Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:38/20.1BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:06/09/2021
Relator:VITAL LOPES
Descritores:RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA;
NULIDADE DA CITAÇÃO.
Sumário:1. Não ocorre nulidade da citação quando o vício invocado radica no facto de aquela não ter sido acompanhada dos documentos que o A. protestara juntar na P.I..
2. Se a falta dos documentos protestados juntar na P.I. não permitir ao Réu apreender os fundamentos do pedido, impugnar os factos articulados e estruturar a sua defesa, deve ele defender-se na contestação por excepção e, não, arguir a nulidade do acto de citação, posto que a lei não impõe mais que a remessa dos documentos que acompanham a P.I., e não também daqueles que o A. protesta juntar e de que sempre terá conhecimento posterior por via da faculdade do contraditório.
3. Sendo a P.I. ininteligível quanto ao pedido ou causa de pedir, pode o R. excepcionar a nulidade de todo o processo por esse fundamento.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I. RELATÓRIO


O Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Réu na Acção Administrativa intentada por L………….., S.A., visando a anulação do acto administrativo consubstanciado no Despacho daquela entidade n.º 88/2019 XXII, de 30/12/2019, vem reclamar para a conferência do despacho do relator que lhe indeferiu o pedido para que fosse realizado novo acto de citação.

O reclamante terminou as suas alegações, formulando as seguintes e doutas conclusões:
«


I) A presente reclamação para a conferência vem interposta do despacho do Relator que indeferiu a arguição de nulidade do acto de citação, que foi deduzida com fundamento de que a citação não foi devidamente acompanhada dos documentos que a A. juntou à p.i. e que isso prejudica o eficaz exercício do direito de defesa do R., e por o R. se sentir prejudicado com tal despacho, uma vez que o mesmo, ao impedir o mesmo de contestar a acção na posse de todos os documentos que a A. apresenta como prova dos fundamentos de facto da sua acção, bem como, ao vedar, em absoluto, a apresentação de tal contestação, o lesa gravemente nos seus direitos, inclusive, constitucional, de defesa.

II) Antes de mais, o despacho ora reclamado fez uma incorrecta interpretação e aplicação dos artigos 191º nº 1 e 4, nº 3 do art. 219º , 226º nº 1 e 227º nº 1, todos do CPC.

III) Nos termos do nº 1 do art. 227º CPC constitui formalidade do acto de citação, a remessa ou entrega ao citando do duplicado da petição inicial e de cópia dos documentos que a acompanhem.

IV) O simples incumprimento de tal normativo, acarreta o não cumprimento da formalidade e esse não cumprimento gera nulidade, cfr. nº 1 do art. 191º do CPC.

V) Devendo sempre a mesma ser atendida, nos termos do nº 4 do mesmo artigo 191º, se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado.
VI) Ora, a falta de cumprimento da formalidade, tal como invocado no requerimento apresentado pelo R. arguindo a nulidade da citação, prejudica a defesa do citado, porquanto, sendo certo que é na contestação que este pode/deve concentrar toda a sua defesa e juntar documentos destinados a fazer prova dos factos que invoca, o desconhecimento dos documentos apresentados pela A. impede a análise da prova apresentada pela mesma e, como tal, impede a impugnação especificada dos factos invocados, com o que fica coarctado o pleno e eficaz exercício do contraditório.

VII) O despacho ora reclamado, salvo o devido respeito, está também a fazer uma errada interpretação e aplicação do art. 83º do CPTA aos factos.

VIII) Sendo no articulado da contestação que o R. deve concentrar toda a sua defesa e impugnar especificadamente os factos invocados pela A., a falta de junção, no acto de citação, dos documentos que a A. apresenta como prova dos factos que invoca, impossibilita o cumprimento de tal obrigação.

IX) Está também a violar-se o princípio do contraditório, garantido constitucionalmente, uma vez que não se permite ao R. conhecer e pronunciar-se sobre os documentos que pretendem fazer prova dos factos invocados pela A.,

X) Bem como, está violado o princípio da igualdade, porquanto a posição das duas partes no processo não é igual, permitiu-se à A. apresentar a sua acção invocar nela factos sem sequer se exigir que apresente os documentos que junta e protestou juntar com a p.i. e não se permite ao R. apresentar a sua contestação, por se entender que o mesmo tinha que contestar a acção, pese embora não tenha tido conhecimento dos documentos que a A. apresenta como prova dos factos apresentados.

