Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:62/06.7BELLE-A
Secção:CT
Data do Acordão:02/10/2022
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO. INDEMNIZAÇÃO EM CASO DE PRESTAÇÃO INDEVIDA DE GARANTIA
Sumário:A condenação no cumprimento do julgado anulatório, cujo fundamento reside no pagamento de indemnização pela prestação indevida de garantia, está sujeita aos limites impostos pela lei para esta categoria de indemnização. // Não há lugar à condenação no pagamento de juros moratórios, nem à aplicação de sanções pecuniárias compulsórias, enquanto não se inicia o prazo de execução espontânea do julgado, o qual depende da discriminação dos custos incorridos com a prestação de garantia.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. RELATÓRIO
L………………… - Sociedade ……………………….., Lda, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Loulé na parte em que julgou improcedente a execução de julgado que apresentou com vista a obter a execução da decisão judicial anulatória de fls.348/381, a qual julgou procedente impugnação judicial deduzida pela recorrente contra o acto de liquidação adicional de IVA, do exercício fiscal de 2001.
A Recorrente apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:
“1) A Recorrente instaurou a presente execução de Sentença, alegando o que acima se transcreveu;
2) A Fazenda Pública apresentou Oposição, reconhecendo os fundamentos alegados, o mesmo não sucedendo, no entanto, com as despesas invocadas nos artigos 25°, 28°, 31° e 32° da Petição Inicial;
3) A Meritíssima Juiz decidiu o Seguinte: "...Nos termos e com os fundamentos expostos julga-se parcialmente procedente a presente ação de execução de julgado e, em consequência: Condena-se a Fazenda Pública no pagamento à Requerente, no prazo de 30 dias, da quantia por esta suportada a título de despesas com a prestação da garantia bancária, com o limite previsto no n°3 do art°53º da LGT; No mais, absolve-se a Fazenda Pública do pedido...”,
4) Não podemos concordar com tal decisão;
5) A Meritíssima Juiz decidiu exluir, do direito de indemnização da Recorrente, os custos que a mesma foi obrigada a suportar com a remuneração do perito independente no valor total de 2.493,99 € e com as taxas de justiça relativas à Impugnação Judicial no valor total de valor 1.361,50 €, montantes que deve receber acrescidos de juros, o que não se compreende;
6) Estão reunidos todos os pressupostos para que o pedido formulado pela Recorrente seja totalmente procedente;
7) O artigo 53° da LGT, Sob a epígrafe "Garantia em caso de prestação indevida” refere expressamente, no n°1, que o contribuinte que ofereceu garantia bancária "...será indemnizado (...) pelos prejuízos resultantes da sua prestação",
8) O legislador quis, pois, prever a totalidade dos prejuízos resultantes da prestação da garantia e não, apenas, os encargos direta e exclusivamente suportados com a mesma;
9) Embora estipulando um limite, qual seja o estabelecido no n°3 daquela norma;
10) Em anotação ao artigo 53°, os autores Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, referem que "os prejuízos referidos no nº1 englobam, não só o custo da garantia prestada, como qualquer outro lucro cessante ou dano emergente, dentro dos limites previstos no nº3." - in Lei Geral Tributária, Comentada e Anotada, 2a edição, 2002, Vislis Editores, pp. 207/208;
11) Dúvidas não existem de que se deverá ressarcir a Recorrente da indevida prestação da garantia, que envolve todos os prejuízos incorridos, reconstituindo-se a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação - vide artigos 562° e 563° do CC;
12) A opção do legislador contida no artigo 53° da LGT é uma decorrência do que se estabelece no artigo 22° da CRP, no qual se determina que: "O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem “:
13) A fundamentação jurídica da douta decisão sob recurso não depende da tipificação dos juros, apenas se conformando, tão só e inteiramente, com as disposições legais aplicáveis;
14) A Exequente, aqui Recorrente, requereu o pagamento de todos os encargos peticionados e, independentemente de qualquer qualificação que se faça do que quer que seja, não pode deixar de se ter em conta que se trata da compensação que é devida à Recorrente pela privação que, indevidamente, sofreu;
15) Impossível torna-se, pois, exigir, o ressarcimento das mencionadas despesas tendo em conta o previsto no Regulamento de Custas Processuais, conforme defende a Meritíssima Juiz a quo, pois despesas como a remuneração do Perito independente, deslocações e outras quantias já referidas, não são passíveis de se integrarem nas Custas de Parte, até porque são anteriores ao decorrer do processo judicial;
16) Não pode a Recorrente ficar simplesmente prejudicada pelo facto de, conforme defende o Tribunal a quo, só encontrar nas Custas de Parte a exibilidade das mencionadas despesas até porque, conforme já se demonstrou, elas nunca poderiam ser integradas nas Custas de parte, por serem, em muito, anteriores ao decurso processual judicial;
17) Contrariamente ao que defende o Exmo. Representante da Fazenda Pública, está-se no domínio da obrigação de indemnização prevista nos artigos 562° a 564° do CC;
18) Como ensina o Ilustre Conselheiro Jorge Lopes de Sousa: "o efeito direto do facto gerador de responsabilidade civil é a obrigação de indemnização (...) sendo o seu objetivo a reparação de todos os danos de que o facto foi lesivo, foi causa adequada, danos esses em que se incluem não só os prejuízos sofridos como os benefícios que se deixaram de obter" - Juros nas Relações Tributárias, in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis Editores, 1999, p. 157).
