Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:10354/13 (1384/09.0BEALM)
Secção:CA - 2º JUÍZO
Data do Acordão:04/19/2018
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:TRANSIÇÃO DE CARREIRAS
COMISSÃO DE SERVIÇO
Sumário:i) A omissão de pronúncia existe quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões.
ii) A comissão de serviço implica o exercício temporário de funções diversas da categoria do trabalhador, com o regresso às funções anteriormente desempenhadas, logo que finda a comissão.
iii) O art. 31.º do Estatuto do Instituto Público do Emprego e Formação Profissional, garantia os direitos dos trabalhadores do IEFP que fossem chamados a desempenhar funções em institutos públicos, isto é, garantia a manutenção do lugar de origem e os direitos nele adquiridos, considerando-se esse período, como tempo de serviço prestado no IEFP.
iv) Cessada a comissão de serviço cessa igualmente o direito ao estatuto que correspondia à função desempenhada, nomeadamente remuneratório, retornando o trabalhador à categoria base e ao correspondente estatuto, podendo tal implicar descida na valorização relativa das funções e no montante da retribuição.
v) Tendo o ora Recorrente recebido indevidamente as remunerações que lhe foram processadas, bem como os respectivos descontos, haverá direito à reposição das importâncias indevidamente recebidas após a data da cessação da comissão de serviço.
vi) O que não colide com o princípio da segurança e certezas jurídicas e bem assim da tutela da confiança.
vii) Dado que a diferença de valor de remuneração que veio a ocorrer teve como parâmetro inicial um direito precário, transitório ou temporário por natureza, o princípio da irredutibilidade da remuneração não se coloca, nem por aí é susceptível de sair afectado o princípio da igualdade.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

Mário ..... (Recorrente) vem recorrer do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou improcedente a acção administrativa que intentou contra o Instituto de Emprego e Formação Profissional, IP. (Recorrido) e absolveu a Entidade Demandada dos pedidos formulados, os quais consistiam: a) Declare nulos ou anulados os actos administrativos impugnados – deliberações do Conselho Directivo do IEFP, IP, de 14 de Julho de 2009 e 27 de Outubro de 2009, bem como os actos determinativos dos descontos nos vencimentos do A., subjacentes aos recibos de vencimento de Agosto de 2009 em diante, nos termos do disposto no art. 133, n.º 2, al. d) do CPA; // b) Seja reconhecido e declarado o direito do A. a transitar a 1/1/2009 para o regime de contrato de trabalho em funções públicas com o vencimento e demais direitos adquiridos na situação antecedente, designadamente à manutenção da qualidade de subscritora da Caixa Geral de Aposentações; // c) Condene o R. a respeitar os direitos fundamentais do interessado, violados pelas deliberações impugnadas e, assim, a manter o vencimento que o A. auferia a 31/12/2008, com respeito pelas subsequentes actualizações, designadamente a de 2009, bem como a proceder aos respectivos descontos para a CGA; // d) Condene o R. a pagar à A. as diferenças de vencimento devidas desde 01/01/2009, até à data da execução de sentença; e) Condene o R. a pagar à A. juros de mora, à taxa legal, sobre as quantias em dívida.

Esse acórdão foi proferido na sequência de reclamação para a conferência da sentença proferida nos autos e que, considerando e adoptando os seus fundamentos de facto e de direito, manteve o decidido (v. supra).

Em sede de alegações, o Recorrente concluiu do seguinte modo:

A) Pese embora o recorrente no capítulo 1 da petição inicial, denominado "Quanto à Isenção de Custas", mais concretamente nos artigos 1° a 9°, tenha fundamentado e provado que estava isento de custas, o douto acórdão veio condená-lo em custas.

B) Portanto, ou se tratou de um mero erro material, ou se assim não se entendeu, e não tendo o douto acórdão se pronunciado quanto à questão da isenção de custas alegada e provada pelo Recorrente, incorreu em omissão de pronúncia, geradora de nulidade.

C) No entanto, o douto acórdão recorrido incorreu, seguramente, em erro de julgamento.

D) O legislador não concedeu à Administração o menor espaço de discricionariedade e muito menos ao trabalhador concedeu qualquer oportunidade de exercício da sua autonomia privada ou campo de decisão autónomo.

E) Não existindo, desta forma, qualquer base legal que permitisse à Entidade Demandada instar os seus trabalhadores a optarem por uma ou outra situação e

F) Muito menos de praticar o acto de considerar o Recorrente afecto ao seu vínculo de origem e praticasse todos os demais actos em consequência daquele;

G) Por mero e efeito exclusivo da lei os trabalhadores ao serviço dos organismos previstos no art. 10° da Lei nº12-A/2008 (que não exercerem as funções que continuaram a ser consideradas com vínculo de nomeação) transitaram sem quaisquer formalidades para o regime de contrato de trabalho em funções públicas previsto no art. 9°, nº1 e regulado no art. 20°, conforme nºs 2 e 3 do art. 88° da mesma Lei e nº2 do art. 17° do RCTFP.

H) E tal sucedeu sem quaisquer prejuízos remuneratórios para os trabalhadores, pois o legislador teve o cuidado de expressamente consignar a intangibilidade das retribuições auferidas à data da transição de regimes - cfr art. 104° da Lei nº12-A/2008 e preâmbulo do DL nº 121/2008, de 11 de Julho.

I) Mesmo que o Recorrente se sentisse coagido a optar, tal opção seria nula e de nenhum efeito, dada a caducidade do seu direito potestativo, que ocorreu com a entrada em vigor da Lei nº12-A/2008, de 27/02, em 01/01/2009.

