Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02182/08
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/19/2015
Relator:ANA PINHOL
Descritores:DIREITOS ADUANEIROS – DIREITO DE AUDIÊNCIA PRÉVIA
Sumário:I. A falta de audição prévia do contribuinte, nos casos consagrados no artigo 60º, nº.1, da LGT, constitui um vício de procedimento susceptível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada.

II. Só assim não acontecendo se for manifesto que tal acto tributário só podia, em abstracto, ter o conteúdo que teve no caso concreto.

III. Em tal situação, sendo seguro que o exercício do direito de audiência prévia por parte do impugnante não teria qualquer relevância na estruturação da liquidação ora impugnada, pode concluir-se que o exercício do direito de audiência prévia se constitui em formalidade legal se degrada em irregularidade irrelevante.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO (2.ª SECÇÃO) DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:


I.RELATÓRIO
U…………. IMPORT ………………. S.R.L. (anteriormente denominada BOCCH Import S.R.L.) recorre da sentença proferida pela Mmª Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, datada de 24 de Outubro de 2007, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o acto de liquidação da dívida respeitante a direitos aduaneiros, IVA e juros compensatórios, no montante global de € 1.100.658,03.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
a) A sentença recorrida faz uma errada interpretação da legislação comunitária aos factos dados como provados e não se pronuncia sobre matéria essencial para a descoberta da verdade;
b) Com efeito, não se pronuncia sobre a autenticidade dos documentos AGRIM nem sobre a falta de investigações, por parte das autoridades aduaneiras, conducentes ao apuramento da mesma;
c) Invocando, as autoridades aduaneiras, a falsidade daqueles documentos, competia-lhes, nos termos do artigo 74.º da Lei Geral Tributária, fazer a respectiva prova;
d) Nos termos do n.º 1 deste artigo, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque;
e) A administração tributária aduaneira limitou-se a dizer que os certificados AGRIM eram falsos sem apresentar, contudo, qualquer prova para o efeito;
f) Aliás, não desenvolveu quaisquer diligências probatórias quer em Portugal quer noutro Estado membro;
g) Contrariamente ao que se passou em Portugal, em Itália foram desenvolvidas várias diligências que vieram a demonstrar a regularidade formal na emissão dos certificados;
h) As diligências ocorreram, no âmbito de um processo de cobrança “a posteriori” em que foram utilizados os mesmos certificados, despachadas as mesmas mercadorias e aplicadas as mesmas normas pelo mesmo importador;
i) Os actos tributários das autoridades aduaneiras de Itália foram objecto de impugnação, tendo a Comissione Tributária Provinciale di Ravenna dado provimento ao recurso interposto e anulado os respectivos actos deduzidos visto “subsistirem todas as condições e motivações de lei, tal como foi antes apurado”;
j) Esta sentença foi objecto de apelação junto da Comissão Tributária Regional de Bolonha que a confirmou em definitivo com trânsito em julgado;
k) Face à divergência entre um órgão jurisdicional português e um órgão jurisdicional italiano, na aplicação da mesma legislação comunitária que é o Código Aduaneiro Comunitário aprovado pelo Regulamento (CEE) n.º 2913/92 do Conselho de 12 de Outubro de 1992, aos mesmos factos praticados pelo mesmo importador e a coberto dos mesmos documentos, não pode este Tribunal “ad quem” deixar de ter a mesma interpretação ou, caso assim se não entenda, deixar de submeter a presente questão ao Tribunal de Justiça, por força do artigo 234.º do Tratado de Roma;
l) Mais a douta sentença violou o artigo 250º do CAC, em virtude de, com a junção da sentença do Tribunal de Ravenna, ter de se constatar que este Tribunal considerou que os certificados AGRIM, que apenas posteriormente ao momento da apresentação se revelaram falsos, existindo também lacunas do sistema de controles realizados, não poderiam ser objecto de cobrança a posteriori por força do disposto no artigo 220º nº2 alínea b) do mesmo diploma legal;
m) A douta sentença recorrida não pode dizer que a impugnante “não logrou fazer prova de qualquer incorrecto procedimento por parte do organismo francês ODEADOM, designadamente que tenha tido qualquer falta de controlo na emissão dos certificados de importação em causa ou falta de fiscalização”, quando se constata que é o próprio ODEADOM a informar a impugnante, através do documento n.º 7 da petição inicial, que os referidos certificados foram transferidos para seu nome regularmente;
n) Como também não pode derivar para a apreciação da responsabilidade da alegante no âmbito do mandato em que terá agido ou no regime de solidariedade em que se terá constituído, ao abrigo do artigo 201.º n.º1 do CAC sem, antes, apurar se se verificaram os pressupostos constantes do artigo 220.º n.º 2 alínea b) do mesmo diploma legal que a desoneram do pagamento uma vez que, nestas condições, “não se efectuará um registo de liquidação a posteriori quando o registo da liquidação do montante dos direitos legalmente devidos não tiver sido efectuado em consequência de um erro das próprias autoridades aduaneiras, que não podia ser razoavelmente detectado pelo devedor, tendo este, por seu lado, agido de boa fé e observado todas as disposições previstas na regulamentação em vigor, no que se refere à declaração aduaneira”;
o) A haver dívida, esta não pode ser imputada;
p) Os actos tributários impugnados, contrariamente ao decidido na sentença recorrida, padecem do vício de violação de lei porquanto não foram observados os procedimentos exigidos no artigo 60.º da LGT;
q) Os actos tributários foram praticados antes de efectuados os respectivos registos de liquidação sendo que toda a fundamentação invocada na audição prévia pela alegante não foi devidamente ponderada na decisão final;
r) Quando a resposta da alegante foi apreciada e decidida, em 26 de Outubro de 2001, já os registos de liquidação tinham sido efectuados, em 17 de Outubro de 2001 pelo que foi preterida uma formalidade essencial geradora de nulidade do acto de liquidação tributário.
s) Na sentença recorrida não foram apreciadas nem questões de facto nem questões de direito constantes da impugnação nem foram especificados os fundamentos de facto, por omissão das provas que serviram para formar a convicção do julgador e de falta de fundamentação de direito;
t) Houve, assim, por parte da douta decisão recorrida, errada apreciação da matéria de facto, omissão de pronúncia sobre questões relevantes e violação de lei por errada interpretação e aplicação das referidas normas do CAC, do n.º 1 do artigo 123.º e do artigo 125 do CPPT, dos n.ºs 1 a 3 do artigo 659.º e do n.º 2 do artigo 660.º do CPC;
u) A sentença recorrida está, pois, ferida de nulidade nos termos do n.º 1 do artigo 125.º do CPPT e das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC;
v) Mas a sentença recorrida enferma, ainda, de ilegalidade por erro nos pressupostos de facto e de direito por errada interpretação e aplicação das normas legais anteriormente referidas que não implicam a nulidade da sentença;
w) A sentença recorrida é inconstitucional por violação dos artigos 8.º e 205.º da Constituição da República Portuguesa.


