Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1428/09.6BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:09/06/2018
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores: NULIDADE PROCESSUAL
OMISSÃO DE APRECIAÇÃO DE REQUERIMENTO PROBATÓRIO
DIREITO À PROVA
PROCESSO EQUITATIVO
Sumário:I. A falta de pronúncia sobre um requerimento probatório não constitui fundamento para a nulidade decisória, nos termos da alínea d), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
II. Constituindo a falta de decisão sobre o requerimento probatório a omissão de um ato processual do juiz, deveria ter sido suscitada a nulidade processual, no primeiro ato processual praticado pela parte, nos termos do n.º 1 do artigo 199.º do CPC.
III. Verificando-se a deficiência ou insuficiência do material factual dado como provado, nos termos da alegação de facto constante dos articulados das partes, com relevo para a decisão a proferir, não se questionando a relevância da diligência de prova requerida pela Autora para a decisão sobre o mérito da causa, deve determinar-se a abertura de uma fase de instrução e o consequentemente prosseguimento da causa, com o julgamento de facto e de direito.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

A……, devidamente identificada nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 28/11/2016, que no âmbito da ação administrativa, instaurada contra o Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E., julgou a acção improcedente, de impugnação da deliberação do Conselho de Administração da Entidade Demandada, datada de 02/09/2009, que indeferiu o pedido de progressão para o 3.º escalão da categoria de auxiliar de acção médica, com o fundamento de que os 453 de ausência ao trabalho não foram motivados por acidente em serviço.


*

Formula a aqui Recorrente nas respetivas alegações (cfr. fls. 216 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem:

1.ª Vem o presente recurso interposto da Douto Sentença proferida a fls. … dos autos que julgou a Acção, intentada pela ora recorrente, improcedente.

2.ª A Recorrente não se conforma com a Sentença recorrida, uma vez que a mesmo não aplicou correctamente o Direito aos factos, enfermando de omissão de pronúncia, insuficiência da matéria de facto e erro de julgamento.

3.ª Razão pela qual o douto Acórdão recorrido não reflecte uma aplicação correcta do Direito aos factos, bem como a Justiça que se impõe aplicar ao presente caso, sendo certo que o douto Acórdão proferido pelo Tribunal a quo não assegurou tal realização, com todo o respeito devido.

4.ª O ora Recorrente suscita a nulidade do douto Acórdão proferido, uma vez que se verifica o vício de omissão de pronúncia, dado que o Tribunal não tomou conhecimento de questão que devia apreciar, violando o disposto nos artigos 95.º do CPTA, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro e 615.º, alínea d), do Código de Processo Civil.

5.ª Efetivamente, a ora Recorrente requereu uma diligência de prova que se mostrava essencial para a boa decisão da causa.

6.ª Ao não se pronunciar sobre o requerimento probatório a sentença não tomou conhecimento de questão que deveria apreciar.

7.ª Quanto mais quando a execução do solicitado pela A. no requerimento probatório retiraria todas as incertezas e hesitações reconhecidas pela Sentença e quando é reconhecido pela Entidade Demandada o extravio de documentos relativos ao acidente em serviço que a A. foi vítima em 1999.

8.ª O facto de não existir no processo administrativo e nos documentos juntos aos autos não significa que não tenha existido deliberação da ADSE relativamente ao período em causa, a verdade é que apenas com o deferimento da diligência de prova requerida pela A. é que se poderia concluir se efetivamente existiu ou não deliberação da Junta Médica da ADSE com referência às faltas do período entre 20/01/2002 e 02/09/2003.

9.ª O Tribunal a quo ao não ordenar que a ADSE juntasse aos autos todos os documentos requeridos pela A. violou a alínea c) do n.º 1 do artigo 87.º e o n.º 2 do artigo 90.º do CPTA, na redação dada pela Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro.

10.ª Resulta dos autos que o R. extraviou documentação relativa ao acidente em serviço de 1999.

11.ª Esse facto não resulta dos factos assentes, sendo essencial para a verificação que as faltas dadas pela A. nos anos de 2002 e 2003 resultaram do referido acidente em serviço.

12.ª Porquanto deveria constar da matéria considerada assente que o R. extraviou documentos relativos ao acidente em serviço de 1999.