J) Desta forma, a Entidade Demandada não tinha poderes legais para praticar o acto unilateral impugnado, porquanto nos termos do art. 120° do CPA, o acto administrativo é: a) acto decisor de órgãos da Administração; b) uma decisão de órgão da Administração; c) proferida ao abrigo de normas de direito público; d) que visa produzir efeitos; e) numa situação individual e concreta.

K) Constitui doutrina e jurisprudência pacíficas que estes são os elementos essenciais, cumulativa e absolutamente necessários à existência e validade de um acto administrativo.

L) No caso em apreço à Deliberação de 14/07/2009 falta um daqueles elementos: ter sido proferida ao abrigo de uma norma de direito administrativo.

M) Pois à data de prolação de tal acto inexistia no ordenamento jurídico norma que permitisse à Administração impor a opção que tentou impor e, bem assim, inexistia norma que, na falta dessa opção, lhe permitisse substituir-se ao trabalhador em tal decisão e determinar o regime vincular do mesmo.

N) Pois, como já se referiu, o legislador furtou tal matéria à vontade das partes, Administração e trabalhadores, tornando-a indisponível ao fixar um único regime de vinculação em Lei com valor reforçado e função paramétrica, derrogatória de todas as disposições legais em contrário - cfr. artº 86° da Lei nº 12-A/2008.

O) Acresce que, de outro ângulo vista a questão, se à data de 14/7/2009 em que foi praticado tal acto já não existiam na ordem jurídica os vínculos em causa na opção que foi tentada impor, o sofisma utilizado, de praticar um acto com efeitos retroactivos, corresponde à prática de um acto sem objecto por caducidade das normas legais ao abrigo das quais tais regimes vinculares existiram até 31/12/2008.

P) Veja-se a este propósito o que é dito nos Acórdãos do STA de 2008/04/24 proc. nº 897/07-12, de 2009/01/30, proc. nº 269/08 e de 2009/02/06, proc. nº 460/98-2, a propósito de situação similar em que o Autor das acções administrativas especiais em causa (Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Sul e Açores) vinha peticionar a aplicação do art. 17° do DL nº 404-A/98, de 18/12 (disponíveis in www.dgsi.pt).

Q) Doutrina que é para aqui transponível na exacta medida em que a normação derrogada com efeitos à data de entrada em vigor do RCTFP, pela Lei nº 12-A/2008, não pode constituir fundamento de aplicação retroactiva em decisão Uudicial ou administrativa) posterior à sua revogação.

R) Situação que é configurada como de causa ou acto com objecto impossível [cfr. art. 45°, nº 1, do CPTA e al. c) do nº 2 do art. 133° do CPA].

S) Isto é, seja qual for o ângulo por que se analise e decomponha a questão, o acto administrativo em causa é nulo.

T) No vertente caso, a dois títulos ou por dois motivos: falta de um elemento essencial e objecto impossível.

U) Pois que, não obstante, a entrada em vigor da LVCR e Regime de Contrato de Trabalho em Funções Públicas, a partir de 1 de Janeiro de 2009, e uma vez que sempre o A. deteve dois vínculos distintos, no que se refere à sua relação jurídica de emprego público, deveria ter transitado para a carreira de Assistente Técnica, com todo o acervo de direitos, nomeadamente o da retribuição, conforme disposições legais supra indicadas.

V) Porque a conduta do R. foi totalmente contrária ao que acima vimos expendendo, violou a mesma, desta forma, o princípio da segurança e certezas jurídicas, ínsitas de um Estado de Direito Democrático, decorrente do art. 2° da CRP.

W) Violando ainda o princípio da igualdade retributiva, na sua vertente de "para trabalho igual, salário igual", porquanto, em igualdade de situações e em paridade com os seus colegas que exercem idênticas funções no mesmo Instituto, plasmado no art. 59°, n°1, al. a), da CRP.

X) Como bem se compreende, depois de uma carreira retributiva de mais de 32 anos na função pública, prejudicaria claramente o A., tanto mais que foi criada na sua esfera jurídica a legítima expectativa e convicção da sua situação jurídico-laboral.

Y) Razão pela qual entende o Recorrente que no douto acórdão a quo foi feita errónea interpretação e aplicação do Direito ao caso submetido à apreciação e decisão do Tribunal, pelo que nele se incorre em erro de julgamento ao não reconhecer a manifesta ilegalidade dos actos impugnados, invocados pelo recorrente.

Z) Por outro lado, o acórdão recorrido não se pronunciou sobre o pedido do Recorrente efectuado na al. b) da petição inicial.

AA) Com efeito, alegou o Recorrente que há mais de 13 anos se encontrava em comissão de serviço por tempo indeterminado no regime de contrato individual de trabalho nos quadros do IEFP

BB) Invocando vários Acórdãos, segundo os quais a circunstância de se ter encontrado em comissão de serviço por tempo indeterminado em regime de contrato individual de trabalho durante mais de 13 anos, converteu tal situação de facto em situação de direito, fazendo nascer na esfera jurídica do A., por via da chamada prescrição aquisitiva, o direito a manter o acervo de direitos e garantias decorrentes de tal situação, nomeadamente à correspectiva carreira profissional e retributiva, bem como a manter a sua inscrição na CGA com pagamento das quotas sobre o vencimento respectivo, com todas as consequências legais daí decorrentes.

CC) Desta forma, a conduta do R., culminada na Deliberação de 14/7/2009 impugnada, violou também os direitos do A. adquiridos por via da "usucapião", visto que colidente com o acervo de direitos garantias que, ao longo do tempo, foram criados e consolidados na sua esfera jurídica enquanto trabalhador da função pública.

DD) Pedido este e fundamentação sobre o qual o Tribunal não se pronunciou, tornando nulo o douto acórdão ora recorrido.

EE) Por tudo o que antecede se revela o erro de julgamento que vai imputado ao acórdão recorrido, bem como a sua falta de fundamentação e omissão de pronúncia.

O Recorrido não apresentou contra-alegações.