19) Mais refere "Tendo tal direito de indemnização garantia constitucional, o seu exercício pelo sujeito passivo não está limitado ao circunstancialismo e limites do direito de indemnização previsto pelas leis tributárias, podendo, por um lado, pedir uma indemnização superior à que resulta destas e, por outro, exigi-la em situações distintas das indicadas" - in Ob. E loc. Cit. no n°20;
20) A invocação da doutrina perfilhada por aquele ilustre Conselheiro vai até para além do problema sob recurso;
21) Basta-nos o que se preceitua no artigo 53°, nos 1 e 3 da LGT, que responde inteiramente à questão sub judice:
22) Não deve proceder a tese da Meritíssima Juiz do Tribunal a quo;
23) Devendo, em consequência, revogar-se a Sentença recorrida, na parte em que absolveu a Fazenda Pública do pedido apresentado pela Recorrente, devendo condenar-se a Fazenda Pública ao pagamento de todos os pedidos formulados pela Recorrente na sua Petição Inicial;
24) O direito indemnizatório tem raiz constitucional e, portanto, qualquer restrição feita pelo legislador ordinário será materialmente inconstitucional;
25) E a aqui Recorrente já foi deveras prejudicada com todo o processo inerente à Impugnação Judicial que apresentou!;
26) A Administração Tributária está obrigada, em caso de total ou parcial procedência da Impugnação, a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objetivo do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios e moratórios, se for caso disso, a partir do termos do prazo da execução da decisão, conforme o disposto no artigo 100° da LGT;
27) Desde a apresentação da Impugnação Judicial, já decorreram mais de 6 anos sem que a aqui Recorrente visse a Justiça a ser imposta...!;
28) Afigura-se-nos inequívoco concluir que o legislador pretende "reconstituir a situação que atualmente existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado";
29) Dúvidas não existem de que a Recorrente nunca teria dispendido as despesas referentes à remuneração do perito independente no valor total de 2.493,99 e com as taxas de justiça relativas à Impugnação Judicial no valor total de valor 1.361,50€, se a Fazenda Pública nunca tivesse notificado, indevidamente, a Recorrente de uma Liquidação ADICIONAL de IVA, que se encontra na origem do presente processo!;
30) Como resulta do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 09/10/2002, dado no Processo nº09/02, "proferida decisão anulatória de uma liquidação, em processo de impugnação judicial o impugnante pode em execução do julgado, pedir juros indemnizatórios e moratórios que lhe sejam indevidos, bem como as despesas com a garantia bancária prestada, mesmo que a decisão proferida no processo de impugnação não contemple tal pagamento";
31) A Recorrente contesta a Sentença recorrida, por nela se considerar que não se encontram verificados todos os pressupostos para que seja imposta a sanção pecuniária compulsória;
32) Para a Meritíssima Juiz a quo, a imposição de tal sanção tem de pressupor comportamento culposo, contudo, não pode proceder tal tese;
33) E mesmo que fosse necessário tal pressuposto culposo, não será suficiente ter em conta que a Recorrente foi já importunada no decurso de 6 anos consecutivos e que, a título exemplar, foi apresentado o pedido de remessa do Processo n° 62/06.7BELLE no dia 31/05/2012 para início imediato da execução e apenas foi o mesmo remetido 6 meses depois, sendo que o prazo estipulado seria o de 8 dias, tendo, posteriormente decorrido o prazo de 3 meses para a Fazenda Pública restituir à Recorrente os valores devidos, tendo, inclusivamente, decorrido esse mesmo prazo;
34) De forma alguma se poderá exigir o pressuposto da culpa, pois o mesmo não tem qualquer suporte legal e mesmo que - hipoteticamente - tivesse estabelecido, estaria mais do que provado que a Recorrente já foi prejudicada, para além dos limites do comportável;