13.ª Nos termos do n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil, há inversão do ónus da prova quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado.

14.ª Ao extraviar a referida documentação a Entidade Demandada impossibilitou a A. de provar, inequivocamente, que as faltas dadas no período entre 28/1/2002 e 2/9/2003 foram dadas na sequência do acidente eme serviço de 1999.

15.ª Razão pela qual caberia ao R. provar que as referidas faltas não foram resultantes do agravamento das sequelas do acidente em serviço de 1999.

16.ª O que não fez, resultando, por isso, que o Tribunal a quo deveria ter considerado como provado que as referidas faltas não deveriam descontar na antiguidade da A. por serem consequência do referido acidente.

17.ª Na sequência do pedido de agravamento de recidiva da A. em A Entidade Demandada refere que em 30/04/2002 a Junta Médica da ADSE deliberou ser a A. presente a exame pericial.

18.ª Conforme alíneas V), W) e X), em 30/4/2002 a Junta Médica deliberou submeter a A. a exame pericial de psiquiatria; em 11/04/2003 deliberou que a A. se encontrava impossibilitada de regressar ao serviço e que voltaria à Junta no dia 12/06/2003 e em 12/06/2003 deliberou que a A. se encontraria apta a regressar ao serviço no dia 16/06/2003, se possível de acordo com o exame pericial nas funções que desempenhava antes do acidente.

19.ª Tanto a perícia psicológica como os testes psicológicos entenderam que o estado de saúde da A. resultava perturbação de stress pós-traumático e a sitomologia da A. estava relacionada com a vivência do acidente de avião.

20.ª A perícia psicológica, em 15/1/2003, conclui que “se tal for possível, poder-se-á sugerir eventual tentativa de re-inserção nas mesmas funções que ocupava antes do acidente como forma de reabilitação.

Entretanto deverá manter incapacidade temporária.”.

21.ª A Junta Médica da ADSE acatou na íntegra as conclusões da perícia psicológica, em 11/04/2003 deliberou que a A. não se encontrava apta a regressar ao serviço e em 12/06/2003 deliberou que a A. regressava ao serviço em 16/6/2003 se possível e de acordo com o exame pericial nas funções que desempenhava antes do acidente.

22.ª Consequentemente, ao contrário do entendimento da Douta Sentença recorrida, a Junta Médica da ADSE pronunciou-se sobre o nexo de causalidade das faltas dadas pela a A. nos anos de 2002 e 2003, aceitando o resultado dos exames complementares solicitados e referindo que deveria regressar às mesmas funções que desempenhava antes do acidente.

23.ª Aliás, se a Junta Médica é resultante do pedido de recidiva ou agravamento do acidente de 1999, quando em 11/04/2003, já na posse da perícia médica, delibera que a A. não se encontra em condições de regressar ao serviço, está a reconhecer o nexo de causalidade entre o estado de saúde da A., que a impossibilitou de prestar serviço entre 28/01/2002 e 16/6/2003, e o acidente em serviço.

24.ª A Sentença recorrida deveria ter considerado que as faltas dadas pela A. a partir de 28/1/2002 até ao dia 16/6/2003 não estariam sujeitas ao desconto na antiguidade por serem consequência do acidente em serviço de que a A. foi vítima em 1999.

25.ª Ao decidir da forma como decidiu o Tribunal a quo violou os artigos 4.º, 19.º e 24.º do DL n.º 503/99 e o n.º 2 do artigo 5.º do DL n.º 413/99, de 15/10.”.

Pede que seja concedido provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida.


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O ora Recorrido, notificado da admissão do recursão, não apresentou contra-alegações, nada tendo dito ou requerido.

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Notificado o Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, foi emitido parecer no sentido da procedência do recurso.

Pugna pela omissão de pronúncia e pela sua repercussão sobre as regras do ónus da prova, por a Autora ter requerido uma diligência de prova de evidente importância para a boa decisão da causa, respeitante à solicitação às entidades referidas sobre toda a documentação médica respeitante à Autora, nunca o Tribunal se tendo pronunciado sobre essa matéria.

O Tribunal ao não se pronunciar sobre o requerimento probatório, que se revela de particular importância, por existirem insuficiências probatórias constatadas ao longo da marcha do processo, pelo alegado desaparecimento de parte da documentação médica, viola os artigos 95.º do CPTA e 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC.

