Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07811/14
Secção:CT
Data do Acordão:11/16/2017
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:C.I.V.A. OBRIGAÇÃO GERAL DOS SUJEITOS PASSIVOS DISPOREM DE CONTABILIDADE ORGANIZADA.
MECANISMOS DE DEDUÇÃO DO I.V.A.
DEDUÇÃO E REEMBOLSO DE I.V.A. NOÇÃO.
REGIME DO EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA DE FISCALIZAÇÃO POR PARTE DA A. FISCAL.
ESPECIFICIDADE DO I.V.A.
ARTº.4, Nº.1, DO C.I.V.A.
CONCEITO RESIDUAL OU NEGATIVO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS.
TEORIA DAS CONTRAPRESTAÇÕES RECÍPROCAS.
FAZENDA PÚBLICA TEM O ÓNUS DA PROVA DOS FACTOS CONSTITUTIVOS DO DIREITO À CORRECÇÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL (CFR.ARTº74, Nº.1, DA L.G.T.).
Sumário:1. Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no então artº.28, nº.1, al.g), do mesmo diploma. Assim se explica que os sujeitos que face à lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do I.V.A. e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo.
2. O exercício do direito à dedução do I.V.A. consubstancia uma das principais características deste tributo, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977), mais exactamente no seu artº.17, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objectivos e subjectivos do exercício do mesmo direito à dedução.
3. Os mecanismos de dedução do I.V.A. estavam consagrados nos artºs.19 a 25, do C.I.V.A. baseando-se o imposto em análise num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema.
4. Tanto a dedução de I.V.A., como o seu reembolso, estão sujeitos a determinados condicionalismos previstos no C.I.V.A. que se podem considerar similares. O reembolso consiste na devolução ao sujeito passivo do imposto por ele suportado em excesso durante determinado período temporal. Por sua vez, o mecanismo de dedução de I.V.A. consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de I.V.A.
5. A A. Fiscal no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional. Mais deve chamar-se à colação que a Administração Fiscal, no âmbito do procedimento tributário, está sujeita ao princípio do inquisitório (cfr.artº.58, da L.G.T.), o qual é um corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actuação. Este dever de imparcialidade reclama que a Fazenda Pública procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja revelação seja contrária aos interesses patrimoniais da Fazenda Pública. Mais se deve realçar que o órgão instrutor pode utilizar, para conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento, todos os meios de prova admitidos em direito (cfr.artº.72, da L.G.T.).
6. Atendendo à especificidade do I.V.A., não pode a A. Fiscal operar alterações à quantificação da base tributável deste imposto, sem que fique demonstrado terem sido praticadas omissões ou inexactidões no registo de compras ou no registo de vendas do sujeito passivo em causa.
7. A natureza do I.V.A. como um imposto geral sobre o consumo implicou a existência de um conceito residual ou negativo de prestação de serviços. De acordo com o disposto no artº.4, nº.1, são qualificadas como prestações de serviços todas as operações realizadas, além do mais, a título oneroso que não se qualifiquem como transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens. Assim, para efeitos deste imposto, são, designadamente, qualificadas como prestações de serviços, a cedência de direitos, de marcas, de patentes, a cedência de pessoal, a assunção de obrigações de não concorrência, o pagamento de determinadas subvenções e indemnizações e o débito de despesas a título de repartição de despesas comuns. Tendencialmente, a vocação de universalidade deste imposto implica que se entenda que qualquer tipo de atribuição patrimonial que não seja uma contrapartida de uma transmissão de bens tenha subjacente uma prestação de serviços tributável.
8. Todavia, sob pena de se violarem as características do imposto, para que se considere que existe uma prestação de serviços em sede de I.V.A. deverá, naturalmente, existir um serviço enquadrável numa actividade económica. A prestação de serviços será tributável em sede de I.V.A. se existir um nexo directo entre o serviço prestado e a contrapartida recebida, de acordo com a teoria das contraprestações recíprocas.