35) Deve ser dado total provimento ao presente recurso, e por via disso, revogada a Sentença recorrida, na parte em que absolveu a Fazenda Pública do pedido apresentado pela Recorrente, devendo condenar-se a mesma ao pagamento de todas as despesas constantes nos pedidos formulados pela Recorrente na sua Petição Inicial, como V. Exas. de certo farão inteira Justiça!;
36) A actividade dos serviços da administração fiscal - Fazenda Pública e Tribunais - e todos aqueles que contribuíram para a emissão da Sentença recorrida, que deu causa a este recurso, estão exclusivamente subordinadas ao interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legítimos dos cidadãos, bem como aos princípios: a) Do inquisitório - previsto no artigo 58° da LGT; b) Da colaboração - previsto no artigo 59° da LGT; c) Da participação - previsto no artigo 60° da LGT; d) Da legalidade, igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade e celeridade - previsto no artigo 55° da LGT;
37) A decisão recorrida violou todos os princípios acima referidos;
38) A Recorrente não pode ser prejudicada com o comportamento ilegal e culposo da Administração Fiscal e Tribunal;
39) Tendo, obrigatoriamente, de se revogar a decisão recorrida, na parte em que absolveu a Fazenda Pública do pedido apresentado pela Recorrente, devendo condenar-se a mesma ao pagamento de todas as despesas constantes nos pedidos formulados pela Recorrente na sua Petição Inicial;
40) Foi violado o artigo 21° do Código de Processo Tributário;
41) Quanto aos fundamentos de direito nada consta suficiente e claramente na decisão recorrida;
42) Dúvidas não existem de que estamos perante uma ilegalidade insanável, violando-se nesta parte o disposto nas alíneas a), c) e d) do artigo 120° do Código do processo Tributário, e artigo 77° da LGT;
43) A Constituição da República Portuguesa o não admite, assim como o Código Processo Tributário, LGT, e demais legislação em vigor, também não;
44) Dispõe O n°2 do artigo 266° da C.R.P.: "Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição..., no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade,
45) Esta norma foi violada pela Meritíssima Juiz "a quo", violando os princípios da igualdade, da proporcionalidade da justiça, da imparcialidade e da boa-fé;
46) Foi violado o n°3 do artigo 268° da C.R.P.;
47) O interesse da Recorrente é legalmente protegido, o que faz com que a decisão recorrida, seja Inconstitucional;
48) A Decisão que deu causa a este recurso, não está fundamentada como exigem as normas legais, tendo por esse facto de ser Revogada, na parte em que absolveu a Fazenda Pública do pedido apresentado pela Recorrente, devendo condenar-se a mesma ao pagamento de todos os pedidos formulados pela Recorrente na sua Petição Inicial;
49) Nulidade, esta, que aqui mais uma vez se requer;
50) Dúvidas não existirem de que terá de ser revogada a decisão recorrida na parte acima já referida;
51) A Meritíssima Juiz "a quo" na decisão sob recurso viola o disposto nas alíneas b), c) e d) do artigo 615° do Código do Processo Civil, uma vez que não apreciou a totalidade das questões como o deveria ter feito, sendo por esse facto nulo;
52) Tanto mais que o direito da Alegante, é um direito legal e constitucional;
53) Foram violadas as alíneas b), c) e d) do artigo 615° do Código do Processo Civil;
54) A decisão recorrida viola o disposto no artigo 205° da C.R.P.;
55) A decisão recorrida não é de mero expediente, daí ter de ser suficientemente fundamentada;
56) A decisão recorrida viola o disposto no artigo 204° da C. R. P., uma vez que esta norma é tão abrangente, que nem é necessário que os Tribunais apliquem normas que infrinjam a Constituição, basta apenas e tão só, que violem "os princípios nela consignados";