Também resulta dos autos que o Réu extraviou documentação respeitante ao acidente de serviço ocorrido em 1999, sem que este facto tenha sido levado aos factos assentes.

Conclui por acompanhar os fundamentos do recurso como invocados pela Autora e Recorrente.


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O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

Segundo as conclusões do recurso, as questões suscitadas pela Recorrente, resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:

1. Nulidade, por omissão de pronúncia em relação ao requerimento probatório, em violação dos artigos 95.º do CPTA e 615.º, n.º 1, alínea a) do CPC:

2. Erro de julgamento, por violação da alínea c), do n.º 1 do artigo 7.º e do n.º 2 do artigo 90.º, ambos do CPTA ao não ordenar à ADSE que juntasse aos autos todos os documentos requeridos pela Autora;

3. Erro de julgamento, por não serem dados certos factos como provados, relativos ao extravio da documentação relativa ao acidente em serviço ocorrido em 1999, com repercussões quanto ao ónus da prova e quanto à prova do nexo causal entre o acidente em serviço e as faltas dadas ao serviço entre 28/01/2002 e 16/06/2003, em violação dos artigos 4.º, 19.º e 24.º do D.L. n.º 503/99 e do artigo 5.º n.º 2 do D.L. n.º 413/99, de 15/10.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

“A) A Autora foi aposentada por despacho datado de 21.07.2009 da Direcção da CGA (fls. 13);

B) A Autora não aufere outros rendimentos para além da pensão, no montante mensal ilíquido de € 312,67 (fls. 16-20 dos autos);

C) A 22.07.2005 a Autora dirigiu à Demandada um requerimento no qual solicitou a sua progressão para o escalão 2 da categoria de auxiliar de acção médica, com efeitos a 13.08.2002 e a progressão para o escalão 3 com efeitos a 13.08.2005 (fls. 62-63);

D) Através da Informação de fls. 60-61 foi proposta a progressão da Autora para o escalão 2 com efeitos a 13.08.2002;

E) A Autora dirigiu à Demandada o requerimento de fls. 62-63 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, solicitando, a final, a progressão para o escalão 2 com efeitos a 2002-08-13 e para o escalão 3 com efeitos a 13.08.2005;

F) Em data não concretamente determinada a Demandada remeteu à Autora o ofício de 66, cujo teor se dá por reproduzido e no qual se referiu, designadamente que «…envia fotocópia da informação sobre a data para mudança de escalão…»;

G) Em anexo ao ofício mencionado na alínea anterior foi remetida informação da qual consta um despacho a determinar a progressão da Autora para o 2º escalão com efeitos a 27.02.2004 (fls. 65);

H) A Entidade Demandada remeteu à Autora, que recebeu a 18.09.2006, o ofício de fls. 68 dos autos, com o teor seguinte: «-------


(Texto no Original)

»;

I) Em anexo ao ofício mencionado na alínea anterior foi remetida a certidão de fls. 69-70, cujo teor se dá por reproduzido e da qual consta, designadamente o seguinte: « (…)


(Texto no Original)

01-01-2003 a 10-04-2003 – 100 dias-------------------------------------------

11-04-2003 a 15-06-2003 – 66 dias --------------------------------------------

25-08-2003 a 03.09.2003 – 10 dias ---------------------------------------------

Total -----------------------------176 (a descontar 146 na antiguidade)»;

J) As faltas ao serviço mencionadas na alínea anterior e correspondentes ao período compreendido entre 28.01.2002 e 3.09.2003 foram consideradas justificadas por doença e por conta de dias de férias, tudo como melhor consta dos documentos de fls. 35- 36 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

K) A Autora dirigiu à Demandada a reclamação de fls. 71-73, cujo teor se dá por reproduzido e na qual requereu, designadamente que «…seja rectificada a decisão sob reclamação, mediante a contagem do tempo de serviço referido no art. 5º supra e, sem consequência, o seu posicionamento no escalão 3 da categoria de auxiliar de acção médica com efeitos a 2005-08-13. (…)»;

L) Com referência à reclamação mencionada na alínea anterior a Demandada propôs o indeferimento do pedido da Autora, concordando com o vertido na informação de fls. 74-77, cujo teor se dá por reproduzido e da qual consta, designadamente o seguinte:

