qualidade de promitentes compradores e segundos outorgantes, foi outorgado o escrito particular de fls. 26 a 32, que se dá por integralmente reproduzido, designado de contrato-promessa de compra e venda, sujeito a execução específica em caso de incumprimento, nos termos do qual os primeiros prometeram vender aos segundos, ou a quem e nas proporções que estes designarem até ao dia da escritura, e estes prometeram comprar 10 lotes de terreno, designados pelos números 1, 6, 7, 8, 9, 10, 12, 13, 17 e uma parcela de terreno para construção, omissos na matriz mas registados na Conservatória do Registo Predial de sob os n.0s, respectivamente, 2861, 2866, 2867, 2868, 2869, 2870, 2872, 2873, 2877 e 1209.
B) Nos termos da cláusula 4.ª do mesmo contrato «Na data da assinatura do presente contrato os primeiros outorgantes entregam aos segundos outorgantes os prédios urbanos ora prometidos, os quais os segundos outorgantes declaram já ter recebido e ocupado, pelo que se considera transmitida nesta data a posse desses prédios dos primeiros para os segundos outorgantes.» - fls. 36 a 32.
C) Na cláusula 6ª do mencionado contrato, estipularam os outorgantes que «Até à realização da escritura pública são da responsabilidade dos segundos outorgantes o pagamento dos seguros, contribuições e taxas camarárias e contribuições que respeitem aos prédios urbanos que aqui se promete vender.»- fls. 32 a 36.
D) Os impugnantes registaram a seu favor provisoriamente por dúvidas, as aquisições dos prédios prometidos vender, através das inscrições G-2 Ap. 01/150499- fls. 89, 91, 106, 121, 136, 139. 142. 145 e 149.
E) Em 16/06/2000, os outorgantes identificados na alínea A) supra, subscreveram um escrito particular, nos termos do qual foi rescindido e revogado o contrato promessa aludido em A), ficando todas as suas cláusulas sem efeito e estipulando as condições de restituição de todas as importâncias pagas pelos promitentes compradores - facto também referido pela testemunha José .
F) Através dos requerimentos de fls. 38 a 39 e 40 a 41, cujas assinaturas foram reconhecidas em 27/06/2000, os impugnantes solicitaram o cancelamento dos registos provisórios a seu favor das aquisições dos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de sob os n.ºs 2866 e 2867, correspondentes aos lotes n.0 6 e 7 e aos artigos matriciais n.º 5088 e 5089.
G) Por escritura pública de compra e venda outorgada em 27/06/2000, no Cartório Notarial de , Pedro na qualidade de procurador de José e mulher vendeu a "K" o prédio urbano, composto de terreno para construção; com a área de dois mil oitocentos e quarenta vírgula setenta metros quadrados, sito em , freguesia e concelho de , descrito na Conservatória do Registo Predial de sob o número mil duzentos e nove da freguesia de , inscrito na matriz da freguesia de sob o artigo 5101-fls. 53 a 56.
H) Pela aquisição do prédio identificado na alínea antecedente, a adquirente pagou sisa no valor de 1.200.000$00, actualmente, 5.985,57€, através do conhecimento n.º - fls. 57.
I) Em 16/03/2001, os impugnaram instauraram contra os promitentes vendedores, identificados em A) supra, acção executiva para pagamento de quantia certa com processo ordinário, que correu termos no 1º juízo do Tribunal Judicial de sob o n.º 292/2001, alegando serem possuidores de letras de câmbio no valor global de 75.801.233$00, que não foram pagas na data de vencimento ou posteriormente, pedindo, por isso, a citação dos executados para pagaram a referida quantia acrescida de juros ou nomearem bens à penhora -fls. 261 a 264.
J) No âmbito da acção executiva identificada na alínea antecedente, foram penhorados aos executados, para segurança e pagamento da dívida exequenda, os lotes n.º 9, 1, 8, 10, 12, 13 e 17, já melhor identificados supra - fls. 265 a 267.
K) As penhoras referidas na alínea antecedente foram registadas a favor dos impugnantes, provisoriamente por dúvidas, através das inscrições F-1 Ap. 5/18120 -fls. 89,121,136,139, 142, 145 e 149.
L) As penhoras incidentes sobre os lotes 8, 9 e 1O foram canceladas através das Ap. 24/221002, 42/220205 e 44/220502 -fls. 121, 137 e 140.
M) Em 24/02/201O, a Câmara Municipal de emitiu a certidão de fls. 268 a 270, que se dá por integralmente reproduzida e da qual se destaca o seguinte:
«( ...) - Alvará de loteamento nº 511997 - por despacho superior exarado em 19.03.1599, ratificado pela Câmara Municipal em sua reunião de 22.03.1999, foi deferido o averbamento do processo de loteamento em nome de José ;
-lotes 6, 9 e 10 (proc.ºs 23311998 com alterações através do proc. 0 468/2000, 61811998 e 61911998, respectivamente) - por despacho superior exarado em 27.08.1999, foram deferidos os averbamentos em nome de José , tendo sido as licenças de construção e de utilização emitidas em seu nome;
- Lotes 7, 8, 12 e 13 (proc.ºs 61611998 com alterações através dos proc. 011512001,61711998,62111998 e 62211998, respectivamente)- processos que entraram em nome de José , tendo obtido licenças de construção e de utilização em seu nome.
O processo de loteamento antes citado, com alvará no 511997, que foi averbado em 19.03. 1999, para o nome de José , encontrava-se anteriormente em nome de C, Lda.
Mais verificámos que não ocorreu nenhum pedido de averbamento em nome de José e/ou Maria .
(...). »
N) Em 25/07/2002, foi emitida a informação de fls. 185 do apenso de reclamação, com o seguinte teor:
«( ...) através do Contrato Promessa de Compra e Venda de 2110111999, tomou este Serviço de Finanças conhecimento que os contribuintes Maria , com o NIF e José , com o NIF , residentes em Avª , entraram na posse dos referidos prédios discriminados naquele contrato cuja cópia se junta á presente informação e dela faz parte integrante.
Assim, de acordo como disposto no § 2º do artº 2º e n° 2 do § 1° do artº 2º do CIMSISSD, sou de parecer que se proceda à liquidação da Sisa que se mostrar devida pelo valor convencionado por ser o maior cfr. § 2º do artº 19º do CIMSISSD ( o valor atribuído no Contrato Promessa Compra e Venda, a cada imóvel pelo contribuinte, é um valor simbólico e sem significado em matéria fiscal. Naquela data os respectivos prédios estavam omissos de onde resulta a conjugação com os respectivos valores patrimoniais existentes cuja soma é inferior ao valor declarado).

