Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1552/11.5BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/25/2020
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IVA.
RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA.
Sumário:i) No âmbito do contrato de locação financeira, a resolução do mesmo, por perda do bem, implica a constituição das partes em obrigações distintas, a saber: o pagamento à locadora, por parte do locatário, do valor das rendas vincendas e do valor residual actualizados, ao momento da perda total do bem; a restituição, pela locadora ao locatário, do valor da indemnização recebida pela Seguradora.
ii) O valor a pagar à locadora, pelo locatário, relativo ao valor das rendas vincendas e valor residual actualizados ao momento da perda total do bem é sujeito a IVA. O valor a restituir pela locadora ao locatário, relativo à indemnização recebida da seguradora, não tem subjacente uma operação sujeita a imposto, como tal não deve ser tributado em IVA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão


I- Relatório


“B…………………, SA.”, veio deduzir impugnação judicial, na sequência de indeferimento de recurso hierárquico, previamente apresentado, incidente sobre as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), referentes ao ano de 2001, no montante global de € 37.974,53, acrescidas do pagamento de juros compensatórios, respeitantes à não liquidação de IVA, sobre o valor total do capital em dívida, nos casos de resolução antecipada de contratos de locação financeira, em situações de perda total dos bens.
O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls. 133 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), datada de 26 de Agosto de 2019, julgou improcedente a impugnação.
Contra a sentença foi interposto o presente recurso em cujas alegações de fls. 177 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), a recorrente, B………………, SA., formulou as conclusões seguintes:
«A) O presente Recurso tem como objeto a Sentença proferida em 26 de agosto de 2019 pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que declarou totalmente improcedente a Impugnação Judicial n.º 1552/11.5BELRS, apresentada pela recorrente contra os atos de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado ("IVA") relativos ao ano de 2001, no valor global de € 37.974,53, contra os correspondentes atos de liquidação de juros compensatórios e, bem assim, contra a decisão de indeferimento proferida pela Administração tributária no âmbito do Recurso Hierárquico n.º RHQ 638/10, previamente apresentado contra aqueles atos tributários;
B) De acordo com a fundamentação dos atos de liquidação contestados pela recorrente, a Administração tributária considerou que, em caso de perda total dos veículos automóveis locados pela recorrente aos seus Clientes no âmbito de contratos de leasing ou ALD, a recorrente devia ter liquidado IVA sobre a totalidade do montante das rendas vincendas e do valor residual previsto nos contratos, mesmo na parte em que esse montante não foi efetivamente cobrado aos locatários - a parte coberta pelas indemnizações que as seguradoras pagaram à recorrente pela perda dos automóveis e que a recorrente deduziu às indemnizações a pagar pelos locatários;
C) A recorrente considera, no entanto, que os valores que recebeu das seguradoras (e não dos locatários) correspondem a indemnizações totalmente isentas de IVA, que:
(i) servem para reparar a perda dos veículos automóveis em caso de acidente - que já não lhe serão restituídos pelos locatários; e que (ii) beneficiam jurídica e economicamente a recorrente - que é a entidade que sofre a referida perda. Nesta medida, os montantes pagos pelas seguradoras à recorrente não podem ser, direta ou indiretamente, sujeitos a imposto;
D) Na douta Sentença aqui recorrida, o Tribunal Tributário de Lisboa deu razão à Administração tributária porque considerou que, ao deduzir o montante das indemnizações recebidas das seguradoras aos valores a cobrar aos locatários, a recorrente estava a realizar uma compensação, mediante o qual: (i) recebia a totalidade do valor das rendas vincendas e do valor residual previsto nos contratos de leasing ou ALD (sujeitos a IVA); e (ii) pagava aos locatários o valor das indemnizações das seguradoras que lhes eram supostamente devidas;
E) Não obstante, a recorrente entende que a Sentença recorrida padece de erros de julgamento, quer na seleção dos factos provados relevantes para a boa decisão da causa, quer ainda na aplicação regime do IVA;
F) Para além dos factos elencados no capítulo "4.2 Factos Provados" da Sentença recorrida, o Tribunal a quo devia ter considerado provados e relevantes para a boa decisão da causa os seguintes factos, que aqui se identificam para efeitos do disposto no artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) e c), do Código de Processo Civil:
a) Sempre que era celebrado um contrato de leasing ou de ALD, era simultaneamente subscrito um seguro pela recorrente, na qualidade de tomadora e beneficiária, que cobria os danos próprios da viatura locada, incluindo o dano de perda total;
b) Em caso de perda total dos veículos automóveis locados, a recorrente apenas cobrava aos locatários o valor complementar correspondente à diferença entre: (i) o montante total das rendas vincendas e valor residual; e (ii) o montante das indemnizações que lhe tinham sido pagas pelas seguradoras;
G) Estes dois factos, alegados pela recorrente nos artigos 22.º a 25.º da p.i. são manifestamente relevantes para a boa decisão da causa, uma vez que deles decorre que, apesar da redação da Cláusula 7ª dos contratos não o refletir de forma evidente, o valor devido pelos locatários em caso de perda total dos veículos automóveis não incluía os valores pagos pelas seguradoras à recorrente a título de indemnização;
H) Adicionalmente, estes factos resultam claramente provados pelo teor Relatório de Inspeção Tributária e pelas decisões de indeferimento proferidas pela Administração tributária no âmbito da Reclamação Graciosa e do Recurso Hierárquico (todos juntos aos Autos com o processo administrativo) o que se alega, nos termos previstos no artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil;