«(…)


(Texto no Original)

Os períodos de faltas justificadas compreendidas entre 28.01.2002 e 2.09.2003 foram causadas por doença e como tal justificadas.---------

O absentismo em questão determinou a não contagem de 453 dias para efeitos de progressão. (…)»;

M) Notificada para o efeito a Autora pronunciou-se, em sede de audiência prévia, sobre a proposta mencionada na alínea anterior, através do requerimento de fls. 78-82, datado de 31.03.2009, cujo teor se dá por reproduzido;

N) Em anexo à pronúncia mencionada na alínea anterior a Autora remeteu os documentos de fls. 83-94, cujo teor se dá reproduzido, sendo de destacar o exame pericial psiquiátrico de fls. 86-88, datado de 15.01.2003, no qual se referiu, designadamente que: «


(Texto no Original)

(…)»;

O) E o Relatório de fls. 89-90, datado de 7.11.2002, cujo teor se dá por reproduzido e no qual foi formulada a conclusão seguinte: «(…) -------


(Texto no Original)

»;

P) A pretensão da Autora – de posicionamento no escalão 3 com efeitos a 8.08.2005 foi indeferida através de deliberação do CA da Demandada datada de 3.09.2009 (fls. 27);

Q) A deliberação mencionada na alínea anterior foi de concordância com o vertido na Informação nº 117/2009 de fls. 27-29, cujo teor se dá por reproduzido e no qual se referiu designadamente o seguinte: «(…)


(Texto no Original)

(…)»;

R) A Autora foi vítima de um acidente de aviação a 22.08.1999, o qual foi qualificado como acidente em serviço a 10.08.2000;

S) Em consequência do acidente em serviço mencionado na alínea anterior a Autora esteve ausente do serviço até ter tido alta clínica a 25.09.2000;

T) A 23.05.2002 a Autora dirigiu à Demandada o requerimento de fls. 497 do processo administrativo, cujo teor se dá por reproduzido e no qual requereu, a final, o seguinte: «… de modo que a situação clínica da Requerente seja regularizada no âmbito do acidente em serviço de que foi vítima, mediante a reabertura do respectivo processo, para ser presente à Junta Médica da ADSE, nos termos e para os efeitos dos arts. 20º e seguintes do DL nº 503/99.»;

U) A Demandada remeteu à ADSE, a 14.03.2002, o pedido de Junta médica de fls. 372 do processo administrativo, cujo teor se dá por reproduzido, referenciando como data de início da doença 28.01.2002, com 46 faltas dadas nesse ano e, no anterior 168 por doença e 134 por acidente em serviço;

V) Pela Junta Médica da ADSE, a 30.04.2002 foi deliberado que a Autora se encontrava abrangida pela alínea c) do art. 11º do Decreto-Regulamentar nº 41/90 de 29 de Novembro e pede-se exame pericial de psiquiatria para avaliar capacidade laboral (fls. 372 do processo administrativo);

W) A Junta Médica da ADSE deliberou, a 11.04.2003 que a Autora se encontrava abrangida pela alínea b) do art. 11º do Decreto- Regulamentar nº 41/90 de 29 de Novembro e volta dia 12.06.2003 (fls. 372 verso do processo administrativo);

X) A Junta Médica da ADSE deliberou, a 12.06.2003 que a Autora se encontrava abrangida pela alínea a) do art. 11º do Decreto- Regulamentar nº 41/90 de 29 de Novembro e que retoma o serviço no dia 16 de Junho de 2003, se possível e de acordo com o exame pericial nas funções que desempenhava antes do acidente (idem);

Y) A Autora sofreu outro acidente em serviço a 2.12.2003, como tal qualificado a 6.02.2004;

Z) A Autora esteve ausente do serviço, em consequência das lesões sofridas nesse acidente até 8.04.2004, data em que lhe foi dada alta clínica;

AA) A 25.06.2004 a Autora requereu a sua submissão a Junta Médica por considerar que se encontrava em situação de recidiva das lesões sofridas em consequência do acidente em serviço de 1999 (fls. 14 do processo administrativo);

BB) No seguimento do pedido mencionado na alínea anterior a Demandada remeteu ao Presidente da Junta Médica da ADSE o ofício de fls. 11 do processo administrativo, cujo teor se reproduz:

«Para cumprimento do disposto no art. 21º e art. 24º do Decreto-Lei nº 503/99 de 20.11, junto envio a V. Exa. o pedido de Junta Médica da Auxiliar de acção médica Ana Maria Igreja Marques atendendo que a interessada está a faltar ao serviço desde 25 de Junho, solicitando que seja estabelecido ou não nexo de causalidade entre a situação clínica agora apresentada e o acidente ocorrido em 22 de Agosto de 1999»;

CC) Em anexo ao ofício mencionado na alínea anterior foi remetido o formulário de fls. 12 do processo administrativo, cujo teor se dá por reproduzido e do qual consta, designadamente o seguinte: «faltas por doença no ano corrente: - 42 por doença +75 por acidente em serviço; no anterior – 193»;

DD) A ADSE remeteu à Demandada o ofício de fls. 9 do processo administrativo com a deliberação da Junta Médica de 4.11.2004 cujo teor foi o seguinte: «Mantém-se a deliberação anterior»;

EE) Por deliberação da Junta Médica da ADSE datada de 6.05.2004 por acidente em serviço foi referido em observações “existe nexo de causalidade” (fls. 142);

FF) Por deliberação da Junta Médica da ADSE datada de 5.07.2004 por acidente em serviço foi referido: «tem alta do presente acidente em serviço com incapacidade parcial permanente de 2% - nº 5 art. do art. 20º do decreto-lei nº 503/99» (fls. 352 do processo administrativo);

GG) Por deliberação da Junta Médica da ADSE de 7.11.2005, foi proposto que a Autora fosse submetida à Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações, nos termos do nº 5 do art. 20º do DL nº nº 503/99 (fls. 143);

HH) Pela Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações foi reconhecido à Autora um grau de desvalorização de 43% (fls. 139);


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Nada mais se provou com interesse para a decisão.”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

1. Nulidade, por omissão de pronúncia em relação ao requerimento probatório, em violação dos artigos 95.º do CPTA e 615.º, n.º 1, alínea a) do CPC

Sustentou a Recorrente a nulidade decisória da sentença recorrida, por omissão de pronúncia, por não ter tomado conhecimento de questão que devia apreciar, em violação do artigo 95.º do CPTA e da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

Instaurou acção administrativa e requereu como diligência de prova que o Réu, a ADSE e a CGA fossem notificados pelo Tribunal para apresentarem todos os documentos médicos e periciais relativos ao estado de saúde da Autora no período compreendido entre 28/01/2002 e 03/09/2003, considerando que o Réu não considerou as faltas dadas pela Recorrente como resultantes do primeiro acidente, ocorrido em 1999.

Porém, o Tribunal em momento algum se pronuncia sobre a diligência probatória requerida pela Autora.

Tal diligência probatória assume-se relevante, considerando que o Réu reconheceu na sua contestação que se extraviaram documentos.

Vejamos.

Compulsando a petição inicial, dela decorre que a Autora apresentou requerimento probatório, para prova dos factos alegados nos artigos 19.º e 20.º da petição inicial, referentes a documentos médicos relativos às situações ou episódios de doença ocorridos no período compreendido entre 28/01/2002 e 03/09/2003, que se encontram em poder do Réu e/ou da ADSE e/ou da CGA.

Pediu a Autora ao Tribunal que tais entidades fossem notificadas pelo Tribunal, ao abrigo dos artigos 8.º, n.º 3 e 84.º, n.º 1 do CPTA e dos artigos 528.º e 531.º do CPC para apresentarem todos os documentos médicos e periciais relativos ao estado de saúde da Autora, no referido período ou que a ele se refiram, bem como as decisões tomadas por essas entidades e por Juntas médicas.

Por outro lado, resulta do artigo 20.º da contestação apresentada pelo Réu que se constatou em 23/04/2007 que no processo da Autora não existem, nem o auto de notícia, nem o boletim de exame clínico.

Quer no despacho-saneador, quer na sentença recorrida, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre o requerimento probatório da Autora, não o admitindo, nem indeferindo, nada dizendo sobre o mesmo.