LIQUIDAÇÃO
Valor Declarado
Taxa a aplicar artº 33º n°1 CIMSISSD = € 738.220,89 (148.000.000$)
=10%
(Terrenos para construção)
Sisa a pagar= € 73.822,09 (14.800.000$)
Juros compensatórios = € 17.723,36 (3.553.215$)
Taxa de acordo c/ Artº 35º, nº 1,3 e 10 da LGT
30 dias após o terminus prazo Contrato Promessa
Artº 115º no 4º do C/MSISSD
2 dias a 10% = € 40,45
1249 dias a 7010 = € 17.682,91 (Demonstração em anexo que faz parte integrante desta informação)
TOTAL A PAGAR = € 91.545,45

(...)»
O) Na mesma data, foi proferido o despacho de fls. 185 do apenso de reclamação graciosa, com o seguinte teor:
«Concordo com a informação supra que servirá de fundamentação ao presente Despacho. Proceda-se à notificação para pagamento que deverá ter lugar nos dez dias seguintes à data da notificação. O não pagamento dentro do prazo conduzirá à extracção da Certidão de Dívida- ex-vi art.º116º e 117º do CIMS/SSD. Notifique.»
P) A coberto do ofício n.º 2853, datado de 07/10/2002, os impugnantes foram notificados da liquidação de sisa supra referida- fls. 182 a 184 do apenso de reclamação graciosa.
Q) Em 12/11/2002, os ora impugnantes deduziram reclamação graciosa contra a liquidação de sisa em referência, conforme requerimento de fls. 2 a 14 do apenso de reclamação graciosa.
R) Sobre o pedido dos então reclamantes foi emitido o Parecer de fls. 201 do apenso de reclamação graciosa, que se dá por integralmente reproduzido, do qual se destaca o seguinte:
«O pedido é legal, tempestivo, e a parte tem legitimidade. Quanto á matéria de facto:
Dispõe o arto.2º do CIMSISSD que:
"A Sisa incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ... sobre bens imóveis"
O § º. 1., n°.2 dispõe que se consideram transmissões:
"As promessas de compra e venda ou de troca de bens imobiliários, logo que verificada a tradição ... "
No presente caso e conforme e consta dos autos de fls 187 a 193, fotocópia da escritura do Contrato-Promessa de Compra e Venda, documento devidamente selado e assinado, pelo vendedor, consta na cláusula quarta que:
Na data da assinatura do presente contrato os primeiros outorgantes entregam aos segundos outorgantes os prédios urbanos ora prometidos, os quais os segundos outorgantes declaram já ter recebido e ocupado, pelo que se considera transmitida nesta data a posse desses prédios dos primeiros para os segundos outorgantes". (0 sublinhado é nosso)
Perante tal facto, os Serviços de Finanças de , e bem, procederam à liquidação da Sisa, com base no Contrato de Promessa de Compra e Venda de 21-01-1999, resultando o imposto em falta de 91.545,45 €, conforme documento de fls 185.
Não tendo sido paga dentro do prazo de cobrança voluntária, foi extraída a certidão de divida, nos termos dos artºs. 115º e 111º do CIMSISSD, conforme consta dos autos a fls 197.
Nestes termos, o imposto é devido e a liquidação encontra-se correcta, pelo que não existe qualquer Ilegalidade, nem preterição de formalidades legais, que possam inquinar o facto tributário.
(...).»
S) Foi proferido o Projecto de Despacho de fls. 202 do apenso de reclamação graciosa, que se dá por integralmente reproduzido, com o seguinte teor:
«(...)