9. Na medida em que se arroga o direito à liquidação adicional assente nas correcções propostas à matéria colectável, a Fazenda Pública tem o ónus da prova dos factos constitutivos do direito a essa liquidação adicional, ou seja, o dever de demonstrar os pressupostos da correcção praticada (cfr.artº74, nº.1, da L.G.T.).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.443 a 454 do presente processo, através da qual julgou procedente a impugnação intentada pela sociedade recorrida, "... - Consultoria e Projectos de Engenharia Civil, S.A.", tendo por objecto mediato liquidações adicionais de I.V.A. e respectivos juros compensatórios, relativas ao ano de 1999 e no montante total de € 45.229,78.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.510 a 523 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por ... - Consultadoria e Projectos de Engenharia Civil, SA, com o contribuinte fiscal n.º ..., impugnação judicial contra a liquidação adicional de IVA n.º ..., no valor de € 38.972,49 e liquidação de Juros Compensatórios n.º ..., no montante de € 6.257,29 referente ao exercício de 1999;
2-Das averiguações efectuadas pela Inspecção Tributária, junto da ora impugnante, referente ao exercício de 1999, concluiu-se que naquele ano a mesma havia recebido diversas quantias - quer por transferência bancária, quer por cheque - ao abrigo de um contrato de prestação de serviços, no montante global de 57.999.997$00 (€ 289.302,77), tendo apenas contabilizado e declarado, no ano de 2001, o montante de 4.226.238$00 (€ 21.080,39), pelo que, se verificou a omissão de proveitos, bem como a não liquidação do IVA referente a esses proveitos, pelo que nos termos da Lei, o IVA encontra-se incluído no valor pago;
3-No que respeita ao valor de 11.333.333$00 que a impugnante recebeu da ..., por transferência bancária, e que alega ter servido para pagamento dos trabalhos realizados para aquela sociedade e para compensação de um crédito que havia adquirido à sociedade “...”, verifica-se, após análise de todos os elementos probatórios constantes dos autos que tal não corresponde à realidade;
4-Na verdade, de acordo com os documentos juntos pela impugnante aos autos, na sua resposta à contestação, os créditos da “...”, são de Dezembro de 1998, 1999 e 2000, sendo certo que, de acordo com o invocado pela impugnante, em Agosto de 1999 (ponto 19 da exposição da “...” junta com a petição Inicial), cedeu a sua posição contratual à “... Brasil”, pelo que, a partir desta data estava em condições de proceder ao acerto de contas relativamente à transferência bancária;
5-No que respeita aos valores titulados por cheques e que a impugnante alega terem sido recebidos por empresas estrangeiras, resulta do depoimento das testemunhas, que o primeiro cheque no valor de 25.000.000$00 foi devolvido à ... e que esta emitiu um outro à ordem de uma nova empresa (ponto 20 da exposição supra mencionada), no entanto tal não corresponde à realidade, verificando-se através do número do cheque que é o que foi entregue à “...”;
6-Acresce que, relativamente ao montante da transferência bancária, bem como ao do cheque emitido em nome da “...” no valor de 10.000.000$00, verifica-se existirem documentos de quitação (embora irregulares);
7-Contudo, no que respeita aos cheques com os valores de 25.000.000$00 e 21.666.664$00 e que foram depositados numa conta do ... OVERSEAS BANK, LTD, situado na Ilhas Cayman - offshore, não existe qualquer documento de quitação, nem a contabilização dos mesmos à excepção das cópias dos referidos cheques;
8-Face aos documentos juntos pela impugnante aos autos, nomeadamente a carta dirigida à sociedade ... - Arquitectos Associados, Lda., bem como aos que constituem os anexos 1 a 4 do doc. n.º 7 (junto à Reclamação Graciosa - fls. 76 a 260), verifica-se que todos os trabalhos realizados a nível de projectos de infraestruturas e edifícios foram feitos pela impugnante e não por terceiros;
9-Verificando-se ainda e de acordo com a declaração emitida pela “... Brasil” que em Janeiro de 2004 (depois de efectuada a acção de inspecção tributária e as correcções impugnadas, tal como a declaração emitida pelo Banco ...), que “em condições a definir e a concretizar contratualmente, assumiu o encargo de realizar o projecto de especialidades dos edifícios … que o mesmo será realizado em associação com … a ... Consultants Limited”;
10-Ora, face a esta declaração e ao facto de ainda nada estar definido e concretizado contratualmente - quer por escrito, quer verbalmente - em 2004, não existem quaisquer fundamentos para que a referida sociedade tenha recebido cerca de cinco anos antes, um adiantamento de 46.666.664$00, sem ter dado quitação do mesmo;
11-Deste modo, e tendo presente a realidade em análise e de todos os elementos constantes do probatório, considera a Fazenda Pública, contrariamente ao doutamente decidido, que andou bem a Inspecção Tributária, ao considerar que a impugnante omitiu rendimentos, tendo procedido às respectivas correcções e, sede de IVA ao exercício de 1999;
12-Em regra, a Administração Fiscal terá o ónus da prova dos pressupostos dos factos constitutivos dos direitos que pretender exercer no procedimento, enquanto os sujeitos passivos terão o ónus de provar os factos que possam servir de suporte à concretização desses direitos;
