Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1177/18.4BELSB
Secção:
Data do Acordão:10/18/2018
Relator:CATARINA JARMELA
Descritores:ASILO – RETOMA A CARGO – AUDIÊNCIA PRÉVIA
Sumário:I – A matéria relativa à audição do interessado relativamente às decisões de inadmissibilidade do pedido de protecção internacional e transferência de um requerente de protecção internacional, proferidas na sequência de uma decisão de aceitação de retoma a cargo por parte de um outro Estado-Membro, encontra-se regulada no art. 5º, do Regulamento (UE) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho de 2013.
II – Nesse art. 5º, do Regulamento (UE) n.º 604/2013, não se encontra prevista a obrigação da autoridade nacional, e antes da prolação das decisões de inadmissibilidade do pedido de protecção internacional e transferência de um requerente de protecção internacional, informar o interessado de que pretende considerar inadmissível o seu pedido e transferi-lo para outro Estado-Membro e comunicar-lhe os argumentos com que pretende fundamentar tais decisões.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I – RELATÓRIO
F...intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa a presente acção administrativa - tramitada como intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias - contra o Ministério da Administração Interna, na qual peticionou a anulação do despacho do Director Nacional do SEF de 30.5.2018, o qual considerou inadmissível a concessão de protecção internacional e determinou a sua transferência para a Lituânia.

Em 3 de Agosto de 2018 foi proferida sentença pelo referido tribunal que julgou procedente a presente acção e, em consequência, anulou o acto impugnado.