Quanto à matéria de facto, pelas razões referidas na informação/parecer, constante dos autos a fls 200 e 201, a qual fica a fazer parte integrante do presente projecto de decisão, nos termos do nº.71 e 72 do artº da LGT, e considerando que foram cumpridas todas as formalidades legais, o pedido irá ser INDEFERIDO por falta de fundamentação legal, verificando-se o disposto no artº. 2º § 1º., nº.2 do CIMS/SSD.
Dispõe o normativo acima referido que:
“ A sisa incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ... sobre bens imóveis “
o § 1° 1 n° 2 dispõe que consideram-se transmissões:
"As promessas de compra e venda ou de troca de bens imobiliários, logo que verificada a tradição ... "
Ora, no presente caso existe contrato de promessa de compra e venda e na cláusula Quarta vem expressamente referido que os compradores declararam já ter recebido e ocupado os prédios urbanos ora prometidos.
Sendo assim, o imposto é devido e a liquidação encontra-se correcta pelo que não existe qualquer ilegalidade, nem preterição de formalidades legais, que possam inquinar o facto tributário.
( ...).»
T) Após o exercício do direito de audição por parte dos reclamantes, foi emitido o Parecer de fls. 223 do apenso de reclamação graciosa, que se dá por integralmente reproduzido, do qual se destaca o seguinte:
«( ...)
Os factos alegados pelo reclamante já foram objecto de análise na decisão do processo de reclamação (informação de fls 2001201 ).
A reclamação visa a anulação da Sisa que foi anexa ao ofício n°. 2953 de 07-10-2002 do Serviço de Finanças de - no valor de 91.545,45 € efectuada em 04-10-2002 ( fls 185 ), conforme consta da petição de fls 2.
Sendo assim, a Sisa reclamada engloba lote 1, lote 6 a 10, 12, 13 e 17.
Quanto à Sisa adicional pertencente ao lote 5101, a qual foi paga por "K", parece-nos que a reclamante não tem legitimidade para reclamar, porquanto não o faz na qualidade de sócia gerente daquela firma, pelo que se propõe o indeferimento, nos termos do art.65°. da LGT, conjugado com o art. 26º. do CPC.
Nestes termos e considerando que não são trazidos elementos que alterem a decisão do projecto de despacho de fls 202, proponho que se mantenha o indeferimento por falta de suporte legal.
(...) ».
U) Em 06/08/2003, foi proferido o despacho de fls. 225 do apenso de reclamação graciosa, com o seguinte teor:
«Em vista das informações que antecedem, as quais ficam a fazer parte integrante do presente despacho decisório, mantenho o INDEFERIMENTO DO PEDIDO, com os mesmos argumentos constantes do projecto de despacho de fls 202, quanto à Sisa adicional no valor de 91.545,45, calculada pelos Serviços de Finanças de em 04-10-2002 (fls 185).
Quanto à Sisa adicional de 14.645,00 €, efectuada em 04-10-2002, (fls 194) , em nome de K NIPC: , não tendo sido efectuado o pedido pela firma (representada pelos seus sócios gerentes) INDEFIRO-O por falta de legitimidade, nos termos do 65° da LGT, "in fine" com o art. 26º. do CPC.
( ...) ».
V) Após a outorga do contrato promessa de compra e venda aludido supra, os promitentes vendedores prosseguiram com as obras de urbanização que já estavam em curso -facto referido pelas testemunhas.