Termos em que,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, considerando-se nula a sentença com fundamento, designadamente, nas alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC e do n.º 1 do artigo 125.º do CPPT ou revogando-se a sentença por erros processuais manifestos e por erro nos pressupostos de facto e de direito, o que levou a uma errada interpretação e aplicação das normas referidas, como é de inteira justiça.»

Contra alegou a Recorrida finalizando com o seguinte quadro conclusivo:
1. A Douta Sentença ora recorrida, decidiu em conformidade com a matéria de facto e de Direito constante nos presentes autos;
2. A ora recorrente impugnou as liquidações dos direitos e outras imposições devidas no âmbito do processo de cobrança “à posteriori” nº 21/01 da Alfândega de Setúbal, o qual foi promovido pelas denúncias da OLAF;
3. Tais denúncias fundamentaram-se na falsidade dos dois certificados AGRIM identificados nos presentes autos;
4. Tais falsificações foram confirmadas pela própria ODEADOM, órgão competente para a emissão daquele tipo de documentos;
5. Nestes termos, não terá havido erro das autoridades aduaneiras, desde logo porque não foi a ODEADOM (no uso das suas competências) que terá emitido aqueles certificados, mas terceiros;
6. Por outro lado, a ODEADOM é um órgão na dependência do Ministério da Agricultura e da Floresta da República Francesa, não sendo portanto uma autoridade aduaneira;
7. Igualmente a ODEADOM confirmou que um fax pretensamente por si emitido aferindo da regularidade daqueles certificados, a pedido da ora recorrente, era falso;
8. Pelo que, a qualificação daquele operador como estando de boa-fé, deverá ser posta em causa;
9. Nestes termos, não havendo erro das autoridades aduaneiras nem estando o operador económico de boa-fé, faltaram os requisitos essenciais para não se proceder às liquidações impugnadas nos termos do artigo 220º nº 2 al. b) do CAC;
10. E assim, fundamentado na prova produzida na presente lide, decidiu bem o Tribunal a quo, não havendo qualquer falta de pronuncia como pretendido;
11. Ademais, o documento número 2 agora apresentado pela ora recorrente junto às suas alegações de recurso, para além de terem meramente um carácter indicativo, não contempla a questão dos presentes autos, desde logo porque na sua generalidade refere-se a entidades de terceiros países emissoras de certificados, bem como aquelas “regras” não se aplicarem a “certificados falsos ou falsificados”;
12. A ora recorrente foi notificada através do instituto de assistência mútua em matéria de créditos, pelas Autoridades Italianas, para exercer o seu direito de audição prévia, nos termos do artigo 60º da LGT;
13. Decorridos cerca de dois meses, sobre a data daquela notificação, presumiu esta Administração que a ora recorrente não o quis exercer;
14. Nesses termos, bem como pelo facto de estar em risco a ocorrência da caducidade para efectuar aquelas liquidações, procedeu-se ao cálculo e registo das dívidas decorrentes da apresentação dos dois identificados certificados AGRIM falsos, ou falsificados, utilizados no desembaraço aduaneiro de três partidas de bananas;
15. No entanto, fazendo fé nas alegações produzidas pelo Douto Advogado representante da ora recorrente, terá esta última sido notificada para o exercício daquele direito, em 17/10/2001;
16. Exerceu aquele direito em 05/11/2001 perante órgão diferente do qual tinha sido expressamente indicado para o efeito;
17. Naquela data já tinham sido efectuados os competentes registos de liquidação;
18. Poderia então a Administração Aduaneira, desde logo não considerar a exposição apresentada, pelo facto de ser extemporânea e dirigida a órgão incompetente;
19. No entanto assim não fez: foi dada resposta pela DGAIEC àquela audição, concluindo face aos elementos então trazidos, que seria de manter a decisão de cobrança das dívidas entretanto liquidadas;
20. Naquele exercício, não foi suscitada qualquer questão nova que obstasse a que não fossem liquidadas aquelas importâncias (ou mesmo anuladas, visto que já existiam), nomeadamente, respeitante a matéria de facto, de questões processuais, de caducidade ou de ilegitimidade que tivessem de ser consideradas;
21. Nestes termos, foi de facto exercido o referido direito de audição prévia o qual poderia ter motivado a anulação daquelas dívidas;
22. No entanto, considerando que: ou por ter decorrido um lapso de tempo assaz superior àquele que lhe fora dado para exercer aquele direito sem que esta Administração tenha sido interpelada para esse efeito; ou por aquele direito ter sido exercido perante órgão incompetente e em data posterior ao seu termo; ou por nada ter trazido de novo que obstasse a que as dívidas lhe fossem exigíveis, haverá que concluir-se que em nada ficou a ora recorrente prejudicada no seu direito de pronúncia;
23. Também o facto apontado pela ora recorrente, das liquidações ora impugnadas terem sido registadas em data anterior ao da conclusão da acção de natureza fiscalizadora, não oferece fundamento de violação de qualquer preceito legal, pois que;
24. Sendo aquela acção de natureza interna, incidiu sobre a eventualidade de existirem outros factos relevantes para a determinação da existência daquelas dívidas e a de saber da legitimidade de dois contribuintes nacionais poderem ser igualmente considerados devedores solidários;
25. Confirmados os factos e conhecendo-se um dos devedores, foi proferido despacho pelo Sr. Director da Alfândega de Setúbal no sentido de se proceder ao cálculo e consequente liquidação das dívidas decorrentes da utilização daqueles dois certificados AGRIM falsos, continuando no entanto aquela acção de natureza fiscalizadora os seus termos, para efeito de se apurar da existência de mais algum devedor;
26. Alega a ora recorrente, que não foi tida em consideração a decisão judicial proferida pela “Comissione Tributária Provinciale di Ravenna”, na apreciação da presente lide:
27. Nem tinha que assim ser;
28. Os Tribunais portugueses são autónomos e não devem qualquer obediência a Tribunais italianos;
29. No entanto, sempre se dirá que a Sentença proferida nas instâncias italianas, resultou da prova produzida no processo que ali correu termos;
30. Tal prova, considerou que a Administração Aduaneira daquela República, alicerçou-se “… numa hipótese formulada por um funcionário do ODEADOM…”;
