Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1452/11.9BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/07/2022
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IRC.
INDISPENSABILIDADE DO CUSTO.
Sumário:O requisito da indispensabilidade do custo exige a apresentação de documento justificativo, interno ou externo, que identifique o fornecedor, a prestação concreta, o local, a data da mesma e a contrapartida que lhe corresponde, com vista a permitir o juízo de congruência sobre a operação económica em causa.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACÓRDÃO
I- Relatório
J…………………., SGPS, S.A., com os demais sinais nos autos, apresentou impugnação judicial na sequência da notificação da decisão que deferiu parcialmente o recurso hierárquico que interpôs do indeferimento da reclamação graciosa apresentada
contra o acto de demonstração de acerto de contas nº …………….., do exercício de 2006, que inclui a liquidação adicional de IRC nº ……………., e respectivos juros compensatórios.
O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls.384 e ss. (numeração do processo em formato digital - sitaf), datada de 28 de Dezembro de 2020, julgou a impugnação parcialmente procedente anulando a liquidação sindicada, na parte em que teve origem na correcção à matéria tributável declarada por a Administração Tributária (AT) não ter aceite como custo fiscal do exercício uma verba respeitante a “encargos financeiros suportados com aquisição de Partes de Capital”.
A impugnante não se conforma com a sentença na parte que lhe é desfavorável, ou seja, no que se refere à correcção relativa a “custos não aceites – trabalhos especializados”.
No recurso interposto, a recorrente formulou as conclusões seguintes:
«1 • O custo (€ 363.000,00) em apreço está perfeitamente documentado;
2 • Com efeito, para além da fatura apresentada, a qual foi emitida nos devidos termos legais (preenchendo os requisitos previstos no Código do IVA), a Recorrente apresentou ainda uma carta enviada pela entidade prestadora dos serviços, na qual estão detalhados os serviços prestados pela mesma;
3 • Ora, para além das explicações já apresentadas no decurso da inspecção tributária, as aduzidas em sede de reclamação graciosa e injustificadamente desconsideradas pela Administração Tributária, e, bem assim as aduzidas em sede de impugnação judicial, permitem afirmar, sem qualquer margem para dúvidas que o mesmo é, inquestionavelmente, indispensável, passando assim o crivo do artigo 23.º do Código do IRC;
4 • Pretender o contrário é desconhecer por completo a realidade empresarial e a forma como grupos societários multinacionais preparam os seus investimentos e entradas em outros mercados;
5 • Pelo exposto, e na parte objeto do presente recurso, a Sentença proferida pelo Tribunal a quo padece de erro de julgamento uma vez que procura arguir a falta do preenchimento do requisito da indispensabilidade do custo com base em falta da apresentação de elementos documentais, algo que é uma contradição nos seus termos;
6 • Para sindicar a legalidade do custo, deveria o Tribunal a quo ter questionado a necessidade da contratação dos serviços prestados para a tomada de decisão empresarial, algo que não fez, nem por um momento;
7 Nestes termos, deverá a Sentença em apreço ser anulada na parte objeto do presente recurso, sendo, em consequência, anulada a correspondente correção.
X
A Recorrida, Fazenda Pública, não contra-alegou.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
X
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação
1.De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
«1) A Impugnante é a sociedade Holding do Grupo J …………….., dedica-se à gestão de participações sociais e a funções de coordenação e assessoria participadas e está enquadrada no regime geral de tributação em IRC [cfr. RIT junto aos autos].
2) Em cumprimento da ordem de serviço nº OI200800438, a Impugnante foi objeto de ação inspetiva interna, de âmbito parcial, em sede de IRC e incidiu sobre o exercício de 2006. [cfr. RIT junto aos autos].
