Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05350/12
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:02/07/2012
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:IRS. RESIDENTE.
Sumário:1. Estando assente que o recorrente esteve, em Portugal, no ano de 2007, para adquirir um imóvel e que, dispunha, no dia 31 de dezembro, de habitação, relativamente à qual manifestou, expressa e inequívoca, intenção de ocupar e manter como residência habitual, própria e permanente, mediante pedido de isenção de IMI que formalizou, junto das autoridades tributárias portuguesas, em 27.11.2007, é inatacável a conclusão de que aquele, no visado ano, tinha residência em Portugal, pelo preenchimento dos requisitos exigidos no art. 16.º n.º 1 al. b) CIRS.
2. Assim, de nada lhe serviria, no âmbito do corrente processo e para efeitos da proposta incidência de IRS - Categoria G, eventualmente, provar, mediante a inquirição da testemunha arrolada, ser residente, no ano de 2007, também, em Angola; esta afirmada residência jamais seria capaz de afastar a estabelecida com base no indicado, privativo, critério legal.
3. Sem prejuízo da prova por testemunhas representar meio provatório admissível em direito processual tributário, o juízo sobre a sua produção casuística deve e tem de ser estabelecido mediante a aturada ponderação do relevo que pode vir a adquirir para demonstrar determinada realidade factual, no pressuposto de a força probatória dos depoimentos das testemunhas ser apreciada livremente pelo tribunal – art. 396.º Cód. Civil.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I
A..., contribuinte n.º ...e com os demais sinais constantes dos autos, apresentou, nos termos do art. 89.º -A n.º 7 LGT, recurso (judicial) de decisão de avaliação da matéria colectável, por método indireto, para o ano de 2007, em cédula de IRS.
No Tribunal Tributário de Lisboa, foi proferida sentença, julgando o recurso improcedente, com consequente manutenção da decisão avaliativa, veredicto que aquele confrontou em recurso jurisdicional, cuja alegação encerra com estas conclusões: «
I. A dispensa da prova testemunhal, em paralelo com a inexistência nos autos, por força de tal situação, de elementos de prova bastantes com base nos quais possa ser correctamente apreciada a questão da residência real (e não apenas cadastral) do Recorrente, impõe-se a conclusão de que a Sentença recorrida padece de um défice instrutório, cumulado, com uma insuficiência factual, cujas consequências deverão ser as previstas no artigo 712.º, n.º 4, do CPC (aplicável ex. vi. alínea e) do artigo 2.º do CPPT).
II. A desconsideração do Atestado de residência do Recorrente em Angola e a desconsideração da restante prova documental junta pelo Recorrente levaram a uma errada interpretação dos factos e conclusões retiradas pelo Tribunal a quo.
III. A prova testemunhal que o Recorrente pretendia ver produzida era decisiva e tudo menos um expediente dilatório, atento o conhecimento que a testemunha arrolada pelo Recorrente tem deste último, não só por ser seu pai como pelo facto do mesmo residir em Angola, perto do filho e com o qual dialoga diariamente, conhecendo, melhor que ninguém, onde reside o Requerente e há quanto tempo lá está efectivamente, informação essa determinante para o desfecho da sentença.
IV. A Sentença recorrida enferma de erro de julgamento, devendo ser revogada por evidente défice instrutório e os autos não fornecerem os elementos probatórios necessários à reapreciação da matéria de facto.
V. Consequentemente, deverão os presentes autos baixar ao Tribunal recorrido para que os factos sejam apurados correctamente, a situação material seja analisada em conformidade com os mesmos e seja produzida a correspondente prova testemunhal. »
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O Recorrido/Rdo (Diretor de Finanças de Lisboa) formalizou contra-alegações, concluindo: «
a) Contrariamente ao sustentado pelo recorrente, a douta sentença proferida nos autos não padece de qualquer défice instrutório.
b) Pelo contrário, pronunciou-se de forma clara, precisa e fundamentada, sobre cada uma das causas de pedir invocadas pelo recorrente de forma a justificar a peticionada anulação do acto sob sindicância.
c) E fê-lo, apoiada no conjunto de elementos documentais que integram os autos, claramente suficientes para afastar a estrutura basilar da posição defendida pelo recorrente, ou seja, que não é residente em território português e, como tal, não estava obrigado a apresentar declaração de rendimentos.
d) Dessa forma, por despacho interlocutório datado de 15/09/2011, foi dispensada a realização da prova testemunhal requerida pelo requerente.