57) Na verdade a decisão recorrida viola os princípios consignados na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente consignados nos artigos 13° e 20°;
58) Foi violado o artigo 13° da C R.P.;
59) E a decisão recorrida viola o disposto no artigo 202° da C.R.P.;
60) O Tribunal com a decisão recorrida, não assegurou a defesa dos direitos da Alegante, em não fundamentar exaustivamente a sua decisão, e nem se quer aplicar as normas legais aplicáveis ao caso em concreto;
61) A Meritíssima Juiz limitou-se apenas e tão só, a emitir uma decisão "economicista", isto é, uma decisão onde apenas de uma forma simples e sintética foram apreciadas algumas das questões, deficientemente;
62) Deixando a Meritíssima Juiz de se pronunciar devidamente sobre algumas questões que são essenciais à boa decisão da causa, nomeadamente as acima expostas;
63) Cometeu, pois, uma nulidade;
64) Deverá ser REVOGADA a decisão recorrida na parte em que absolveu a Fazenda Pública do pedido apresentado pela Recorrente, devendo condenar-se a mesma ao pagamento de todos os pedidos formulados pela Recorrente na sua Petição Inicial, como V. Exas. de certo farão inteira Justiça!;
65) A Decisão recorrida viola:
a) Os princípios do: inquisitório - previsto no artigo 58° da LGT; da colaboração - previsto no artigo 59° da LGT; da participação – previsto no artigo 60° da LGT; da legalidade, igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade e celeridade previsto no artigo 55° da LGT, tanto pela Fazenda Pública, como na Sentença recorrida, por erro de interpretação e aplicação de tais normas legais;
b) O disposto nos artigos 53°, 77° e 100° da LGT;
c) O disposto nos artigos 21° e 120° do CPT;
d) O disposto no artigo 615° do CPC;
e) O disposto no artigo 562°, 563° e 564° do CC;
f) O disposto nos artigos 13°, 20°, 22°, 202°, 204°, 205°, 266°, número 2 e 268°, número 3 da CRP.
Termos em que se requer a V. Exas.:
1) A REVOGAÇÃO total da Decisão recorrida, na parte em que absolveu a Recorrida, tendo em conta acima exposto;
2) Custas a cargo da Recorrida Fazenda Pública.”
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A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.
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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido de não ser concedido provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De Facto
A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
A) Por sentença proferida em 19.03.2010 no processo principal com o n°62/06.7BELLE foi julgada procedente a impugnação judicial da liquidação adicional de IVA relativa ao exercício de 2001, bem como a respetiva liquidação de juros compensatórios - cfr. fls. 348 a 382 do processo principal.
B) A sentença que antecede transitou em julgado em 04.01.2011 - cfr. certidão e ofício de remessa juntos como doc. 3 com a petição inicial a tis. 38 e 39 dos presentes autos.
C) Em 31.05.2012 a ora Requerente apresentou no processo principal (Impugnação Judicial n°62/06.7BELLE) pedido de remessa do processo ao Serviço de Finanças de Faro para efeitos de execução espontânea da sentença identificada em A) - cfr. doc. 2 junto com a petição inicial a fls. 26 a 36 dos presentes autos.
D) No dia 15.10.2012 foi remetida ao Chefe do Serviço de Finanças de Faro Certidão da decisão proferida no processo de Impugnação Judicial identificada
em A) - cfr. certidão junta como doc. 3 com a petição inicial a fls. 38 dos presentes autos.
E) Para obter a suspensão do processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva da liquidação de IVA objeto da impugnação mencionada em A), a ora requerente prestou garantia bancária no valor de € 26.603,09 - cfr. doc. 4 junto com a petição inicial a fls. 40 dos presentes autos.
