Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1949/17.7 BELSB
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:02/28/2018
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:INTIMAÇÃO PARA A PROTEÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS
INIDONEIDADE DO MEIO PROCESSUAL UTILIZADO
Sumário:I – Se a situação jurídica favorável prevista no artigo 88º/2 da Lei nº 23/2007 for requerida pelo particular, a A. P. fica constituída no dever de decidir.

II – Seria um ato processual inútil, e logo proibido, o juiz fazer o convite previsto no artigo 110º-A no CPTA quando o juiz esteja seguro de que a ação principal, de que o novo processo cautelar seria instrumento, será extemporânea.

III – É que o juiz cautelar iria ter de aplicar o artigo 116º/2-f) do CPTA ao novo requerimento cautelar, com referência ao artigo 69º/1 do CPTA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

PITAM ………………, contribuinte fiscal n.º …………………, nacional do Nepal, residente na ………….., n.º ………………. Lisboa, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de LISBOA

processo de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias

contra MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA.

A pretensão apresentada foi: emissão do título de residência com carácter urgente.

Por despacho de tipo saneador de 02-11-2017, o referido tribunal veio a prolatar a decisão ora recorrida, julgando procedente a exceção dilatória de inidoneidade do meio processual utilizado e, consequentemente, absolvendo a Entidade Requerida da instância.

*

Inconformado com tal decisão, o autor interpôs o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:

A. A sentença a quo é deficiente.

B. O Tribunal a quo baralha e confunde conceitos.

C. Até 31 de Julho do corrente o procedimento para o art. 88º/2 tinha natureza excecional e não estava sujeito a qualquer tipo de prazo legal.

D. Somente a partir dessa data constitui uma garantia do cidadão Imigrante.

E. A sujeição a prazos legais para decisão correspondia nos antigos diplomas ao nº l do art.º 88º.

F. O Autor provou que não revê a família mulher há cerca de (7) anos.

G. Há uma lesão séria em curso do direito à família que o tribunal a quo ignora por completo.

H. O Autor está refém da atual Entidade Empregadora.

I. A sentença a quo não valorou nem pondera devidamente os valores constitucionais em causa.

J. Só o uso do presente instrumento legal garante eficazmente o cumprimento a Constituição da República portuguesa.

K. O Tribunal a quo não fez o convite para a propositura de uma providência cautelar como está obrigado por lei.

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O recorrido contra-alegou, concluindo assim:

1 - A autoridade recorrida não pode deixar de manifestar a sua concordância com a Sentença proferido pelo TAC de Lisboa, porquanto a mesma se revela impoluta. Com efeito, o tribunal a quo procedeu ao correto enquadramento da situação no direito vigente sobre a matéria (O direito adjetivo). Os processos urgentes devem ser reservados para as situações de verdadeira urgência na obtenção de uma decisão sobre o mérito da causa (que coincidem com aquelas para as quais não · é possível ou suficiente a utilização de um processo não urgente); E para aquelas onde exista necessidade de uma proteção acrescida dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

2 - Não acompanhando esse douto Tribunal semelhante juízo, deverá ter em atenção que: Está em causa a concessão de autorização de residência ao abrigo do art. 88.º n. 2 da Lei n.º 23/2007, de 4/7; O recorrente não é titular de qualquer direito, liberdade ou garantia posto em crise por um ato administrativo; A Sentença recorrida que sufragou os argumentos do ora recorrido, e bem assim a sua atuação, não belisca nenhum direito do recorrente; Ao invés, a pretensão do recorrente, a ser acatada violaria transversalmente não só o Principio da legalidade, como o Principio da igualdade e outrossim da Separação de poderes, como bem se elucidou em sede de resposta à PI.; Nos termos legais, ao cidadão nacional de país terceiro é exigível, em regra, que cumpra as leis nacionais, designadamente solicitando no país de origem, junto das autoridades consulares portuguesas, o competente visto de residência, com o qual, deve solicitar autorização de residência para exercício de atividade profissional subordinada no nosso país; Só excecionalmente é dada oportunidade de requerer uma autorização de residência sem a posse de visto de residência, a qual é devidamente analisada para averiguação do preenchimento (ou não) das condições vinculativas/cumulativas. Não foram violados por parte do ora recorrido quaisquer dos direitos constitucionais genericamente alegados e carecidos da indispensável concretização ou densificação por parte do recorrente.