31. Igualmente a causa de pedir naquele pleito era a invalidade da notificação para pagamento dos tributos ali apurados, por a mesma ter sido efectuado ainda na pendência de uma decisão administrativa a ser proferida;
32. Nos presentes autos, a decisão do Tribunal a quo, fundamentou-se nos documentos apresentados pela OLAF bem como da ODEADOM, que afirmam peremptoriamente da falsidade daqueles certificados;
33. Igualmente foi confirmado pela própria ODEADOM, que o fax apresentado pela ora recorrente nos presentes autos a pretexto de provar da sua boa-fé, foi igualmente considerado como sendo falso;
34. Pelo que, mesmo que tivesse o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que considerar aquela outra decisão judicial, os factos dados como provados são outros, bem como as causas de pedir;
35. E igualmente não deverá ser colhido por consequência o articulado quanto ao cumprimento do artigo 250º do CAC, pois que aquele preceito aplica-se a “… documentos emitidos pelas autoridades aduaneiras de um Estado-membro…”, o que nos autos foi sobejamente demonstrado que assim não foi, atendendo que aqueles certificados terem sido emitidos abusivamente “em nome” da ODEADOM por terceiros;
36. Reclama ainda a ora recorrente, da necessidade de reenvio a título prejudicial para o TJCE nos termos do artigo 234º al. b) do Tratado de Roma, a questão relativa à aplicação ou não do artigo 220º nº 2 al. b) do CAC na presente lide, a fim de uniformizar a aplicação do direito comunitário;
37. Muito bem decidiu o Tribunal ora recorrido, ao decidir do não reenvio com fundamento que aquele Alto Tribunal não tem competência para dirimir das “… controvérsias sobre a matéria de facto…”;
38. Não consta dos autos qualquer referência a qualquer tipo de litigância com o mesmo objecto, que tenha havido em território grego, porquanto aqueles certificados AGRIM terem sido igualmente utilizados naquele Estado e a investigação ter partido de um órgão comunitário (OLAF) que deverá ter denunciado as mesmas irregularidades em todos os Estados intervenientes: Portugal, Itália e Grécia;
39. Resulta do exposto que a Sentença recorrida não se encontra ferida de qualquer nulidade nos termos dos artigos 123º, 125º do CPPT, 659º, 660º nº 2 e 668º nº 1 al.s b) e d) do CPC;
40. É pois entendimento do RFP que a Douta Sentença ora recorrida deve ser mantida, determinando-se por conseguinte a sua confirmação, assim se fazendo a devida e pretendida JUSTIÇA.»
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Foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer a fls.401/402 dos autos, no sentido da improcedência do recurso, considerando para tanto o seguinte: «(…) a questão central é a da falsidade dos certificados de importação, posto que da mesma dependem todas as demais decisões a tomar. Ora, perante a garantia da ODEADOM, tutelado pelo Ministério da Agricultura e da Floresta de França, de que não havia emitido os extractos dos certificados, desabaram todos os argumentos e as conclusões da recorrente que tinham como pressuposta a sua negação e em particular perante as diligências de prova neste âmbito realizadas e que esgotaram a necessidade de investigação suplementar, dada a superabundância de extractos de que a recorrente é titular e aquele organismo francês confirmou serem todos falsos. Sendo forçosa a consequente alteração do tratamento pautal por via da presunção decorrente do artº 201º nº 3 do CAC, por não restarem dúvidas de que a recorrente não podia deixar de conhecer a natureza e a falsidade dos elementos fornecidos e devendo assumir a inerente responsabilidade pelos montantes em falta apurados na rectificação dos registos de liquidações do Director da Alfândega de Setúbal.
No mais, perante a prova produzida e o direito aplicável, deverá entender-se que não foi feito qualquer agravo à recorrente e a douta sentença não poderia deixar de decidir como decidiu, em particular por ter a recorrente tentado a inversão do ónus da prova e incumprido o que lhe incumbia alegar e provar.
Para lá da abundante Jurisprudência referida pelo RFP, também deve perder-se de vista e que igualmente reproduz, o doutamente decidido, com pertinência relevante e no mesmo quadro de direito e de facto, por este TCAS, no Ac. de 12.6.2007, R. 01732/07:
“1.Mostra-se cumprido o direito de audição quando o contribuinte é notificado para o exercer, e de facto, apresenta requerimento onde expõe a sua resposta sobre o projecto de conclusões enviado, que é analisado pelas entidades competentes, e só depois é notificado da liquidação, ainda que a liquidação seja mantida e que já fora efectuada a um outro obrigado solidário;
2. Cumpriu a AT o ónus probatório que sobre si impendia quando, funda os actos de liquidação em informação do competente organismo comunitário (OLAF), que a informa e fundamenta da falsidade de certos certificados AGRIM utilizados perante a Alfândega nacional;
3. O pedido de reenvio prejudicial para o TJ ao abrigo do art.º 234.º do Tratado (ex-art.º 177.º) só tem lugar perante questões de interpretação ou de validade do direito comunitário que sejam relevantes para a boa decisão da causa, que não para dirimir questões de facto.”
No domínio do reenvio prejudicial, o artº 234º do Tratado de Roma permite aos juízes nacionais interrogar o Tribunal de Justiça sobre a interpretação de normas comunitárias, com vista à interpretação uniforme do direito comunitário em toda a União Europeia e só verificando-se um caso de dúvida quanto à interpretação da Convenção de Bruxelas é que se justifica que se coloque a questão ao Tribunal de Justiça. Ora, no caso, não se verifica a previsão do referido preceito do Tratado de Roma, pois só impõe aos tribunais nacionais a obrigação de reenviar ao TJCE as decisões não susceptíveis de recurso jurisdicional de direito interno quando suscitada perante qualquer deles uma questão de interpretação do direito comunitário, cfr. Ac. do STA de 11.12.07, R. 0460/07.
Em conclusão e sem necessidade de considerações suplementares, improcedem todas as conclusões da alegação da recorrente e deverá ser negado provimento ao recurso, segundo o meu parecer.»

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Foram colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Adjuntos, pelo que vem o processo submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso já que a tal nada obsta.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Novo Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.


Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, as questões que cumpre apreciar e decidir são as seguintes:
(i) saber se a sentença enferma de nulidade consignada na alínea d) do artigo 668º do CPC (al.d) do artigo 614º do NCPC), por não ter conhecido das questões identificadas na conclusão b);
(ii) saber se a sentença recorrida enferma de nulidade consignada na alínea b) do artigo 668 do CPC (al.b) do artigo 614º do NCPC) e artigo 158º do CPC (artigo 154º do NCPC) e artigo 125º, n.º1 do CPPT;
(iii) saber se foi violado o direito de audição consagrado na al.a) do
n.º1 do artigo 60º da LGT;
(iv) saber se a sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação das regras do ónus da prova;
(v) saber se a sentença recorrida incorre em erro de julgamento de direito por violação do artigo 250º do CAC;
(vi) saber se a sentença recorrida viola os artigos 8º e 205º da Constituição da República Portuguesa.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A- Fundamentação de facto
Na decisão recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a fundamentação respectiva que nos seguintes termos:
1. O Organismo Europeu de Luta Anti-Fraude (OLA) emitiu o ofício nº 577 de 23/01/2001 dirigido ao Director da Direcção de Serviços Anti-Fraude da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo no qual comunica a utilização da licença AGRIM nº 22337 datada de 30/09/98 nas importações de bananas com os documentos nºs …………. de 98.11.16 e ………….de 07.12.98. Mais comunica que o OLAF foi informado pelo ODEADOM de Paris que a referida licença nº …………datada de 30/09/98 é falso pois o número e outras informações estão errados ou não existem, assim como são falsos a assinatura e o selo oficial nele aposto. (cfr. fls. 2/5 e 19/22 do proc. de cobrança à posteriori nº 08/01 – Apenso III do processo administrativo).
2. Os factos mencionados no ponto anterior foram comunicados à Alfândega de Setúbal através do ofício nº 313 de 07/03/2001 para efeitos de recuperação dos montantes não pagos referentes àquelas importações (cfr. fls. 6 do apenso III).
3. Dos documentos enviados pelo OLAF foi ainda detectado que o certificado AGRIM nº 22331 era falso e foi utilizado no DU nº ………de 29/10/98 tendo tal facto sido comunicado à Alfândega de Setúbal através do ofício nº 496 de 18/04/2001 (fls. 1 a 5 do processo de cobrança à posteriori nº 12/01- Apenso IV do processo administrativo).
4. A impugnante através do despachante oficial “José ………………….. – Despachantes Oficiais -………-, Lda.”, importou 1.565,953 toneladas de bananas frescas as quais foram objecto de destino aduaneiro de introdução em livre prática e consumo pelos DU´s nº …………. de 29/10/1998, nº ………….. de 16/11/1998 e nº …………. de 07/12/1998 (cfr. fls. 31/34 do apenso III e fls. 24/27 do apenso IV do processo administrativo).
5. Na sequência da falsidade dos certificados acima referidos a Alfândega de Setúbal apurou os montantes em falta relativamente aos DU´s ……… e …………, resultando em falta direitos nos montantes de 65.983.103$00 e 75.103.842$00 respectivamente e IVA nos montantes de 3.299.155$00 e 3.755.192$00 e respectivos acréscimos como resulta do teor de fls. 36 a 39 do apenso III do processo administrativo.
6. E foram ainda apurados os montantes em falta relativamente ao DU nº ……………… tendo ficado por cobrar direitos no valor de 67.278.351$00 e IVA no montante de 3.363.918$00 e respectivos acréscimos (cfr. teor de fls. 29/30 do apenso IV do processo administrativo).
7. Ao abrigo de pedido de assistência mútua administrativa foram enviados à ora impugnante os ofícios nº 1430 e 1432 de 10/05/2001 para efeitos de notificação das liquidações efectuadas no processo de cobrança à posteriori nº 8/2001 (fls. 46/57 do apenso III do processo administrativo).
8. Ao abrigo de pedido de assistência mútua administrativa foram enviados à ora impugnante os ofícios nº 1429 e 1430 de 10/05/2001 para efeitos de notificação das liquidações efectuadas no processo de cobrança à posteriori nº 12/2001 (fls. 37/49 do apenso IV do processo administrativo).
9. Por despacho do Director da Alfândega de Setúbal nº 01/01 datado de 08/08/2001 foram rectificados na totalidade os registos de liquidações nºs …………., ………., …………., ………., ………….., ………… de 10 de Maio de 2001 e que correspondiam aos processos de cobrança à posteriori nºs 8/2001 e 12/2001 (cfr. fls. 71/83 do apenso III do processo administrativo).
10. No âmbito da assistência mútua em matéria de cobrança de créditos entre Estados-membros, foi solicitado à administração tributária italiana a notificação da ora impugnante para o exercício do direito de audição prévia (cfr. fls. 122/129 do apenso I do processo administrativo).
11. Foram efectuados os registos de liquidação nºs ……….., ……….. e ………….. de 17/10/2001 nos montantes de 71.266.099$00, 69.878.420$00 e 79.517.604$00 respectivamente (cfr. fls. 130/132 do apenso I).
12. Pela Alfândega de Setúbal foi emitido ofício dirigido à ora impugnante para efeitos de notificação do processo de cobrança à posteriori nº 21/01 decorrente da revisão dos processos de cobrança nºs 8/2001 e 12/2001 como resulta do teor do documento de fls. 161/164 do apenso I do processo administrativo).
13. No ofício referido no ponto anterior consta o seguinte: “Importaram V. Exªs através do v/ declarante José ………………… Despachantes Oficiais, Lda, bananas fresca, as quais foram objecto de destino aduaneiro de introdução em livre prática e consumo pelos DU´s nºs …….., ………….. e …………… de 98/10/29, 98/11/16 e 98/12/07. Estando as mercadorias em apreço vinculadas à apresentação de certificado AGRIM para benefício da taxa de 75 EUR/TON, para os DU´s em apreço, foram presentes os certificados AGRIM nºs A22331 e A22337 emitidos pelo organismo francês O.D.E.A.D.O.M. Por investigações subsequentes promovidas pelo OLAF – Organismo Europeu de Luta Anti-Fraude, em colaboração com diversos Estados-membros, foi apurado que os certificados AGRIM que serviram de base à tributação do benefício de 75 EUR/TON em contraponto aos 737 EUR/TON aplicáveis caso não fossem presentes tais certificados, são falsos. Não foi recebida qualquer resposta à Audiência Prévia comunicada em 09/08/2001, através do mecanismo de assistência mútua em matéria de cobrança de créditos constante da Directiva 76/308/CEE de 15/03. Assim, ao terem ficado por liquidar e cobrar direitos aduaneiros nos montantes de 67.278.351$00, 65.983.103$00 e 75.103.842$00, respeitantes aos DU`s ………….., …………. e ……….. respectivamente, nos termos do disposto no nº 3 do art. 201º de no art. 213º do Código Aduaneiro Comunitário, aprovado pelo Regulamento (CEE) nº 2913/92 de 12/10/1992, ficou igualmente por liquidar e cobrar IVA à taxa de 5% sobre tais montantes de direitos, ou seja, 3.363.918$00, 3.299.155$00 e 3.755.192$00, sendo V. EXªs devedores destes montantes na qualidade de importadores, nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 2º do Código do IVA, aprovado pelo Decreto-Lei nº 294-A/84 de 26/12/1984, e sendo também devedores dos direitos e de mais imposições acrescidos de juros compensatórios às taxas em vigor, desde a data de aceitação dos DU´s e conforme o nº 7 do art. 35º da Lei Geral Tributária (…)” (cfr. fls. 161/164 do apenso I do processo administrativo).
14. Em 26/11/2001 deu entrada na Direcção Geral das Alfândegas o requerimento apresentado pelo ora impugnante na qual solicita a suspensão da execução e na qual consta “Tendo sido notificada em 15 de Novembro de 2001, na pessoa do seu mandatário, de ter sido mantida a decisão de cobrança da dívida aduaneira em causa, através do ofício nº 1915 de 2001/11/14 da Direcção de Serviços da Receita Nacional e dos Recursos Próprios Comunitários (…)” (cfr. fls. 245 do apenso I).
15. Em 25/02/2002 foi proferido despacho nº 1/2002 pelo Director da Alfândega de Setúbal no qual foi indeferido o pedido de suspensão, tendo o representante da ora impugnante sido notificado em 28/02/2002 (cfr. fls. 256/259 do apenso I).
16. Em 26 de Fevereiro de 2002 foi emitida a certidão de relaxe referente ao processo de cobrança à posteriori nº 21/01 e por dívida da Bocchi Import, SRL no montante de € 1.039.321,71 de direitos aduaneiros, € 51.966,09 de IVA a 5%, € 9.368.73 de juros compensatórios e € 1,50 de impressos de liquidação, constando ainda da referida certidão que o prazo limite de pagamento ocorreu em 29/11/2001 (cfr. fls. 4 do processo de cobrança coerciva 02/02 – Apenso VII do processo administrativo).
17. Em 28/02/2002 foi apresentada presencialmente junto do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Setúbal a presente impugnação judicial como consta de fls. 1 e de fls. 250.
18. Na sequência de recurso hierárquico interposto pela ora impugnante foi proferido despacho nº 4/2002 de 28/03/2002 pelo Director da Alfândega de Setúbal a revogar os anteriores despachos nºs 1/2002 e 3/2002, tendo o mandatário da ora impugnante sido notificado em 03/04/2002 (cfr. fls. 359/362 do apenso I).