e) Não tendo, em tempo oportuno, sido apresentado recurso formou-se, em relação à decisão proferida, caso julgado.
f) Como tal, a questão não pode ser apreciada no recurso interposto da decisão final.
g) Quanto ao demais, o recorrente apenas expressa desacordo do relativamente à não consideração pelo Tribunal, da documentação que apresentou de forma a evidenciar a alegada residência em Angola.
h) Porém, as alegações do recorrente, a esse respeito, são vazias de conteúdo e como tal infrutíferas, não explicitando as razões de ser da discordância.
i) Nada é referido que infirme o juízo efectuado pelo Tribunal sobre a matéria de facto, sendo que o recorrente admite (confessa) que declarou à administração fiscal a sua residência em Portugal.
j) É pois de concluir que a douta sentença não padece de qualquer dos vícios que lhe são imputados, nomeadamente o alegado défice instrutório.
k) A determinação dos factos em que se baseou a decisão decorreu apenas da análise aos elementos documentais juntos pelas partes, que afastavam, por desnecessários, outros meios de prova.
l) Assim sendo, é plenamente válida a douta sentença proferida nos autos, que mantêm vigente, por legal e adequado, o acto administrativo que, ao abrigo das chamadas manifestações de fortuna (artigo 89°-A da LGT), fixou ao recorrente rendimento de tributável no valor de € 56.539,80, a enquadrar da categoria “G” de IRS, relativamente ao ano de 2007.

Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, deve o presente recurso ser considerado totalmente improcedente e, em consequência, ser confirmada integralmente a douta decisão recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA. »
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A Exma. Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer, no sentido de que deve improceder o recurso.
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Dispensados os vistos legais, compete conhecer.
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II
Mostra-se consignado, na sentença: «
Com relevância para a decisão, mostra-se assente a seguinte matéria de facto:
a) Em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI201011099, de 16/12/2010, foi efectuada uma análise interna parcial a A...[documento de fls. 2 a 10 do processo administrativo].
b) Na sequência da análise interna referida em a), foi elaborado Relatório onde consta, além do mais o seguinte: “(...) O sujeito passivo adquiriu um imóvel, por 270.000,00 euros (...) ao qual coube o artigo matricial nº 1793, fracção X, da freguesia 110709, de Moscavide.
Verifica-se que foi pago o IMT de 10.514.00 € e Imposto de Selo devido pela escritura de 2.185.00 €.
Nunca apresentou qualquer declaração de rendimentos de IRS. Da consulta aos cruzamentos de informação que constam do sistema informático, não se verifica qualquer outro rendimento, para este exercício.
(...)
De acordo com o que foi descrito nos pontos anteriores, nomeadamente:
o contribuinte não declarou quaisquer rendimentos,
e adquiriu um imóvel a que corresponde o artigo matricial nº 1793, fracção X, da da freguesia 110709, de Moscavide, por 270.000.00 €, o que constitui manifestação de fortuna.
Proceder-se-á ao apuramento da matéria tributável através do recurso a métodos indirectos.
Verificados os pressupostos para a avaliação indirecta da matéria colectável, cabia ao sujeito passivo a prova da fonte das manifestações de fortuna ou o acréscimo do património.
Porém, o contribuinte nada justificou.
Tendo o contribuinte adquirido um imóvel a que corresponde o artigo matricial nº 1793, fracção X, da freguesia 110709, de Moscavide por 270.000.00 €, tendo pago o IMT de 10.514.00 € e Imposto de Selo devido pela escritura de 2.185.00 €, que perfez o valor global de 282.699.00 €, o que constitui manifestação de fortuna, uma vez que o valor de aquisição é superior a € 250.000.00, o rendimento padrão previsto no n° 4 do art. 89º -A da LGT, será de 20% do valor de aquisição 282.699.00 X 0.2 = 56.539.80 €.
(...)