Inconformado, o réu interpôs recurso jurisdicional dessa sentença para este TCA Sul, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões:
“1ª - A autoridade recorrida não concorda com os termos da sentença ora recorrida;
2ª - De harmonia com o art.º 18º nº 1 d) do Regulamento (UE) 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, e o art.º 37º nº 1 da Lei de Asilo, o ora recorrente procedeu à determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de asilo, procedimento regido pelo art.º 36º e seguintes da Lei 27/2008, de 30 de Junho (Lei de Asilo), tendo, no âmbito do mesmo sido apresentado, aos 16/05/2018, pedido de retoma a cargo às autoridades da Lituânia, que culminou com a aceitação, aos 28/05/2018, por parte das referidas autoridades;
3ª - Consequente e vinculadamente, por despacho do Diretor Nacional do ora recorrente proferido aos 30/05/2018, nos termos dos artºs 19º-A nº 1 a) e 37º nº 2 da citada lei, foi o pedido considerado inadmissível e determinada a transferência do requerente para a Lituânia, Estado-Membro responsável pela análise do pedido de Asilo nos termos do citado regulamento, motivo pelo qual o Estado português se torna apenas responsável pela execução da transferência, nos termos dos artºs 29º e 30º do Regulamento de Dublin;
4ª – O ora recorrente deu início ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de asilo, que culminou com o apuramento de que essa responsabilidade pertencia à Lituânia (cf. art.º 13º n.º 2 do citado Regulamento (UE) 604/2013 e art.º 37º nº 1 da Lei n.º 27/2008 (Lei de Asilo)), que a aceitou, impondo a lei como consequência imediata (vinculada) que fosse proferido o ato de inadmissibilidade e de transferência;
5ª - “Estamos, portanto, perante um acto estritamente vinculado, sendo que a validade dos actos praticados no exercício de poderes vinculados tem de ser feita em função dos pressupostos de facto e de direito fixados por lei, ou seja pela confrontação da factualidade dada como provada com a consequência jurídica imediatamente derivada da lei (…) é a própria Lei nº 27/2008, de 30 de Junho, que no seu artigo 37.º, n.º 2, lhe impunha a atuação levada a efeito “ (cf. Acórdão do TCA SUL de 19/01/2012, proc. nº 08319/11);
6ª - Resulta, pois, incompreensível o entendimento ora sufragado na douta sentença ora recorrida da anulabilidade por se considerar que “ (…) não foi elaborado o relatório contemplado no art.17.º, n.º 1 da Lei 27/2008, (…)”, porquanto, ao arrepio do aí sustentado, à situação vertente não se aplicam os trâmites procedimentais (comuns) do pedido de proteção internacional previstos na Secção I do Capitulo III da Lei de Asilo (entre as quais o art.º 17º);
7ª - Pelo contrário, porque se procedeu à determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de asilo, aplica-se-lhe o disposto no art.º 36º e seguintes, ou seja, as disposições do Capitulo IV da citada lei, que regem sobre o procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, art.º 17º nº 2 da citada lei;
8ª – A alegada violação do art.º 17º nº 2 da Lei de Asilo não procede, pois não é aqui aplicável, afastada pela natureza “especial” do procedimento plasmado no art.º 36º e seguintes da Lei de Asilo, tal como se comprova do nº 7 do art.º 37º que estipula que “ Em caso de resposta negativa do Estado requerido ao pedido formulado pelo SEF, nos termos do nº 1, observa-se o disposto no Capítulo III”;
9ª – Ou seja, no teor literal da lei, só na eventualidade da Lituânia declinar a retoma a cargo é que haveria lugar, por expressa determinação, á aplicação do Capítulo III, mormente do art.º 17º, mas como in casu, a Lituânia aceitou a retoma, tal afasta decisivamente a aplicabilidade das normas do capítulo III, incluindo o artº 17º, à situação vertente;
10ª – Ao contrário do pugnado pela douta sentença recorrida, o procedimento de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional (que culminou com a aceitação da retoma a cargo por parte do estado requerido- Lituânia) antecede e fundamenta que o pedido apresentado seja considerado inadmissível e seja determinada a transferência da análise do pedido;
11ª - Em sede do dito procedimento (de determinação), regulado no art.º 37º não se encontra legalmente previsto qualquer relatório, e por maioria de razão, qualquer notificação do mesmo para efeitos de pronúncia, pelo contrário, do mesmo decorre, de acordo com o seu nº 2, a vinculação do ora recorrente a proferir a decisão de inadmissibilidade, bem como de dar execução á transferência, de acordo com o art.º 38º da lei de Asilo;
12ª – Trata-se de uma decisão vinculada, notificada nos termos e para os efeitos do nº 3 do art.º 37º da Lei de Asilo, à qual não se aplica o disposto no Capítulo III, designadamente, o art.º 17º nº 2, pelo que não procede anulabilidade sustentada perla douta sentença com base na sua violação.
13ª - Contrariamente ao que a sentença refere, ao ora recorrente outra solução não restava que não fosse propalar a competente decisão de inadmissibilidade e de transferência, a qual não padece de qualquer vício de facto ou de direito.
Nestes termos e nos melhores de direito, revogando a douta sentença, farão V. Exas. Venerandos Desembargadores a habitual e esperada,
JUSTIÇA!”.

O recorrido, notificado, apresentou contra-alegação de recurso na qual pugnou pela improcedência do recurso.

O Ministério Público junto deste TCA Sul emitiu parecer no sentido da procedência do presente recurso jurisdicional, posicionamento esse que, objecto de contraditório, não mereceu qualquer resposta.
II - FUNDAMENTAÇÃO
Na decisão recorrida foi dada como assente a seguinte factualidade:
«
a) Em 12 de Abril de 2018, o ora A. chegou a Portugal, proveniente da Alemanha, e, nessa data, o ora A. apresentou pedido de protecção internacional, ao abrigo da Lei n.º 27/08, de 30/06 (alterada e republicada pela Lei n.º 26/2014, de 05/05, vulgo Lei de Asilo), que deu origem ao processo de protecção internacional n.º 354/18 – GAR/SEF (cfr. fls. 1 a 26 do PA e por acordo das partes).