1) Demonstrado o erro de julgamento na decisão da matéria de facto, consubstanciados na desconsideração dos dois factos acima identificados, a Sentença recorrida deve ser revogada, e substituída por um aresto que considere e dê como provada toda a matéria de facto relevante, nos termos acima enunciados;
J) Ao exposto acresce que o entendimento jurídico vertido na Sentença recorrida também não pode proceder;
K) Com efeito, a Sentença recorrida conclui de forma errada que todo o valor em abstrato devido pelos locatários à recorrente de acordo com o estabelecido na Cláusula 7ª dos contratos de leasing ou de ALD se encontra sujeito a IVA - mesmo na parte em que esse valor não foi efetivamente cobrado pela recorrente, que não tinha direito a ele por já ter sido indemnizada pelas seguradoras;
L) Ora, como a recorrente demonstrou, em caso de perda total, a mencionada Cláusula 7ª ­ dos contratos de leasing ou de ALD (estruturada para as resoluções motivadas pelo incumprimento contratual) foi sempre aplicada com as devidas adaptações, exigindo-se aos locatários apenas o valor complementar correspondente à diferença entre: (i) o montante total das rendas vincendas e valor residual; e (ii) o montante das indemnizações que lhe tinham sido pagas pelas seguradoras;
M) E estas adaptações não traduzem qualquer encontro de contas ou compensação entre créditos porque os locatários não detinham qualquer crédito sobre a recorrente. O valor das indemnizações era devido pelas seguradoras à recorrente - tomadora e beneficiária dos seguros - e não aos locatários;
N) Neste sentido, o apuramento de IVA sobre valores que não eram devidos pelos locatários à recorrente (e não foram cobrados pela recorrente aos locatários) é manifestamente ilegal, por violação do disposto nos artigos 1.º, 4.º e 16.º do Código do IVA e os atos de liquidação devem ser anulados;
O) Ao exposto acresce que, como se lê no Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo a respeito de uma situação de facto muito semelhante à que está subjacente ao presente Recurso, "(...) há que distinguir entre a prestação que o locatário paga à locadora e que respeita ao montante de eventuais rendas vencidas e não pagas e respetivos juros de mora e aquela que vai ser paga pela seguradora" (cf. Acórdão proferido em 31 de outubro de 2012, no Recurso n.º 01158/11,disponível em www.d gsi. pt e citado na Sentença recorrida);
P) Na primeira situação" - continua aquele aresto - "a prestação em causa ainda tem a sua fonte no contrato (rendas já vencidas e respetivos juros) e, por conseguinte, na relação sinalagmática que existia entre locador e locatário, que está normalmente sujeita a IVA, porquanto a locação financeira configura a cedência, mediante retribuição, do gozo temporário de uma coisa móvel ou imóvel, pelo que constitui uma prestação de serviços sujeita a imposto, nos termos do nº 1 do art. 4º do CIVA. (...)" (ibidem);
Q) Todavia, na "segunda situação as coisas são diferentes. Com o acidente dá-se a intervenção de um evento externo que interrompe essa relação e constitui a causa da indemnização a pagar pela seguradora à locadora" (ibidem);
R) Assim, "o que está coberto pelo seguro não são os contratos de leasing ou de aluguer de longa duração, mas os veículos, que constituem o objeto da atividade da recorrida, tendo a indemnização em causa o propósito de reparar o prejuízo sofrido pela locadora na sequência da perda dos veículos, substituindo os bens perdidos em espécie pelo valor equivalente em termos monetários" (ibidem);
S) E - como também refere expressamente o Supremo Tribunal Administrativo- esta última conclusão não depende da titularidade jurídica/contratual do direito à indemnização ser do locatário (que estava obrigado a suportar os custos do seguro) ou da locadora (que é a tomadora e beneficiária do seguro) porque, ao contrário do que entende a Administração tributária, "a natureza da indemnização não depende dos sujeitos intervenientes, mas sim da causa e do objeto que a mesma visa reparar. Isto é, o facto de o risco referente à perda total dos veículos ter sido transferido para um terceiro não altera a natureza da indemnização, seja esta paga pela seguradora ou diretamente pelo particular, o que releva é que a mesma é devida pelos clientes da entidade que loca/aluga automóveis e tem como propósito reparar o prejuízo sofrido por aquela em caso de sinistro com perda total dos veículos" (ibidem);
T) Nestes termos - e independentemente do regime aplicável aos valores complementarmente pagos pelos locatários às locadoras - é evidente que "as indemnizações pagas pelas seguradoras e destinadas a compensar os danos causados pela perda dos veículos automóveis, em caso de acidente, porque não assumem a natureza de contraprestação pela transmissão de um bem ou prestação de um serviço (arts. 1º, n.º 1, 4º, n.º 1 e 16º, n.º 6, alínea a), do CIVA), nem visam suportar lucros cessantes das recorridas, devem considerar-se excluídas da incidência de IVA" (ibidem).
U) Em face do exposto, a Sentença recorrida padece de um manifesto erro de julgamento e deve ser revogada, porque não concluiu que os atos de liquidação contestados pela recorrente violam o disposto nos artigos 1.2, 4.º e 16.º do Código do IVA e, por isso, não os anulou;
V) Sem prejuízo do exposto, a recorrente requer ao Tribunal Central Administrativo Sul que, caso subsistam dúvidas sobre a interpretação do regime do IVA acima invocado, reenvie o processo para apreciação prejudicial por parte do Tribunal de Justiça, nos termos previstos no artigo 267.º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia, perguntando se o regime de Direito da União Europeia se opõe ou não a uma legislação nacional que, interpretada como fez a Administração tributária no presente caso, impõe a liquidação de IVA sobre valores equivalentes aos das indemnizações pagas por seguradoras a locatárias de veículos automóveis locados a terceiros em caso de perda total desses veículos.

TERMOS EM QUE,
DEVE O PRESENTE RECURSO PROCEDER, POR PROVADO E FUNDADO, REVOGANDO-SE, EM CONSEQUÊNCIA, A SENTENÇA RECORRIDA, E ANULANDO-SE OS ATOS TRIBUTÁRIOS IMPUGNADOS, COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS»
*
A recorrida, Fazenda Pública, devidamente notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.
X

O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

X
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

X
II- Fundamentação.
2.1.De Facto.