Assim, nos termos do n.° 4 do art.° 89 -A da LGT, conjugado com a alínea d) do n.° 1 do art.° 9.° do CIRS, o rendimento afixar é de 56.539.80 €, como rendimento da categoria G - Incrementos Patrimoniais. (...)”. [documento de fls. 2 a 10 do processo administrativo].
c) No âmbito da acção de fiscalização referida em a), o recorrente foi notificado para exercer o direito de audição prévia [documentos de fls. 27 a 30 do processo administrativo].
d) Em 6/05/2011, foi proferido despacho, pelo Director de Finanças de Lisboa, de concordância com as conclusões do relatório da acção inspectiva referido em b) [documento de fls. 1 do processo administrativo],
e) No dia 22/11/2007, o recorrente adquiriu, pelo preço de € 270.000.00, a fracção autónoma designada pela letra “X”, correspondente ao quinto andar D - piso cinco -para habitação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Zona de Intervenção da Expo 98, lote 4.59.03, na freguesia de Moscavide, concelho de Loures, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Loures, sob o n° 847, da freguesia de Moscavide [documentos de fls. 14 a 19 do processo administrativo].
f) O recorrente apresentou pedido de isenção de IMI para o imóvel identificado em e), ao abrigo do disposto no artigo 42°, n° 1 do Estatuto dos Benefícios Fiscais [documento de fls. 12 do processo administrativo].
g) O pedido de isenção referido em f) foi deferido pelo prazo de 3 anos [documento de fls. 12 do processo administrativo].
h) O recorrente tem o NIF ...e o seu domicílio fiscal sita na Avenida ..., n° 4 59 03 5, D, 1990-366 Moscavide [documento de fls. 11 do processo administrativo].
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Não resultaram provados outros factos com relevo para a decisão, designadamente que o recorrente residia, no ano de 2007, em Angola.
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A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos elementos constantes dos autos, designadamente, as informações oficiais e os documentos, não impugnados, conforme referido a propósito de cada alínea do probatório.
Quanto ao facto de o recorrente residir, ou não, em Angola, importa ter presente que os documentos juntos por aquele, designadamente o atestado de residência emitido pela Administração do Município da Cabinda [fls. 9 dos autos] não permitem formar a convicção de que o mesmo residia em Angola no ano de 2007, na medida em que este facto é infirmado pelos demais elementos constantes dos autos, nomeadamente, o pedido de isenção de IMI para o imóvel identificado na alínea e) dos factos assentes, efectuado ao abrigo do disposto no artigo 42°, n° 1 do EBF [na redacção e numeração anterior ao Decreto-lei n° 108/2008, de 28 de Junho], ou seja, com fundamento naquele se destinar à sua habitação própria e permanente.
Assim, tendo o recorrente declarado, para efeitos de isenção de IMI, que o imóvel referido se destinava à sua habitação própria e permanente, não podemos julgar provado que o mesmo residia, no ano de 2007, em Angola. »
***
A única questão que se divisa das conclusões elaboradas pelo Recorrente/Rte, diz respeito ao apontamento de défice instrutório, à sentença recorrida, decorrente, sobretudo, da não inquirição (1) da testemunha arrolada na petição inicial, cujo depoimento, segundo aduz, agora, seria decisivo para esclarecer qual a respectiva “residência real”, no ano de 2007.
Resumidamente, a decisão de avaliação da matéria tributável, de IRS, por método indireto, para o ano de 2007, do, aqui, Rte, assentou na constatação, pelos serviços da administração tributária/at, de que este não apresentou declaração anual de rendimentos e evidenciou uma manifestação de fortuna, das inscritas na tabela do n.º 4 do art. 89.º -A LGT, em concreto, a aquisição, no dia 22.11.2007, de imóvel com valor de compra superior a € 250.000. Para o visado, não havia lugar à entrega da declaração em falta, por virtude de não ser residente em Portugal, durante o ano referenciado. Em face desta divergência, a sentença dirimiu, nos seguintes moldes: «
(…), considerando que o recorrente adquiriu um imóvel em Portugal e declarou residir nele de forma permanente, concluímos que o recorrente era, para efeitos fiscais, residente em Portugal no ano de 2007 e, nessa medida, era sujeito passivo de IRS pela totalidade dos seus rendimentos, pelo que, atento o disposto no artigo 57º nº 1 do CIRS, encontrava-se obrigado a apresentar a declaração de rendimentos relativa ao referido ano. » Anote-se que, para chegar a esta conclusão, o julgador teve em conta o disposto nos arts. 13.º n.º 1, 15.º n.º 1 e 16.º n.º 1 CIRS.