Com interesse para a decisão, não se provaram outros factos.
A convicção do tribunal baseou-se no teor dos documentos mencionados em cada uma das alíneas antecedentes, bem como na prova testemunhal produzida, que se revelou coerente, mormente com a demais prova documental, e credível.»
***
B.DO DIREITO
Ø DA PRETENSA NULIDADE DA SENTENÇA
Em sede de conclusões, como acima se vê, a recorrente refere que a sentença recorrida é nula «tanto por omissão factual como por erro de julgamento na ponderação dos factos considerados provados e respectivos meios de prova» reconduzindo tal nulidade à al.c) do n,º1 do artigo 668º do CPC.
Vejamos, então.
Prescreve o artigo 668.º, nº 1, al. c) do CPC estar ferida de nulidade a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
Nos termos desta alínea só ocorre nulidade quando a fundamentação da decisão aponta num sentido e a decisão em si siga caminho oposto, isto é, as situações em que os fundamentos indicados pelo juiz deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao que se contém na sentença.
E, assim, se o julgador, na sua fundamentação, seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decide noutro sentido oposto ou divergente, a decisão assim firmada será causa de nulidade.
Nas palavras de LEBRE DE FREITAS, MONTALVÃO MACHADO e RUI PINTO: «Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa da nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta; quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade (...)» (in: Código de Processo Civil Anotado, II vol., pág. 670)
Ora, na sentença a Mmª Juíza considerou não ter havido tradição do imóvel prometido vender, pois que a posse respectiva se manteve nos promitentes vendedores e, por isso, determinou a anulação (neste segmento) da liquidação com base na ausência de pressuposto objectivo da tributação.
Não há, assim, qualquer oposição entre as premissas e a conclusão que delas se extrai. E se, por hipótese, alguma das premissas não for verdadeira, tal vício não se traduz na apontada nulidade.
Deste modo, não há dúvidas de que na sentença não se verifica a apontada nulidade.
Todavia, não se está a esquecer que no nosso ordenamento jurídico vigora a regra que o tribunal não está sujeito à alegação das partes, nem sequer no que respeita à qualificação jurídica dos factos por elas efectuada, e goza de liberdade na indagação, interpretação e aplicação do Direito, donde fazendo uso do expendido afigura-se-nos, que, a questão invocada pela Recorrente não se enquadra na apontada causa de nulidade da Sentença (oposição entre os fundamentos e a decisão), mas sim, em erro de julgamento da matéria de facto.
E, neste particular, alega a recorrente «Se o julgamento, de que a tradição se operou, se fundou no averbamento do licenciamento em nome do promitente vendedor, não se descortina porque foi este facto positivamente valorado em relação ao do registo da aquisição provisória efectuado pelos promitentes compradores e ora impugnantes.».
No caso, a Mmª Juíza atendeu, e bem, à peculiaridade dos autos, porquanto, o artigo 2º, § 1, nº 2, do C.I.M.S.I.S.S.D., enquanto normativo de suporte da correcção questionada, reporta-se à tradição efectiva do bem, e esta como adiante, melhor se verá, implica a prática de poderes materiais no caso sobre os lotes de terreno. Daí que, o simples registo provisório de aquisição com base em contrato-promessa não possa ter o efeito que a recorrente lhe pretende dar, ou seja, a demonstração da “ tradição efectiva” do bem, uma vez que confere apenas ao seu beneficiário a protecção da sua oponibilidade a terceiros (obtida através da sua inscrição no registo).
De facto, julga-se ser esta a posição que melhor se adequa à letra contida no citado preceito legal, que aqui se relembra «logo que verificada a tradição para o promitente comprador». ( neste sentido, entre outros: Acórdão do STA de 06.06.2012, proferido no processo n.º 903/11, disponível em texto integral em www.dgsi.pt)

Na impugnação da matéria de facto, a recorrente sustenta ainda o incorrecto julgamento do facto inserto na sentença recorrida na sua al. E) pretendendo que seja julgado “não provado” e que sejam dados como “provados” a “factualidade” que enunciada no ponto 16 da Motivação de Recurso ( que segue com numeração nossa para facilidade de exposição):