A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:
«a) Em cumprimento da ordem de serviço n.º 03/1/119, datada de 11/04/2003 os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção Geral de Impostos desencadearam um procedimento inspectivo à ora Impugnante, de âmbito geral, de acordo com o plano de Inspecções da DSPIT, delineado para o ano de 2003, que incidiu sobre o exercício de 2001 e, com interesse para os autos, sobre o IVA relativo ao referido período - Relatório de Inspecção junto a fls. 18 e segs. do Procedimento de Reclamação Gracioso, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
b) Na sequência da referida Acção de Inspecção foi elaborado Relatório de Inspecção Tributária (doravante RIT), onde se concluiu, com interesse para os autos, que a Impugnante não liquidou IVA sobre as prestações de serviços efectuadas, relativas à resolução antecipada dos contratos de locação financeira, consubstanciadas no pagamento à locadora, por parte do locatário, dos valores das rendas vincendas e valor residual, actualizados ao momento da resolução, por perda total dos bens, no montante global de € 37.974,53 (trinta e sete mil, novecentos e setenta e quatro euros e cinquenta e três cêntimos) - citado Relatório de Inspecção.
c) Em sede do RIT, concluiu-se ainda que, a Impugnante não apurou IVA, na quantia de € 12.645,96 relativamente à celebração de contratos de leasing/ALD. Contudo, a Impugnante aceitou as liquidações de IVA, no respectivo montante e procedeu ao respectivo pagamento, pelo que, as referidas liquidações não constituem objecto da presente Impugnação - facto admitido por acordo das partes.
d) Da fundamentação do Relatório de Inspecção, consta, com interesse para os autos o seguinte:
“3 - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
3.1 - Imposto sobre o Valor Acrescentado
3.1.1 - Perdas Totais dos bens objecto de Locação Financeira
No âmbito do exercício normal da actividade, constatámos que a perda total dos bens objecto de locação financeira está prevista contratualmente, segundo o qual, em caso de ocorrência, conduz a resolução do contrato, sendo o locatário obrigado a pagar o somatório das rendas vincendas e valor residual actualizados.
Esta norma consubstancia assim, o vencimento antecipado das rendas, naturalmente sujeitas a IVA, de harmonia com o artigo 1.º, n.º1, alínea a) e alínea h), do n.º2 do artigo 16.º, ambos do CIVA. Constatámos, no entanto que, nos contratos de locação financeira mobiliária, em consequência de perda total dos bens objecto de locação financeira, a empresa não procedeu à liquidação do IVA sobre o vencimento antecipado (actualizado) do capital em dívida, designadamente rendas vincendas e valor residual.
Porém, de acordo com as “condições gerais” dos contratos de locação, quando a perda do bem objecto de locação é total, o contrato considerar-se-á resolvido, devendo o locatário pagar ao locador o montante das rendas vincendas e do valor residual actualizado, adicionado das rendas vencidas e não pagas, devendo o locador entregar ao locatário a indemnização que venha a receber da seguradora.
Deste modo, o que está em causa não é o valor a restituir pela locadora ao locatário, relativa à indemnização recebida da seguradora, uma vez que não tem subjacente uma operação sujeita a imposto e como tal não deve ser tributada em IVA; mas sim o valor a pagar à locadora pelo locatário, relativa ao valor das rendas vincendas e valor residual actualizados ao momento da perda total do bem, uma vez que configura uma prestação de serviços face ao n.º1 do artigo 4.º do CIVA.
Com os fundamentos expostos anteriormente, o valor total do IVA em falta, de harmonia com os artigos 7.º e 8.º e a alínea h) do n.º2 do artigo 16.º do CIVA, apurado de acordo com a contabilidade é de 37.974,53 €, conforme se discrimina por valor e período de imposto em documento anexo (cfr. Anexo n.º1 e anexo n.º2) - citado Relatório de Inspecção.
e) Na sequência das correcções, identificadas na alínea antecedente, em 01/09/2003 foram emitidas as liquidações adicionais de IVA em crise, no valor global de € 37.974,53 (trinta e sete mil, novecentos e setenta e quatro euros e cinquenta e três cêntimos), com data limite de pagamento voluntário até 30/11/2003, assim discriminadas: liquidação n.º ..............., no valor de € 7.860,37; liquidação n.º ..............., no valor de € 8.539,24; liquidação n.º ..............., no valor de € 1.954,95 e liquidação n.º ..............., no valor de € 32.266,01 - documentos de cobrança, juntos a fls. 37 e segs. do Procedimento de Reclamação Gracioso, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
f) Inconformada com a emissão das liquidações, identificada na alínea antecedente, em 27/11/2003, a ora impugnante reclamou graciosamente – articulado de reclamação graciosa, junto ao respectivo procedimento, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
g) O pedido de reclamação graciosa foi apreciado pela Administração Tributário, tendo sido expressamente indeferido, por decisão proferida em 10/05/2010 - decisão de reclamação graciosa, junta a fls. 36 e seguintes dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
h) Com interesse para os autos, fundamenta a AT o indeferimento da Reclamação Graciosa, nos seguintes argumentos:
“ II - ANÁLISE E PARECER
4.1. A Administração Tributária efectuou uma correcção à matéria colectável do exercício de 2001, considerando que, relativamente às correcções referidas no ponto 2 recai a liquidação do IVA sobre o vencimento antecipado (actualizado) do capital em dívida, designadamente rendas vincendas e valor residual.
4.2. Do princípio da aplicação geral do IVA a todas as transacções comerciais, qualquer quer seja a sua natureza, decorre que na definição da base de incidência, ou campo de aplicação, se tente apreender a matéria mais ampla possível abarcando toda a actividade económica em geral.
4.3. Daí resulta que quando se trata de definir operações tributáveis, transmissões de bens e prestações de serviços se utilizam conceitos de acepção muito vasta.
De acordo com o n.º1 do artigo 3.º do CIVA, considera-se, em geral, transmissão de bens a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade.
Nos termos do n.º1 do artigo 4.º do CIVA, são consideradas como prestações de serviços, as operações efectuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens.
4.4. O conceito de prestações de serviços, dado pelo artigo 4.º tem um carácter residual, sendo consideradas como prestações de serviços as prestações efectuadas a título oneroso que não constituam transmissões ou importações de bens.
Porém, do carácter residual do conceito de prestação de serviços, contido no n.º1 do artigo 4.º do CIVA, resulta a sujeição a IVA de vantagens/realidades económicas, que nem sempre correspondem a uma qualificação jurídica definida.
