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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1374/08.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/07/2020
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:DESPESAS COM CONDOMÍNIO
PRINCÍPIO DA ESPECIALIZAÇÃO DOS EXERCÍCIOS
PRINCÍPIO DA JUSTIÇA
VIATURAS DE COMPETIÇÃO
REINTEGRAÇÕES
TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA
DESPESAS DE REPRESENTAÇÃO
DESPESAS PROMOCIONAIS
Sumário:I. Sendo certo que, em regra, as despesas com o condomínio são da responsabilidade do proprietário da fração, é admissível que as mesmas sejam suportadas pelo arrendatário, nos termos consignados, então, no art.º 40.º do RAU.
II. São custos fiscalmente relevantes os relativos a despesas de condomínio de imóvel arrendado, utilizado pela Recorrida no âmbito do exercício da sua atividade.
III. O alcance do princípio da especialização dos exercícios não é absoluto.
IV. O mencionado princípio deve ser conformado, nomeadamente, com o princípio da justiça, designadamente quanto se está perante situações de não omissão voluntária, que implique não se tratar de manobra de transferência de resultados de um exercício para outro.
V. As viaturas de competição, com utilização exclusiva em provas, treinos ou publicidade, não se enquadram no âmbito do disposto no então art.º 33.º, n.º 1, al. e), do CIRC.
VI. A previsão das tributações autónomas afigura-se como norma disciplinadora, com vista a penalizar comportamentos potencialmente reveladores de evasão ou de uso particular de bens empresariais.
VII. A ratio do legislador, no tocante aos veículos ligeiros de passageiros, visa penalizar a situações em que o veículo tenha uma utilização normal, pois é nesses casos que se afigura existir um risco de utilização particular de um bem cujos custos associados são fiscalmente dedutíveis.
VIII. Não se enquadra no âmbito referido em VII. a situação relativa a veículos de competição, que não circulem na via pública e que sejam apenas utilizados em provas ou treinos ou para publicidade.
IX. Despesas de representação são aquelas cuja finalidade é a de representar uma determinada sociedade onde ela não se encontra.
X. Nem todos os encargos suportados com receções, refeições, viagens, passeios e espetáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades são necessariamente despesas de representação, porquanto tem de lhes estar subjacente a finalidade mencionada em IX.
XI. Se um determinado custo, com viagens, passeios, espetáculos, etc., tiver natureza promocional, afasta-se a sua qualificação como despesa de representação, justamente por lhe estar inerente a tal finalidade promocional.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 18.05.2017, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por M….., SA (doravante Recorrida ou Impugnante, atualmente com a designação social M….., SA), que teve por objeto a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), relativa ao exercício de 2004.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“I - O presente recurso visa a decisão proferida no processo em referência, em que o tribunal “a quo” considerou totalmente procedente a presente impugnação e, em consequência, anulou a liquidação adicional de IRC n° ….., relativa ao exercício de 2004, condenando a Fazenda Pública ao pagamento de juros indemnizatórios, com a qual a Administração Tributária não se conforma, pelos motivos abaixo expostos.

Despesas de condomínio

II - Não foram aceites pela Administração Tributária, nos termos do artigo 23° e da al. c) do n° 1 do artigo 42° do CIRC, como custos fiscais, os encargos suportados com prestações de condomínio e contribuições para o fundo de reserva e despesas comuns, contabilizadas na conta “62298 - Outros Fornecimentos e Serviços”, por as mesmas serem referentes a períodos posteriores à data de transferência de propriedade das fracções em causa, pelo que constituem um encargo de terceiros.

III - Como nota, é de referir que os montantes suportados pela impugnante, a título de prestações de condomínio, contribuições para o fundo de reserva e despesas comuns, registadas na contabilidade conta #62298, não correspondem somente à fracção identificada em D) - fracção “A” do prédio urbano sito ….., inscrito na matriz sob o art. ….. -, mas também à fracção “N” do prédio sito na …...