1-O promitente vendedor, à data do contrato encontrava-se a desenvolver obras de infra­ estruturas nos imóveis, tendo mantido as suas máquinas e materiais de construção nos mesmos imóveis para esse efeito, com o conhecimento e acordo dos promitentes compradores, em cuja realização estes tinham interesse directo.
2-Cerca de dois meses após a celebração do contrato de promessa de compra e venda a impugnante e o Sr. José desentenderam-se e decidiram não realizar o contrato prometido, passando este último a agir com base nesse pressuposto, nomeadamente tratando do licenciamento de obras - Cfr. testemunho de Vitor, José e articulado 8" e 9° da p.i.;
3-Pelo mesmo motivo a impugnante procedeu ao cancelamento do registo das aquisições - Cfr. Doc. 4 a 7 da p.i. cujas datas de cancelamento são 25.09.2000 e 26.10.2000.
4-A liquidação de SISA que vem impugnada foi efectuada em 04.10.2002, tendo dela a impugnante sido notificada pelo oficio n." 2953, de 07.10.2002, do Serviço de Finanças de - Cfr. Reclamação Graciosa em apenso;
5-Em 14.10.2002, portanto em data posterior à notificação da liquidação de SISA em apreço (e em data muitíssimo posterior à invocada revogação do contrato de promessa a que a impugnante alude no artíc. 7° da p.i.), o promitente vendedor dos imóveis declara que o contrato de promessa "foi rescindido e revogado (salvo quanto ao prédio urbano com matriz no ) por acordo escrito de 16.06.00, ficando todas as suas cláusulas sem qualquer efeito" - Cfr. Doc. 3 junto com a p.i.;
6-Apesar do teor esclarecedor da citação feita no ponto anterior, foi feito constar da mesma declaração que "Apesar de ter sido estipulado na "cláusula 4"" daquele contrato promessa que a posse dos prédios prometidos vender era transmitida para os Promitentes Compradores, Maria e José , e que estes já os teriam recebido e ocupado, tal facto nunca ocorreu (salvo quanto ao prédio urbano a que corresponde actualmente a matriz n° conforme se explica no ponto 6.)";
7-A ressalva quanto ao imóvel inscrito na matriz sob o artigo ficou a dever-se ao facto de este ter sido alienado em 27.06.2000 a favor de K……. (sociedade de quem a impugnante é a representante nos termos do art. 118" do CIRC e 30" do CN A) a mando da impugnante enquanto Promitente Compradora no contrato celebrado em 21.01.1999 e de acordo com a cláusula 2a do mesmo- Cfr. articulado 41° e 42° da p.i., Doc. 10 e Doc. 9 junto em termos incompletos com aquela peça processual;
8-O alvará n. 5/1997 (de onde resultaram os imóveis objecto do contrato de promessa e, por conseguinte, objecto da liquidação de SISA em discussão), foi inicialmente promovido pela sociedade "C, Lda" - Cfr. certidão da Câmara Municipal de de 24.02.2010;
9-O impugnante marido era (e é) administrador da sociedade "C, Lda"- Cfr. depoimento da testemunha Vítor ;
10-O promitente vendedor - José -já estava a fazer os trabalhos de esgotos e electricidade nos lotes aquando da celebração do contrato de promessa de compra e venda- Cfr. depoimento de Alexandra;
11-O incumprimento definitivo do contrato de promessa deu-se em Fevereiro de 2000 - Cfr. depoimento de Alexandra

A primeira questão colocada prende-se, como já referimos, com a discordância da recorrente quanto á matéria de facto fixada na al. E) do probatório. Neste particular, diz a recorrente que: «não pode considerar-se provada a realização do dito acordo escrito quer pela inexistência do documento, quer pelo facto de o testemunho do promitente vendedor José , mencionado na alínea do probatório supra citado, não ser preciso quanto ao documento e data em que a rescisão e revogação do contrato de promessa terá ocorrido.» vindo a considerar, posteriormente que para, efeitos de incidência objectiva do imposto de SISA a revogação do contrato de promessa « é irrelevante visto o facto tributário não residir na celebração do contrato de promessa só por si, mas antes assentar na tradição dos imoveis.».
Ora, ao assim motivar o seu recurso a recorrente pretende por um lado criticar o julgamento realizado na 1ª instância, mas por outro lado, considera tal alegação como irrelevante, dela não tendo extraído qualquer consequência.
De todo o modo, apreciemos tal questão.
Temos que o facto em causa é o seguinte:

«E) Em 16/06/2000, os outorgantes identificados na alínea A) supra, subscreveram um escrito particular, nos termos do qual foi rescindido e revogado o contrato promessa aludido em A), ficando todas as suas cláusulas sem efeito e estipulando as condições de restituição de todas as importâncias pagas pelos promitentes compradores - facto também referido pela testemunha José

No que respeita à invocada “inexistência do documento,” que corporize o acordo de rescisão do contrato de promessa, vejamos o que se nos oferece dizer.