Neste Tribunal Central, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, notificada nos termos do disposto nos artigos 146.º e 147.º do CPTA, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência para julgamento.



I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em saber:

- Se a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia, concretamente sobre o pedido efectuado na al. b) da petição inicial;

- Se a sentença recorrida errou ao considerar que o A. não tinha razão ao pretender que a sua transição se operasse com base na situação jurídica que o mesmo detinha em virtude de exercer as suas funções em regime de comissão de serviço, com os direitos inerentes à mesma; e

- Se a sentença recorrida errou ao ter condenado o A e ora Recorrente nas custas do processo.



II. Fundamentação

II.1. De facto

A matéria de facto pertinente é a constante da sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 663.º, n.º 6, do Código de Processo Civil.



II.2. De direito

Nos presentes autos, o ora Recorrente impugnou a deliberação do Conselho Directivo do IEFP, IP., datada de 14.07.2009, exarada na Informação n.º 683/0E-PE/2009, de 7 de Julho, nos termos da qual a E.D. procedeu à cessação da comissão de serviço nas carreiras/categorias do contrato individual de trabalho, com efeitos a 31.12.2008 e à respectiva integração na carreira/categoria de que era detentor na função pública, com efeitos a 1.01.2009. Invocou, em síntese, direitos adquiridos ao abrigo da relação jurídica de comissão de serviço, constituída ao abrigo da Portaria n.º 66/90, de 27 de Janeiro, nomeadamente de ingressar em regime de contrato de trabalho em funções públicas, ao abrigo do art. 88.º, n.º 4, da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, tendo por pressuposto a sua carreira/categoria do contrato individual de trabalho, em detrimento do vínculo de origem.

Entendeu o tribunal a quo que não assistia razão ao ora Recorrente com a seguinte fundamentação:

A transição operada pela Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, (cfr art. 88.º da referida lei) levou a que os trabalhadores nomeados definitivamente que exercem funções em condições diferentes das referidas no art. 10.º, transitassem para a modalidade de contrato por tempo indeterminado.

Ao invés, os trabalhadores nomeados definitivamente que exercem funções integrados em carreiras, nas condições referidas no artigo 10.º mantêm a nomeação definitiva.

Considerando a actividade desempenhada pelo A., na categoria de Técnico Auxiliar Principal, da Carreira de Secretário-Recepcionista, com nomeação definitiva, à data do exercício de funções em regime de comissão de serviço, a qual tem o conteúdo funcional da carreira de Técnico Administrativo do Instituto do Emprego e Formação Profissional, nomeadamente exercendo funções de atendimento ao público, prestando informações, esclarecendo dúvidas, encaminhamento de utentes, (cfr. 8. dos Factos Provados), é manifesto que o mesmo se enquadra no âmbito dos trabalhadores que exercem funções fora do âmbito das atribuições, competências e actividades previstas no art. 10.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, pelo que a transição entre modalidades de relação jurídica de emprego público em casos como o do A. deu-se para a modalidade de contrato por tempo indeterminado.

O A. pretende que a sua transição opere com base na situação jurídica que o mesmo detinha em virtude de exercer as suas funções em regime de comissão de serviço, com os direitos inerentes à mesma.

Não tem razão.

A disciplina jurídica da comissão de serviço foi iniciada e desenvolvida no Direito Administrativo, no âmbito do qual constitui a forma exclusiva de nomeação para determinados cargos (pessoal dirigente e equiparado - cfr. art. 7.º , n.º 1, do Decreto­ Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro e art. 18.º da Lei 49/99, de 22 de Junho) e modo de um funcionário com nomeação definitiva prestar temporariamente funções em carreira distinta da sua (art.ºs 7.º , n.º 1, e 24.º , do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro).

A comissão de serviço implica o exercício temporário de funções diversas das da categoria do trabalhador, com regresso às funções anteriores quando termine. Finda a comissão de serviço o trabalhador deixa o cargo de direcção ou de chefia que desempenhava, regressando ao lugar de origem, vide António Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, Almedina, 1991, pág. 674.

Com efeito, o exercício de funções em comissão de serviço, aparece como um instrumento de flexibilização das relações laborais, no que respeita ao exercício de funções de chefia ou em categoria/carreira diversa da do lugar de origem, com uma natureza vincadamente transitória.

E nem a esta natureza provisória ou transitória da comissão de serviço, se deve contrapor o regime da Portaria n.º 66/90 de 27 de Janeiro, que esteve na base da comissão de serviço do A.

É que o regime da Portaria em causa, quando refere no art. 3.º que "A comissão de serviço a que se refere o número anterior apenas cessará por vontade do interessado'', bule com o regime do Decreto-Lei n.º 427/89 de 7 de Dezembro, que estabelecia o regime de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública, em que manifestamente o exercício de funções em comissão de serviço nunca se configura como tendo potencialmente um carácter ad eternum, e dependente do trabalhador, bem pelo contrário.

Sucede ainda que a Portaria n.º 66/90 de 27 de Janeiro, foi emitida com base no Decreto-Lei n.º 247/85, de 12 de Julho, o qual foi expressamente revogado pelo Decreto-Lei n.º 213/2007 de 29 de Maio, pelo que com a revogação do diploma legal que a fundamenta, a mesma deve ter-se igualmente por eliminada da ordem jurídica, perdendo sustentabilidade jurídica, a partir desse momento, o exercício de funções pelo A., em regime de comissão de serviço.

Finalmente, quanto aos direitos reclamados pelo A. em função da comissão de serviço, diga-se que o art. 31.º do Estatuto do Instituto do Emprego e Formação Profissional, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 247/85, de 12 de Julho, referia expressamente os direitos dos trabalhadores do IEFP que fossem chamados a desempenhar funções em institutos públicos, os quais consistiam na garantia do lugar de origem e dos direitos nele adquiridos, sendo considerado esse período como tempo de serviço prestado no IEFP.