A qualificação de prestação de serviços é aqui de natureza económica e ultrapassa a definição jurídica dada pelo artigo 1154.º do Código Civil, abrangendo a transmissão de direitos, a obrigação de conteúdo negativo (não praticar determinado acto) e ainda a prestação de serviços coactiva, operações expressamente integradas no conceito de prestação de serviços pela 6.ª Directiva da CE (Cf. artigo 6.º, n.º1 da 6.ª Directiva).
4.5. O artigo 562.º do Código Civil estabelece o princípio geral da obrigação de indemnização, referindo que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga a reparação.
4.6. Por sua vez, o n.º1 do artigo 564.º daquele Código estipula que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (lucros cessantes).
4.7. Para enquadramento da questão da sujeição ou não a IVA das quantias recebidas a título de indemnização, há que ter em conta o princípio subjacente ao IVA como imposto sobre o consumo, e que corresponde, basicamente, ao disposto na 6.ª Directiva da CE, pretendendo tributar a contraprestação de operações tributáveis e não a indemnização de prejuízos, que não tenham carácter remuneratório.
4.8. Assim, são tributáveis em IVA as indemnizações que tenham subjacente uma transmissão de bens ou prestação de serviços e como tal configuram uma contraprestação a obter do adquirente de uma operação sujeita a imposto.
4.9. Se as indemnizações sancionam a lesão de qualquer interesse, sem carácter remuneratório porque não remuneram qualquer operação, antes se destinam a reparar um dano (caso frequente, o das indemnizações prestadas por companhias de seguros, em resultado da ocorrência dos factos correspondentes aos riscos cobertos pelo contrato de seguro), não são tributáveis em IVA, na medida em que não tem subjacente uma transmissão de bens ou prestação de serviços.
4.10. O aluguer de um veículo assume a qualificação civil de um contrato de locação de acordo com as regras dos artigos n.ºs 205.º, 1022.º e 1023.º do Código Civil.
4.11. Dado que o valor da indemnização paga pela seguradora não é o que a locadora exige ao locatário, assim sendo, o encontro de contas efectuado entre a locadora e o locatário, após o recebimento da indemnização, consubstancia, em si mesmo, o cumprimento de duas obrigações distintas, conforme resulta do próprio contrato, tem-se face ao CIVA duas situações distintas:
1 .º - O pagamento à locadora, por parte do locatário, do valor das rendas vincendas e valor residual, actualizados ao momento da perda total do bem;
2 .º - Restituição pela locadora, ao locatário, do valor da indemnização recebida da seguradora.
4.12. Em relação à 1.ª das situações, como é referido em 4.4., do carácter residual do conceito de prestação de serviços, contido no n.º1 do artigo 4.º do CIVA, resulta a sujeição a IVA de vantagens/realidades económicas, que nem sempre correspondem a uma qualificação jurídica definida.
4.13. O valor a reembolsar à locadora pelo locatário referente ao valor das rendas vincendas e o valor residual actualizado ao momento da perda total do bem, configura a compensação de proveitos que deixaram de ser obtidos (lucros cessantes), pelo que deverá entender-se o seu pagamento como contraprestação de operação sujeita a imposto.
4.14. De acordo com a alínea a), do artigo 16.º do CIVA são excluídas expressamente do valor tributável “(…) as quantias recebidas a título de indemnização declarada judicialmente por incumprimento total ou parcial de obrigações”.
Isto permite concluir “a contrario sensu”, que as indemnizações/compensações desta natureza, quando não declaradas judicialmente se encontram sujeitas a IVA (crf. Alínea c), do n.º1, do artigo 18.º do CIVA).
4.1.5 No que respeita à restituição ao locatário do valor da indemnização, recebido da seguradora, este visa ressarci-lo dos prejuízos sofridos, não tem subjacente uma transmissão de bens ou prestação de serviços, como tal, não configura uma contraprestação a obter do adquirente de uma operação sujeita a imposto, pelo que não deve ser tributado.

III CONCLUSÕES
Em face do exposto, parece-nos que o pedido é de inferir na totalidade, nos termos que a seguir se descriminam:
1 .º O valor a pagar à locadora pelo locatário, relativo ao valor das rendas vincendas e valor residual actualizados ao momento da perda total do bem é sujeito a IVA (cf. alínea c) do n.º1 do artigo 18.º do CIVA), uma vez que configura uma prestação de serviços/contraprestação a obter do adquirente de uma operação sujeita a imposto, face ao n.º1 do artigo 4.º do CIVA.
2 .º O valor a restituir pela locadora ao locatário, relativo à indemnização recebida da seguradora, não tem subjacente uma operação sujeita a imposto, como tal não deve ser tributado em IVA, uma vez que se trata da transferência da responsabilidade civil do segurado (…)”- citada decisão
i) Inconformada com a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, em 14/06/2010, a ora Impugnante deduziu recurso hierárquico - articulado, junto a fls. 3 e segs. do respectivo procedimento de recurso hierárquico, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.
j) O peticionado em sede de recurso hierárquico foi expressamente indeferido, por despacho proferido a 13/04/2011, pelo Sub-Director Geral da Direcção de Serviços do IVA, constando da respectiva fundamentação, com interesse para os autos, o seguinte:
“(…) 5.2.2. ANÁLISE
Tal como refere Clotilde Celorico Palma (in “Introdução ao Imposto sore o Valor Acrescentado”, Cadernos IDEFF n.º1, 4.ª Ed.ª, Almedina, págs. 66 e 67), de acordo com o disposto no artigo 4.º, n.º1 do Código do IVA, são havidas como prestações de serviços “todas as operações realizadas a título oneroso que não se qualificam como transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens. Assim, para efeitos deste imposto são, designadamente, qualificadas como prestações de serviços, a cedência de pessoal, a assunção de obrigações de não concorrência, o pagamento de determinadas subvenções e indemnizações e o débito de despesas a título de repartição de despesas comuns.
Tendencialmente, a vocação de universalidade deste imposto implica que se entenda que qualquer tipo de atribuição patrimonial que não seja uma contrapartida de uma transmissão de bens tenha subjacente uma prestação de serviços tributável”.