13-Quem alega no procedimento deve provar os factos alegados, independentemente do princípio do inquisitório consistente no direito de Administração Fiscal, em caso de dúvida, desenvolver as diligências probatórias adequadas à descoberta da unidade material;
14-Não se podendo escamotear que a produção de prova que seja susceptível de convencer da veracidade de um facto invocado, basta, em princípio para considerar cumprindo o ónus da prova, e que;
15-Tudo isto porque o procedimento tributário adopta uma filosofia de repartição do ónus da prova, aliás como é referido na douta sentença e, não poderia ser de outro modo;
16-Tanto mais que, um sistema fiscal que "faça assentar na administração tributária todo o ónus de prova pode contribuir para a impunidade da fraude e evasão fiscal, sobretudo quando o contribuinte tenha voluntariamente procedido à ocultação de todos os sinais reveladores dos factos tributários". Lima Guerreiro, In Lei Geral Tributaria, anotada, nota 3 ao artigo 74.º;
17-Ora, pese embora, tal regra esteja prevista para o procedimento tributário, o seu conteúdo deve ser transposto para o processo judicial que se lhe seguir, de forma a quem tinha o ónus da prova de certos factos no procedimento tributário tenha o respectivo ónus no processo judicial tributário;
18-Assim, tendo a Administração Fiscal feito prova da existência do facto tributário, ou seja, da necessidade das correcções, em sede de IVA, referente ao exercício de 1999, por omissão de rendimentos, pela prestação de serviços e concomitante falta de liquidação de IVA, compete à impugnante demonstrar que tal facto não existia;
19-Assim sendo e após tudo o que foi dito, podemos concluir que a actuação da Administração Tributária não foi mais do que dar cumprimento aos preceitos legais em vigor à data e a sua actuação no estrito cumprimento dos mesmos;
20-Ao decidir como decidiu, a douta sentença incorreu em erro de julgamento;
21-Deste modo, e tendo presente a realidade em análise e de todos os elementos constantes do probatório, considera a Fazenda Pública, contrariamente ao doutamente decidido, que andou bem a Inspecção Tributária ao proceder às correcções da matéria colectável;
22-Neste sentido, o Digno Magistrado do Ministério Publico, ao acompanhar a posição sustentada pela Representação da Fazenda Publica;
23-Face ao exposto, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida ao julgar procedente a presente impugnação judicial, enferma de erro de apreciação da prova, de erro de interpretação de lei;
24-Termos em que, com o douto suprimento de Vossa Excelências, deve o presente recurso ser provido e, consequentemente ser revogada a sentença proferida pelo douto Tribunal “a quo” assim se fazendo a costumada Justiça.
X
A sociedade recorrida produziu contra-alegações (cfr.fls.524 a 555 dos autos), as quais encerra pugnando pela manutenção do julgado, embora sem formular conclusões.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.576 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.578 e 579 do processo), vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.445 a 449 dos autos - numeração nossa):
1-A sociedade impugnante, "... - Consultoria e Projectos de Engenharia Civil, S.A.", com o n.i.p.c. ..., tem como objecto social a actividade de engenharia e técnicas afins CAE 74202 (cfr.certidão junta a fls.340 a 344 dos presentes autos; informação exarada a fls.241 a 257 do processo administrativo apenso);
2-Em 1999, a impugnante estava enquadrada, em sede de IRC, no regime geral de tributação, e em sede de IVA no regime normal de periodicidade mensal (cfr.relatório de inspecção junto a fls.227 a 236 do processo administrativo apenso; informação exarada a fls.241 a 257 do processo administrativo apenso);
3-Na sequência de uma acção de inspecção efectuada pela Inspecção Geral de Finanças e em cumprimento das Ordens de Serviço n.º 87099 (1999) e 87100 (2000), de 25 de Setembro de 2003, foram efectuadas averiguações pelos serviços de inspecção junta da sociedade impugnante (cfr.relatório de inspecção junto a fls.227 a 236 do processo administrativo apenso);
4-Em resultado da acção inspectiva referida no nº.3, foi elaborado o Relatório de Acção Inspectiva, do qual consta, além do mais, o seguinte:
“(…)
IV- FUNDAMENTAÇÃO DAS CORRECÇÕES TÉCNICAS PROPOSTAS”
1. Omissão de proveitos
1.1 Não obstante as evidentes contradições, existem fortes indícios de que houve efectivamente serviços realizados pela ..., todos conexos com o empreendimento “ ... II”, a título dos quais foram recebidas importâncias sem que, na maioria dos casos, tenham sido emitidas as devidas facturas, porquanto:
Existe evidência da existência dum acordo no qual foi prevista a realização de serviços na área da
arquitectura e engenharia, no âmbito do empreendimento “ ... II”, e que envolveu, entre outras, a empresa ...;
Esses serviços foram efectivamente prestados;
As outras empresas prestadoras de serviços, que tal como a ..., se encontram mencionadas no referido acordo, reconhecem o efectivo pagamento dos valores de 11.333.333$00, 25.000.000$00 e 21.666.664$00 em 1999 e de 10.000.000$00 em 2000.