Aí se consignou que a convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos juntos ao processo e acima expressamente referidos em cada um dos pontos do probatório e que não se mostra provado qualquer procedimento incorrecto por parte do organismo francês ODEADOM, designadamente que tenha tido qualquer falta de controlo na emissão dos certificados de importação em causa ou falta de fiscalização.»

Alteração oficiosa, por ampliação, da decisão sobre a matéria de facto
Por se entender relevante à decisão de mérito a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada, adita-se, a coberto do estatuído no artigo 662º, nº.1, do CPC ex vi artigo 281º do CPPT ao probatório, a seguinte factualidade:

19. Consta dos autos um ofício redigido pela Direcção das Alfandegas e dos Impostos Especiais sobre o consumo, dirigido à Impugnante tendo por assunto: «Audiência Previa/Processos de cobrança a posteriori n.ºs 8/2001 e 12/2001», e do qual consta designadamente o seguinte: « (…) A resposta ao assunto exposto deverá ser dirigida ao Sr. Director Geral das Alfandegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo e envida para: Presidente da Comissão Interministerial em matéria de cobrança de créditos entre os estados - membros da CE (…) Direcção Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (…).» ( Doc. fls. 17 a 18 dos autos)
20. Em 05.11.2001, a Impugnante deu entrada na Direcção de Serviços de Gestão de Recursos Humanos Financeiros e Materiais de pronúncia escrita sob o assunto: «Audiência prévia/cobrança a posteriori n.ºs 8/2001 e 12/2001». (Doc. fls.20 e 500 a 508 dos autos)
21. No ofício nº 1915 de 2001/11/14 da Direcção de Serviços da Receita Nacional e dos Recursos Próprios Comunitários, referido no ponto 14 do probatório, consta alem do mais o seguinte: «Assunto: Importação de bananas pela empresa ……………….. IMPORT, SRL, (…) Resposta à audição prévia», (…) Depois de atentamente ponderados os elementos constantes da resposta à audição prévia não consideramos, porém, que os mesmos sejam determinantes para alterar o sentido do projecto de decisão inicialmente comunicada. (…) Nestes termos mantemos a decisão de cobrança e confirmamos o teor da notificação comunicada à empresa através do mecanismo de assistência mútua (…).» ( Doc. fls. 22 a 23 dos autos)

***
B- Fundamentação de direito
Assente a factualidade apurada cumpre, então, antes de mais, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal, está cometida, desde logo, a tarefa de indagar das nulidades da sentença, já que o seu conhecimento precede, logicamente, o das restantes questões.