Para enquadramento da questão da sujeição ou não a IVA das quantias devidas a titulo de indemnização, há que ter em conta essa vocação do IVA como imposto sobre o consumo, que pretende tributar a contraprestação de operações tributáveis.
Tem-se entendido que “são tributáveis em IVA as indemnizações que tenham subjacente uma transmissão de bens ou prestações de serviços e, como tal configuram a contraprestação a obter do adquirente de uma operação sujeita a imposto” e a contrario que “se as indemnizações sancionam a lesão de qualquer interesse sem carácter remuneratório porque não remuneram qualquer operação, antes se destinam a reparar um dano (caso frequente, o das indemnizações prestadas por companhias de seguros, em resultado da ocorrência dos factos correspondentes aos riscos cobertos pelo contato de seguro), não são tributáveis em IVA, na medida em que não tem subjacente uma transmissão de bens ou prestação de serviços”.
Na Informação n.º 1907, de 2000/09/18, destes Serviços, com despacho concordante da Subdirectora-Geral dos Impostos dessa mesma data, perante a questão de saber se uma indemnização relativa a lucro cessante consubstancia uma operação sujeita a IVA conclui-se que:
“(…) O artigo 562.º do Código Civil estabelece o princípio geral da obrigação de indemnização, referindo que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga a reparação.
Por sua vez, o n.º1 do artigo 564.º daquele Código estipula que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (lucros cessantes).
O devedor que não cumpriu a prestação a que estava contratualmente vinculado vê-se na necessidade de reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, isto é, deverá satisfazer o interesse que resultaria do cumprimento perfeito do contrato.
A indemnização/compensação a receber relativa a lucros cessantes configura-se uma obrigação de conteúdo negativo, na medida em que visa compensar de proveitos que deixam de se obter, pelo que deverá entender-se o seu pagamento como contraprestação de operação sujeita a imposto”.
Mais concretamente, tem sido entendimento desta Direcção de Serviços, nomeadamente na Informação n.º 1828, de 1999/10/08, sancionada pelo Subdirector-Geral dos Impostos em 1999/10/20, emitida na sequência do pedido de esclarecimento da então Direcção de Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária, sobre o enquadramento em sede de IVA das indemnizações e das obrigações contratuais em locação financeira, que “o valor a pagar à locadora, pelo locatário, relativo ao valor das rendas vincendas e valor residual actualizados ao momento da perda total do bem, configura a compensação de proveitos que deixaram de se obter (lucros cessantes), pelo que deverá entender-se o seu pagamento como contraprestação de operação sujeita a imposto”.
Como é sabido, de acordo com o disposto no artigo 4.º conjugado com a alínea h), do n.º2, do artigo 16.º, ambos do Código do IVA, é sujeito a tributação em sede de IVA, “para as operações resultantes de um contrato de locação financeira, o valor da renda recebida ou a receber do locatário”. Por outro lado, os valores exigidos pelo locador ao locatário, ainda que a título de “indemnização”, aquando da resolução dos respectivos contratos em consequência da perda total dos bens objecto de locação financeira, são passíveis de tributação por força dos n.ºs 1 e 5 do artigo 16.º do Código do IVA, exceptuadas “as quantias recebidas a título de indemnização declarada judicialmente, por incumprimento total ou parcial de obrigações (alínea a), do n.º6 do mesmo artigo).
No caso sub judice, estão em causa contratos de locação financeira, nos quais a Recorrente interveio na qualidade de Locadora e que vieram a ser resolvidos, em consequência da perda total dos bens objecto de locação.
Segundo consta da cláusula 7.ª de tais contratos (…)
(…) Como refere Filipe Duarte Neves, “o IVA é um imposto económico, ou seja, incide sobre realidades económicas independentemente do contexto jurídico em que se inserem e da qualificação dada pelas partes, facto que se revela decisivo na determinação do regime aplicável em sede de IVA às operações realizadas.”
O que releva para a qualificação tributária das importâncias auferidas é o carácter remuneratório de tais importâncias. Na verdade, estamos perante uma obrigação de conteúdo negativo, na medida em que pretende compensar os proveitos que deixam, em tais casos, de ser obtidos (lucros cessantes), pelo que devem entender-se como contraprestação de operação sujeita a imposto, nos termos do artigo 4.º do Código do IVA.
Cabe referir que o interesse económico do bem objecto de locação financeira é do locatário, o qual assume todos os encargos decorrentes da sua posse, utilização e risco de eventual perda. No seu interesse e em cumprimento das obrigações por si assumidas perante a Locadora, transfere o risco de perda para a seguradora, para que, na eventualidade de um sinistro, veja compensada a sua lesão, através da atribuição de uma indemnização.
Em caso de perda total do bem objecto de locação, independentemente do valor de tal indemnização, a Locadora estabelece contratualmente os montantes a que tem direito, fazendo-os depender:
- De eventuais rendas vencidas e não pagas, acrescidas de juros moratórios;
- Dos montantes ainda não recuperados através das rendas vencidas até a resolução do contrato, designadamente as rendas ainda não vencidas, na data da resolução, com o valor residual.
A qualificação desta última operação como prestação de serviços tributada em IVA resulta do facto da Locadora não se limitar a receber a indemnização paga por uma seguradora, com vista a compensar os danos causados pelo evento que determinou a perda do bem, antes assegurando o recebimento das quantias devidas a título de compensação pelas receitas que deixou de obter (rendas) em virtude da resolução dos respectivos contratos.
O facto da beneficiária da indemnização de seguro sobre o bem objecto de locação financeira ser a Locadora não altera, portanto, a natureza remuneratória dos valores exigidos ao locatário, em virtude da resolução dos contratos. O recebimento de tais valores, nos termos acordados, prende-se com o objectivo de assegurar o cumprimento das obrigações contratuais que recaem sobre o locatário e que se encontram justificação na contraprestação que este iria pagar em virtude da locação.
Neste sentido, tratando-se de operações abrangidas pelo campo de incidência a IVA, nos termos do artigo 4.º e 16.º, ambos do Código do IVA e não tendo sido efectuada a correspondente liquidação de imposto, são devidas as correcções em sede de IVA, efectuadas pelos Serviços de Inspecção Tributária (…).