Ora, por identidade de razão, este regime era susceptível de aplicação aos trabalhadores do IEFP que fossem chamados a desempenhar funções em comissão de serviço, no próprio IEFP.

Pelo que, e em face do exposto, a conclusão só pode ser a de que o A. detinha à data da transição imposta pela Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, os direitos inerentes ao seu lugar de origem, e não outros que porventura lhe adviessem do exercício de funções em comissão de serviço (ainda que meramente de facto e com efeitos remuneratórios).

Sucede, no entanto, que o A. continuou a exercer as suas funções em situação de comissão de serviço, mesmo após a produção de efeitos da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, e até à cessação da mesma pela E.D., por força da deliberação de 14/07/2009, (vide 5. dos factos provados).

Ademais a E.D. continuou a processar os vencimentos ao A. tendo por base o exercício de funções em comissão de serviço, (vide 5. dos Factos provados), ou seja, até à data da prática do acto a Administração actuou tratando o A., com o mesmo estatuto jurídico.

Por outro lado, a referida deliberação faz retroagir os seus efeitos à data de 31 de Dezembro de 2008, quanto à cessação da comissão de serviço e a 1 de Janeiro de 2009 quanto à regularização do vencimento.

No entanto, a referida deliberação tem apenas efeitos declarativos, pois conforme supra exposto, no entendimento deste Tribunal, a referida comissão de serviço, tinha perdido o seu fundamento jurídico (que assentava na Portaria n.º 66/90 de 27 de Janeiro) com a entrada em vigor de Decreto-Lei n.º 213/2007 de 29 de Maio.

Ou seja, o acto administrativo impugnado, limitou-se a clarificar uma situação de facto, que permanecia sem suporte legal, inclusive, desde data anterior à indicada no próprio acto. É um acto de reposição da legalidade da situação do A.

Pelo que, não sendo digno de censura jurídica, mantém-se o acto impugnado.

O A. pede ao Tribunal que "declare nulos ou anulados os actos determinativos dos descontos de vencimento do A., subjacentes aos recibos de vencimento de Agosto de 2009 em diante".

Os actos aqui em causa são os actos que operaram a compensação do montante recebido pelo A., nos abonos pagos pela E.D.

São referidos no art. 105.º da contestação, nomeadamente "4 prestações de igual montante", que se quantificam pela diferença entre a remuneração correspondente à categoria do contrato individual de trabalho e a carreira/categoria da função pública, vide 7. dos factos provados.

Estes actos foram praticados pela E.D. e surgem na sequência do acto ora impugnado de 14/07/2009, cujos efeitos foram reportados a 01/01/2009.

Encontram fundamento jurídico na deliberação impugnada, que remete para o despacho exarado pelo vogal do Conselho Directivo da E.D., na parte que se transcreve "Com o meu acordo, igualmente, à subsequente efectivação, com efeitos a partir de 0110112009, dos cálculos referentes às remunerações e respectivos descontos para os regimes previdenciais, resultantes do direito de opção.", vide 5. dos factos provados.

Importa referir que o A. recebia as importâncias indevidamente, tendo em conta o supra referido a propósito da cessação de vigência da fonte da constituição dos seus direitos em comissão de serviço. Por outro lado, tendo a E.D. reportado o posicionamento do A. a 1 de Janeiro de 2009, há lugar à reposição das importâncias indevidamente recebidas após essa data, nos termos dos artigos 36.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho.

Conclui-se, assim, pela improcedência do vício de violação de lei”.

Começa o Recorrente por suscitar a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia. A este propósito conclui:

Z) Por outro lado, o acórdão recorrido não se pronunciou sobre o pedido do Recorrente efectuado na al. b) da petição inicial.Com efeito, alegou o Recorrente que há mais de 13 anos se encontrava em comissão de serviço por tempo indeterminado no regime de contrato individual de trabalho nos quadros do IEFP.

AA) Invocando vários Acórdãos, segundo os quais a circunstância de se ter encontrado em comissão de serviço por tempo indeterminado em regime de contrato individual de trabalho durante mais de 13 anos, converteu tal situação de facto em situação de direito, fazendo nascer na esfera jurídica do A., por via da chamada prescrição aquisitiva, o direito a manter o acervo de direitos e garantias decorrentes de tal situação, nomeadamente à correspectiva carreira profissional e retributiva, bem como a manter a sua inscrição na CGA com pagamento das quotas sobre o vencimento respectivo, com todas as consequências legais daí decorrentes.

BB) Desta forma, a conduta do R., culminada na Deliberação de 14/7/2009 impugnada, violou também os direitos do A. adquiridos por via da "usucapião", visto que colidente com o acervo de direitos garantias que, ao longo do tempo, foram criados e consolidados na sua esfera jurídica enquanto trabalhador da função pública.