O contrato discutido nos autos, é um contrato promessa mediante o qual apenas Jerónimo e mulher, Rosa , se obrigou a vender, em determinadas condições, os lotes de terrenos nele identificados.

A cessação de um contrato, por acordo, consiste na sua revogação, ou seja, na destruição voluntária da relação contratual pelos próprios autores do contrato (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 7.ª ed., II, p. 279.)

Embora o contrato-promessa de compra e venda em causa esteja sujeito à forma escrita (artigo 410º n.º 1 e 2, do CC), a sua revogação não tem de obedecer à mesma forma (neste sentido entre outros: Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 06.06.2011, proferido no processo n.º 86/05.1TVPRT.P1, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Neste sentido escreveu VAZ SERRA, que: «tratando-se de estipulações acessórias que extinguem ou limitem as obrigações derivadas do contrato, tais estipulações não são, em regra abrangidas pela exigência legal de forma para o contrato, visto que, destinando-se a evitar que as partes contraiam levianamente obrigações, esta razão não é aplicável quando excluam ou limitem essas obrigações. » (in RLJ, ano 110, pág.8) - (No mesmo sentido, Acórdãos do STJ de 12.06.1990, in BMJ 398-480 e de 26.09.1996, in CJ, Acs. do STJ, Ano IV, tomo III, pág.15.)

Face ao que ficou dito, temos então que o argumento em análise não procede. Para além do mais, pretendendo a recorrente impugnar a matéria de facto, pese embora ter indicado qual o facto que pretende ver dado como não provado em sede de recurso, não deu cumprimento integral ao artigo 685º-B do CPC aplicável ex vi artigo 2º, al.e) do CPPT, visto que, cabia-lhe “indicar com exactidão as passagens da gravação” em que se funda o invocado erro na apreciação das provas que tenham sido gravadas. Efectivamente, limita-se a fazer referência ao depoimento da testemunha Jerónimo e a produzir sobre o mesmo um juízo de valor sem qualquer sustentação de facto.

Quanto à segunda pretensão da recorrente uma vez mais, estamos em presença duma incorrecta impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

Com efeito, do ponto de vista formal a recorrente não cumpre satisfatoriamente o que lhe é exigido pela lei processual para poder atacar a decisão de facto da 1.ª instância, na medida em que, não obstante indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (al. a) do n.º 1 do cit. artigo 685.º-B, do CPC) não refe os concretos meios probatórios, constantes do processo, que na sua perspectiva - imporiam decisão de facto diversa da recorrida (al. b) do n.º 1 do mesmo artigo 685.º-B) - [pontos 2, 9, 10 e 11, não faz referência às concretas passagens/excertos dos depoimentos testemunhais, que a pretende que sejam agora valorados diversamente do que o foram pela Mmª Juíza a quo, de molde a levarem à alteração da matéria de facto, são, consabidamente, elementos de prova a apreciar livremente pelo tribunal (artigos 396º do Cód. Civil e 655.º, n.º 1, do CPC) , ponto 1 e 4 faz referência á “Reclamação Graciosa” não indica quais são os elementos a que se reporta, ponto 6 e 7 constam respectivamente das al. B) e M) do probatório, ponto 7 não respeita ao imóvel em causa nos autos).

Improcede, por conseguinte, nesta parte o recurso.

No que respeita ao ponto 5, atenta a sua relevância para a decisão da causa, e mostrando-se cumprido o ónus de impugnação da matéria de facto, adita-se ao probatório a seguinte factualidade:

F) Em 14.10.2002, o promitente vendedor declarou que o contrato de promessa « foi rescindido e revogado (salvo quanto ao prédio urbano com matriz no ) por acordo escrito de 16.06.00, ficando todas as suas cláusulas sem qualquer efeito» .(Doc. 3 junto com a p.i.)

Ø DO MÉRITO DO RECURSO

A recorrente (Fazenda Pública) vem pelo presente recurso jurisdicional sindicar a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé na parte que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por Maria e José contra o acto de liquidação de SISA emitida a 04.10.2002, no montante de € 73.822,09 e respectivos juros compensatórios.

A Mmª Juíza entendeu que relativamente aos lotes de terreno para construção identificados sob n.ºs 1, 6 a 10, 12, 13 a 17 « (…) da prova produzida, quer testemnhal quer documental, resulta que, logo após a outorga do contrato promessa, os intervenientes se desententeram, não tendo havido efetiva tradição dos imoveis prometidos vender, pois que a posse respectiva se manteve nos promitentes vendedores, que deram o demais andamento às obras em curso e aos procedimnetos de licenciamento de obras junto da Câmara Municipal de .».