A sentença, enquanto decisão judicial, pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à sua eficácia ou validade:

i) pode ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo a consequência a da sua revogação (erro de julgamento de facto ou de direito);

ii) como acto jurisdicional, pode ter violado as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é emanada, tornando-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615.º do CPC.

A Recorrente reconduz a nulidade invocada ao disposto na alínea d) do disposto no n.º 1 do artigo 668.º do CPC, segundo o qual a sentença é nula quando o juiz deixa de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.

Não obstante se verificar que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre o requerimento probatório, tal omissão não integra o fundamento da nulidade decisória, pois não está em causa a omissão de decisão sobre o pedido ou sobre os seus respectivos fundamentos, ou seja, não deixou o Tribunal de conhecer das questões sobre os quais impendia o dever de decisão.

Adoptando o decidido no Acórdão do STA, de 19/10/2011, proc. n.º 0173/11:

I – Por força do comando ínsito no artigo 660.º nº 2 do Código de Processo Civil incumbe ao julgador a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio, ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras.

II – A violação dessa obrigação determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.”.

No caso, a falta de pronúncia sobre o requerimento probatório poderá traduzir-se numa nulidade processual, por falta de um ato processual que deveria ter sido praticado pelo Juiz no processo, que deveria ter sido suscitada no primeiro ato processual a ser praticado pela Autora após tal omissão, ou eventual erro de julgamento quanto à decisão proferida, mas não constitui fundamento para a invocada nulidade decisória.

No caso, seria na fase de saneamento da causa que o Tribunal a quo se deveria ter pronunciado sobre o requerimento probatório, verificando-se, pelo contrário, que no despacho-saneador se decidiu que “Não se verifica nenhuma das situações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 87º do CPTA.”.

Tendo a Autora sido notificada desse despacho e para apresentar alegações finais, seria nesse momento que deveria ter suscitado a nulidade processual, por omissão de pronúncia sobre o requerimento probatório, o que não fez.

Não se confundem as nulidades processuais com as decisórias, sendo que a caracterizada no presente recurso pela Recorrente não se reconduz a uma nulidade decisória da sentença.

Nestes termos, não se subsumindo a falta de pronúncia do requerimento probatório a um caso de omissão de pronúncia de questão sobre o qual o juiz deveria ter decidido, enquadrável na alínea d), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, não pode proceder o fundamento do recurso.

2. Erro de julgamento, por violação da alínea c), do n.º 1 do artigo 7.º e do n.º 2 do artigo 90.º, ambos do CPTA ao não ordenar à ADSE que juntasse aos autos todos os documentos requeridos pela Autora

No demais, com o mesmo fundamento invoca a Recorrente o erro de julgamento da sentença recorrida, ao não se ordenar às entidades indicadas pela Autora a junção dos documentos requeridos aos autos.

Mas também sem razão.

Não se pode imputar a uma falta de pronúncia sobre o requerimento probatório um erro de julgamento, porque em rigor nada foi decidido, para que se possa sindicar se foi ou mal decidido.

A omissão da apreciação do requerimento probatório e a consequente não produção dos meios de prova poderá acarretar que não foi produzida prova relativamente a certos factos alegados pela Autora, com reflexos no mérito da decisão proferida, podendo acarretar um eventual erro de julgamento de facto ou de direito quanto ao mérito da causa, mas não constitui em si mesmo um erro de julgamento, por nada ter sido decidido.

Por isso, tal omissão, não tendo sido arguida ou suscitada como nulidade processual, poderá assumir relevância quanto ao eventual desacerto quanto ao decidido sobre o mérito da causa.

Nestes termos, não tem razão a Recorrente quanto ao fundamento do recurso.

3. Erro de julgamento de facto por não serem dados certos factos como provados, relativos ao extravio da documentação relativa ao acidente em serviço ocorrido em 1999, com repercussões quanto ao ónus da prova e quanto à prova do nexo causal entre o acidente em serviço e as faltas dadas ao serviço entre 28/01/2002 e 16/06/2003, em violação dos artigos 4.º, 19.º e 24.º do D.L. n.º 503/99 e do artigo 5.º n.º 2 do D.L. n.º 413/99, de 15/10

No demais, alega a Recorrente o erro de julgamento de facto da sentença recorrida, resultando uma insuficiência de factos provados para a boa decisão da causa.