Sucede que o tribunal a quo entendeu que “o exercício de funções em comissão de serviço, aparece como um instrumento de flexibilização das relações laborais, no que respeita ao exercício de funções de chefia ou em categoria/carreira diversa da do lugar de origem, com uma natureza vincadamente transitória. E que nem a esta natureza provisória ou transitória da comissão de serviço, se deve contrapor o regime da Portaria n.º 66/90 de 27 de Janeiro, que esteve na base da comissão de serviço do A. // É que o regime da Portaria em causa, quando refere no art. 3.º que "A comissão de serviço a que se refere o número anterior apenas cessará por vontade do interessado'', bule com o regime do Decreto-Lei n.º 427/89 de 7 de Dezembro, que estabelecia o regime de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública, em que manifestamente o exercício de funções em comissão de serviço nunca se configura como tendo potencialmente um carácter ad eternum, e dependente do trabalhador, bem pelo contrário.” Mais adiantou: “Sucede ainda que a Portaria n.º 66/90 de 27 de Janeiro, foi emitida com base no Decreto-Lei n.º 247/85, de 12 de Julho, o qual foi expressamente revogado pelo Decreto-Lei n.º 213/2007 de 29 de Maio, pelo que com a revogação do diploma legal que a fundamenta, a mesma deve ter-se igualmente por eliminada da ordem jurídica, perdendo sustentabilidade jurídica, a partir desse momento, o exercício de funções pelo A., em regime de comissão de serviço. // Finalmente, quanto aos direitos reclamados pelo A. em função da comissão de serviço, diga-se que o art. 31.º do Estatuto do Instituto do Emprego e Formação Profissional, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 247/85, de 12 de Julho, referia expressamente os direitos dos trabalhadores do IEFP que fossem chamados a desempenhar funções em institutos públicos, os quais consistiam na garantia do lugar de origem e dos direitos nele adquiridos, sendo considerado esse período como tempo de serviço prestado no IEFP.” Donde, “por identidade de razão, este regime era susceptível de aplicação aos trabalhadores do IEFP que fossem chamados a desempenhar funções em comissão de serviço, no próprio IEFP.

Como se vê, o tribunal a quo resolveu a questão jurídica com que se confrontou, ainda que não tenha debatido todos os argumentos esgrimidos pelo ora Recorrente. Mas isso não significa que tenha ocorrido em omissão de pronúncia; eventualmente erro de julgamento, mas não o vício invalidante que lhe vem assacado.

Com efeito, o vício em causa está directamente relacionado com a norma que disciplina a “ordem de julgamento” (cfr. art. 608.º, n.º 2, do CPC). Com efeito, resulta do regime previsto neste preceito que o juiz na sentença “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.

Por outro lado, constitui jurisprudência pacífica e reiterada que a omissão de pronúncia existe quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões. Sendo que, como ensina o Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, Anotado, vol. V, p. 143: “Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que eles se apoiam para sustentar a sua pretensão”. A doutrina e a jurisprudência distinguem, pois, as “questões” dos “argumentos” ou “razões”, para concluir que só a falta de pronúncia sobre questões de que o tribunal deva conhecer integra a nulidade prevista no actual artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC (na jurisprudência, v., por todos, o Acórdão do STA de 21.05.2008, proc. n.º 437/07).

Como referia aquele Professor: “São, na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (idem, ob. cit.).
Ora, no caso presente, é notório que o tribunal a quo apreciou e decidiu a questão implícita na referida alínea b) do petitório - seja reconhecido e declarado o direito do A. a transitar a 1/1/2009 para o regime de contrato de trabalho em funções públicas com o vencimento e demais direitos adquiridos na situação antecedente -, julgando pela sua improcedência e com fundamento na ausência de verificação do direito alegado.

Improcede, assim, a suscitada nulidade, a qual não se verifica.

Continuando, vejamos agora se o tribunal incorreu em erro de julgamento ao concluir que o A. não tinha razão ao pretender que a sua transição se operasse com base na situação jurídica que o mesmo detinha em virtude de exercer as suas funções em regime de comissão de serviço, com os direitos inerentes à mesma, pelo que considerou válido o acto impugnado e, bem assim, os actos consequentes.

Como referido pelo Ministério Público nesta instância, o Recorrente iniciou funções nos quadros do ora Recorrido em 19.10.1977, integrado no regime da função pública em nomeação definitiva. O mesmo desde 1.06.1996 até 11.08.2009, exerceu funções em regime de comissão de serviço por tempo indeterminado, desempenhando funções de Técnico Auxiliar Principal, da Carreira de Secretário-Recepcionista. Em 31 de Dezembro de 2008, o recorrente não havia feito a opção prevista no art. 15º do Decreto-Lei n.º 213/2007, de 29 de Maio, não tendo optado pelo regime de contrato individual de trabalho, com a consequente exoneração do lugar de origem e a cessação do vínculo à função pública.

Através da deliberação do Conselho Directivo do IEFP, IP. de 14.07.2009, o ora Recorrido procedeu à cessação da comissão de serviço nas carreiras/categorias do contrato individual de trabalho, com efeitos a partir de Dezembro de 2008 e respectiva integração na carreira/categoria detida na função pública, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2009.

O recorrente invoca direitos adquiridos ao abrigo da relação jurídica de comissão de serviço, e da portaria nº 66/90 de 27 de Janeiro, nomeadamente de ingressar no regime de contrato em função pública, nos termos do art. 88º, nº4 da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro.

A comissão de serviço foi disciplinada pelo Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro e Lei n.º 49/99 de 22 de Junho. A comissão de serviço implica o exercício temporário de funções diversas da categoria do trabalhador, com o regresso às funções anteriormente desempenhadas, logo que finda a comissão. Sendo que o art. 31.º do Estatuto do Instituto Público do Emprego e Formação Profissional, garantia os direitos dos trabalhadores do IEFP que fossem chamados a desempenhar funções em institutos públicos, isto é, garantia a manutenção do lugar de origem e os direitos nele adquiridos, considerando-se esse período, como tempo de serviço prestado no IEFP. Face ao teor do diploma, o recorrente, à data da transição imposta pela Lei nº 12-A/2008 de 27 de Fevereiro, detinha os direitos inerentes ao seu lugar de origem, e não outros que lhe tivessem advindo do exercício de funções em comissão de serviço. Ou seja, cessada a comissão de serviço cessa igualmente o direito ao estatuto que correspondia à função desempenhada, nomeadamente remuneratório, retornando o trabalhador à categoria base e ao correspondente estatuto, podendo tal implicar descida na valorização relativa das funções e no montante da retribuição.