IV - Especificando, o fundamento que esteve na base da presente correcção foi a transferência, por escritura pública de 30-04-2004, da propriedade dos imóveis da impugnante para a sociedade “M….. — ….., Sociedade Unipessoal, Lda.”, o que levou os Serviços de Inspecção a considerar que cabe a esta entidade, por inerência da sua qualidade de condómino e de acordo com o previsto no art.° 1424.° do Código Civil, a partir da referida data, suportar as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns dos edifícios.

V - Refere a douta sentença em crise que “(...) apesar de ter transmitido a propriedade do referido imóvel por escritura pública, lavrada em 30.04.2004-, a verdade e que em 03.05.2004, celebrou com a mesma sociedade um Contrato de Arrendamento referente a mesma fração autónoma. Desse contrato resulta estabelecido na cláusula 6.a que, ficam por conta da arrendatária, todas as despesas inerentes a utilização da fração em causa o que inclui as despesas de condomínio. Tendo em conta que a ação de inspeção terminou, em 09.04.2008, não se entende porque não teve em conta o contrato de arrendamento celebrado em 03.05.2004 (...)”

VI - Ora, tal contrato de arrendamento foi tido em conta pela inspecção, conforme análise constante a fls. 175 a 178 do respectivo relatório.

VII - Contudo, os Serviços de Inspecção não reconheceram os efeitos, que a Impugnante pretende, à cláusula 6.a do Contrato de Arrendamento, que a impugnante celebrou, em 03.05.2004, com a mesma sociedade, referente à fração autónoma “A” do prédio sito na ….., que estabelece que, “ficam por conta da arrendatária, todas as despesas inerentes a utilização da fração em causa”, por não existir na referida cláusula, ou em documento anexo, qualquer especificação dos encargos cujo pagamento se pretendia passasse a ser da responsabilidade da arrendatária, sendo certo que se exige tal especificação (cfr. art.°s 40 a 42 do RAU); acresce ainda que, face ao disposto no referido art. 40.° do RAU, a mencionada cláusula 6.a do contrato de arrendamento não poderia abranger encargos com a conservação, apesar de constituírem despesas comuns da fracção.

VIII - Por outro lado, a Impugnante não faz qualquer prova que os encargos e despesas foram contratados em seu nome, nem apresentou os documentos justificativos com os respectivos meios de pagamento.

IX - Ainda, o contrato de arrendamento refere que o imposto de selo no montante de 1.641,00 € é pago através do documento de cobrança de modelo oficial, em conformidade com a Lei n° 150/99 de 11 de Setembro, com a redacção dada pelo D.L. n.° 287/2003 de 12 de Novembro. Também não junta o documento de cobrança referido com o respectivo meio de pagamento que comprove a autenticidade da situação.

X - Ora, nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 74.° da LGT, a prova dos factos que a impugnante invoca é da sua responsabilidade, uma vez que ela junta aos autos o contrato de arrendamento, mas não anexa os elementos que comprovem que as despesas de condomínio foram contratadas em seu nome, assim como não anexa o documento comprovativo do pagamento do imposto de selo relativo ao contrato celebrado, ou seja, os documentos que sustentam as suas afirmações não foram juntos como meio de prova.

XI - Acresce ainda que, tal como fizera a Impugnante, a sentença em crise, apenas menciona o contrato supra analisado, omitindo qualquer referência aos encargos suportados com quotas e fundo de reserva inerente à fracção N do prédio sito na ….., cuja propriedade foi transferida para a sociedade M….. por escritura pública de 2004/04/30.

XII - Face ao exposto, é nosso entendimento a douta decisão fez uma errada valoração da fundamentação e da prova carreada pela AT, pelo que, somos de opinião, que a respectiva correcção ao desconsiderar tais custos nos termos do disposto no artigo 23° do CIRC, conjugado com o artigo 74° da LGT, não padece de ilegalidade, devendo manter-se na ordem jurídica.