3) Em resultado da referida ação de inspeção, foi elaborado, em 03/06/2009, o Relatório de Inspeção Tributária (RIT), que se considera aqui integralmente reproduzido e do qual consta, nomeadamente:
“III - Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas (…) III.1 - Realizações de utilidade social não dedutíveis (artigo 40.º do CIRC) – 12897,48 euros
No decurso da análise efetuada aos documentos de suporte dos valores registados na conta # 6473114004 - Estrutura Central - Festas de Natal, no montante global de 103179,86 euros, verificou-se que os mesmos eram referentes à organização da Festa de Natal (alojamento e viagem dos participantes, reserva de espaço, jantar, animação, reportagem fotográfica, entre outros).
Na sequência de pedidos de elementos/esclarecimentos adicionais a sociedade informou que, estes encargos dizem respeito à Festa de Natal do Grupo J …………….. e que 87,5% dos custos incorridos com a referida Festa de Natal foram imputados às companhias operacionais do Grupo em Portugal, tendo sido registados em proveitos na conta #7221215000 – M………………... Deste modo, o valor a considerar como encargo da sociedade J ……………, SGPS, S.A. é apenas de 12.897,48 euros, correspondente a 12,5% do total contabilizado.
Verificou-se também, que o custo suportado pela empresa não abrange a totalidade dos funcionários, mas apenas os seus quadros superiores.
Dispõe o nº 1 do artigo 40° do Código do IRC que: "São também considerados custos ou perdas do exercido os gastos suportados com (...) outras realizações de utilidade social, como tal reconhecidas pela Direcção-Geral dos Impostos, feitas em benefício do pessoal ou dos reformados da empresa e respetivos familiares, desde que tenham carácter geral (…)".
Como já foi referido, o custo suportado pela empresa não abrange a totalidade dos funcionários, mas apenas os seus quadros superiores, facto este que lhe confere um carácter individualizado e não genérico, motivo pelo qual, não poderá ser atribuída a este custo a natureza de realização de carácter social prevista no artigo 40° do Código do IRC e consequentemente a condição de indispensabilidade que subjaz ao reconhecimento fiscal dos custos ou perdas do exercício, nos termos do artigo 23° do Código do IRC.
Nestes termos e pelos motivos anteriormente expostos, o montante de 12897,48 euros será acrescido ao resultado tributável. "
III.2 – Custos não aceites
Da análise efetuada a alguns documentos que suportam o valor de 1.752.088,20 euros, correspondente ao saldo da conta # 6223619004 – E.C. – Trabalhos Especializados – Outros – Terceiros, verificou-se a existência de uma fatura referente a “consultoria extraordinária em 2006”, emitida pela sociedade D ………………. SA, NIPC …………., no montante de 300.000,00 euros, a que acresce IVA à taxa de 21%, no valor de € 63.000,00, euros, contabilizado como custo na conta # 631211004 – E. Central – IVA. O valor total dos encargos incorridos com esta prestação de serviços e registado com custo pelo sujeito passivo, ascende a 363.000,00 euros.
Na sequência de um pedido de esclarecimentos efetuado pela Administração Tributária, nomeadamente a descrição da natureza dos serviços de consultoria extraordinária prestados e cópia do(s) contrato(s) celebrados entre a J……………………..SGPS SA. e a DL – …………………. SA, o sujeito passivo informou que: “a mesma tem por base inúmeras reuniões havidas nas quais foram abordados diversos temas relacionados com o posicionamento estratégico do Grupo J………………….. a nível Nacional e Internacional, quer na área alimentar, quer, bem assim, na área não alimentar” e que “o procedimento interno do Grupo J……………………..não contempla a obrigatoriedade de autorizações internas prévias relativamente à contratação se prestadores de serviços na área em apreço”.
Alegou ainda o sujeito passivo que “não existe qualquer contrato realizado para a concretização da prestação de serviços em apreço… tal situação é normal, verificando-se o mesmo com outras entidades prestadoras de serviços de consultoria e, bem assim, com sociedades de advogados (v.g. D………. & ……….., S…………, SA, M ……….., S ……………. & A……………., entre outras entidades).