Tendo em conta o exposto propõe-se que seja negado provimento ao recurso hierárquico (…)”
- decisão de recurso hierárquico, junta a fls. 80 e segs. dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
k) Mais uma vez inconformada com o indeferimento do peticionado em sede de recurso hierárquico, em 04/08/2011, foi apresentada, em juízo, a presente Impugnação Judicial - carimbo do receptor, aposto a fls. 2 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
j) Com interesse para os autos dos contratos-tipo de locação financeira, celebrados entre a Impugnante, como locadora, e os vários particulares/sociedades, como locatários, constavam as seguintes cláusulas:
“Cláusula 3.ª
Ao Locatário na vigência do presente contrato, cabe em especial: (…)
Avisar de imediato o Locador de qualquer sinistro, roubo ou penhora que incida sobre o equipamento locado.
Efectuar o seguro do equipamento. (…)
Cláusula 7.ª
O locatário fica obrigado, em caso de resolução do presente contrato pelo locador, a restituir o equipamento objecto do contrato, a pagar as rendas vencidas e não pagas, acrescidas dos respectivos juros moratórios, bem como a título de indemnização por perdas e danos sofridos pelo locador, pagar uma importância equivalente a 20% da soma das rendas ainda não vencidas, na data da resolução com o valor residual.
Em substituição do acima referido poderá o locador optar por exigir, para além das rendas vencidas e não pagas e respectivos juros, a título de indemnização por perdas e danos, o pagamento de uma quantia equivalente à soma das rendas ainda não vencidas, na data da resolução, com o valor residual.”
- cláusulas gerais do contrato tipo de locação financeira, junto a fls. 15 e segs. do Procedimento de Reclamação Gracioso, apenso aos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.
4.3.
FACTOS NÃO PROVADOS:
Com relevância para os autos, não se provaram outros factos além dos supra referidos.

4.4.
Motivação da decisão de facto:
A convicção do Tribunal, quanto aos factos dados como provados, encontra- se sedimentada na apreciação conjugada da prova documental junta aos autos, ao PAT e aos procedimentos de reclamação graciosa e recurso hierárquico, pela Administração Fiscal e pela Impugnante, cujo conteúdo não foi impugnado pelas partes, à luz das regras da experiência comum.
X

2.2. De Direito
2.2.1. Nos presentes autos, está em causa intenção recursória que visa a rescisão da proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação deduzida por B………………, SA., contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), referentes ao ano de 2001, no montante global de € 37.974,53, acrescidas do pagamento de juros compensatórios.
2.2.2. A recorrente assaca à sentença sob recurso erro de julgamento, quer no que respeita à matéria de facto assente (i), quer no respeita ao direito aplicável (ii). Mais invoca a necessidade de cumprimento da obrigação de reenvio do processo ao Tribunal de Justiça da União Europeia (iii).
Por seu turno, para julgar improcedente a impugnação, a sentença estruturou, em síntese, a fundamentação seguinte:
«Em caso de acidente com perda do veículo, este evento implica a resolução automática do contrato de locação e, por conseguinte, a interrupção da relação sinalagmática existente entre locadora e locatário.
E, na ocorrência deste evento, há que distinguir entre a prestação que o locatário paga à locadora e que respeita ao montante de eventuais rendas vencidas e não pagas, bem como os respectivos juros de mora e aquela que vai ser paga pela seguradora.
Na primeira situação, a prestação em causa ainda tem a sua fonte no contrato (rendas já vencidas e respectivos juros) e, por conseguinte, na relação sinalagmática que existia entre locador e locatário, que está normalmente sujeita a IVA, porquanto a locação financeira configura a cedência, mediante retribuição, do gozo temporário de uma coisa móvel ou imóvel, pelo que constitui uma prestação de serviços sujeita a imposto, nos termos do n.º 1 do artigo 4º do CIVA.
Já no que respeita à segunda situação as coisas são diferentes. Com o acidente dá-se a intervenção de um evento externo que interrompe essa relação e constitui a causa da indemnização a pagar pela seguradora à locadora.
Contudo, as indemnizações pagas pelas Seguradoras às Locadoras não cobrem os ganhos que estas teriam se os contratos chegassem ao fim, uma vez que as Seguradoras não pagam os juros vincendos das prestações devidos até ao final do contrato de locação e que seriam liquidados se o contrato fosse cumprido.
Efectivamente, os valores pagos pela Seguradora visam apenas indemnizar a locadora do capital afecto às operações, compensando-se da saída do seu activo os bens que se perderam ou, por outras palavras, o que está coberto pelo seguro não são os contratos de leasing, mas os veículos, que constituem o objecto da actividade da Impugnante, tendo a indemnização em causa o propósito de reparar o prejuízo sofrido pela locadora na sequência da perda dos veículos, substituindo os bens perdidos em espécie pelo valor equivalente em termos monetários.
Já a “indemnização” paga pelos locatários à Impugnante, constituída pelo pagamento das prestações vincendas e pelo valor residual do veículo em locação financeira, pagas “complementarmente” à locadora pelos locatários não revestem natureza ressarcitória (porque não se destinam à compensação de perdas e danos) antes radicam no cumprimento de obrigações contratualmente assumidas.
Assim e tendo estes contratos a natureza de contratos de prestação de serviços, aquelas quantias representam, ainda, contraprestações de operações tributáveis em IVA»
2.2.3. No que respeita ao alegado erro de julgamento referido em (i), a recorrente impugna a matéria de facto assente, invocando, para tanto, que: «Para além dos factos elencados no capítulo "4.2 Factos Provados" da Sentença recorrida, o Tribunal a quo devia ter considerado provados e relevantes para a boa decisão da causa os seguintes factos: a) Sempre que era celebrado um contrato de leasing ou de ALD, era simultaneamente subscrito um seguro pela recorrente, na qualidade de tomadora e beneficiária, que cobria os danos próprios da viatura locada, incluindo o dano de perda total; b) Em caso de perda total dos veículos automóveis locados, a recorrente apenas cobrava aos locatários o valor complementar correspondente à diferença entre: (i) o montante total das rendas vincendas e valor residual; e (ii) o montante das indemnizações que lhe tinham sido pagas pelas seguradoras».