A ... reconhece o recebimento do valor de 11.333.333$00, em 9/6/99 (por transferência bancária), que corresponde precisamente a uma verba de que está em causa, para o qual emitiu a factura n.º 159, em 21/12/2001, no valor global de 4.226. 238$00 (3.612.169$00 + 614.069$00 de IVA), resultante da compensação de créditos que tinha sobre a empresa – mãe do grupo a que a ... pertence (... HOLDING SGPS, SA.) cedidos por outra empresa (credora originária);
Foram emitidos, em nome da ..., 3 cheques exactamente nos valores de 25.000.000$00, 21.666.664$00 e 10.000.000$00, cheques n.º 8602290518, 8867407048 e 4367407053, sacados sobre o Banco ..., S.A. (e não 4 cheques conforme foi referido no projecto de conclusão do relatório)
1.2. Existe, assim, fundamento bastante para proceder a correcções de natureza técnica, na esfera da empresa pela omissão de proveitos derivados de serviços prestados e pagos de 1999 e 2000, no valor 229.249,89 Euros (45.969.477$00) e 42.632,30 Euros (8.547.009$00) respectivamente, conforme quadro seguinte:
    Valor Total
Prestação de serviços
IVA associado
    Custo aceite
    Valor a acrescer
(1)
    (2)=(1)1,17
    (3)=(2)x17%
(4)
      (5)=(2)-(4)
    11.333.333
    9.686.609
    1.646.724
    3.612.169*
      6.074.440
    25.000.000
    21.367.521
    3.632.479
0
      21.367.521
    21.666.664
    18.518.516
    3.148.148
0
      18.518.516
Total 1999
      45.960.477
    10.000.0000
    8.547.009
    1.452.991
0
      8.547.009
Total 2000
      8.547.009
(…)”
(cfr.relatório de inspecção junto a fls.227 a 236 do processo administrativo apenso);
5-No Relatório a que alude o nº.4 do probatório, em 10 de Novembro de 2003, a Directora de Finanças Adjunta exarou o seguinte despacho: “ Concordo com o parecer do Chefe de Divisão, e com o relatório da acção inspectiva, em anexo. Dos fundamentos deles constantes resulta que se encontram verificados os pressupostos legais e de facto para, mantendo-se a avaliação directa da matéria colectável ás correcções técnicas propostas, nos termos da parte final dos artigos 16º n.º1 e 17º n.º1 do Código do IRC, conjugado com os artigos 81 a 84º da LGT.” (cfr.relatório de inspecção junto a fls.227 a 236 do processo administrativo apenso);
6-Com base na correcção efectuada, a Administração Fiscal emitiu, além do mais, a liquidação adicional de IVA n.º ..., no montante de € 38.972,49 e a liquidação de Juros Compensatórios n.º ... no montante de € 6.257,29, ambas relativas ao ano de 1999 e com data limite de pagamento voluntário fixada em 31.01.2004 (cfr. documentos juntos a fls.47 e 48 dos presentes autos);
7-Em 11.02.2004, a sociedade impugnante deduziu reclamação graciosa contra as liquidações identificadas no nº.6 do probatório (cfr.articulado junto a fls.2 a 13 do processo de reclamação graciosa apenso);
8-Em 17.01.2005, por despacho proferido pelo Director de Finanças Ajunto da Direcção de Finanças de Lisboa foi a reclamação graciosa a que alude o nº.7 do probatório indeferida (cfr.documentos juntos a fls.389 a 396 do processo de reclamação graciosa apenso);