Encargos com testes efectuados para homologação de viaturas

XIII - Não foi aceite um custo relativo à execução de testes de homologação de uma viatura, realizados em Espanha em 2003, por o mesmo não ser imputável ao exercício de 2004, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios, constante do artigo 18° do CIRC, uma vez que o serviço foi prestado em 2003 e que o correspondente encargo era do conhecimento do sujeito passivo à data do encerramento das contas daquele exercício.

XIV - O Tribunal “a quo” adoptando na íntegra o alegado pela Impugnante, relativamente a esta correcção, refere a sentença ora em crise o seguinte: “Porém, atendendo ao valor da despesa €3.885,07 e, se atentarmos na alegação da impugnante em relação à anulação de acréscimos de custos com publicidade contabilizados em 2003, no montante de €28.965,00, donde resultou um acréscimo do resultado contabilístico e fiscal de 2004 nesse mesmo montante, o qual, a administração tributária não corrigiu a favor da impugnante, situação que não foi contestada pela Fazenda Publica, podemos dizer que não se afigura que a omissão de contabilização da despesa em causa, se deveu a uma omissão voluntária e intencional com vista a alterar os resultados entre os exercícios.”

XV - Ora, ao contrário do referido, tal alegação foi já rebatida no próprio relatório de Inspecção, em sede de direito de audição, onde se diz que a regularização efectuada pela Impugnante aos custos com publicidade imputados ao exercício de 2003 por os considerar excessivos, nada tem a ver com o custo em causa. E não é pelo facto do valor da regularização ser superior ao da presente correcção que a AT deveria de deixar de corrigir o referido valor.(cfr. fls. 179 e 180 do relatório)

XVI - Por outro lado, o custo em causa está titulado pela factura com o n° ….., datada de 11 /06/2003, referente à homologação de um M…... Esta factura foi recepcionada e conferida sob o n° ….., em 05/09/2003, pela Impugnante.

XVII - Dispõe o artigo 18.°, n.° 1, do CIRC que “os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios”.

XVIII - Dispõe ainda o n.° 2 do predito artigo 18.° que “as componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a exercícios anteriores só são imputáveis ao exercício quando na data de encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas”.

XIX - Ora, decorre da própria factura que a Impugnante a recebeu e conferiu em 05-08-2003, ou seja, muito antes do encerramento das contas do exercício de 2003, não sendo por essa razão imprevisível ou manifestamente desconhecido.

XX - A jurisprudência tem vindo a seguir o entendimento que o citado n.° 2 não pode cobrir erros contabilísticos ou actos do próprio contribuinte: “a norma há-de interpretar-se no sentido de que essa impossibilidade e/ou esse desconhecimento, para serem relevantes, hão-de decorrer de situações externas que o contribuinte não pode controlar”.(cfr. acórdão do STA de 25-06-2008, proc. 0291/08); o que não é o caso.

XXI - Face ao exposto, a correcção em causa, salvo melhor opinião não padece de qualquer ilegalidade, uma vez que o custo não poderá ser imputável ao exercício de 2004, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios a que alude o artigo 18° do CIRC, pelo que se deverá manter na ordem jurídica.

Reintegrações de viaturas de competição

XXII - Não foram aceites como custos, nos termos da alínea e) do n° 1 do art. 33° do CIRC, as quotas de reintegração de viaturas ligeiras de passageiros, utilizadas pela Impugnante em provas de competição, na parte correspondente ao valor de aquisição excedente a € 29.927,87 pela taxa máxima de reintegração para o tipo de bem em Causa __ Código 2375 - decorrente da Tabela II do art. 24° do Decreto Regulamentar 2/90 de 12 de Janeiro.

XXIII - A douta sentença ora em crise, relativamente a esta correcção, decide como se segue: “Pelo exposto, ao concluirmos que as viaturas em causa nos autos, são efetivamente veículos adquiridos com vista a fazer publicidade da marca M….., e se destinam exclusivamente à competição, devem ter uma taxa de reintegração de 33,33%, tal como definido pela Direção de Serviços de IRC.