Reconheceu o Tribunal a quo a complexidade da matéria de facto relevante, como expressamente o fez constar no teor da sentença recorrida, mas não obstante formulou o julgamento de que não foi tomada pela Junta Médica da ADSE qualquer deliberação com referência às faltas dadas pela Autora no período compreendido entre 20/01/2002 e 02/09/2003, no sentido de considerar verificada a recidiva ou agravamento, prevista no artigo 24.º do D.L. n.º 503/99.

Sustenta a Recorrente que não existindo documentos nos autos, não significa que eles não existam, pelo que, apenas com o deferimento da diligência de prova requerida pela Autora se pode concluir se efectivamente foi ou não tomada tal deliberação pela Junta Médica da ADSE.

Alega que tal prova não foi possível, por o Tribunal a quo não ter determinado a diligência de prova, o que determinou uma insuficiência de factos para a boa decisão da causa.

Acresce que tendo a própria Entidade Demandada alegado que extraviou documentos, esse facto no entender da Recorrente deveria ter sido considerado provado, tanto mais por assumir relevância em sede de inversão do ónus da prova.

Vejamos.

Assiste razão à Recorrente quanto à censura que dirige contra a sentença recorrida, verificando-se uma insuficiência dos factos dados como assentes, não só em resultado daquela que é a alegação das partes nos respectivos articulados, como pela circunstância de ter sido olvidado o requerimento probatório apresentado pela Autora e que, sendo deferido, poderá permitir a prova de outros factos, para além daqueles que resultam do julgamento de facto da sentença recorrida e com relevância direta para a decisão sobre o mérito da causa.

Não se questionando a relevância dos factos cuja prova está em causa, por ser manifesto que relevam para a boa decisão da causa a proferir pelo Tribunal, por se tratarem de factos que se integram no objecto do litígio, sendo factos controvertidos, carecidos de prova, não podem existir dúvidas quanto ao direito da Autora em apresentar ou requerer a produção de meios de prova e a sua admissibilidade pelo Tribunal.

Segundo o artigo 341.º do Código Civil, a prova destina-se à demonstração da realidade dos factos.

Nos termos do artigo 410.º do CPC, constitui finalidade ou objeto da instrução os factos necessitados de prova.

Significa que a prova deve recair sobre factos e que apenas existe instrução quando existirem factos indemonstrados no processo, pois quando se apresentem provados, não existe necessidade de atividade probatória.

Na atualidade, em face do atual CPC, a atividade de instrução não se limita aos factos alegados pelas partes, podendo dela se extraírem factos instrumentais, segundo o disposto na alínea a), do n.º 2 do artigo 5.º do CPC e ainda factos complementares e concretizadores daqueles que hajam sido alegados pelas partes.

Assim, dentro das balizas da causa de pedir e da matéria de exceção que consta dos articulados, a instrução da causa não está limitada aos factos alegados pelas partes, sendo de considerar os factos instrumentais que surjam da instrução, considerando a sua função probatória dos factos essenciais, assim como são de considerar os factos complementares e concretizadores dos factos essenciais alegados que resultem da instrução.

Por isso, os temas de prova adquirem maior amplitude na sua enunciação, ou seja, são menos concretizados na sua formulação do que a anterior seleção da matéria de facto constante do despacho-saneador, espartilhada entre os factos assentes e a base instrutória.

Segundo o n.º 1 do artigo 6.º do CPC, cumpre ao juiz recusar o que for impertinente ou meramente dilatório, com vista à simplificação e agilização processual.

Tal pode-dever do juiz determina que o tribunal não deverá providenciar pela realização da diligência probatória requerida pela parte se entender que a prova produzida ou requerida não reveste de qualquer interesse ou utilidade para a boa decisão da causa.

No contexto da harmonização dos poderes do juiz e das partes, “a parte propõe a prova no exercício de um direito subjetivo, que se traduz no direito à prova, e o juiz determina a produção da prova no exercício de um poder-dever que a lei lhe atribui para satisfazer o interesse público da descoberta da verdade e da realização da justiça”, cfr. Maria Gabriela A. L. da Cunha Rodrigues, “Poderes de iniciativa do Juiz em processo cível e Ónus da Prova”, in Revista do Centro de Estudos Judiciários, 2016-I, pp. 32-33.