b) Em 03/05/2018, o ora A., que se identificou como F…., nascido aos 04/09/1991 e nacional do Tajiquistão, foi ouvido quanto aos fundamentos do seu pedido de protecção internacional, na língua russa, que escolheu, e na presença de intérprete da língua russa, tendo prestado as declarações constantes do respectivo Auto de Declarações (a fls. 23- 26 do PA, as quais aqui se dão por integralmente reproduzidas), das quais se destaca o seguinte: «(…)
(“texto integral no original; imagem”)

c) Em 7 de Maio de 2018, o Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF formulou um pedido de Retoma a Cargo à Alemanha, relativo ao ora A., o que deu origem ao processo n.º 00813/18PT, e foi informado, em 15/05/2018, de que a Alemanha já solicitara à Lituânia a tomada a cargo do A., em 18/08/2017, que a aceitara, em 16/10/2017 (cfr. fls. 27 e segs. do PA).

d) Em 16 de Maio de 2018, o Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF formulou um pedido de Retoma a Cargo à Lituânia, relativo ao ora A., o que deu origem ao processo n.º 00920/18PT, no âmbito do qual a Lituânia aceitou o referido pedido, em 28/05/2018 (cfr. fls. 40 e segs. do PA).


e) Pelo Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF foi prestada a Informação n.º 0813/GAR/2018, datada de 29/05/2018, na qual se concluiu pela inadmissibilidade do pedido do ora A., por incorrer na alínea a) do n.º 1, do artigo 19º-A, da Lei n.º 27/08, de 30 de Junho, alterada pela Lei nº26/2014, de 05 de Maio (cfr. Doc. de fls. 48 e 49 do PA, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido; por acordo das partes), destacando-se aqui o seguinte: «(…)

(“texto integral no original; imagem”)

f) Por decisão do Director-Nacional do SEF, datada de 30 de Maio de 2018, com base na Informação n.º 0813/GAR/2018 do Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF, foi considerado inadmissível o pedido de protecção internacional apresentado pelo A., como segue: «(…)
(“texto integral no original; imagem”)

(cfr. Doc. 1 junto com a p.i. e Doc. de fls. 50 do PA; por acordo das partes).

g) O A. foi notificado da decisão supra referenciada em 06/06/2018, o qual, após solicitar acompanhamento junto do Conselho Português para os Refugiados (CPR), veio propor a presente acção, em 25/06/2018, com o benefício de apoio judiciário (cfr. Docs. juntos com a p.i., fls. 52 e segs. do PA, e respectiva acção registada no SITAF).

h) O ora A. encontra-se a viver no Centro de Acolhimento do Conselho Português para os Refugiados (CPR), na Bobadela (cfr. fls. 15 e 58 e segs. do PA e por acordo das partes)».

*
Presente a factualidade antecedente, cumpre entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

A questão suscitada resume-se, em suma, em determinar se a sentença recorrida enferma de erro ao julgar procedente o vício de preterição da audição do interessado (cfr. alegação de recurso e respectivas conclusões, supra transcritas).

Vejamos.

O recorrente intentou a presente acção contra o Ministério da Administração Interna e na mesma peticionou a anulação do despacho do Director Nacional do SEF de 30.5.2018, o qual considerou inadmissível a concessão de protecção internacional e determinou a sua transferência para a Lituânia.

A sentença recorrida julgou improcedentes os vícios alegados pelo recorrente, mas julgou procedente vício identificado oficiosamente, concretamente considerou preterida formalidade essencial, por falta de elaboração do relatório e de audição do interessado nos termos do art. 17º n.ºs 1 e 2, da Lei do Asilo, razão pela qual anulou o acto impugnado.

O recorrente defende que a sentença recorrida incorreu em erro ao julgar verificado tal vício, dado que o art. 17º n.ºs 1 e 2, da Lei 27/2008, não é aplicável à situação vertente, à qual se aplica o procedimento especial previsto nos arts. 36º e ss., da Lei do Asilo.