9-Na sequência do convite que lhe foi dirigido pela empresa ... - Arquitectos Associados, Lda para participar no projecto imobiliário ... II, a sociedade impugnante apresentou uma proposta para a elaboração dos projectos de infra-estruturas da urbanização e dos projectos de especialidades das edificações a construir, proposta essa com o preço total de 120.000.000$00 de honorários (cfr.documento junto a fls.321 a 324 dos presentes autos; depoimento da testemunha M...);
10-A sociedade impugnante não elaborou qualquer projecto de infra-estruturas, nomeadamente, projecto de electricidade, projecto de águas e de telefone, porque não existiu nenhuma solução de arquitectura aprovada nem projecto de loteamento (cfr. depoimento das testemunhas L... e L...);
11-Mediante carta datada de 21.12.2001, a sociedade impugnante dirigiu à ... SA a seguinte comunicação: “Na sequência da cedência à nossa empresa do crédito no valor de Esc.7.107.095$00 que a ... detinha sobre a ..., vimos informar que aceitamos tal cedência por crédito da vossa conta corrente. A liquidação do saldo da mesma, no valor de 4.226.238$00 vai ser efectuada através da nossa factura n.º 159/I20A/2001, que juntamos em anexo.” (cfr.documento junto a fls.325 dos presentes autos; depoimento das testemunhas L... e L...);
12-A coberto da carta datada de 21.12.2001, a ..., Consultores Portugueses, S.A. dirigiu à ... a seguinte comunicação: “Estando pendente um crédito sobre a ... no montante de 7.107.095$00, incluindo IVA, valor cujo pagamento tem sido sucessivamente prometido pagar, mas que até à presente data não se efectuou, e tendo a ... um débito à ... no montante de 11.333.333$00 (…) vimos comunicar que procedemos nesta data à cedência do nosso crédito no valor de 7.107.095$00, aquela empresa” (cfr.documento junto a fls.326 dos presentes autos; depoimento das testemunhas L... e L...);
13-Consta de fls.207 a 221 do processo administrativo apenso, um documento titulado «CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE PROJECTOS DE ARQUITECTURA ENGENHARIA E ASSISTÊNCIA TÉCNICA», do qual se respiga:
“(…)
Entre
... - SOCIEDADE IMOBILIÁRIA, LDA (…) adiante designada por PRIMEIRA CONTRATANTE
E
...- ARQUITECTOS ASSOCIADOS, LDA (…),...- ARQUITECTOS ASSOCIADOS, LDA (…) e ..., (…) adiante designadas como SEGUNDAS CONTRAENTES,
é, celebrado, reciprocamente aceite e redigido a escrito o presente contrato de prestação de serviços, que se rege pelas cláusulas seguintes.(…)”
14-O documento a que alude o nº.13 não se encontra assinado nem datado (cfr. documento junto a fls.207 a 221 do processo administrativo apenso);
15-Em 28.01.2004, a ... Brasil Engenharia e Construções LTDA declarou:
“(…)
1. Que, em condições a definir e a concretizar contratualmente, assumiu o encargo de realizar o projecto de especialidades dos Edifícios da Urbanização da ... , em ... empreendimento este a ser executado pela ...;