F) A prestação da garantia bancária identificada na alínea que antecede implicou custos (comissões bancárias e imposto de selo) por conta da ora requerente no valor total de € 841.57- cfr. docs. 5 a 22 juntos com a petição inicial que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
G) A ora Requerente suportou a quantia de € 2.493,99, com a remuneração do perito independente no âmbito do processo de revisão da matéria coletável a que se refere o art.91° da LGT - cfr. doc. 23 junto com a petição inicial a fls. 59 dos presentes autos.
H) Com a Impugnação Judicial da liquidação de IVA relativa ao exercício de 2001, a ora requerente suportou taxas de justiça no valor total de € 1.361,50 - cfr. docs. 24 a 27 juntos com a petição inicial que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
I) Suportou ainda a taxa de justiça no valor de €25,00 com a presente execução de julgado - cfr. fls. 66 dos autos.
J) Teve encargos com fotocópias, deslocações e honorários no montante de €4.305,00 -por acordo.
K) A petição inicial do presente meio processual deu entrada em juízo no dia 17.06.2013 - cfr. a petição de execução.
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Motivação de facto:
A decisão da matéria de facto provada efetuou-se com base no exame dos documentos não impugnados, que constam dos autos, referenciados em cada uma das alíneas do probatório, e ainda por força da posição assumida pelas partes nos articulados nos casos em que os factos foram considerados como admitidos por acordo.

Factos não provados:
Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.”.
X
2.2. Do Direito
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados vícios da sentença seguintes:
i) Erro de julgamento quanto ao direito aplicável no que respeita ao segmento que excluiu os custos com a remuneração do perito e outros encargos com o processo do cômputo da indemnização a outorgar através da presente acção de execução de julgado [conclusões 13) a 30), salvo 25) a 27)].
ii) Erro de julgamento quanto ao direito aplicável no que respeita ao segmento que excluiu o pagamento de juros moratórios [conclusões 25) a 27).
iii) Erro de julgamento na parte em que excluiu a aplicação de sanção pecuniária compulsória [conclusões 31) a 37)].
iv) Nulidade da sentença, por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia [demais conclusões de recurso].
Está em causa a execução do julgado anulatório de acto tributário, referido na alínea A). O pedido de execução foi formulado com base no disposto nos artigos 53.º da LGT e 171.º do CPPT. A sentença julgou parcialmente procedente a presente acção de execução de julgado, condenando a Fazenda Pública no pagamento à Requerente, no prazo de 30 dias, da quantia por esta suportada a título de despesas com a prestação da garantia bancária, com o limite previsto no n.° 3 do art. 53.° da LGT e absolvendo a executada, quanto ao mais.

2.2.2. No que respeita ao fundamento de recurso referido em iv), cumpre referir o seguinte.
A recorrente assaca à sentença sob escrutínio os vícios de falta de fundamentação de direito e de omissão de pronúncia (conclusões 41) a 49) e 51).
A recorrente instaurou a presente acção de execução de julgado tendo em vista a execução da sentença proferida nos autos principais, que havia anulado a liquidação de IVA de 2001 e juros compensatórios. Pede a restituição das despesas incorridas com a prestação de garantia, dos encargos com o processo, o pagamento de juros moratórios e a aplicação de sanção pecuniária compulsória. Concretiza o pedido no montante de €9.027,56.
A sentença acolheu a pretensão da exequente, no que respeita à restituição dos montantes despendidos com a prestação de garantia, ou seja, €841,57. Quanto ao mais, rejeitou a pretensão da exequente. Considerou que na indemnização da prestação de garantia indevida, prevista no artigo 53.º/3, da LGT, não estão incluídos os juros de mora; no que respeita aos encargos com o processo, a forma de ressarcimento da exequente reside na nota justificativa e discriminativa de custas de parte e que a sanção pecuniária compulsória não tem lugar no caso em exame, dado que não está comprovado o pressuposto da culpa.
A recorrente não invoca a existência de questão de que cumpra conhecer e que o tribunal recorrido não tenha dirimido. Imputa ao decidido uma alegação genérica de preterição do dever de pronúncia e do dever de explicitação dos motivos da decisão.
Donde se extrai que, seja a alegada omissão de pronúncia, seja a alegada falta de fundamentação de direito da sentença não se comprovam nos autos.
Motivo porque se impõe julgar improcedente a presente imputação.