Desde já se consigna que quanto a esta questão se vai seguir de perto o que se escreveu no Ac. do TCA Sul de 28.2.2018, proc. n.º 1727/17.3 BELSB (relatado pela relatora do presente acórdão e em que o 2º adjunto é também 2º adjunto no presente acórdão).

No despacho impugnado proferido pelo Director Nacional do SEF, em 30.5.3018, considerou-se - face à aceitação pelas autoridades lituanas do pedido apresentado pelo SEF de retoma a cargo do recorrente - inadmissível o pedido de protecção internacional formulado pelo recorrente e determinou-se a sua transferência para a Lituânia.

Tal despacho foi proferido num procedimento especial ao qual não é aplicável o disposto no art. 17º, da Lei 27/2008, de 30/6, na redacção da Lei 26/2014, de 5/5.

Com efeito, dispõe o art. 36º, da Lei 27/2008, de 30/6, na redacção da Lei 26/2014, de 5/5 - incluído no Capítulo IV -, o seguinte:
Quando haja lugar à determinação do Estado responsável pela análise de um pedido de proteção internacional é organizado um procedimento especial regulado no presente capítulo.”.

A tramitação deste procedimento especial é regulada em termos muito limitados no Capítulo IV – que inclui os arts. 36º a 40º -, da Lei 27/2008, de 30/6, na redacção da Lei 26/2014, de 5/5, dado que os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de protecção internacional apresentado num dos Estados-Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida encontram-se estabelecidos no Regulamento (UE) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho de 2013, o qual é obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável em todos os Estados-Membros (cfr. § 2º do art. 288º, do TFUE).

Ora, no referido Capítulo IV, da Lei 27/2008, de 30/6, na redacção da Lei 26/2014, de 5/5, não é regulada a matéria relativa à audição do interessado relativamente às decisões de inadmissibilidade do pedido de protecção internacional e transferência de um requerente de protecção internacional, proferidas na sequência de uma decisão de aceitação de retoma a cargo, já que tal regulação se encontra estabelecida no art. 5º, do referido Regulamento (UE) n.º 604/2013 [cfr. ainda art. 34º n.º 1, § 2º, da Directiva n.º 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho de 2013 (“O presente número não prejudica (…) o artigo 5.º do Regulamento (UE) n.º 604/2013”)].

Neste art. 5º encontra-se prevista a realização de uma entrevista pessoal com o requerente, antes de ser adoptada qualquer decisão de transferência, destinada nomeadamente a facilitar a determinação do Estado-Membro responsável, determinando-se no seu n.º 6 que “O Estado-Membro que realiza a entrevista pessoal deve elaborar um resumo escrito do qual constem, pelo menos, as principais informações facultadas pelo requerente durante a entrevista. Esse resumo pode ser feito sob a forma de um relatório ou através de um formulário-tipo. O Estado-Membro assegura que o requerente e/ou o seu advogado ou outro conselheiro que o represente tenha acesso ao resumo em tempo útil.” (sublinhados nossos).

Neste mesmo art. 5º, do Regulamento (UE) n.º 604/2013, não se encontra prevista, no entanto, a obrigação da autoridade nacional, e antes da prolação das decisões de inadmissibilidade do pedido de protecção internacional e transferência de um requerente de protecção internacional - face à decisão de aceitação de retoma a cargo por parte de um outro Estado-Membro -, informar o interessado de que pretende considerar inadmissível o seu pedido e transferi-lo para outro Estado-Membro e comunicar-lhe os argumentos com que pretende fundamentar tais decisões, de maneira a permitir a esse requerente apresentar o seu ponto de visto a este respeito.