XI) Tais violações estão bem patentes também na segunda parte do despacho ora reclamado quando impõe como cominação do indeferimento da arguição da nulidade, que se mantenha a viciada citação com a cominação prescrita na lei para a falta de contestação. Refere tal despacho que: “Assim, não haverá lugar a nova citação, mantendo-se válida a que foi efectuada com as consequências processuais daí decorrentes.”

XII) Ora, também aqui e, mais uma vez salvo o devido respeito, está o despacho ora reclamado a violar o nº 4 do art. 83º, nº 6 do art. 84º do CPTA e o princípio do contraditório e da igualdade das partes.

XIII) In casu, não se pode tratar e julgar o R. como que “à revelia”, a situação não pode ser equiparada à da falta de contestação, de outro modo, mais uma vez se estaria a violar o princípio da igualdade e do contraditório, uma vez que o R. nunca pretendeu não contestar e nunca pretendeu não juntar o PA, apenas, no prazo que lhe foi concedido para o exercício constitucional do seu direito de defesa, veio ao processo invocar a existência de uma nulidade que afecta irremediavelmente o seu direito de defesa.
XIV) Donde, pelo menos, deveria ter sido fixado prazo para a A. juntar os documentos que protestou juntar com a p.i. e ser assegurado ao R. o direito ao contraditório, bem como, a juntar o PA.

Termos pelos quais e, como o douto suprimento de V. Ex.as deve ser deferida a presente reclamação para a conferência e, em consequência, ser promovida nova citação com remessa de cópia de todos os documentos que acompanham a p.i., nos termos legais.

Em qualquer caso, devem sempre ser notificados tais documentos ao R. sendo-lhe igualmente, concedido prazo para contestar e/ou juntar o PA».

O A., ouvido, nada respondeu.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto diz nada ter a opor a que os autos sejam levados à conferência, como tempestivamente requerido.

II. FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICO-JURÍDICA

É este o teor do despacho reclamado:
«Requerimento da entidade Ré a arguir a nulidade da citação.
Indefiro, porquanto, a falta de entrega com a citação dos documentos que a A.
protestou juntar na P.I. só acarretaria nulidade da citação se fosse essencial
para que a entidade Ré compreendesse exactamente os fundamentos/ causa
de pedir da acção, o que não se vislumbra, nem é sequer isso que a entidade
Ré invoca, mas apenas que se vê impedida de analisar a prova pretendida
fazer pela A. com os documentos protestados juntar - cf. artigos 226/1 e 227/1
("cópia dos documentos que a acompanham"), do CPC.
Assim, não haverá lugar a nova citação, mantendo-se válida a que foi
efectuada com as consequências processuais daí decorrentes.
Notifique.
Lisboa, 9 de Outubro de 2020
(…)».

Vejamos então.

Como se sabe, a citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender, sendo sempre acompanhada de todos os elementos e de cópias legíveis dos documentos e peças do processo necessários à plena compreensão do seu objecto – art.º 219.º, nºs 1 e 3 do CPC.

Também o artigo 227.º do CPC determina que o acto de citação implica a remessa ou entrega ao citando do duplicado da petição inicial e da cópia dos documentos que a acompanham, comunicando-se-lhe que fica citado para a acção a que o duplicado se refere, e indicando-se o tribunal, juízo e secção por onde corre o processo.

No acto de citação indicar-se-á ainda ao destinatário o prazo dentro do qual pode oferecer a defesa, a necessidade do patrocínio judiciário e as cominações em que incorre no caso de revelia.

A citação é, assim, um acto de enorme relevo que visa assegurar o direito de defesa de quem é demandado em juízo, garantindo a realização do princípio do contraditório.
Sem efectiva citação, límpida e transparente, com observância de todo o formalismo exigido pela lei adjectiva, o processo fica irremediavelmente inquinado, uma vez que ao réu é vedada a possibilidade de se defender convenientemente, não podendo fazer valer os seus argumentos.

No caso vertente, o réu veio arguir a nulidade da citação “nos termos do disposto no art.º 191.º, n.º 1 e 2 do CPC” e alertar o Tribunal de que o art.º 79.º do CPTA prescreve “que a petição inicial é, desde logo, instruída com a prova documental e, sendo alegado motivo justificado, será fixado prazo para o autor proceder à junção de documentos que não tenha podido obter em tempo”.