Não querendo a Administração Tributária imiscuir-se na gestão da sociedade, importa contudo realçar que os fundamentos apresentados para aquela prestação de serviços não devem proceder para efeitos da justificação da dedutibilidade dos encargos associados, pois o sujeito passivo não apresentou quaisquer provas (atas das reuniões ou outros documentos) que demonstrem de forma inequívoca a indispensabilidade destes custos, situação que se verifica com os serviços prestados pela D………. & ……….., S…………, SA, M ……….., S ……………. & A……………., comprovados pelos pareceres/relatórios pelos processos em contencioso, respetivamente.
(…)
No caso sob exame, não é questionada a veracidade do custo em referência, o qual se encontra devidamente comprovado na contabilidade, mas sim a sua indispensabilidade em face daquele preceito legal.
(…)
Assim… uma vez colocada em causa pela Administração Tributária a “indispensabilidade” dos custos suportados, recai sobre o contribuinte o ónus de provar aquela indispensabilidade, ou seja, que os mesmos foram incorridos no âmbito da atividade da empresa para prossecução dos seus objetivos económico-empresariais.
Sucede, porém, como já foi supracitado, que a informação manifestamente insuficiente apresentada pelo sujeito passivo, não possibilita o enquadramento daqueles custos nas atividades a desenvolver no âmbito do seu objeto social, logo não se pode qualificar essa despesa como sendo indispensável para a formação dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora e, como tal, não pode ser tida como custo fiscal uma vez que não ficou demonstrado a indispensabilidade dos custos em causa.
(…)
Assim, pelos motivos anteriormente expostos, não se comprovou em que consistiu concretamente a consultadoria extraordinária e, consequentemente, não foi demonstrada pelo sujeito passivo, de acordo com o ónus que sobre ele recai, nos termos do n.º1 do artigo 74.º da LGT, a indispensabilidade dos mesmos para efeitos da sua dedutibilidade à luz do artigo 23.º do CIRC, pelo que se procede ao acréscimo ao lucro tributável do montante de 363.000,00 euros.
(…)
III.4 – Encargos Financeiros suportados com a aquisição de Partes de Capital (artigo 31.º do EFB) – 79.083,20.
A sociedade J……………..SGPS, não acresceu ao lucro tributável qualquer valor relativo a encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, que de acordo com o n.º 2 do artigo 31.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), não concorrem para o apuramento do lucro tributável.
Este número refere que “as mais valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS…mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por um período não inferior a um ano e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades”.
A desconsideração como custo dos encargos financeiros para efeitos de determinação do lucro tributável, consagrada no n.º 2 do artigo 31.º do EFB, consubstancia um corolário do princípio geral da indispensabilidade dos custos, segundo o qual a dedução fiscal é condicionada à sua conexão com a obtenção dos proveitos sujeitos a imposto … n.º 1 do artigo 23.º do CIRC…
Este regime introduzido pela Lei 30-B/2002, de 31 de dezembro, aplica-se aos encargos financeiros reconhecidos “nos períodos de tributação iniciados após 1 de janeiro de 2003, ainda que sejam relativos a financiamentos contraídos antes daquela data.
No que concerne ao método a utilizar para efeitos de determinação dos encargos financeiros afetos às participações sociais, o número 7 da circular 7/2004 da DSIRC estabelece que “dada a extrema dificuldade de utilização … de um método de afetação direta ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efetuada com base numa fórmula…”, tendo presente que o objetivo do legislador ao desconsiderar apenas os custos com a aquisição de partes de capital procura identificar as obrigações/passivos relacionados com essas aquisições, nomeadamente capitais alheios, suscetíveis de gerar juros e outros encargos relacionados com as partes de capital constantes do balanço da sociedade.
Esta fórmula tem subjacente a seguinte metodologia:
1.º Imputar os passivos remunerados das SGPS aos empréstimos remunerados concedidos às empresas participadas e a outros investimentos geradores de juros,
2.º Afetar o remanescente aos restantes ativos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao custo de aquisição.
Assim, da aplicação da referida fórmula, para efeitos de determinação dos encargos financeiros suportados pela sociedade J………………….SGPS, na aquisição de partes de capital, resulta um encargo financeiro de 79083,20 euros…
Face ao exposto, procede-se ao acréscimo ao lucro tributável do montante acima mencionado ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 31.º do EBF. [cfr. RIT junto aos autos].