Inconformada com o decidido na sentença, alega a recorrente que a factualidade dada como provada não permite sustentar que a tradição não se operou.

No caso vertente, o apontado erro de julgamento assenta na incorrecta apreciação da prova produzida e, sobre esse aspecto, já nos pronunciámos.

Em rigor ainda cabe dizer que, nunca o caso deixaria de ter outra solução, senão aquela tomada pela Mmª Juíza do Tribunal «a quo» perante a matéria de facto que resultou apurada.

Senão vejamos.

Prescrevia o artigo 2º, § 1, nº 2, do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (C.I.M.S.I.S.S.D.) , que se consideram transmissões de propriedade imobiliária, para efeito de incidência, as promessas de compra e venda ou de troca de bens imobiliários, logo que verificada a tradição para o promitente-comprador ou para os promitentes-permutantes, ou quando aquele ou estes estejam usufruindo os bens.

De acordo com a norma em análise, o legislador não tipificou a celebração do contrato-promessa de compra e venda de imóveis como facto sujeito a imposto, pelo que nenhum dos promitentes tinha que pagar imposto por mero efeito desse contrato, salvo nos casos em que houvesse, ou tivesse havido, tradição do bem.

E, como referem F. PINTO FERNANDES e NUNO PINTO FERNANDES, no seu Código da Sisa comentado e anotado, a transmissão, em tese geral, compreende não só a transmissão civil como também a transmissão económica, ou de facto, mesmo que despida de formalidades legais ou ferida de nulidades ou anulabilidades não reconhecidas judicialmente, salientando-se a situação material resultante da simples mudança dos possuidores dos bens.

Daí que, como acrescentam os mesmos autores, «enquanto no n.º 2 do § 1.º a incidência se reporta à tradição efectiva, neste § 2.º o legislador contentou-se com a tradição jurídica dos bens.».

Na verdade, o C.I.M.S.I.S.D. considera transmissão da propriedade de bens imóveis a título oneroso situações jurídicas que, no rigor dos princípios, não envolvem uma verdadeira transmissão, embora possa dar lugar a um resultado económico equivalente, por originarem uma disposição imediata da posse. É o caso das promessas de compra e venda com tradição ou usufruição pelo promitente comprador, pois a transmissão não se opera com a promessa mas com o negócio de execução. Há aqui um fenómeno de transformação de conceitos, pois o conceito civil de transmissão é transformado em sede de direito fiscal. E, talvez por isso, o Prof. ALBERTO XAVIER tenha escrito «por aqui se vê como para o conceito fiscal de transmissão mais importante que a circulação jurídica entre patrimónios é o resultado económico da circulação de poderes efectivos sobre bens que sejam reveladores de capacidade contributiva» (cfr. Manual de Direito Fiscal, I, pág. 183).

A este propósito, acresce, ainda que é (era) à Administração Tributária que incumbe demonstrar os legais pressupostos da aplicabilidade das regras de incidência ou seja e ao que aqui releva, que, no caso, os Recorrentes celebraram um contrato de promessa de bens imoveis tendo ocorrido a tradição efectiva (traduzida na entrega ou abandono do gozo ou fruição dos lotes em questão pelos promitentes vendedores em favor dos Recorridos (promitentes compradores) e o exercício por estes de poderes materiais sobre os lotes de terreno objecto do contrato promessa) dos bens prometidos vender ( cfr. artigo 74º, n.º1 da LGT) .

No nosso caso, a Administração Tributária deu por verificados os pressupostos de aplicação do artigo 2º, § 1, nº 2, do C.I.M.S.I.S.S.D., em virtude de constar no contrato de promessa de compra e venda a seguinte cláusula:

«Na data da assinatura do presente contrato os primeiros outorgantes entregam aos segundos outorgantes os prédios urbanos ora prometidos, os quais os segundos outorgantes declaram já ter recebido e ocupado, pelo que se considera transmitida nesta data a posse desses prédios dos primeiros para os segundos outorgantes».

Da análise da cláusula transcrita podemos concluir que foi intenção das partes transferir o domínio dos prédios para os promitentes compradores, desde a celebração do contrato, vindo a ocupá-los. Porém, a simples ocupação de uma certa coisa, se não foi revestida das características que denunciem a transferência da posse entendida esta nos termos do artigo 1251º do Código Civil como «o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao direito de propriedade ou de outro direito real» o que terá de ser averiguado casuisticamente, obviamente que não identifica ou traduz uma tradição de bens para efeitos do artigo 2º, § 1, nº 2, do C.I.M.S.I.S.S.D..