3 - Pelo que dever-se-á confirmar o entendimento vertido na douta Sentença recorrida.

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Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.

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DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO:

Os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido e respetivos fundamentos, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso (cfr. artigos 144º/2 e 146/4 do CPTA, 5º, 608º/2, 635º/4/5, e 639º do CPC/2013, “ex vi” artigos 1º e 140º do CPTA), alegação que apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de direito (1) que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas. Sem prejuízo das especificidades do contencioso administrativo (cf. J. C. VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa – Lições, 15ª ed., pp. 411 ss; artigos 73º/4, 141º/2/3, 143º e 146º/1/3 do CPTA).

Por outro lado, nos termos do artigo 149.º do CPTA, o tribunal “ad quem”, em sede de recurso de apelação, não se limita a cassar a decisão judicial recorrida, porquanto, ainda que a revogue ou a anule (isto no sentido muito amplo utilizado no CPC), deve decidir o objeto da causa apresentada ao tribunal “a quo”, conhecendo de facto e de direito, desde que se mostrem reunidos nos autos os pressupostos e condições legalmente exigidos para o efeito.

Assim, as questões a resolver neste recurso - contra a decisão recorrida – são as identificadas no ponto II.2, onde as apreciaremos.

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II - FUNDAMENTAÇÃO

a)

Como referido, este tribunal está vinculado a analisar apenas as questões a resolver colocadas no recurso.

O TAC, após os articulados (momento legalmente duvidoso para adotar uma decisão ao abrigo do artigo 110º-A do CPA; assim: MÁRIO AROSO/C.C., Comentário ao CPTA, 4ª ed., notas ao artigo 110º-a; VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, 15ª ed., p. 256), considerou que o tipo de ação utilizada pelo autor era inadequado ao fim pretendido, isto é, ao objeto processual; é a chamada inadequação do meio processual, uma exceção dilatória.

Para tal, considerou que o exigido no artigo 109º/1 do CPTA não se verificava no caso presente, sendo suficiente (e possível) solicitar o decretamento de uma providência cautelar. Nem há uma “urgência numa sentença definitiva”, nem há um direito fundamental do autor do tipo ali previsto, a propósito da falta de decisão da entidade demandada no âmbito do artigo 88º da Lei nº 23/2007.

E fundamentou esse entendimento.

Depois, apesar de não se tratar de um despacho liminar (cf. artigo 110º-A/1 do CPTA), o TAC ponderou o caso à luz desta disposição legal. E concluiu que não havia que fazer o convite previsto no nº 1 de tal artigo 110º-A do CPTA, porque o direito de ação (principal), ação essa de que o “novo” processo cautelar (artigo 110º-a/1-in fine) seria instrumental, já estava caducado à luz do artigo 69º/1 do CPTA.

b)

O recorrente considera o despacho recorrido “deficiente”, volta a discutir brevemente o artigo 88º da Lei 23/2007 e o direito fundamental à família, acabando por alegar ainda que o TAC deveria ter feito o convite referido no artigo 110º-A/1 cit.

c)

Como é amplamente sublinhado, os artigos 109º ss do CPTA, que consagram uma espécie excecional de ação principal, vêm na sequência do artigo 20º/5 da CRP e justificam-se pela consciência de tutelar o individuo contra o perigo acrescido de lesão dos direitos ligados à dignidade da pessoa humana e a outros direitos fundamentais análogos, com conteúdo material minimamente determinado ao nível constitucional (neste sentido, cf. VIEIRA DE ANDRADE, ob. cit., p. 253).

Apreciando o recurso:

O despacho recorrido não é deficiente ou confuso. É claro, suficiente e explana-se bem. Já o resumimos supra.

Por outro lado, não releva a questão abordada no recurso quanto ao atual ou ao anterior artigo 88º/2 da Lei 23/2007 (autorização de residência para exercício de atividade profissional subordinada) (2), face ao despacho recorrido, que, aliás, nem abordou tal questão de direito substantivo. O que é natural, pois que o TAC apreciava uma exceção dilatória.

E, como é questão ausente do despacho recorrido, este tribunal de recurso não a pode apreciar, como já supra se explicou. O mesmo se afirma quanto à questão do alegado direito à família.