4) Na sequência da ação inspetiva foi emitida, em 16/06/2009, a liquidação adicional de IRC n.º……………… com valor a reembolsar no montante de €26772,84, acompanhada da demonstração de acerto de contas/compensação nº com saldo apurado de € 0..
5) Em 23/06/2009 DL – ………………. SA dirigiu informação ao Dr. L………… da J……………….., da qual consta, entre o mais:
“Em resposta à sua carta datada de 21 de junho 2009, cumpre-me informar que os serviços que se reporta a fatura n.º A1146 datada de 05/12/2006, se incluem num contrato global de prestação de serviços, na área do aconselhamento estratégico, de acompanhamento do processo de escolha dos mercados alvo de diversificação geográfica e de avaliação das condições de sucesso nestes mesmos mercados.
Como sabem, a intervenção da nossa empresa e a minha própria situavam-se num plano de nível elevado em que os serviços se traduziram essencialmente na colocação à vossa disposição da minha rede de contactos e da minha capacidade de observação de mercados e países, não existindo, como é natural, para todas as áreas de intervenção, documentos de suporte.
Para além dessas valências, competia-me também manter uma constante atenção sobre os processos de iniciativa legislativa que pudessem condicionar o lançamento de uma atividade de “Discount” nas economias da Europa Central e de Leste, nomeadamente as com proximidade geográfica com a Polónia.
Em particular, constavam das minhas funções uma permanente atenção sobre a existência de processos de venda de empresas já instaladas nos mercados, sobre a atribuição de licenças para abertura de novas lojas (a um nível nacional e municipal) e ainda sobre a mudança na legislação versando a atividade imobiliária.
Entendi sempre que, para além dos contactos com as entidades reguladoras, seria também necessário estabelecer contactos estritos com a comunidade empresarial, através de contactos diretos e indiretos.
O acompanhamento da iniciativa na produção alimentar em cada um dos países mais interessantes – Ucrânia, Rússia, Roménia, Países Bálticos foi também aspeto da minha atenção.
Neste âmbito, em 2006, salientaria como principais referências dos serviços prestados:
As reuniões com a Comissão executiva da J………………….., sobre a estratégia de internacionalização do grupo;
Os serviços prestados com contactos internacionais, nomeadamente em mercados considerados relevantes estrategicamente para os interesses de expansão do Grupo J……………..;
O início do estudo sobre diversos mercados, nomeadamente Romeno, Turco, Russo e Países Bálticos.
[cfr. fls. 160 os autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].
6) A Impugnante apresentou, junto do Serviço de Finanças de Lisboa 2, reclamação graciosa da liquidação, que correu termos sob o n.º ………………..
7) Sobre a reclamação graciosa recaiu despacho de indeferimento proferido pelo Diretor de Finanças de Lisboa, datado de 12/03/2010, em concordância com informação antecedente, da qual consta, entre o mais:
“(…) Quanto ao regime aplicável às mais e menos valias resultantes da alienação de partes de capital aplicável às SGPS, a partir de 2003, inclusive, a Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, veio alterar o enquadramento fiscal das menos-valias realizadas com a transmissão onerosa de partes de capital, assim é aplicável a eliminação da dupla tributação económica, sem dependência dos requisitos de percentagem de participação ou ao valor de participação.
Excecionando se as partes de capital alienadas forem adquiridas a entidades em “relação especial”, ou sediadas em “off-shore”, ou entidades residentes sujeitas a regime especial de tributação e tiverem sido detidas por um período menor de 3 anos. E, no caso da alienante ter resultado da transformação de sociedade à qual não fosse aplicável o regime das SGPS relativamente à mais-valia das partes de capital objeto de transmissão, desde que tenham decorrido menos de três anos entre a data da transformação e a data da transmissão.