Isto porque, a comissão de serviço caracteriza-se pela transitoriedade e pela “provisoriedade”, permitindo a ocupação temporária de determinados lugares e/ou funções que não podem ter natureza vitalícia (tal como sucede com os cargos dirigentes).

Ao ser facultado ao recorrente a possibilidade de, finda a comissão de serviço, optar pelo contrato individual de trabalho, ou pelo regime do contrato de trabalho em função pública, e este não o tendo exercido, foi aquele integrado no ultimo regime, que era aquele a que sempre esteve afecto.

Tendo o Recorrente continuado a exercer as suas funções em comissão de serviço, após a produção de efeitos da Lei n.º 12-A/2008 de 27 de Fevereiro, até à data da cessação da mesma pela deliberação de 14.07.2009, a Recorrida continuou a processar os vencimentos tendo por base a retributiva do exercício de funções em comissão de serviço. No entanto a referida deliberação faz retroagir os seus efeitos à data de 31 de Dezembro de 2008, no que se refere à cessação da comissão de serviço, e quanto à regularização do vencimento a 1 de Janeiro de 2009.

Pelo que o Recorrente, recebia indevidamente as remunerações que lhe foram processadas desde 1 de Janeiro de 2009, bem como os respectivos descontos, pelo que haverá direito à reposição das importâncias indevidamente recebidas, após aquela data. O nível remuneratório que se terá que atender é o resultante da integração a partir de 1.01.2009.

Por outro lado, convoca o ora Recorrente a seu favor o princípio da confiança e o princípio da igualdade. Conclui nesta sede: “V) Porque a conduta do R. foi totalmente contrária ao que acima vimos expendendo, violou a mesma, desta forma, o princípio da segurança e certezas jurídicas, ínsitas de um Estado de Direito Democrático, decorrente do art. 2° da CRP. // W) Violando ainda o princípio da igualdade retributiva, na sua vertente de "para trabalho igual, salário igual", porquanto, em igualdade de situações e em paridade com os seus colegas que exercem idênticas funções no mesmo Instituto, plasmado no art. 59°, n°1, al. a), da CRP.

Mas também por esta perspectiva não lhe assiste razão.

Com efeito, quanto ao princípio da segurança e certezas jurídicas e bem assim da tutela da confiança, veja-se o acórdão deste TCAS de 11.04.2013, proc. n.º 7708/11 e a jurisprudência constitucional aí citada, também a propósito da Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, aí se concluindo pela não violação por parte das normas sindicadas daquela lei do princípio da protecção da confiança legítima.

Do acórdão nº 154/2010 do Tribunal Constitucional, proc. nº 177/2009, tirado em sede de fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade das normas constantes dos artigos 10.º, 20.º, 21.º, n.º 1, 88.º, n.º 4, e consequentemente, da norma do artigo 109.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4, todos da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, extrai-se o seguinte:

“(…)

8.1. Em primeiro lugar, não pode dizer-se que a alteração do regime de nomeação (por acto de autoridade unilateral da Administração) para um regime contratual (por conjugação do interesse público que a Administração Pública serve com a autonomia privada do particular) ofenda, em si mesmo, a ideia de um estatuto específico da função pública. Na verdade, nenhuma das regras e princípios que vimos caracterizarem esse estatuto (sejam elas relativas a concurso no acesso e na carreira; direito de reclamação; garantias em processo disciplinar, responsabilidade por acções e omissões ou acumulações e incompatibilidades) é posta em causa pela mera alteração da modalidade de vínculo em causa e todas elas são compatíveis com um regime jurídico de matriz contratual. O estatuto específico da função pública existe constitucionalmente, mas não é atingido apenas pelo facto de haver formas contratuais de recrutamento de trabalhadores da Administração Pública.

Como esclarecem Jorge Miranda e Ana Fernanda Neves (loc. cit., pág. 621):

“Estes elementos irredutíveis [que compõem o estatuto da função pública e que acima se enumeraram] encontram-se tanto nas situações (mais correntes até hoje) de sujeição dos trabalhadores da Administração pública e demais funcionários e agentes a um regime estatutário como nas situações de contrato individual de trabalho”.

8.2. Em segundo lugar, não parece pertinente, à luz da evolução constitucional portuguesa, a alegação (desenvolvida nos pontos 14 a 22 do requerimento) segundo a qual o modelo de Estado social que a Constituição consagra exigiria que se mantivesse o regime de nomeação definitiva e excluiria que a Administração Pública se regesse por critérios de contratualidade laboral.

O requerente desenvolve a ideia de uma configuração do Estado, segundo as “tarefas” que deverá constitucionalmente cumprir, que parece poder caracterizar-se como de “Estado assistencial”. Contudo, se é verdade que a Constituição rejeita o modelo do “Estado mínimo” e impõe um modelo de “Estado social” (entendido no quadro da “sociedade livre justa e solidária” a que se refere logo no seu artigo 1.º e da democracia económica, social e cultural de que fala o artigo 2.º), não é menos certo que o modelo constitucional de Estado “não se compadece com o Estado assistencial”.

É precisamente o que sintetiza Jorge Miranda (Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, p. 445):

“Se, obviamente, a Constituição rejeita o Estado mínimo (em face da soma de tarefas e incumbências que atribui às entidades públicas, à luz do desígnio de «uma sociedade mais solidária» do art. 1.º), tão pouco se compadece com o Estado assistencial.

Não se conforma com este por causa de todo o relevo que confere à intervenção de grupos, associações e instituições existentes na sociedade civil na efectivação dos direitos sociais. Depois, por causa da garantia da propriedade e da iniciativa económica privada (reforçada em sucessivas revisões). Enfim, porque, expressamente, ao considerar o acesso à justiça alude à «insuficiência de meios económicos» (art. 20.°, n.° 1, atrás considerado) e declara o serviço nacional de saúde tendencialmente gratuito «tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos» (art. 64.°, n.° 2, alínea c), na versão de 1989)”.