Finalmente, quanto à violação do dever de fazer o cit. convite a que se refere o artigo 110º-A/1 do CPTA: embora o recurso seja muito vago nesta questão central, a verdade é que seria uma nulidade processual fazer-se tal convite ao autor, seria um ato inútil, já que o TAC considerou – e bem (o que nem vem questionado!) – que o direito à ação principal em causa (que o TAC expõe corretamente) já caducara, como vimos supra. Houve um pedido do particular para beneficiar do artigo 88º/2 cit., a A.P. ficou obrigada a decidir no prazo geral (vd. artigos 13º, 86º, 128º e 129º do CPA), mas não o fez; assim se aplicará ao caso, a final, o artigo 69º/1 do CPTA.

E, com tal direito caducado antes deste processo, como de facto está (vd. o art. 69º/1 do CPTA e os factos aludidos no despacho recorrido, não questionados minimamente aqui), convidar o autor a deduzir um processo cautelar como instrumento de tal ação principal (MÁRIO AROSO/C.C., Comentário…, 4ª ed., p. 906), substituindo a p.i. por um r.i. e um pedido cautelar, seria um contrassenso e algo de proibido pelo artigo 130º do CPC, com referência ao imperativo artigo 116º/2-f) do CPTA, artigo que o mesmo tribunal iria aplicar em sede do processo cautelar vindo da convolação.

Daí a correção do decidido pelo TAC, embora em momento algo tardio.

Portanto: este processo não é o legalmente adequado ao seu objeto, violando os pressupostos previstos no artigo 109º/1 do CPTA; e, atentos os factos constantes dos articulados e os artigos 69º/1 e 116º/2-f) do CPTA, não é legalmente possível, porque inútil, convolar este processo em processo cautelar nos termos do artigo 110º-A do CPTA, sendo assim desnecessário fazer o convite previsto nesta disposição legal.

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III - DECISÃO

Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, acordam os juizes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas do recurso a cargo do recorrente.

Registe-se e notifique-se.

Lisboa, 28-02-2018


Paulo H. Pereira Gouveia – Relator

Catarina Jarmela

Conceição Silvestre



(1) Tendo sempre presente que o Direito é uma ciência social especialmente condicionada pela linguagem.
(2) 1 - Para além dos requisitos gerais estabelecidos no artigo 77.º, só é concedida autorização de residência para exercício de atividade profissional subordinada a nacionais de Estados terceiros que tenham contrato de trabalho celebrado nos termos da lei e estejam inscritos na segurança social.
2 - Mediante manifestação de interesse apresentada através do sítio do SEF na Internet ou diretamente numa das suas delegações regionais, é dispensado o requisito previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 77.º, desde que o cidadão estrangeiro, além das demais condições gerais previstas naquela disposição, preencha as seguintes condições:
a) Possua um contrato de trabalho ou promessa de contrato de trabalho ou tenha uma relação laboral comprovada por sindicato, por representante de comunidades migrantes com assento no Conselho para as Migrações ou pela Autoridade para as Condições do Trabalho;
b) Tenha entrado legalmente em território nacional;
c) Esteja inscrito na segurança social, salvo os casos em que o documento apresentado nos termos da alínea a) seja uma promessa de contrato de trabalho.
3 - (Revogado.)
4 - A concessão de autorização de residência nos termos dos números anteriores é comunicada pelo SEF, por via eletrónica, à Autoridade para as Condições de Trabalho ou, nas regiões autónomas, à respetiva secretaria regional, de modo que estas entidades possam fiscalizar o cumprimento de todas as obrigações legais da entidade patronal para com o titular da autorização de residência, bem como à administração fiscal e aos serviços competentes da segurança social.
5 - O titular de uma autorização de residência para exercício de uma atividade profissional subordinada pode exercer uma atividade profissional independente, mediante substituição do título de residência, sendo aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo seguinte.
Redação anterior, de 2012:
Excecionalmente, mediante proposta do diretor nacional do SEF ou por iniciativa do membro do Governo responsável pela área da administração interna, pode ser dispensado o requisito previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 77.º, desde que o cidadão estrangeiro, além das demais condições gerais previstas nessa disposição, preencha as seguintes condições:
a) Possua um contrato de trabalho ou tenha uma relação laboral comprovada por sindicato, por associação com assento no Conselho Consultivo ou pela Autoridade para as Condições de Trabalho;
b) Tenha entrado legalmente em território nacional e aqui permaneça legalmente;

c) Esteja inscrito e tenha a sua situação regularizada perante a segurança social.