Quanto ao método a utilizar para efeitos de afetação dos encargos financeiros às participações sociais, os Serviços emitiram orientações sobre a matéria em análise, a circular 7/2004 da DSIRC…
Acrescente-se que o critério consagrado na circular em causa não é arbitrário, antes pelo contrário tem uma justificação razoável, no sentido de não serem adotadas medidas que estabeleçam distinções discriminatórias.
Quanto à rúbrica realizações de utilidade social não dedutíveis, de acordo com o nº1 do art.º 40.º do CIRC, “São considerados como custos ou perdas do exercício os gastos suportados … e outras realizações de utilidade social”, desde que:
-Feitas em benefício do pessoal da empresa.
- Tenham um caráter geral e não revistam a natureza de remunerações do trabalho dependente, ou
- Revestindo a natureza de rendimento de trabalho, sejam de difícil ou complexa individualização relativamente a cada um dos beneficiários.
Nestes termos, conciliamos da correção efetuada pelos serviços, considerando que o custo suportado pela empresa não abrange a totalidade dos funcionários, mas apenas os seus quadros superiores.
Por último, quanto aos custos não aceites (artigo 23.º do CIRC), não obstante a reclamante argumentar a fls. 34 e 35 que a indispensabilidade do custo para a manutenção da fonte produtora e para a obtenção de proveitos tributáveis, estar devidamente demonstrado, irá de seguida procurar demonstrar, ainda mais, tal indispensabilidade.
Ora, limita-se a reclamante a fazer um historial da empresa, considerando (fls 36) “tendo em consideração o exposto, fácil se torna de apurar a indispensabilidade dos serviços prestados pela sociedade DL …………………., S.A., para uma possível obtenção futura de proveitos tributáveis por parte do Grupo J ………………..”.
Por sua vez, o doc. 4 (fls. 72), emanado pela DL ……………., S.A,. especifica “…não existindo, como é natural, para todas as áreas de intervenção, documentos de suporte”.
Assim, no que se refere à indispensabilidade do custo no montante de €363000,00, a reclamante limitou-se a carrear o documento n.º 4, sendo claramente insuficiente e inapto ante a realidade se o mesmo se propõe comprovar.
Não vislumbramos qualquer ilegalidade na liquidação recorrida, deve ser mantida a decisão de reclamação. (…)” – cfr. fls do p.a., cujo tero se dá por integralmente reproduzido.
8) Em 28/05/2010, deu entrada nos serviços recurso hierárquico da decisão que antecede, interposto pela Impugnante, que seguiu os seus termos sob o n.º3912/10. – cfr. fls. 83 e ss do p.a., cujo tero se dá por integralmente reproduzido.
9) Sobre a informação referida recaiu despacho da Diretora de Serviços da DSIRC, por subdelegação, foi parcialmente deferido o recurso hierárquico, com base nos fundamentos constantes da informação n.º 2834/10, de entre os quais:
"…52 – Da leitura do relatório de inspeção, facilmente nos apercebemos da fundamentação que esteve na base das correções efetuadas pelos serviços de inspeção tributária. Ela está claramente evidenciada.
(…)
Realizações de utilidade social não dedutíveis (artigo 40.º do CIRC) 58 – Na análise aos documentos de suporte dos registos na conta #643114004 –Estrutura Central – Festas de Natal, no montante global de € 103.179,86, constatou-se que estes respeitavam à organização da Festa de Natal.
59 – Segundo os elementos/esclarecimentos adicionais prestados pela recorrente no decurso do procedimento inspetivo, estes encargos estão relacionados com a Festa de Natal …
60 – Os serviços de inspeção concluíram que aquele custo não abrangeu a totalidade dos funcionários, mas apenas dos seus quadros superiores, conferindo-lhe um caráter individualizado e não genérico. Por conseguinte, esse custo não assume a natureza de realização de utilidade social prevista no art. 40.º do CIRC e consequentemente a condição de indispensabilidade necessária ao reconhecimento fiscal nos termos do art.23.º do CIRC.