Sendo, como resulta deste enquadramento jurídico, nuclear o aspecto da residência do Rte, para efeitos fiscais (e não quaisquer outros), em particular, no campo da incidência pessoal do IRS, respeitante ao ano de 2007, o tribunal recorrido julgou não provado o facto de que aquele, então, residia em Angola. Justificou a formação da sua convicção, indicando que, não obstante o conteúdo da documentação junta com a petição inicial, maxime, o atestado de residência emitido pela Administração do Município da Cabinda, apontar a residência nesse País, essa realidade se mostrar infirmada pelos demais elementos constantes dos autos, nomeadamente, o pedido de isenção de IMI para o imóvel identificado na alínea e) dos factos assentes, com fundamento naquele se destinar à sua habitação própria e permanente. Ora, antecipando, não podemos deixar de acolher esta valoração de todos os elementos de prova disponíveis.
Primeiramente, quanto ao junto atestado de residência, além da acertada desvalorização estabelecida na sentença, cumpre aditar a circunstância, afetante da respectiva credibilidade, de certificar o Rte como residente em Cabinda até 25.5.2011, quando se constata, por acaso, que o mesmo passou procuração forense, ao mandatário judicial nesta ação, em 20.5.2011, afirmando-se residente, domiciliado, na “Av. ..., lote 4.59.03, 5º D, Parque das Nações, 1990-366 Moscavide” (2). Obviamente, nada impede as pessoas, no exercício das suas liberdades cívicas, de fixarem residência em mais que um local …
Em segundo lugar, sem prejuízo da prova por testemunhas representar meio provatório admissível em direito processual tributário (3), o juízo sobre a sua produção casuística deve e tem de ser estabelecido mediante a aturada ponderação do relevo que pode vir a adquirir para demonstrar determinada realidade factual, no pressuposto de a força probatória dos depoimentos das testemunhas ser apreciada livremente pelo tribunal – art. 396.º Cód. Civil. Noutra perspectiva, não se estando na presença de um meio capaz de fazer prova plena dos factos sobre que pode versar, a realização de prova testemunhal torna-se dependente da avaliação do seu interesse, em função da capacidade, patenteada por outros elementos disponibilizados, incluindo o funcionamento de, explícitas, regras legais com cariz probante, de demonstrar, com um grau de maior ou total certeza, determinada factualidade, ainda que, para circunscritos efeitos.
Operando estas elementares, mas incontornáveis, premissas, na situação de que nos ocupamos, estando em causa saber se o Rte, em 2007, residia em território português, para, consequentemente, afirmar ou não a sua obrigação de apresentar a declaração de modelo oficial prevista no art. 57.º n.º 1 CIRS, é imperativo, atenta a regra positivada no art. 16.º n.º 1 al. b) do mesmo códex, assentar que, tendo aquele estado, em Portugal, nesse ano, para adquirir um imóvel, dispunha, no dia 31 de dezembro de 2007, de habitação, relativamente à qual manifestou, expressa e inequívoca, intenção de ocupar e manter como residência habitual, própria e permanente. Efectivamente, nesse sentido foi o pedido de isenção de IMI que formalizou, junto das autoridades tributárias portuguesas, em 27.11.2007, que, igualmente, na mesma condição de se tratar da residência própria e permanente, mereceu deferimento pelo período de 3 anos. Acrescendo terem de se presumir verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei – art. 75.º n.º 1 LGT, a conclusão de que o Rte, em 2007, tinha residência em Portugal, pelo preenchimento dos requisitos exigidos no coligido art. 16.º n.º 1 al. b) CIRS, é inatacável.
Assim, de nada serviria ao Rte, no âmbito do corrente processo e para efeitos da proposta incidência de IRS - Categoria G, eventualmente, provar, mediante a inquirição da testemunha arrolada, ser residente, no ano de 2007, também, em Angola; esta afirmada residência jamais seria capaz de afastar a estabelecida com base no indicado, privativo, critério legal, resultando, portanto, inútil a diligência de prova pugnada realizar por aquele.
Em suma, a sentença versada não padece de défice instrutório, nem factual, pelo que, tem de manter-se na íntegra.
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III
Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, acorda-se negar provimento ao presente recurso jurisdicional.
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Custas a cargo do recorrente.
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(Elaborado em computador e revisto, com versos em branco)
Lisboa, 7 de fevereiro de 2012

ANÍBAL FERRAZ
PEDRO VERGUEIRO
PEREIRA GAMEIRO

1- Expressa e especificamente, dispensada pelo despacho de fls. 57, que notificado não suscitou qualquer tipo de reação.
2- Cfr. fls. 21; precisamente, o imóvel adquirido em Novembro de 2007 e para o qual, no dia 27 do mesmo mês, pediu isenção de IMI, por o ir destinar à sua habitação própria e permanente.
3- Entre outros, art. 115.º n.º 1 CPPT.