2. Que o mesmo será realizado em associação com outras empresas, designadamente a ...
Consultands Limited.(…)”
(cfr.documento junto a fls.89 dos presentes autos);
16-Em 2.02.2004, o Banco ..., S.A emitiu a seguinte declaração:
“(…)
A pedido da ... Consultants Limited, uma empresa estrangeira não residente, o Banco ..., S.A. vem declarar, para os efeitos tidos por convenientes, que aquela empresa depositou os cheques n.º 8602290518, 8867407048 e 4367407053, respectivamente, emitidos sobre o Banco ..., S.A., numa conta de que era titular junto do ... OVERSEAS BANK, LTD.(…)”
(cfr.documento junto a fls.88 dos presentes autos);
17-Os serviços prestados pela impugnante ao Grupo .../... correspondem a estudos prévios de localização de infra-estruturas relativamente a uma proposta de zonamento edificativo a serem apresentados à Câmara Municipal (cfr.documentos juntos a fls.80 a 258 do processo de reclamação graciosa apenso; depoimento das testemunhas M... e L...);
18-Meses após a apresentação da proposta a que alude o nº.17 do probatório, a impugnante foi informada que a prestação do serviço seria prestada não apenas ao ... mas também, e em conjunto, à ... (cfr.depoimento das testemunhas M..., L... e L...);
19-Os trabalhos a cargo da … A. Lda e ... antecediam os projectos de infra-estruturas da urbanização e os projectos de especialidade, estes últimos, a cargo da impugnante (cfr.depoimento das testemunhas M..., L...);
20-A impugnante recebeu a quantia de 11.333.333$00 a título de adiantamento de serviços (cfr.depoimento das testemunhas L... e L...);
21-A ... não emitiu a factura referente à quantia identificada no nº.20 do probatório (cfr.depoimento das testemunhas L... e L...);
22-Em 21.12.2001, a impugnante emitiu à … a factura n.º 159/I20A/2001, no valor de € 3.612,169,00, acrescida da taxa legal de IVA (€ 614,069.00) perfazendo o total de € 4.226,238,00 sob o descritivo: “Honorários relativos a trabalhos de anteprojecto referentes ao licenciamento da …” (cfr.documento junto a fls.64 dos presentes autos);
23-A quantia que alude o nº.22 do probatório foi recebida pela impugnante em contrapartida do estudo prévio desenvolvido (cfr.depoimento das testemunhas L... e L...);
24-Em 11.02.2000, a impugnante emitiu a Nota de Honorários da qual se destaca: “Cliente: ...; Trabalho: Bengalore, Índia; Custo: 10.000.000$00 (dez milhões de escudos). Este valor não inclui IVA. Este documento não serve de factura.” na qual se encontra ainda aposto o carimbo do Banco , S.A. (cfr.documento junto a fls.79 dos presentes autos);
25-A sociedade impugnante não realizou qualquer trabalho na Índia para a ... (cfr.depoimento das testemunhas L... e L...);
26-A impugnante enviou via correio electrónico no dia 18.02.2005, a petição inicial que originou os presentes autos, na qual se mostra aposto o carimbo de entrada com data de 21.02.2005 (cfr.carimbo de entrada aposto a fls.2 dos autos; documentos juntos a fls.172 e 173 dos presentes autos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Inexistem outros factos sobre que o Tribunal se deva pronunciar já que as demais asserções insertas na douta petição constituem conclusões de facto e/ou direito…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos reportados em cada uma das alíneas do probatório, pela fé que merecem não tendo sido impugnados e nos depoimentos prestados em sede de prova testemunhal…”.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida, em síntese, julgou procedente a impugnação intentada pela sociedade recorrida, nesta medida anulando os actos de liquidação de I.V.A. e juros compensatórios objecto do processo (cfr.nº.6 do probatório).
X
Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O apelante discorda do decidido aduzindo, em síntese, que a A. Fiscal efectuou prova da existência do facto tributário, ou seja, da necessidade das correcções, em sede de I.V.A., referentes ao exercício de 1999, por omissão de rendimentos derivados da prestação de serviços e concomitante falta de liquidação de I.V.A. Que competia ao impugnante demonstrar que tais factos não existiram. Que a decisão recorrida enferma de erro de apreciação da prova e de erro de interpretação de lei (cfr.conclusões 1 a 23 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, supõe-se, consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece deste vício.
Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no então artº.28, nº.1, al.g). Assim se explica que os sujeitos que face a lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do I.V.A. e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo (cfr.artºs.44 a 52, do C.I.V.A.; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, pág.114).
O exercício do direito à dedução do I.V.A. consubstancia uma das principais características deste tributo, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977), mais exactamente no seu artº.17, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objectivos e subjectivos do exercício do mesmo direito. O sistema comum do I.V.A. instituído pela Sexta Directiva caracteriza-se pela existência de uma base de incidência uniforme, de regras comuns em matéria de incidência objectiva e subjectiva, isenções e valor tributável, pela harmonização de regimes especiais e pelo alargamento obrigatório da tributação ao estádio retalhista e à generalidade das prestações de serviços (cfr.Clotilde Celorico Palma, Estudos de Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 2006, pág.10 e seg.).