Dito isto, há que observar, como salienta o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 09.07.2014 proferido no processo n.º28251/10.0T2SNT.L1.S: «Quando há «um começo de prova por escrito que torne verosímil o facto alegado, a prova testemunhal já não é o único meio de prova do facto, justificando-se a excepção, por então o perigo da prova testemunhal ser eliminado em grande parte, visto a convicção do tribunal se achar já formada parcialmente com base num documento. Também no nosso direito se o facto a provar já está tomado verosímil por um começo de prova escrito, a prova de testemunhas é de admitir, pois não oferece os perigos que teria quando desacompanhada de tal começo de prova» (conf. mesmo autor, in RLJ, ano 107º, pág 312) e Mota Pinto/Pinto Monteiro, in Parecer publicado em CJ, Ano X, tomo. III, pág 11 e ss(disponível em texto integral em www.dgsi.pt)

Finalmente, quanto à questão da força probatória do documento particular, isto é, do contrato promessa referido em C) do probatório, apesar de não vir impugnada a sua genuidade/autoria, daí não resulta, necessariamente, que os factos compreendidos nas declarações dele constantes se hajam de considerar provadas.

Como se sumariou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.12.2008, proferido no processo n.º 08A3665: «A força probatória do documento particular circunscreve-se no âmbito das declarações (de ciência ou de vontade) que nela constam como feitas pelo respectivo subscritor. Tal como no documento autêntico, a prova plena estabelecida pelo documento respeita ao plano da formação da declaração, não ao da sua validade ou eficácia. Mas, diferentemente do documento autêntico, que provém de uma entidade dotada de fé pública, o documento particular não prova plenamente os factos que nele sejam narrados como praticados pelo seu autor ou como objecto da sua percepção directa. Nessa medida, apesar de demonstrada a autoria de um documento, daí não resulta, necessariamente, que os factos compreendidos nas declarações dele constantes se hajam de considerar provados, o mesmo é dizer que daí não advém que os documentos provem plenamente os factos neles referidos.».

Desde modo, pese embora o declarado na cláusula quarta do contrato de promessa de compra e venda, o certo é que, os recorridos demonstraram a falta de posse material e efectiva dos bens em questão e a existência do acordo verbal de vontades, revogatório do contrato-promessa.

Com efeito, ficou demonstrado quer o processo de loteamento n.º 5/1977, quer as licenças de construção e utilização sobre os lotes em questão foram obtidas em nome dos promitentes vendedores (cfr. al. M) do probatório) e ainda que «Após a outorga do contrato promessa de compra e venda aludido supra, os promitentes vendedores prosseguiram com as obras de urbanização que já estavam em curso.» ( cfr. al. V) do probatório).
Há, pois, que concluir que a Administração Tributária não fez a prova bastante, no que toca à sua actuação positiva e desfavorável aos recorridos, quanto à verificação da tipologia prevista na norma de incidência prevista no artigo 2º, § 1, nº 2, do C.I.M.S.I.S.S.D..
E, por isso é de manter a sentença recorrida que assim decidiu.

IV.CONCLUSÕES

I. Nos termos do artigo 2º , §1º, n.º2, do Código Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, as promessas de compra e venda de bens imoveis são havidas como transmissões efectivas, para efeitos de sisa, desde que se verifique a tradição para o promitente comprador.

II. Compete à Administração Tributária demonstrar os legais pressupostos da aplicabilidade das regras de incidência ou seja e ao que aqui releva, que, no caso, os Recorrentes celebraram um contrato de promessa de bens imóveis tendo ocorrido a tradição efectiva (traduzida na entrega ou abandono do gozo ou fruição dos lotes em questão pelos promitentes vendedores em favor dos Recorridos (promitentes compradores) e o exercício por estes de poderes materiais sobre os lotes de terreno objecto do contrato promessa) dos bens prometidos vender.

III. Embora o contrato-promessa de compra e venda esteja sujeito à forma escrita (artigo 410° nºs 1 e 2 Código Civil), a sua revogação por mútuo consenso não tem de obedecer à mesma forma.

IV. Embora o disposto nos artigos 394.º e 395.º do Código Civil relativamente à admissibilidade de prova testemunhal para prova de convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento, se a análise das circunstâncias do caso concreto tornar verosímil a existência de convenção das partes, é admissível prova testemunhal acerca desta.

V. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 13 de Julho de 2016.


[Ana Pinhol]



[Jorge Cortês]

[Cristina Flora]