E ao não prever tal obrigação o referido Regulamento (UE) n.º 604/2013 não viola o art. 41º, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia [“1. Todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições, órgãos e organismos da União de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável. 2. Este direito compreende, nomeadamente: a) O direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afete desfavoravelmente; (…)” (sublinhados nossos)], dado que, conforme decorre do acórdão do TJUE de 22.11.2012, proc. C-277/11, o direito de ser ouvido previsto neste art. 41º garante que qualquer pessoa tem a possibilidade de dar a conhecer o seu ponto de vista no decurso do procedimento e antes da adopção de qualquer decisão susceptível de afectar desfavoravelmente os seus interesses, mas não pode ser interpretado no sentido de que a autoridade nacional tem a obrigação de, antes de adoptar a decisão, informar o interessado da decisão desfavorável que se propõe proferir e de lhe comunicar os argumentos com que pretende fundamentar tal decisão desfavorável, de maneira a permitir que o interessado apresente o seu ponto de vista a este respeito.

Conclui-se, assim, que a sentença recorrida errou ao julgar procedente o presente vício, já que da factualidade dada como assente, concretamente da alínea b), decorre que o ora recorrente foi ouvido nos termos impostos pelo art. 5º, do Regulamento (UE) n.º 604/2013.

Cumpre salientar que, mesmo se entendesse que in casu era aplicável o art. 17º n.ºs 1 e 2, da Lei 27/2008, de 30/6, na redacção da Lei 26/2014, de 5/5, sempre se teria de concluir no sentido da improcedência do citado vício, pois deste art. 17º n.ºs 1 e 2 não decorre a obrigação do ora recorrente elaborar um relatório, do qual constem os fundamentos que sustentam a intenção de considerar inadmissível o pedido do recorrido e determinar a sua transferência para a Lituânia, e após permitir-lhe pronunciar-se sobre tal relatório, como se passa a demonstrar.

Dispõe o citado art. 17º, da Lei 27/2008, na redacção da Lei 26/2014, sob a epígrafe “Relatório”, o seguinte:
1 - Após a realização das diligências referidas nos artigos anteriores, o SEF elabora um relatório escrito do qual constam as informações essenciais relativas ao pedido.
2 - O relatório referido no número anterior é notificado ao requerente para que o mesmo se possa pronunciar sobre ele no prazo de cinco dias.
3 - O relatório referido no n.º 1 é comunicado ao representante do ACNUR e ao CPR enquanto organização não governamental que atue em seu nome, desde que o requerente tenha dado o seu consentimento, para que aquela organização, querendo, se pronuncie no mesmo prazo concedido ao requerente.
4 - Os motivos da recusa de confirmação do relatório por parte do requerente são averbados no seu processo, não obstando à decisão sobre o pedido.” (sublinhados nossos).

Prevê o n.º 1 deste art. 17º que, após a apresentação do pedido de protecção internacional e a prestação de declarações pelo requerente de protecção internacional, o SEF procede à elaboração de um relatório escrito do qual constam as informações essenciais relativas ao pedido, sendo que, de acordo com o n.º 4 desse mesmo normativo legal, a pronúncia sobre tal relatório (estatuída no n.º 2 desse art. 17º), destina-se a permitir que o requerente confirme o teor desse relatório ou indique os motivos pelos quais recusa confirmar o teor do relatório, ficando averbado no processo tais motivos, o que não obsta à decisão do pedido.

Ora, visando a pronúncia sobre o referido relatório a confirmação do seu teor pelo requerente ou a indicação dos motivos pelos quais recusa tal confirmação, necessariamente o conteúdo desse relatório terá de limitar-se às declarações que o requerente prestou, pois só relativamente às mesmas se pode exigir que o requerente confirme o seu teor ou indique os motivos pelos quais recusa tal confirmação.

Conclui-se, assim, que da letra deste art. 17º resulta que o relatório se consubstanciará num resumo pormenorizado das circunstâncias que, de acordo com as declarações do requerente, fundamentam o pedido de protecção internacional e que a audição concedida ao requerente sobre tal relatório destina-se a assegurar que não existem erros, de tradução ou de compreensão, relativamente aos fundamentos em que assenta o pedido de protecção internacional – o que in casu se mostra cumprido [cfr. alínea b), dos factos provados].