A questão não é, anote-se, político-ideológica, mas eminentemente jurídica e, mais especificamente, “jurídico-constitucional” (só assim se compreendendo, aliás, que o requerente insista tão veementemente nela, no âmbito de um processo jurisdicional de fiscalização da constitucionalidade).

Na verdade, a “democracia económica, social e cultural”, que sustenta a ideia constitucional de Estado de direito democrático, não corresponde a um modelo ideológico predefinido de organização e actuação do Estado e da Administração Pública, mas a uma transcendental exigência de juridicidade constitucional, exigência esta que se compadece com modelos estruturalmente diversos de organização administrativa pública e com formas heterogéneas de realização do interesse público, que o Estado visa servir.

Além disso, o Estado actuante e conformador da sociedade, que a Constituição prefigura nos seus artigos 2.º e 9.º, não se confunde com o Estado meramente executor de um programa que seja constitucionalmente fixado, de forma exauriente e fechada. Bem pelo contrário. Sendo a ideia de Estado social uma implicação do Estado de direito, e integrando este, nos termos do artigo 2.º, ainda os princípios da soberania popular e do pluralismo de expressão e de representação política democráticas, ao poder político legitimamente constituído em cada legislatura caberá, de acordo com os mandatos populares, decidir sobre o modo de concretização das normas da CRP que fixam as tarefas fundamentais do Estado. De nenhuma dessas normas se poderá depreender a vinculação do legislador ordinário a uma “visão” invariável do Estado – seja ela ou não a “visão mais abrangente do Estado-providência”, para citar as palavras do ponto 16 do requerimento –, ou a um programa tão detalhado da sua acção futura que obrigue à manutenção de um certo modelo de constituição da relação de emprego público.

8.3. Em terceiro lugar, a função pública não é um estatuto que obrigatoriamente seja marcado pela homogeneidade. Mesmo quem mais enfaticamente defende a existência de uma especificidade constitucional inerente ao regime da função pública, como sucede com Paulo Veiga e Moura (A Privatização da Função Pública, Coimbra 2004, p. 80 a 84 e 257 a 261), reconhece que há no interior da Administração Pública diferenciações a fazer e especificidades a ter em conta (ob. cit., pág. 85-94), fazendo inclusivamente, como corolário da posição diferenciadora, a referência àquilo que designa como “núcleo duro da Função Pública” (p. 94), do qual naturalmente − acrescente-se − não farão parte todos os trabalhadores da função pública.

8.4. Em quarto lugar, e infirmando aquilo que é o nó górdio de toda a construção argumentativa do requerente, não é de todo possível estabelecer um nexo de causalidade necessária entre a segurança da relação de emprego público (artigos 53.º e 58.º da Constituição) e o correcto exercício da actividade administrativa pública no quadro dos princípios constitucionais (artigo 266.º da Constituição). De facto, como se sabe, há diversas modalidades de constituição da relação de emprego público. Existem, para além dos trabalhadores nomeados a título definitivo e em regime de contrato administrativo de provimento, trabalhadores em regime de “contrato a termo” e em regime de “comissão de serviço”.

Ora seria ilegítimo pensar que estes últimos teriam necessariamente menor empenho na realização do interesse público (que constitui a razão fundamental de ser e o “norte” da Administração Pública) e dos princípios jurídicos fundamentais (enquanto parâmetros normativos que balizam a prossecução de tal interesse público) do que os funcionários ou agentes com um vínculo menos precário e mais estável.

É certo que a estabilidade promove o compromisso, mas não é legítimo presumir que os trabalhadores com contrato por tempo indeterminado terão menor empenhamento na prossecução do interesse público do que os trabalhadores definitivamente nomeados.

Além disso, convém notar que qualquer uma das modalidades de constituição da relação jurídica de emprego público está, nos termos da lei, submetida às mesmas garantias de imparcialidade, quer se trate de nomeação (definitiva ou transitória) quer se trate de contrato (por tempo indeterminado ou a termo resolutivo, certo ou incerto). Tal significa que, pelo menos na perspectiva do legislador, inexiste uma correlação de causalidade necessária entre a modalidade de constituição da relação jurídica de emprego público e o grau de cometimento na prossecução do interesse público por parte do trabalhador. Com efeito, se assim não fosse, teria optado a lei por limitar o âmbito de aplicação das garantias de imparcialidade aos vínculos constituídos por contrato e não por nomeação definitiva, já que, quanto a estes últimos, se presumiria, pela própria natureza das coisas, um indiscutível comprometimento com o interesse público.

(…)

Significa isto que a Administração Pública, desenvolvendo-se num quadro institucional democraticamente legitimado, detém uma estrutura tal que possibilita que quem age em nome dela o faça em nome do interesse público, independentemente do modo pelo qual – nomeação ou contrato – se constituiu o vínculo laboral. E a imposição constitucional é justamente essa: a vinculação exclusiva da administração ao interesse público (artigo 266.º, n.º 1, da CRP).

8.5. Em quinto lugar, nenhum dos acórdãos do Tribunal Constitucional invocados pelo requerente permite a inferência de que do estatuto da função pública decorreria a impossibilidade de estabelecer a regra da contratualização em matéria laboral. Adiante se fará referência aos acórdãos n.os 154/86 e 340/92. Por agora, limitamo-nos ao acórdão n.º 683/99.

Aquilo que ficou decidido no Acórdão n.º 683/99, numa jurisprudência, aliás, posteriormente confirmada em inúmeros outros acórdãos (vejam-se, nomeadamente, os acórdãos n.os 85/00, 191/00, 368/00, 409/07, 248/08, 412/08 ou 483/08), foi a inconstitucionalidade da conversão automática de contratos a termo em contrato definitivo sem necessidade de procedimento de recrutamento e selecção de candidatos que assegure o respeito pelos princípios da liberdade e da igualdade no acesso à função pública.