2.2.3. No que respeita ao fundamento de recurso referido em i), cumpre referir o seguinte.
A recorrente pretende a condenação da executada no pagamento de encargos com o processo, discriminados nas alíneas G) a J), do probatório.
Por seu turno, a sentença não acolheu a pretensão da recorrente, por entender que as despesas em apreço são passíveis de ser ressarcidas através do mecanismo de apresentação da nota justificativa e discriminativa de custas de parte.
O assim decidido deve ser confirmado, por não ter incorrido em qualquer erro ou vício.
A garantia do direito da recorrente à reconstituição da situação actual hipotética que existiria, não fosse a ilegalidade cometida, que esteve na base da anulação judicial do acto tributário (artigo 100.º da LGT) não significa que todos prejuízos incorridos pela exequente sejam ressarcíveis através de acção de execução de julgado anulatório, quando a mesma tem por base o regime indemnizatório, previsto no artigo 53.º da LGT (“Garantia em caso de prestação indevida”). Ou seja, o direito da recorrente à repristinação da situação actual hipotética é accionado nos presentes autos de execução através do mecanismo da indemnização pela prestação indevida de garantia, previsto no artigo 53.º da LGT. Do mesmo resulta que «[a] indemnização referida no n.º 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente» (artigo 53.º/3, da LGT).
Por outro lado, a forma de obter a restituição dos encargos incorridos no decurso do processo, como sucede com os custos em presença, corresponde à nota discriminativa e justificativa das custas de parte.
Determina o artigo 25.º/1 (“Nota Justificativa”) do Regulamento das Custas Processuais (1) (RCP) que: «[a]té 5 dias após o trânsito em julgado ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos, as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida, a respetiva nota discriminativa e justificativa» (2).
Estatui, por seu turno, o artigo 26.º (“Regime”) do RCP, que «[a]s custas de parte integram-se no âmbito da condenação judicial por custas (…) (n.º 1). // As custas de parte são pagas diretamente pela parte vencida à parte que delas seja credora (…)» (n.º 2).
De onde se extrai que a presente acção não é o meio processual adequado para obter o ressarcimento dos encargos em apreço, dado que existe mecanismo apropriado à efectivação da pretensão em referência.
Ao julgar no sentido referido, a sentença em exame não incorreu em erro, pelo que deve ser mantida na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.4. No que respeita ao fundamento de recurso referido em ii), cumpre referir o seguinte.
A recorrente sustenta que a executada deve ser condenada no pagamento de juros de mora sobre as quantias a restituir.
A sentença julgou improcedente a alegação por entender que a indemnização a outorgar nos autos está sujeita aos limites e pressupostos previstos no artigo 53.º da LGT.
A sentença deve ser confirmada, nesta parte, dado que não enferma de qualquer erro ou vício.
O artigo 53.º da LGT estabelece o seguinte: «O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida» (n. 1). (…) // «A indemnização referida no n.º 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente» (n.º 3).
A este propósito, constitui jurisprudência fiscal assente a seguinte:
i) «O art. 53.º da LGT consagra o direito de indemnização do devedor pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia bancária ou equivalente que tenha oferecido para obter a suspensão da execução fiscal, no caso de a dívida exequenda vir a revelar-se indevida por força do vencimento do procedimento ou processo tributário em que era controvertida a respectiva legalidade, podendo o pedido de indemnização ser formulado tanto nesse procedimento ou processo tributário, como autonomamente. (…) // À indemnização concedida em execução de julgado mediante pedido formulado nessa sede não acrescem juros moratórios, uma vez que, em face da inexistência de anterior condenação, a Administração não estava obrigada ao seu pagamento em execução espontânea do julgado, pelo que não pode considerar-se que exista atraso ou mora na reconstituição da plena legalidade no que à referida indemnização a partir do termo do prazo da execução espontânea do julgado anulatório». (3)
ii) «Nos termos do disposto no n.º 3 do art. 53.º da LGT, a indemnização pela prestação indevida de garantia «tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei», taxa que é «igual à taxa dos juros compensatórios» (art. 43.º, n.º 4, da LGT), sendo esta «equivalente à taxa dos juros legais fixados nos termos do número 1 do artigo 559.º do Código Civil» (art. 35.º, n.º 10, da LGT), que foram fixados em 4% ao ano pela Portaria dos Ministérios das Finanças e da Justiça n.º 291/2003, de 8 de Abril. // Para averiguar se a indemnização arbitrada se contém dentro daquele limite máximo há que levar em conta todo o período por que a garantia se manteve prestada, aplicando ao montante garantido a taxa de 4% ao ano». (4)