A impugnação da matéria de facto assente está sujeita ao ónus de impugnação especificada constante do artigo 640.º do CPC. O presente ónus não foi observado pela recorrente, dado que não indica os elementos de prova que sustentam os presentes enunciados fácticos. Mais se refere que os mesmos contradizem a matéria de facto assente, na medida em que o contrato de seguro é celebrado e pago pelo locatário, com vista a indemnizar a locadora/recorrente pela perda do bem locado (V. artigo 10.º/1/j), do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, que estabelece o regime jurídico do contrato de locação financeira e cláusula 3.ª do contrato tipo de locação financeira). É que, nos termos da cláusula 7.ª, do contrato tipo de locação de financeira, em face da ocorrência de evento relativo à perda do bem locado, a subsequente resolução do contrato de locação constitui na esfera jurídica da recorrente o direito ao pagamento, por parte do locatário, do valor das rendas vincendas, bem como do valor residual do bem locado, montantes que acrescem ao montante percebido pela locadora, a título de indemnização paga pela seguradora, no âmbito do contrato de seguro celebrado e pago pelo locatário (V. Clª 3.º e 7.º do contrato tipo de locação de financeira e artigo 10.º/1/j), do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, que estabelece o regime jurídico do contrato de locação financeira). Donde se extrai que o presente aditamento à matéria de facto é de rejeitar, por falta de suporte probatório.
Motivo porque se impõe julgar improcedente a presente imputação.
2.2.4. No que respeita ao alegado erro de julgamento referido em (ii), a recorrente considera que havia de ponderar que "as indemnizações pagas pelas seguradoras e destinadas a compensar os danos causados pela perda dos veículos automóveis, em caso de acidente, porque não assumem a natureza de contraprestação pela transmissão de um bem ou prestação de um serviço, nem visam suportar lucros cessantes das recorridas, devem considerar-se excluídas da incidência de IVA"».
Apreciação.
«[O] valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro» (artigo 16.º/1, do CIVA). Este valor corresponde, «[p]ara as operações resultantes de um contrato de locação financeira, [a]o valor da renda recebida ou a receber do locatário» (artigo 16.º/2/h), do CIVA).
A este respeito, é jurisprudência fiscal assente a de que: «[s]e as indemnizações sancionarem a lesão de qualquer interesse sem carácter remuneratório porque não remuneram qualquer operação, antes se destinam a reparar um dano, não são tributáveis em IVA, na medida em que não têm subjacente uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços. // «No âmbito de um contrato de locação financeira, as indemnizações pagas pelas seguradoras e destinadas a compensar os danos causados pela perda dos veículos automóveis, em caso de acidente, porque não assumem a natureza de contraprestação pela transmissão de um bem ou prestação de um serviço (arts. 1º, n.º 1, 4º, n.º 1 e 16º, n.º 6, alínea a), do CIVA), nem visam suportar lucros cessantes das recorridas, devem considerar-se excluídas da incidência de IVA. // As indemnizações pagas pelo locatário à locadora, traduzidas no pagamento de eventuais rendas vencidas e respectivos juros, porque radicam no cumprimento de obrigações contratualmente assumidas, tendo estes contratos a natureza de contratos de prestação de serviços, tais quantias representam, ainda, contraprestações de operações tributáveis em IVA»(1).
A propósito de situação semelhante à dos presentes autos (“indemnização” paga pelo locatário à locadora, na sequência de resolução do contrato de locação financeira, por perda do bem locado), este TCAS teve ocasião de referir que «Num contrato de locação financeira, as quantias pagas pela seguradora, na sequência da ocorrência de sinistro que origina a destruição ou a necessidade de reparação do bem locado, não constituem uma indemnização, mas antes a remuneração devida à locadora, nos termos do clausulado contratual, que impõe ao locatário o pagamento antecipado da dívida de capital actualizado e juros»(2).
Mais se referiu que no aresto citado que: «Nos termos do artigo 1022.º do CC, «[a] locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, aluguer quando incide sobre coisa móvel». «O contrato de locação financeira é um “mais” perante o contrato de locação. Ou seja: a lei (…) acrescenta algumas características distintivas à “base” constituída pelo contrato de locação. // Assim: // Tal como na locação: a) Existe a obrigação de ceder o gozo de uma coisa; b) O locador é e continua a ser proprietário da coisa; c) A outra parte tem o direito de exigir aquela cedência; d) O gozo é temporário; e) O gozo é retribuído. // A mais quanto à locação: f) O objecto do contrato é adquirido ou construído por indicação do locatário; g) O locatário pode adquirir a coisa decorrido o prazo acordado; h) Esse preço deve ser determinado no contrato ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados». «A estrutura de locação mantém-se na locação financeira em tudo o que se refere à cedência do uso». Existem contudo diferenças entre ambas as figuras: «(…) na locação, o risco de perecimento da coisa corre por conta do locador; enquanto que na locação financeira é o locatário que o suporta (…) // Também o dever de conservar e reparar a coisa incumbe, na locação financeira, ao locatário (…). Enquanto que na locação assiste ao locador. // Normalmente, na locação financeira, o locador-proprietário não tem a intenção de usar o bem, de correr os riscos próprios do proprietário, nomeadamente, o risco económico de não rentabilidade da coisa e do seu perecimento. O locador-proprietário quer que o bem seja usado, com a assunção integral do risco, pelo utente. // O locatário-utente, não pretende obter o (simples) uso de um bem disponível no mercado de locação. Realiza verdadeiramente um investimento, traduzido em parte ou na totalidade do valor do bem, correndo o risco equivalente do seu perecimento ou da sua não rentabilidade. // (…) [O] locador desinteressa-se da coisa sob o ponto de vista económico-financeiro que não sob o ponto de vista jurídico. Enquanto que, sob o ponto de vista económico-financeiro, o locatário tem uma “verdadeira” “propriedade útil” do bem. // O locador (financeiro) não escolhe o bem, não determina as suas características, não se preocupa com a sua rentabilidade. São tudo assuntos que dizem respeito ao utente. (…) // O utente escolhe o bem de acordo com as suas necessidades e assume o risco económico da sua utilização. Se esta não for rentável ou o bem não se adequar às suas necessidades, não pode cedê-lo ao fim de um período mais ou menos curto, como acontece na locação (…). // (…) [N]a locação, as rendas são prestações periódicas, correspondentes a períodos sucessivos, dependentes da duração do contrato, em termos de, desaparecido o bem, desaparecer a obrigação. Pelo contrário, na locação financeira há (“economicamente”) uma obrigação única do devedor, correspondente, “grosso modo”, ao custo do bem, com prestações fraccionadas no tempo».