Considerando este enquadramento normativo deve dizer-se que não carecem de prova os factos que não sejam contestados, por se encontrarem demonstrados nos autos, sobre eles não recaindo qualquer atividade instrutória.

Por outro lado, o ónus de alegação e os poderes cognitivos do tribunal incidem sobre factos e não sobre meros juízos fácticos, muito embora se reconheça a dificuldade em traçar fronteiras precisas entre uns e outros em alguns casos.

Ademais atenta a eliminação da anterior listagem de factos “quesitados”, o conceito de “tema da prova” deixou de se coadunar com uma visão atomística e espartilhada de pontos de facto, deixando a prova, designadamente a testemunhal, de ser produzida sobre factos concretos, atomisticamente considerados e previamente enunciados, para depor sobre aquilo que for o tema da prova – neste sentido, cfr. Paulo Pimenta, “Saneamento e audiência preliminar”, in O Novo Processo Civil, Caderno II, Novembro de 2013, Centro de Estudos Judiciários.

Assim o dispõe o artigo 413.º do CPC, sobre as provas atendíveis, segundo o qual o tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las.

Por outro lado, in casu, importa atender ao disposto no artigo 414.º do CPC, que determina que a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.

Não se colocando nos autos o incumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 423.º do CPC, quanto ao prazo da apresentação do requerimento probatório pela Autora, não existe fundamento para a sua rejeição, considerando a relevância da demonstração dos factos alegados para a boa decisão da causa.

O direito à prova constitui uma trave mestra do processo, um direito estruturante da relação jurídica processual, que entronca com o princípio da tutela jurisdicional efetiva e com as condições de acesso ao direito e à justiça, tutelados no artigo 20.º da Constituição.

No domínio da prova, o processo civil e, ainda mais reforçadamente, o processo administrativo, assume claramente natureza inquisitória, em face do disposto no artigo 411.º do CPC, nos termos do qual se atribui ao juiz uma iniciativa probatória genérica.

A realidade subjacente à presente instância, em que o Tribunal desconsiderou o requerimento probatório apresentado pela Autora, não o deferindo, nem o indeferindo, mas em qualquer caso não ordenando a diligência de prova requerida, limita e condiciona gravemente o direito à prova, incluído no conceito de processo equitativo, previsto no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição, no n.º 1 do artigo 2.º do CPTA e no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Tal determina a insuficiência do material factual dado como provado, assim como a restrição injustificada do direito à prova, por se afigurar relevante o esclarecimento dos factos para a decisão a proferir, tanto mais quanto se mostrar assumido em juízo o extravio de documentos sobre a informação clínica da Autora por parte da Entidade Demandada.

Nestes termos, procede o erro de julgamento de facto e de direito que se mostra assacado à sentença recorrida.


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Em consequência, será de conceder provimento ao recurso, por provados os seus fundamentos, revogando-se a sentença recorrida e, em consequência, determinar a baixa dos autos para se determinar a abertura da fase de instrução da causa, com a produção da prova requerida pela Autora e o posterior normal prosseguimento da instância, com o julgamento da matéria de facto e de direito.

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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. A falta de pronúncia sobre um requerimento probatório não constitui fundamento para a nulidade decisória, nos termos da alínea d), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

II. Constituindo a falta de decisão sobre o requerimento probatório a omissão de um ato processual do juiz, deveria ter sido suscitada a nulidade processual, no primeiro ato processual praticado pela parte, nos termos do n.º 1 do artigo 199.º do CPC.

III. Verificando-se a deficiência ou insuficiência do material factual dado como provado, nos termos da alegação de facto constante dos articulados das partes, com relevo para a decisão a proferir, não se questionando a relevância da diligência de prova requerida pela Autora para a decisão sobre o mérito da causa, deve determinar-se a abertura de uma fase de instrução e o consequentemente prosseguimento da causa, com o julgamento de facto e de direito.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, por provados os seus fundamentos, revogando-se a sentença recorrida e, em consequência, determinar a baixa dos autos para se determinar a abertura da fase de instrução da causa, com a produção da prova requerida pela Autora e o posterior prosseguimento da instância, com o julgamento da matéria de facto e de direito.

Sem custas.

Registe e Notifique.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)


(Pedro Marques)


(Helena Canelas)