E acrescenta: “Contudo, constata o R. que, segundo o ofício de citação desse Tribunal, datado de 08/06/20, apenas foi junta à citação a cópia da petição inicial, o comprovativo da taxa de justiça inicial e a procuração, não obstante o A. fazer constar da mesma P.I. que esta será acompanhada de 1 + 3 (três) documentos que protesta juntar”.

E prossegue o R., alegando que tais documentos se destinam a fazer prova dos factos concretos referidos na P.I., pelo que a sua não junção impede a apreciação da prova, a impugnação especificada dos factos invocados, em suma, prejudica a estruturação da sua defesa e viola o principio estruturante do contraditório.

A questão central que se coloca na reclamação reconduz-se, pois, a saber se em vista dos fundamentos invocados pelo Réu no requerimento de arguição da nulidade da citação, o relator deveria ter ordenado a repetição do acto de citação, agora acompanhada dos documentos que o A. protestara juntar na P.I., desse modo sanando o vício apontado à primitiva citação.

De acordo com o disposto no art.º 191.º, n.º 1 do CPC, é nula a citação, quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei.

Ora, a formalidade alegadamente em falta reside na circunstância de se ter realizado a citação desacompanhada dos documentos que o A., na P.I. protestara juntar.

Se protestara juntar, é porque a não acompanhavam e disso mesmo dá conta o despacho reclamado.

Pois bem, o n.º 1 do artigo 227.º do CPC determina que o acto de citação implica a remessa ou entrega ao citando do duplicado da petição inicial e da cópia dos documentos que a acompanham, não dos documentos que o A., na P.I. protesta juntar, seja para prova dos fundamentos da acção, seja para qualquer outra finalidade processual.

E, portanto, de duas uma: ou a P.I. sem os documentos protestados juntar permite ao R. apreender a indicação do pedido e da causa de pedir, contradizer os factos articulados e estruturar a sua defesa, ou não.

Verificando-se esta última hipótese, como se sabe, o R., na contestação, pode defender-se por impugnação e por excepção. A defesa por excepção pode revestir duas formas, a saber: a defesa através de excepções dilatórias – defesa meramente processual – ou a defesa através de excepções materiais ou substantivas – peremptórias –, ou seja, mediante a alegação de factos que sirvam de causa modificativa, extintiva ou impeditiva do direito alegado pelo Autor – artigos 571.º, 572.º, 576.º e 577.º, alínea b), do CPC e 83.º, n.º 1 alínea b), 89.º nºs 1, 2 e 4 alínea b), do CPTA.

Por outro lado, como decorre do disposto no art.º 186.º do CPC, é nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial e esta diz-se inepta, nomeadamente, “quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir”.

Significa isto que o caminho trilhado pelo ora reclamante de arguir a nulidade da citação sem que tenha ocorrido a preterição de qualquer formalidade prescrita por lei (art.º 191/1 do CPC), não foi o adequado, nem decisão diferente da proferida se impunha ao relator; o que o Réu/ reclamante deveria ter feito era apresentar a sua contestação no prazo conferido e nessa peça excepcionar a nulidade de todo o processo com fundamento na alínea a) do n.º 2 e n.º 3, do art.º 186.º do CPC.

Note-se que entendimento diverso obrigaria o tribunal a sobrestar na citação (que constitui um acto de secretaria – art.º 81/1 do CPTA) até que fossem juntos aos autos os documentos protestados juntar pelo A., o que a lei não consente. Obviamente que uma vez juntos, tais documentos sempre seriam sujeitos a contraditório de parte, essa é uma regra estruturante do processo civil, administrativo e tributário.
Tudo o mais alegado na reclamação, temos dificuldade em acompanhar.

No que em particular respeita à junção do processo administrativo, não vemos que a preclusão do prazo da contestação, por opção ou negligência da entidade demandada, dispense a sua remessa a tribunal, a qual pode sempre ser ordenada oficiosamente nos termos prevenidos no art.º 84.º do CPTA, estando a entidade demandada, enquanto parte, obrigada à colaboração processual nos termos legalmente estabelecidos.

É, pois, de confirmar o despacho do relator e indeferir a reclamação.

III. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em indeferir a reclamação e manter o despacho reclamado.
Condena-se o Reclamante nas custas do incidente, pelo mínimo legal.

Lisboa, 09 de Junho de 2021

[O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes–Desembargadores integrantes da formação de julgamento, Luísa Soares e Cristina Flora].

Vital Lopes