No que respeita à tributação em sede de IVA, estão sujeitas ao imposto «as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal» - artigo 1.º/1/a), CIVA. São sujeitos passivos de IVA, «as pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços» - artigo 2.º/1/a), CIVA. «São consideradas como prestações de serviços as operações efectuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens» - artigo 4.º/1, CIVA. Do probatório resulta que a perda total dos bens objecto de locação financeira implica a resolução do contrato, sendo o locatário obrigado a pagar o somatório das rendas vincendas e o valor residual actualizado, o que consubstancia o vencimento antecipado das rendas. Sobre a matéria dispõe o artigo 16.º/1, CIVA, nos termos do qual, «(…) o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto será o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro». Dispõe, por seu turno, o artigo 16.º/2, «Nos casos das transmissões de bens e das prestações de serviços a seguir enumeradas, o valor tributável será: // h) Para as operações resultantes de um contrato de locação financeira, o valor da renda recebida ou a receber do locatário».
Mais se refere que: «o encontro de contas efectuado entre a locadora e o locatário, após o recebimento da indemnização, consubstancia, em si mesmo, o cumprimento de duas obrigações distintas, conforme resulta do próprio contrato, nomeadamente: // - O pagamento à locadora, por parte do locatário, do valor das rendas vincendas e valor residual actualizados, ao momento da perda total do bem; // - Restituição, pela locadora ao locatário, do valor da indemnização recebida pela Seguradora. // O valor a pagar à locadora, pelo locatário, relativo ao valor das rendas vincendas e valor residual actualizados ao momento da perda total do bem é sujeito a IVA (cf. alínea c), do n.º1 do artigo 18.º do CIVA), uma vez que configura uma prestação de serviços, face ao n.º1 do artigo 4.º do CIVA; // - O valor a restituir pela locadora ao locatário, relativo à indemnização recebida da seguradora, não tem subjacente uma operação sujeita a imposto, como tal não deve ser tributado em IVA»(3).

Ao decidir no sentido referido, a sentença recorrida não incorreu em erro, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.5. No que respeita à invocada obrigação de reenvio do processo ao Tribunal de Justiça da União Europeia, cumpre referir o seguinte.
O Artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia(4) [TFUE] tem a redacção seguinte:
«O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial:
a) Sobre a interpretação dos Tratados;
b) Sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.
(…)
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal. (…)».
A propósito da interpretação do artigo 267.º do TFUE, cabe referir que «[u]m tribunal cujas decisões não seja susceptíveis de recurso judicial, previsto no Direito interno, é obrigado a suscitar a questão prejudicial, se tiver dúvidas sobre a interpretação ou sobre a validade de uma norma comunitária»(5). A noção de “tribunal cuja decisão não é suscetível de recurso judicial de Direito interno” é uma noção de direito europeu, «que deve ser entendida como todo o recurso ordinário, ou seja aberto a cada uma das partes no litígio, e só a elas, sem necessidade de justificação particular e em que é permitido o reexame da aplicação do Direito»(6).
Sobre a obrigação do reenvio prejudicial, o TJUE, no Acórdão de 09.09.2015, proferido no Processo n.º C-160/14, teve ocasião de sublinhar o seguinte: «a verdade é que, quando não exista recurso judicial de direito interno da decisão de um órgão jurisdicional nacional, este é, em princípio, obrigado a submeter uma questão ao Tribunal de Justiça, em conformidade com o artigo 267.°, terceiro parágrafo, TFUE, quando uma questão relativa à interpretação do direito da União seja suscitada perante esse órgão jurisdicional. // Quanto ao alcance da referida obrigação, decorre de jurisprudência consolidada desde a prolação do acórdão Cilfit e o. (283/81, EU:C:1982:335) que um órgão jurisdicional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial de direito interno é obrigado, sempre que uma questão de direito da União seja suscitada perante si, a cumprir a sua obrigação de reenvio, a menos que conclua que a questão suscitada não é pertinente ou que a disposição do direito da União em causa foi já objeto de interpretação por parte do Tribunal de Justiça ou que a correta aplicação do direito da União se impõe com tal evidência que não dê lugar a qualquer dúvida razoável. // O Tribunal de Justiça precisou ainda que a existência de tal eventualidade deve ser avaliada em função das características próprias do direito da União, das dificuldades particulares de que a sua interpretação se reveste e do risco de surgirem divergências jurisprudenciais no interior da União (acórdão Intermodal Transports, C-495/03, EU:C:2005:552, n.º 33)»(7).
Tal obrigação não tem aplicação ao caso em exame, dado que o TCAS não é órgão jurisdicional de última instância e não existem dúvidas sobre a interpretação de normas de direito europeu com relevância para a decisão do litígio.
Motivo porque se impõe julgar improcedente a presente argumentação.
DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)

(1º. Adjunto)

(2º. Adjunto)



_________________
(1) Acórdão do STA, de 31.10.2012, P. 01158/11
(2) Acórdão do TCAS, de 27.03.2012, P. 03385/09
(3) Sentença recorrida.
(4) Publicado no JOUE, n.º C – 115, de 09.05.2008.
(5) Fausto Quadros e Ana Maria Guerra Martins, Contencioso da União Europeia, Almedina, 2007, p. 88
(6) Fausto Quadros e Ana Maria Guerra Martins, Contencioso da União Europeia, Almedina, 2007, p. 91
(7) Acórdão do TJUE, de 09.12.2015, P. C-160/14, §§37 a 39.