Ø DA NULIDADE DA SENTENÇA
A sentença, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615º do NCPC (artigo 668º do anterior CPC).
O artigo 125.º do CPPT comina com a nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão e a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.
A Recorrente assaca à sentença sob exame o vício da nulidade. Valor negativo que, no seu ver, radica em duas causas: a omissão de pronúncia e falta de fundamentação de facto e de direito.
Ø DO VÍCIO DE NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Prevista no artigo 125º do CPPT e na al. d) do artigo 668º do CPC, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia está directamente relacionada com o comando constante do nº 2 do artigo 660º do CPC, segundo o qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
Por isso, só existe omissão de pronúncia quando o tribunal deixa de apreciar e decidir uma questão que haja sido chamado a resolver, a menos que o seu conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio, dado que lhe incumbe o conhecimento de todas as questões suscitadas pelas partes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras, nos termos do disposto no citado nº 2 do artigo 660° do CPC, ex vi do artigo 2° al.e) do CPPT.
Aplicando o enquadramento antecedente ao caso dos autos, de imediato se deve dizer que não incorre a sentença recorrida na censura que lhe é dirigida, o que assenta na seguinte ordem de razões.
No caso sob exame, a invocada omissão de pronúncia radicaria no facto da Mmª Juiz a quo não se ter pronunciado sobre « (…) a autenticidade dos documentos AGRIM sem sobre a falta de investigações, por parte das autoridade aduaneiras conducentes ao apuramento da mesma.»
Ora, compulsada a petição inicial de impugnação, dela se extrai que as únicas questões colocadas ao Tribunal a quo prendem-se com a ilegalidade/vício de forma por falta de fundamentação de facto e de direito imputada ao acto de liquidação (artigo 10º do referido articulado), preterição do direito de audição prévia (artigos 5º a 9º), errada aplicação do direito e violação dos princípios da confiança e da legalidade tributaria (artigo 10º) donde se verifica que tais questões não foram invocadas na petição inicial não podendo por isso ter ocorrido omissão de pronúncia sobre questões que a Recorrente jamais havia colocado ao conhecimento do Tribunal a quo, e que, poderia/deveria ter colocado para elas poderem ser apreciadas, desta forma não podendo existir violação da regra contida no n.º2 do artigo 660.º do CPC, a fulminar de nulidade tal decisão, quando ocorra, nos termos do artigo 668.º, n.º1, alínea d) do mesmo Código.
Em rigor, o que está em causa é que sob as vestes da invocação da nulidade da sentença, a Recorrente vem alegar questões novas, anteriormente não suscitadas.
Contudo, está a mesma subtraída do conhecimento deste Tribunal de recurso, pois além de não ser de conhecimento oficioso, também não foi alegada em 1ª instância, não integrando a sentença recorrida e, consequentemente, o objecto do recurso.
Constitui finalidade desta instância de recurso reapreciar decisões judiciais, na parte em que hajam sido impugnadas e não conhecer pela primeira vez de questões anteriormente não suscitadas pelas partes.
Em suma, não se vê que a sentença recorrida tenha omitido pronúncia sobre a questão suscitada, não ocorrendo, portanto, a respectiva nulidade.
Ø DO VÍCIO DE NULIDADE por falta de fundamentação de facto ou de direito
Preceitua o artigo 668º, nº1, al. b) do CPC, nos termos do qual se refere que é nula a sentença quando esta não especifique os fundamentos de facto da decisão.
Como é jurisprudência assente, a nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto ou de direito só abrange a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos respectivos fundamentos; isto é, a nulidade só é operante quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão.
Neste particular alega, a Recorrente que a sentença sob exame não especifica os fundamentos de facto e de direito, por omissão das provas que serviram de base para formar a convicção do julgador.
Ora, conforme se retira do exame da sentença recorrida constante de fls.252 a 260 dos autos e das referências supra exaradas à fundamentação da decisão de facto constante da mesma, deve julgar-se manifestamente improcedente a alegação da Recorrente, visto que o vício que consubstancia esta nulidade, conforme supra mencionado, consiste na falta de fundamentação absoluta, não bastando que a justificação da decisão (tanto na vertente factual como no aspecto do enquadramento jurídico) se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.
Pelo exposto, improcede nesta parte o recurso.

Importa, agora, apurar se há ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO, o que implica a análise das restantes questões controvertidas a resolver e que se reconduzem, ao cabo e ao resto, aos fundamentos de mérito do recurso.