61 – A recorrente vem contestar esta correção assente nas seguintes considerações:
1.º - Não estamos na presença de uma realização de utilidade social;
2.º - E ainda que assim fosse (estivéssemos na presença de uma realização de utilidade social) existe um critério objetivo para a participação no referido jantar de natal.
(…)
68 – É nosso entendimento que a “Festa de natal” não constitui uma realidade de utilidade social, tal como está definida nos termos do nº 1 do art. 40.º do CIRC e que muito menos careça de um eventual reconhecimento por parte da DGI, conforme impõe esse mesmo normativo legal;
69 – Por conseguinte, toda a fundamentação subsequente produzida pelos serviços de inspeção tributária, e que teve por base a parte final do n.º 1 do art. 40.º do CIRC, encontra-se obviamente prejudicada;
70 – Em conclusão, não se confirma o entendimento dos serviços de inspeção relativamente a esta matéria, pelo que a correção no montante de € 12.897,48 deverá ser anulada. (sublinhado nosso).
Custos não aceites (art. 23.º do CIRC) 71 – Os serviços de inspeção verificaram a existência de uma fatura referente a “consultoria extraordinária em 2006” emitida pela sociedade “DL – …………………., SA”, no montante de € 300.000,00, acrescido de IVA, no valor de € 63.000,00”.
72 – O valor total desta fatura, de € 363.000,00, foi registado como custo de exercício.
(…)
82 – E conforme consta no relatório de inspeção, a descrição inscrita na fatura em apreço, “comissão extraordinária em 2006”, não foi considerada, em nosso entender bem, suficiente para comprovar a relevância fiscal deste custo.
(…)
85 – Na sua exposição a recorrente apresenta um resumo da história do Grupo J …………….., com o ênfase colocado na internacionalização do grupo, afirmando que “tendo em consideração o exposto, fácil se torna apurar a indispensabilidade dos serviços prestados pela sociedade DL ……………….., S.A.”.
86 – A recorrente exibe também uma carta da DL ……………….. SA, onde esta diz que “os serviços a que se reporta a fatura A n.º 1146 datada de 05/12/2006 se incluem num contrato global de prestação de serviços, na área do aconselhamento estratégico, de acompanhamento do processo de escolha dos mercados alvo de diversificação geográfica e de avaliação das condições de sucesso nestes mesmos mercados”.
87 – É feita também a alusão a “reuniões semanais com a Comissão Executiva da J ……………………”, “serviços prestados com contactos internacionais” e “início do estudo sobre diversos mercados, nomeadamente Romano, Turco Russo e Países Bálticos”.
88 – Deste modo, a ausência de meios de prova com que se deparou os serviços de inspeção persistiu na reclamação graciosa e no presente recurso. Não é exibido qualquer contrato, não são apresentadas atas de reuniões, pareceres, estudos ou quaisquer outros documentos relacionados com aquela “comissão extraordinária”;
89 – Por tudo isto, só nos resta conformar a decisão da reclamação graciosa relativamente a esta matéria.
Encargos financeiros suportados com aquisições de partes de capital (artigo 31.º do EBF).
90 – Os serviços de inspeção concluíram que a recorrente não acresceu ao lucro tributável qualquer valor relativo a encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, que de acordo com o n.º2 do art. 31.º do EBF não concorrem para o apuramento do lucro tributável.
(…)
99 – Em 30 de Março de 2004, a Circular n.º 7/2004 da DSIRC veio esclarecer algumas dúvidas relacionadas com o regime fiscal aplicável às sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) e às sociedades de capital de risco (SCR), previsto no artº31.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro (Lei do OE para 2003);
(…)
102 – Na sua exposição, a recorrente reconhece a impossibilidade de utilizar um método de afetação direta dos encargos financeiros às participações sociais. Porém, alega que a definição do método indireto só a ela lhe compete, uma vez que não se encontra vinculada ao disposto na referida circular;
(…)
107 – Portanto, a autorização da emissão de uma orientação genérica, verifica-se quando existe uma necessidade de uniformização sobre a interpretação e aplicação de determinada norma, em casos de comprovada controvérsia, o que foi manifestamente o caso, conforme decorre das “Razões das Instruções” indicadas no ponto 1 da circular;
108 – Em conclusão, a administração tributária encontra-se vinculada às orientações genéricas por si emitidas, pelo que os serviços de inspeção procederam corretamente ao aplicarem as instruções vinculadas na Circular n.º 7/2004 da DSIRC, apurando, desta forma, os encargos financeiros associados à aquisição de partes de capital que não concorrem para a formação do lucro tributável. Se a recorrente entende que não se encontra vinculada a essas instruções, nomeadamente quanto ao método de cálculo aí indicado, não será certamente este o meio próprio para o invocar.