De onde se extrai que, estando em causa indemnização pela prestação indevida de garantia, a mesma incide sobre os prejuízos resultantes da prestação de garantia, com o limite máximo do montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na LGT (ou seja, o limite resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros, prevista no artigo 43.º/4, da LGT). Mais se refere que não há lugar ao pagamento de juros de mora, dado que não existe sentença transitada em julgado que condene a executada no pagamento de quantia certa ou na realização de prestação de facto infungível, cujo prazo de execução espontânea tenha sido ultrapassado por esta última (artigo 102.º/2, da LGT). A presente execução tem por base pedido de indemnização pela prestação indevida de garantia, cujo requerimento esteve na origem da presente acção de execução e no qual são discriminados os custos incorridos com a prestação de garantia. Só após a referida discriminação pode a executada assegurar o cumprimento da pretensão da exequente. Pelo que dos elementos coligidos nos autos não se comprova que a executada tenha incumprido qualquer prazo de execução espontânea de sentença transitada em julgado.
Pelo que não há lugar, no caso, ao pagamento de juros moratórios.
Ao julgar no sentido referido, a sentença em exame não incorreu em erro, pelo que deve ser mantida na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.5. No que respeita ao fundamento de recurso referido em iii), cumpre referir o seguinte.
A recorrente sustenta a necessidade de aplicação de sanção pecuniária compulsória. Por seu turno, a sentença rejeitou o pedido, com base na falta de demonstração individualizada culpa no incumprimento.
Vejamos.
«A imposição de sanção pecuniária compulsória consiste na condenação dos titulares dos órgãos incumbidos da execução, que para o efeito devem ser individualmente identificados, ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso que, para além do prazo limite estabelecido, se possa vir a verificar na execução da sentença» (artigo 169.º/1, do CPTA).
No caso, como se referiu no ponto anterior, estando em causa a indemnização pela prestação de garantia indevida e uma vez que o pagamento de tal indemnização não foi solicitado em momento anterior e-ou nos autos principais, não existe incumprimento do prazo de execução espontânea da sentença, por parte da executada, dado que o pedido de atribuição da referida indemnização, com a discriminação dos custos incorridos com a referida prestação, apenas ocorreu, através da instauração do presente processo de execução.
Não havendo incumprimento do prazo de execução do julgado, não existe lugar á aplicação do regime das sanções pecuniárias compulsórias (artigo 169.º/1, do CPTA). Independentemente do preenchimento in casu dos demais pressupostos que a aplicação da medida em apreço implica.
Ao julgar no sentido referido, a sentença sob recurso deve ser confirmada na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.

III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.


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Custas pela recorrente.
Lisboa, 10 de Fevereiro de 2022.

(Jorge Cortês - Relator)


(1.ª Adjunta - Hélia Gameiro Silva)


(2.ª Adjunta – Ana Cristina Carvalho)

(1) Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro.
(2) Versão aplicável à data, uma vez que a sentença transitou em julgado em04.01.2011. Determina o n.º 2, do preceito que: «Devem constar da nota justificativa os seguintes elementos: // a) Indicação da parte, do processo e do mandatário ou agente de execução; // b) Indicação, em rubrica autónoma, das quantias efectivamente pagas pela parte a título de taxa de justiça; // c) Indicação, em rubrica autónoma, das quantias efectivamente pagas pela parte a título de encargos ou despesas previamente suportadas pelo agente de execução; // d) Indicação, em rubrica autónoma, das quantias pagas a título de honorários de mandatário ou de agente de execução, salvo, quanto às referentes aos honorários de mandatário, quando as quantias em causa sejam superiores ao valor indicado na alínea c) do n.º 3 do artigo 26.º; // e) Indicação do valor a receber, nos termos do presente Regulamento».
(3) Acórdão do STA, de 18.06.2014, P. 01062/12
(4) Acórdão do STA, de 29-04-2015, P. 01166/13