Os mecanismos de dedução do I.V.A. estavam consagrados nos artºs.19 a 25, do C.I.V.A. Baseando-se o imposto em análise num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema. No entanto, nos termos do artº.19, nº.2, do referido diploma, só confere direito a dedução o imposto mencionado em facturas ou documentos equivalentes passados em forma legal, sendo tais requisitos, além do mais, os consagrados no artº.35, nº.5, do C.I.V.A. Tal exigência do legislador visa manter a cadeia de deduções, que é a alma do sistema, obstaculizando às tentativas de dedução de imposto não suportado (situação de verdadeiro lucupletamento à custa do Erário Público), assim contrariando a evasão fiscal e tornando imperiosa a observância da forma legal na emissão de documentos, sob pena de os mesmos não conferirem direito à mencionada dedução. Para efeitos de apuramento do imposto devido ao Estado, os sujeitos passivos deduzirão ao I.V.A. liquidado nas suas facturas, o imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram relativas à aquisição de bens e serviços (cfr.F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.501; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, pág.112).
Vale isto por dizer que a determinação da parcela do imposto que cumpre entregar ao Estado assenta basicamente no mecanismo das deduções através do chamado método subtractivo indirecto - indirecto porque não implica a determinação do efectivo valor acrescentado do bem em todas e cada uma das fases do circuito económico, e subtractivo porque, não sendo cumulativo, ao imposto das vendas é subtraído o imposto das aquisições - pelo que não é demais realçar a enorme importância que as deduções têm no apuramento do imposto, pelos efeitos compensatórios entre o direito de crédito de que o sujeito passivo é titular pelo I.V.A. suportado nas operações a montante e a dívida tributária pelas operações efectuadas a jusante (cfr.F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.564 e seg.; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, 2000, pág.124 e seg.; Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2006, pág.172 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/2/2005, rec.860/04; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/6/2004, proc.6816/02; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/11/2012, proc.5637/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6418/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/4/2015, proc.6525/13).
Tanto a dedução de I.V.A., como o seu reembolso, estão sujeitos a determinados condicionalismos previstos no C.I.V.A. que se podem considerar similares. O reembolso consiste na devolução ao sujeito passivo do imposto por ele suportado em excesso durante determinado período temporal. Por sua vez, o mecanismo de dedução de I.V.A. consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de I.V.A. (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/11/2004, rec.216/04; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.6280/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2006, pág.157 e seg.).
Voltando ao caso concreto, entendeu a A. Fiscal, resumidamente, que se verificou uma situação de omissão de proveitos derivada de serviços realizados pela sociedade impugnante/recorrida na área da arquitectura e engenharia, junto do empreendimento “... II”, pagos em 1999 e no valor € 229.249,89, os quais deviam incluir I.V.A. à taxa legal, assim estruturando a respectiva correcção técnica e consequentes liquidações.
Pelo contrário, o Tribunal "a quo" concluiu que a A. Fiscal não produziu prova indiciária que implique a ilisão da presunção de veracidade das declarações do contribuinte consagrada no artº.75, nº.1, da L.G.T., em consequência do que padecem as liquidações objecto do processo do vício de violação de lei.
Vejamos quem tem razão.
A A. Fiscal no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional. Mais deve chamar-se à colação que a Administração Fiscal, no âmbito do procedimento tributário, está sujeita ao princípio do inquisitório (cfr.artº.58, da L.G.T.), o qual é um corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actuação. Este dever de imparcialidade reclama que a Fazenda Pública procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja revelação seja contrária aos interesses patrimoniais da Administração. Mais se deve realçar que o órgão instrutor pode utilizar, para conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento, todos os meios de prova admitidos em direito (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.4444/11; artº.72, da L.G.T.).
Atendendo à especificidade do I.V.A., mais se refere que não pode a A. Fiscal operar alterações à quantificação da base tributável deste imposto, sem que fique demonstrado terem sido praticadas omissões ou inexactidões no registo de compras ou no registo de vendas do sujeito passivo em causa (cfr.ac.S.T.A.-2ª. Secção, 26/11/97, rec.21676, Ap.Dr., 30/3/2001, pág.3108 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/10/98, rec.20568, Ap. Dr., 21/1/2002, pág.2964 e seg.; ac.T.C.A.-2ª.Secção, 16/3/1999, proc.280/97, Antologia de Acórdãos, ano II, nº.2, pág.288 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/7/2012, proc.4397/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.4444/11).
Passemos, agora, ao exame do conceito de prestação de serviços constante do artº.4, nº.1, do C.I.V.A., na versão em vigor no ano de 1999 (a aplicável ao caso “sub judice” - cfr.artº.12, do C.Civil):
ARTIGO 4º.