V – CONCLUSÃO
Face ao exposto, o presente recurso hierárquico deverá ser deferido parcialmente.
10) A impugnante foi notificada da decisão supra referida.
11) Em sequência apresentou a presente ação neste Tribunal.»
X
«FACTOS NÃO PROVADOS://Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa. // A matéria de facto estabeleceu-se com recurso aos documentos que constam dos autos, que não foram impugnados e a admissão das partes.»
X

2.2. De Direito.
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento quanto à parte da sentença que julgou improcedente a impugnação deduzida contra a liquidação de IRC de 2006.
2.2.2. A sentença julgou parcialmente procedente a impugnação, e anulou a correcção subjacente à liquidação adicional de IRC do 2009, na parte correspondente a encargos financeiros suportados com aquisição de Partes de Capital. Julgou, todavia, improcedente a impugnação no que respeita à não aceitação do custo dedutível, no montante de €363.000,00.
Para assim proceder, estruturou, em síntese, a fundamentação seguinte.
«(…) no caso, não se pode ter como suficiente à comprovação da indispensabilidade do custo a informação dirigida em 23/06/2009 pela DL – ……………. SA dirigiu informação ao Dr. …………….. da J………………, em que se faz alusão a que “os serviços que se reporta a fatura n.º A1146 datada de 05/12/2006, se incluem num contrato global de prestação de serviços, na área do aconselhamento estratégico, de acompanhamento do processo de escolha dos mercados alvo de diversificação geográfica e de avaliação das condições de sucesso nestes mesmos mercados”. // Importava que mais elementos densificadores e caracterizadores do aludido contrato fossem trazidos aos autos, designadamente documentos onde fosse refletido o trabalho de ”aconselhamento”, ou papéis de trabalho alusivos ao “acompanhamento” dos mercados e “condições de sucesso” a implementar. // Poderiam igualmente ter sido trazidas aos autos atas de reuniões, documentos da “rede de contactos” facultada e para que fins, relatórios de intervenção do consultor ou da sua observação nos processos de venda de empresas já instaladas nos mercados, sobre a atribuição de licenças para abertura de novas lojas (a um nível nacional e municipal) e ainda sobre a mudança na legislação versando a atividade imobiliária. // Ou ainda correspondência trocada com os contactos da comunidade empresarial, agendamento e local das reuniões havidas, estudos realizados sobre diversos mercados, nomeadamente Romeno, Turco, Russo e Países Bálticos. (…)».
2.2.3. A recorrente coloca sob censura o segmento decisório em referência. Sustenta que foi feita prova da indispensabilidade do custo em referência. Afirma «que para sindicar a legalidade do custo, deveria o Tribunal a quo ter questionado a necessidade da contratação dos serviços prestados para a tomada de decisão empresarial, algo que não fez, nem por um momento».
Vejamos.