O acórdão não consagra, portanto, nenhum “direito à função pública”, como pretende o requerente, decidindo apenas no sentido da existência no âmbito desta de um direito de acesso à função pública, através de concurso, de que resultará a escolha dos mais aptos para o exercício das funções que especificamente estejam em causa.

Em suma, o acórdão depõe no sentido da não definitividade dos vínculos pelo mero decurso do tempo, e não no sentido, que o requerente pretende, de um direito à função pública.

8.6. Em sexto lugar, é necessário ter em conta que a segurança no emprego (artigos 53.º e 58.º da Constituição) não é um direito absoluto, mas antes, à semelhança, aliás, de todos os outros direitos, um direito que admite limites e restrições à luz de outros direitos e valores constitucionalmente protegidos (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição).

Ora no que especificamente respeita ao emprego público é necessário ponderar o objectivo constitucionalmente definidor da Administração Pública, ou seja, o “interesse público”, com o dever de boa administração que lhe é inerente.

Deste modo, deve entender-se que o regime de vínculos, remunerações e carreiras da Administração Pública poderá restringir a segurança do emprego público em vista da qualidade da actividade administrativa pública. Se a segurança no emprego é um imperativo constitucional não o é menos o modelo da boa administração inerente à prossecução do “interesse público” (artigo 266.º, n.º 1, da Constituição), interesse este ao serviço do qual se encontram exclusivamente dedicados os trabalhadores da função pública (artigo 269.º, n.º 1, da Constituição).

Era já isto, precisamente, o que se concluía no Acórdão n.º 233/97 (…)”

E se assim é para os casos de incluídos no regime de nomeação definitiva, por maioria de razão será quando esteja em causa, como nos autos está, uma situação de comissão de serviço.

Donde, a diferença de valor de remuneração que veio a ocorrer teve como parâmetro inicial um direito precário, transitório ou temporário por natureza, pelo que, como assinalado pelo Recorrido, o princípio da irredutibilidade também não se coloca.

Para além do que se vem de dizer, quanto ao princípio da igualdade retributiva, a alegação da diferenciação remuneratória em relação aos colegas do Autor que exercem funções idênticas no mesmo Instituto, não vem consubstanciada em factualidade que a demonstre. O que basta para julgar improcedente a mesma alegação.

Em conclusão, o ora Recorrente, em termos de remuneração base, em 31.12.2008, tinha o direito à remuneração base correspondente à carreira/categoria de que era titular por nomeação definitiva/promoção e não outra. Como alegado pelo Recorrido, é sobre esse direito adquirido – o da sua nomeação definitiva na função pública - que assentam os pressupostos base para se operar, a 1.01.2009, a transição para as novas carreiras, bem como o seu reposicionamento remuneratório, nos termos do disposto no art. 95.º e 104.º, ambos da Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro.

Razões pelas quais, na sua improcedência, terá que negar-se também provimento ao recurso nesta parte e confirmar-se em conformidade a decisão recorrida.

Conclui por fim o Recorrente que o tribunal a quo errou ao condená-lo em custas, uma vez que delas estava isento.

Comece por se referir que existe equívoco por parte do Recorrente. O tribunal em sede do acórdão proferido não condenou o Autor nas custas do processo, tanto mais que na sentença reclamada havia sido reconhecida a sua isenção ao abrigo do disposto no art. 4.º, n.º 1, al h) do RCP. Segmento decisório que não foi sujeito a revogação pelo acórdão da conferência.

Dispõe a al. h) do nº 1 do artigo 4º do Regulamento das Custas Processuais, que: “Os trabalhadores ou familiares, em matéria de direito do trabalho, quando sejam representados pelo Ministério Público ou pelos serviços jurídicos do sindicato, quando sejam gratuitos para o trabalhador, desde que o respetivo rendimento ilíquido à data da propositura da ação ou incidente ou, quando seja aplicável, à data do despedimento, não seja superior a 200 UC”. E, aliás, não é matéria controvertida que o Autor e ora Recorrente alegou e fez prova de satisfazer os requisitos exigidos no referido artigo.

Sendo que para efeitos de aplicação do preceito supra referido a expressão (e pressuposto) “matéria de direito de trabalho”, deve ser interpretada, sob pena de violação dos princípios da igualdade e do acesso ao direito e à justiça constitucionalmente consagrados, no sentido de relação material ou substantiva subjacente ao litigio jurídico e não por referência ao Tribunal em que, por razões de natureza processual, de organização e funcionamento dos Tribunais ou de vinculação jurisdicional, o processo corre termos (cfr. i,a,, o ac. deste TCAS de 14.04.2015, proc. nº 8464/15).

A condenação em causa, com a formulação “Custas pelo Reclamante”, terá assim necessariamente que entender-se como condenação nas custas devidas pela própria reclamação (a que aliás corresponde a tabela II-A por remissão do art. 7.º, nº 1).

Porém, a isenção objectiva de que goza – em razão do tipo de processo (laboral) - o Autor e ora Recorrente abrange a taxa de justiça da reclamação e portanto não é esta também aí devida.

Pelo que, terá aqui que revogar-se o acórdão recorrido na parte em que fixou custas devidas pela reclamação para a conferência, as quais não são devidas.



III. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder parcial provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido na parte que fixou “custas pelo reclamante”, mantendo a decisão recorrida quanto ao mais.

Não são devidas custas pelo Recorrente (art. 4.º, nº 1, al. h), do RCP), nem pelo Recorrido que não contra-alegou no recurso, quanto ao que neste foi provido.

Lisboa, 19 de Abril de 2018



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Pedro Marchão Marques


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Maria Helena Canelas


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Sofia David