Ø DA VIOLAÇÃO DO DIREITO DE AUDIÇÃO consagrado no artigo 60º, n.º1, al.a) da LGT.
A Mmª Juiz a quo considerou improcedente a alegada preterição do direito de audição prévia e, fazendo-o, discreteou do seguinte modo « (…) do probatório resultou ter sido solicitada à administração tributária italiana no âmbito da assistência mútua em matéria de cobrança de créditos entre Estados-membros, a notificação da impugnante para o exercício do direito de audição previa (cfr. ponto 10 do probatório) e posteriormente foram efectuados os registos das liquidações n.ºs 900042, 900043 e 900044 de 17/10/2001 nos montantes de 71.266.099$00, 69.878.420$00 e 79.517.604$00 ora impugnadas, pelo que improcede a alegada preterição de formalidade essencial referente ao direito de audição previa.»
A Recorrente, inconformada com o decidido alega em síntese, que a autoridade aduaneira procedeu em 17.10.2001, aos registos das liquidações, antes de ter apreciado a resposta apresentada em sede de audição prévia e também antes de ter decidido sobre a sua prática, que apenas ocorreu em 26.10.2001, considerando assim que não lhe foi facultado o direito de audição antes da liquidação, nos termos da al. a) do nº 1 do artigo 60º da LGT.
Já a Recorrida sustenta, no essencial que fazendo fé das alegações produzidas pela Recorrente, está terá sido notificada para o exercício do direito de audição prévia em 17.10.2001, direito esse que exerceu em 05.11.2001, quando já tinham sido efectuados os registos das liquidações. Mas, ainda assim, alega a Recorrida que foi dada resposta à audição prévia não tendo sido suscitada qualquer questão nova que à anulação das liquidações.
Estamos, assim, reconduzidos à questão de saber se houve ou não audição prévia do Impugnante antes do acto de liquidação e, caso não tenha havido, qual a consequência da sua preterição.
Vejamos, então.
O direito de audição prévia é uma garantia constitucional decorrente do artigo 267º da CRP que reconhece aos cidadãos o direito de participação na formação das decisões que lhes digam respeito
«In casu», visto que a liquidação impugnada foi operada em 2001 (vide pontos 11 do probatório), é aplicável o regime estabelecido no artigo 45° do CPPT e no artigo 60º da LGT (nos quais se regula especialmente o exercício do direito de audição no procedimento tributário).
O direito de audição de que gozam os contribuintes, consagrado no artigo 60° n°1, da LGT, constitui direito constitucional aplicado ao procedimento tributário, enquanto corolário do princípio da participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações da Administração Pública que lhe digam respeito, visando assegurar uma tutela preventiva contra qualquer lesão dos seus direitos ou interesses (artigo 267º, n°5, da CRP).
Nos termos do estatuído no artigo 60º da LGT:
1.A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:
a) Direito de audição antes da liquidação;
(…)
4 - O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte.
(…)
6 - O prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição, não pode ser inferior a 8 nem superior a 15 dias.
7 - Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão”.
No caso, mostra-se sem controvérsia, porque nisso as partes estão de acordo, que a audição da Recorrente pela Administração em momento anterior à liquidação constitui imposição legal por força do artigo 60º, n.º1, al.a) da LGT.
Resta saber, se a Recorrente foi notificada ou não para, o exercício de tal e direito, e se o foi, em que data se deve considerar notificada.
Posto isto, vejamos.
O registo da carta faz presumir que o seu destinatário provavelmente a receberá, ou terá condições de a receber, três dias após a data registo.
No caso presente, não resulta dos autos, que o oficio objectivando (vide ponto 19 do probatório) a notificação para o exercício de audição prévia tenha sido remetido mediante registo, desconhecendo-se assim, ainda a data em que foi emitido.
Ora, se o registo da carta liberta a administração tributária do ónus de provar que a mesma ficou em condições de ser recebida pelo destinatário em três dias, no caso, e como se disse não resultando provado o envio mediante registo e alegando a Recorrente que somente foi notificada para o exercício de audiência prévia em 17.10.2001, deverá ser esta a data a considerar. Alías, como a Recorrida, vem a reconhecer na Conclusões 15 das contra-alegações.
E, sendo assim, havemos de concluir que a Recorrente não foi notificada para, o exercício do direito de audição prévia antes da emissão da liquidação sindicada, porquanto a mesma foi emitida em 17.10.2001, ou seja, quando ainda não havia decorrido o prazo de quinze dias para o exercício daquela faculdade.
E assim sendo, é de concluir que se mostra violada a al.a) do n.º1 do artigo 60º da LGT.
A falta de audição prévia do contribuinte, nos casos consagrados no artigo 60º, nº.1, da LGT, constitui um vício de procedimento susceptível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada. (cfr. Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Editora Encontro de Escrita, 2012, pág.515).
Só assim não acontecendo se for manifesto que tal acto tributário só podia, em abstracto, ter o conteúdo que teve no caso concreto. Em tal situação, sendo seguro que o exercício do direito de audiência prévia por parte do impugnante não teria qualquer relevância na estruturação da liquidação ora impugnada, pode concluir-se que o exercício do direito de audiência prévia se constitui em formalidade legal que se degrada em irregularidade irrelevante, assim se impondo a manutenção da decisão impugnada na ordem jurídica, em obediência ao princípio do aproveitamento do acto administrativo. (Neste sentido, entre muitos outros, vide: acórdãos do STA de 10.5.2006, 30.10.2002, 2.7.2003 proferidos respectivamente nos recursos n.ºs 1035/04, 780/02 e 684/03, disponíveis no endereço www.dgsi.pt)
Porém, a jurisprudência do STA tem vindo a decidir que, não obstante a audiência prévia constituir uma importante manifestação do princípio do contraditório e visar associar o administrado à tarefa de preparar a decisão final e permitir-lhe participar e influenciar a formação da vontade da Administração, a degradação daquela formalidade em formalidade não essencial só ocorrerá quando, atentas as circunstâncias, a intervenção do interessado se tornar inútil. (Neste sentido, entre outros vide: o acórdão de 3.3.2404, proferido no recurso n.º 1240/02, disponível no endereço www.dgsi.pt)
Daí que, que importe perguntar: será que se pode considerar que a liquidação impugnada só podia, em abstracto, ter o conteúdo que teve no caso concreto, assim sendo seguro que o exercício do direito de audiência prévia por parte da Impugnante não teria qualquer relevância na estruturação do mesmo acto tributário?
Pensamos que não.
Vejamos, porquê.
Como se fundamenta no relatório da acção fiscalizadora constante do referido processo de cobrança a posterior, apenso, foi o Organismo Económico de Luta Antifraude (OLAF) que informou a Alfândega de Setúbal, que o AGRIM n.º 22337, de 98.09.30, era falso, o seu número e outras informações estão erradas ou não existem, assim como, são falsos a assinatura e o selo oficial nele aposto, o mesmo acontecendo com o certificado AGRIM com o n.º……….., de 98.09.29, todos eles utilizados em Portugal, naquela Alfândega, nas importações através dos DAU n.ºs …………., ………….. e …………., todos estes utilizados para a introdução em livre prática dessas três partidas de bananas.
Perante esta informação do organismo europeu encarregue da averiguação e verificação da validade de tais certificados, no âmbito da cooperação institucional entre os vários órgãos dos Estados membros da EU.
Ora, compulsadas as alegações apresentadas pela Recorrente em 05.11.2001, em sede de audição prévia não se verifica ter sido requerida qualquer instrução a levar a cabo em Portugal no sentido de confirmar ou não da falsidade dos certificados, nem foram carreados elementos novos, atinentes à matéria de facto que justificassem a realização oficiosa de novas diligências