Acresce que tal conclusão é corroborada pelo elemento sistemático (nacional e europeu).

Com efeito, quando o legislador nacional pretendeu que o relatório elaborado pelo SEF contivesse o sentido provável da decisão e os respectivos fundamentos disse-o de forma clara e expressa – cfr. art. 29º n.º 1, da Lei 27/2008, de 30/6, na redacção da Lei 26/2014, de 5/5 (“1 - Finda a instrução, o SEF elabora proposta fundamentada de concessão ou recusa de proteção internacional.” (sublinhados nossos)) [a Lei 27/2008, na redacção da Lei 26/2014, procede nomeadamente à transposição da Directiva n.º 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho de 2013 (relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de protecção internacional), mas neste seu art. 29º n.º 1 adopta uma norma mais favorável (face à disposição que consta no art. 17º, da Directiva n.º 2013/32/UE), o que é permitido pelo art. 5º, dessa Directiva].

Assim sendo, e tendo em conta que na “fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (cfr. art. 9º n.º 3, do Código Civil), só se pode concluir que, quando no art. 17º nº 1, da Lei 27/2008, na redacção da Lei 26/2014, foi prevista a elaboração de um “relatório escrito do qual constam as informações essenciais relativas ao pedido”, o legislador não pretendeu a elaboração de um relatório que contivesse o sentido provável da decisão e respectivos fundamentos.

Além disso, e de acordo com o prescrito no art. 17º n.ºs 1, 3, 4, da Directiva n.º 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho de 2013 [como acima salientado, a Lei 27/2008, na redacção da Lei 26/2014, procedeu nomeadamente à transposição da Directiva n.º 2013/32/UE], os Estados-Membros devem assegurar a elaboração de um relatório exaustivo e factual do qual constem todos os elementos substantivos da entrevista pessoal ou a transcrição dessa entrevista, bem como, e antes de ser tomada uma decisão, que o requerente tem a oportunidade de fazer observações e/ou prestar esclarecimentos relativamente a eventuais erros de tradução ou de compreensão constantes do relatório ou da transcrição, sendo que, caso recuse confirmar o conteúdo do relatório ou da transcrição, devem ser averbados os motivos da recusa no processo, a qual não impede a decisão do pedido.

Nestes termos, tem de concluir-se que o art. 17º, da Lei 27/2008, na redacção da Lei 26/2014, ao aludir a relatório tem em vista a elaboração de um resumo pormenorizado das circunstâncias que, de acordo com as declarações do requerente, fundamentam o pedido de protecção internacional e não qualquer proposta fundamentado de decisão, visto que tal normativo legal procedeu à transposição do art. 17º n.ºs 1, 3 e 4, da Directiva n.º 2013/32/EU, do qual decorre de forma clara que do relatório a elaborar pela autoridade nacional devem constar todas as informações substanciais fornecidas pelo requerente na entrevista que lhe foi concedida e não qualquer proposta fundamentado de decisão.

Do exposto decorre que a sentença recorrida incorreu em erro ao julgar procedente a presente acção, razão pela qual deverá ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando-se a sentença recorrida, e, em consequência, julgada improcedente a presente acção.
*
Não há lugar à condenação em custas, atenta a isenção de custas prevista no art. 84º, da Lei 27/2008, de 30/6 (cfr. Ac. do STA de 17.11.2016, proc. n.º 408/16).
III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em:
I – Conceder provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando a sentença recorrida, e, em consequência, julgar improcedente a presente acção.
II – Sem custas.
III – Registe e notifique.
*
Lisboa, 18 de Outubro de 2018



(Catarina Gonçalves Jarmela - relatora)



(Maria Helena Canelas – 1ª adjunta)



(Carlos Araújo – 2º adjunto)