A fundamentação da correcção em apreço consta do ponto III.2. do Relatório Inspectivo [v. supra n.º 3]. Aí se afirma, designadamente, o seguinte:
No caso sob exame, não é questionada a veracidade do custo em referência, o qual se encontra devidamente comprovado na contabilidade, mas sim a sua indispensabilidade em face daquele preceito legal. // (…) // Assim… uma vez colocada em causa pela Administração Tributária a “indispensabilidade” dos custos suportados, recai sobre o contribuinte o ónus de provar aquela indispensabilidade, ou seja, que os mesmos foram incorridos no âmbito da atividade da empresa para prossecução dos seus objetivos económico-empresariais. // Sucede, porém, como já foi supracitado, que a informação manifestamente insuficiente apresentada pelo sujeito passivo, não possibilita o enquadramento daqueles custos nas atividades a desenvolver no âmbito do seu objeto social, logo não se pode qualificar essa despesa como sendo indispensável para a formação dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora e, como tal, não pode ser tida como custo fiscal uma vez que não ficou demonstrado a indispensabilidade dos custos em causa. (…) // Assim, pelos motivos anteriormente expostos, não se comprovou em que consistiu concretamente a consultadoria extraordinária e, consequentemente, não foi demonstrada pelo sujeito passivo, de acordo com o ónus que sobre ele recai, nos termos do n.º1 do artigo 74.º da LGT, a indispensabilidade dos mesmos para efeitos da sua dedutibilidade à luz do artigo 23.º do CIRC, pelo que se procede ao acréscimo ao lucro tributável do montante de 363.000,00 euros.
A recorrente sustenta o desacerto do decidido na instância, com base na carta referida no n.º 5 do probatório [Em 23/06/2009, a DL – ……………….. SA dirigiu informação ao Dr. L………………da J…………………].
Constitui jurisprudência fiscal firme a seguinte:
i) «O requisito de indispensabilidade do “custo” (gasto) do art. 23.º do CIRC tem de ser aferido através de um juízo casuístico, não podendo associar-se ao êxito de gestão, não se confundindo com a sua oportunidade ou conveniência, não abrangendo apenas custos que direta e imediatamente conduzam à obtenção de ganhos ou à manutenção da unidade produtiva (nexo causal), antes abarcando igualmente custos que mediatamente visam esse fim». (1)
ii) «[O custo], é uma despesa com um fim empresarial o que não quer dizer que tenha desde logo um fim imediata e directamente lucrativo, mas que tem, na sua origem e na sua causa, um fim empresarial, concedendo a lei à AT poderes bastantes para recusar a aceitação como custo fiscal de despesas que se não possam considerar compatíveis com as finalidades a prosseguir pela empresa. // Assim, a relevância fiscal de um custo depende da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado (ligação a um negócio lucrativo), sendo que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causação é, ou não, empresarial». (2)
iii) «A indispensabilidade de um custo é um conceito que reclama um preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à AT actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo». (3)
iv) «No mesmo entendimento, um custo será aceite fiscalmente desde que, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros e a AT apenas pode desconsiderar como custos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios». (4)
A aferição da indispensabilidade do custo depende do documento justificativo do mesmo (artigo 115.º/3/a) e b), do CIRC, versão vigente). Ou seja, tendo em vista aferir da indispensabilidade do custo incorrido, o documento justificativo, seja interno ou externo, deve identificar o fornecedor, a prestação concreta, o local, a data da mesma e a contrapartida que lhe corresponde. Elementos que no caso não foram discriminados pela parte onerada com o ónus da prova da indispensabilidade do custo em presença. Por outras palavras, a contribuinte, pese embora instada pela AT nesse sentido, não concretizou as prestações e contrapartidas associadas aos custos inscritos na contabilidade, impossibilitando o juízo de congruência sobre a invocada operação económica em causa. Pelo que a não aceitação da dedutibilidade do mesmo, com base na falta de demonstração da sua indispensabilidade, não merece censura. Deve ser confirmada na ordem jurídica.
Motivo porque não se apura qualquer erro de julgamento na sentença que assim decidiu. A mesma deve ser confirmada na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)

(1.ª Adjunta - Hélia Gameiro Silva)

(2.ª Adjunta – Ana Cristina Carvalho)


(1) Acórdão do TCAS, de 08-07-2021, P.311/03.3BTLRS
(2) Acórdão do TCAS, de 24-06-2021, P. 7872/14.0BCLSB,
(3) Acórdão do TCAS, de 03-12-2020, P. 418/08.0BEBJA
(4) Acórdão do STA, de 15-11-2017, P. 0372/16