Disso mesmo, deu conta a Recorrida aquando da apreciação da pronúncia escrita apresenta em 05.11.2001, aliás como bem evidencia o probatório sob o ponto 21, que aqui se recorda: « Depois de atentamente ponderados os elementos constantes da resposta à audição prévia não consideramos, porém, que os mesmos sejam determinantes para alterar o sentido do projecto de decisão inicialmente comunicada
Assim, é possível concluir, sem margem para dúvidas, que a liquidação em causa não podia ter figurino diferente daquele que lhe foi dado, ou dito de outra forma, a forma efectuada era a única possível.
Estamos, desde modo a concluir, que a falta de audiência do Recorrente em momento anterior ao registo da liquidação se degradou tornando inoperante a invalidade, ou melhor, a força invalidante do vício que a inquina, mercê de um juízo seguro quanto à inutilidade da sua anulação.
Termos em que, improcede o recurso nesta parte, embora com a presente fundamentação.
No que tange à questões colocadas nas Conclusões a) a p), insurgindo-se contra a sentença sob exame, defende em súmula que as autoridades portuguesas nenhuma instrução fizeram no sentido de demonstrar a falsidade dos certificados AGRIM utilizados nessas partidas de bananas não tendo desta forma cumprido o ónus probatório que sobre si impendia nos termos do disposto no artigo 74.º da LGT, inexistindo assim os pressupostos para tais liquidações.
Tais questões, foram já decididas por este Tribunal Central Administrativo, no que respeita a “José ………………………….. – Despachantes Oficias Associados, Lda”, com base nos mesmos processos de cobrança á posteriori n.ºs 8/2001 e 12/2001, pelo acórdão de 12.06.2007, proferido no processo n.º 1732/04.
É, aliás, praticamente igual o teor das conclusões da alegação, num e noutro recurso.
Iremos, pois, limitar-nos a transcrever a fundamentação da decisão proferida naquele acórdão, à qual se adere (cfr. artigo 8º, nº 3 do CC), do seguinte teor: «matéria das suas primeiras nove conclusões das alegações do recurso, insurge-se a ora recorrente que as autoridades portuguesas nenhuma instrução fizeram no sentido de demonstrar a falsidade dos certificados AGRIM utilizados nessas partidas de bananas não tendo desta forma cumprido o ónus probatório que sobre si impendia nos termos do disposto no art.º 74.º da LGT, inexistindo assim os pressupostos para tais liquidações.
Mas não tem razão.
Como se fundamenta no relatório da acção fiscalizadora constante do referido processo de cobrança a posterior, apenso, foi o Organismo Económico de Luta Antifraude (OLAF) que informou a Alfândega de Setúbal, que o AGRIM n.º 22337, de 98.09.30, era falso, o seu número e outras informações estão erradas ou não existem, assim como, são falsos a assinatura e o selo oficial nele aposto, o mesmo acontecendo com o certificado AGRIM com o n.º……………., de 98.09.29, todos eles utilizados em Portugal, naquela Alfândega, nas importações através dos DAU n.ºs ………………, ………….. e ……………., todos estes utilizados para a introdução em livre prática dessas três partidas de bananas.
Perante esta informação do organismo europeu encarregue da averiguação e verificação da validade de tais certificados, no âmbito da cooperação institucional entre os vários órgãos dos Estados membros da UE, não vemos que outra instrução poderia ser levada a cabo em Portugal no sentido de confirmar ou não tal falsidade, pelo que as diligências e o resultado final da OLAF, de falsidade dos mesmos certificados, seriam suficientes para a Alfândega agir em conformidade ao nível da liquidação dos direitos devidos, desta forma se mostrando cumprido o ónus probatório que sobre si lhe cabia nos termos do disposto nos art.º 342.º do Código Civil e 74.º da LGT.
A partir daqui, cabia à ora recorrente infirmar essa prova recolhida, designadamente requerendo diligências ou arrolando testemunhas, o que nada fez, no final da sua petição inicial de impugnação judicial, pelo que ela sim, não cumpriu o ónus probatório na parte que sobre si impendia, no sentido de demonstrar a validade de tais certificados, nos termos do disposto no mesmo art.º 74.º da LGT, pelo que improcede a matéria das referidas conclusões do recurso.
Mesmo que se encontrasse provado que os referidos certificados AGRIM em Itália, haviam sido declarados verdadeiros, o que não se mostra provado na matéria fixada e nem a recorrente contra ela se insurge, de forma válida, prevista no art.º 690.º-A do CPC, sempre não seria caso para submeter a questão ao nível da matéria de facto ao Tribunal de Justiça, através do reenvio prejudicial, sabido que este tem competência, não para resolver controvérsias sobre matéria de facto, mas sim para interpretar normas comunitárias ou para apreciação da validade de actos emanados das instituições, cuja resolução seja necessária para a boa decisão da causa, nos termos do disposto no art.º 234.º do Tratado (ex-art.º 177.º).
E nenhuma norma de direito comunitário a recorrente invoca como tendo sido interpretada e aplicada no presente caso, que seja objecto de controvérsia e que, por isso, careça, de uma decisão do Tribunal de Justiça no sentido de fixar o seu sentido e alcance, encontrando-se fora de qualquer cogitação um pedido de reenvio prejudicial a tal Tribunal, quando não se consegue lobrigar qual seria o objecto desse pedido.
Por força do princípio da uniformidade, o direito comunitário deve ser interpretado e aplicado uniformemente em todos os Estados membros, cabendo ao TJ zelar por essa interpretação uniforme face às legislações nacionais sobre as quais, em regra, prevalece, mas apenas em tal âmbito, não fazendo sentido solicitar o reenvio prejudicial ao TJ para dirimir a questão se certo certificado AGRIM é falso ou verdadeiro, como parece pretender a recorrente, no caso dos autos.
Como também bem se fundamenta na sentença recorrida, a ora recorrente enquanto declarante junto da Alfândega dessas importações, não pode o mesmo deixar de ser devedor do imposto – art.º 201.º n.º3 do CAC – assim como a pessoa por conta de quem a declaração é feita (B……………. IMPORT SRL), cuja responsabilidade pelo seu pagamento é solidária, nos termos do disposto no art.º 213.º do mesmo CAC.
No mesmo sentido veio dispôr a norma do art.º 29.º do CIVA, na redacção introduzida pelo Dec-Lei n.º 206/96, de 26 de Outubro, cujo diploma veio, além do mais, conformar a legislação portuguesa, respectivamente, com o n.º3 do art.º 26.º e com o n.º2 do art.º 15.º da Directiva n.º 77/388/CEE – 6.ª Directiva, como se pode ler do seu preâmbulo, cujo n.º1 veio a ter a seguinte redacção:
Os sujeitos passivos não residentes, sem estabelecimento estável em território nacional, que aqui pratiquem operações tributáveis devem cumprir todas as obrigações decorrentes da aplicação do presente diploma, incluindo a do registo, através de um representante residente em território nacional, munido de procuração com poderes bastantes e que responderá solidariamente com o representado pelo cumprimento de tais obrigações.
Ou seja, quanto ao IVA em causa, por força desta norma e da do art.º 28.º do mesmo CIVA, não poderia a ora recorrente deixar de ser também, responsável solidária (passiva), pela obrigação de pagamento do imposto em causa, de qualquer um deles ou de ambos podendo ele ser exigido, nos termos do disposto no art.º 512.º n.º1 do Código Civil.».
Em concordância, pois, com o sentido desta jurisprudência supra exposta, que aqui também se acolhe, impõe-se a confirmação da sentença recorrida que assim também decidiu, concluindo-se, consequentemente, pela improcedência do recurso.


V. DECISÃO
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e, em consequência pela motivação antecedente, confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.
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Fls. 435. Informe em conformidade.

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Lisboa, 19 de Novembro de 2015.


[Ana Pinhol]

[Jorge Cortês]

[Cristina Flora]