(Conceito de prestação de serviços)

1 - São consideradas como prestações de serviços as operações efectuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens.
(...)

A natureza do I.V.A. como um imposto geral sobre o consumo implicou a existência de um conceito residual ou negativo de prestação de serviços. O conceito de prestação de serviços acolhido no Código do I.V.A. não corresponde ao civilístico, de acordo com o qual o contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição (artº.1154, do C.Civil).
A incidência do I.V.A. ganha, assim, uma vocação de universalidade. De acordo com o disposto no artº.4, nº.1, são qualificadas como prestações de serviços todas as operações realizadas, além do mais, a título oneroso que não se qualifiquem como transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens.
Atento o referido, para efeitos deste imposto, são, designadamente, qualificadas como prestações de serviços, a cedência de direitos, de marcas, de patentes, a cedência de pessoal, a assunção de obrigações de não concorrência, o pagamento de determinadas subvenções e indemnizações e o débito de despesas a título de repartição de despesas comuns.
Tendencialmente, a vocação de universalidade deste imposto implica que se entenda que qualquer tipo de atribuição patrimonial que não seja uma contrapartida de uma transmissão de bens tenha subjacente uma prestação de serviços tributável.
Por último, dir-se-á que a prestação de serviços só será tributável em sede de I.V.A. se existir um nexo directo entre o serviço prestado e a contrapartida recebida, de acordo com a teoria das contraprestações recíprocas (cfr.Clotilde Celorico Palma e Outros, Código do IVA e RITI, Notas e Comentários, Almedina, 2014, pág.66 e seg.; Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2006, pág.58 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/1/2015, proc. 8165/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/2/2016, proc.9096/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/11/2016, proc.9875/16).
"In casu", examinemos, então, se a A. Fiscal fez prova, como defende o recorrente, dos pressupostos para recurso ao método de avaliação directa da matéria colectável da sociedade recorrida (correcções técnicas), na cédula de I.V.A. e relativamente ao ano de 1999.
Do exame do probatório se deve concluir que a Fazenda Pública não apresentou qualquer indício sério e objectivo de que a sociedade impugnante/recorrida tenha celebrado o acordo a que alude o nº.13 da matéria de facto, ou ainda que tivesse executado qualquer prestação de serviço, para além daquela que o próprio sujeito passivo reconhece e de que foi remunerado (cfr.nºs.10 e 22 do probatório).
O mesmo se dirá dos cheques emitidos à ordem de uma entidade com a palavra “...” na sua denominação social (da factualidade provada resulta a existência de diversas sociedades que utilizam este termo na denominação social), titulando os valores de 25.000.000$00 (cheque nº.8602290518) e 21.666.664$00 (cheque nº.87407048). Face a estes, a prova produzida vai no sentido de que tais títulos de crédito foram depositados no “... Overseas Bank Ltda” numa conta da qual a “... Consultants Limited” era titular (cfr.nº.16 do probatório).
Resulta, igualmente, da matéria de facto que a actividade e intervenção da sociedade impugnante/recorrida é diferente, quanto ao tipo de serviço prestado e momento da intervenção, relativamente às outras entidades envolvidas, “” e “...”, na medida em que os trabalhos a cargo destas antecediam os projectos de infraestruturas da urbanização e os projectos de especialidades (cfr.nºs.10, 17 e 19 do probatório).
Do expendido, haverá que concluir que os indícios recolhidos pela A. Fiscal não permitem suportar, objectivamente e à luz das regras práticas da experiência, a conclusão a que chegou e na qual fez repousar a decisão de corrigir a matéria tributável da sociedade impugnante/recorrida e proceder às liquidações objecto do processo.
E recorde-se que, na medida em que se arroga o direito à liquidação adicional assente nas correcções propostas à matéria colectável, a Fazenda Pública tem o ónus da prova dos factos constitutivos do direito a essa liquidação adicional, ou seja, o dever de demonstrar os pressupostos da correcção praticada (cfr.artº.74, nº.1, da L.G.T.).
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o recurso deduzido e confirma-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva do presente acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas.
X
Registe.
Notifique.
Ofício junto a fls.642 dos autos: satisfaça, remetendo cópia certificada do presente acórdão.
X
Lisboa, 16 de Novembro de 2017



(Joaquim Condesso - Relator)



(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)