XXIV - Com o devido respeito, esta taxa de reintegração de 33,33% acabou por ser a taxa aplicada pelos Serviços de Inspecção ao caso concreto (cfr. cálculo de fls. 164 do relatório).

XXV - Pelo que o que está em causa nesta correcção é o montante de cada uma das quotas de reintegração que excede o limite legal previsto na alínea e) do n° 1 do art. 33.° do CIRC para as referidas viaturas - viaturas ligeiras de passageiros, (cfr. fls. 162 do relatório).

XXVI - Estabelece o disposto na alínea e) do n° 1 do art. 33.° do CIRC que “Não são aceites como custos (...) as reintegrações de viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, na parte correspondente ao valor de aquisição ou de reavaliação excedente a € 29.927,87, bem como dos barcos de recreio e aviões de turismo e todos os encargos com estes relacionados, desde que tais bens não estejam afectos à exploração de serviço público de transportes ou não se destinem a ser alugados no exercício da actividade normal da empresa sua proprietária.”

XXVII - Assim, tratando-se de reintegrações relativas a viaturas ligeiras de passageiros, os Serviços de Inspecção, constatando não ter sido acrescido ao resultado tributável qualquer valor inerente a esse excesso, procedeu à presente correcção, de acordo com predito artigo, pelo que, salvo melhor opinião, deverá ser mantida na ordem jurídica, para todos os efeitos, não padecendo de qualquer ilegalidade.

Tributações autónomas - reintegrações de viaturas de competição

XXVIII - A Administração Tributária procedeu à correcção da tributação autónoma, nos termos do n°3 do art, 81° do CIRC, tendo por base as quotas de reintegração fiscalmente aceites das duas viaturas de competição, por serem classificadas como sendo “ligeiros de passageiros.

XXIX - Relativamente a esta correcção os Serviços de Inspecção tiveram o seguinte entendimento sobre a factualidade em causa: “Ainda que estejam em causa viaturas de competição, utilizadas essencialmente para fins publicitários em prol do sujeito passivo e dos seus produtos, nas competições desportivas em que participa - contribuindo assim para a realização de operações tributáveis - o seu fim não se esgota nessa actividade. Na realidade, o facto destas viaturas se encontrarem matriculadas confere-lhes a possibilidade de circular na via pública à semelhança de qualquer outra viatura.”

XXX - Face à factualidade descrita, os Serviços aplicaram à situação em apreço o disposto no n.°3 do art°81 do CIRC na redação que lhe foi dada pelo artigo 30° da Lei n.°107-B/2003 de 31 de Dezembro que refere «São tributados autonomamente, à taxa de 6% os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e os relacionados com viaturas de passageiros ou mistas, motos ou motociclos efetuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos subjectivamente e que exerçam a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agricola», não sendo excepcionada qualquer outra situação, para além da indicado no n.°6 do referido normativo (...)

XXXI - Ora como resulta do relatório da inspecção, ao contrário do apurado pela douta sentença em crise, na correcção em causa não se “procedeu à tributação autónoma do excesso das reintegrações efetuadas por aplicação da taxa de 33,33%, em vez da taxa de 25%, constante da Tabela anexa ao Decreto Regulamentar n.°2/90 de 12 de Janeiro”, mas sim à tributação autónoma das quotas de reintegração fiscalmente aceites das duas viaturas em apreço, ou seja, as quotas de reintegração apuradas dentro do limite legal, previsto na al. e) do n° 1 do artigo 33° do CIRC, para as viaturas ligeiras de passageiros, (cfr. fls. 168 e 169 do relatório)

XXXII - Assim, sendo as referidas quotas de reintegração fiscalmente aceites um encargo relativo a viaturas ligeiras de passageiros, a tributação autónoma prevista no disposto no n° 3 do artigo 81° do CIRC, é devida, pelo que, salvo melhor opinião, a correcção em apreço deverá ser mantida.

Tributação Autónoma - Despesas de Representação

XXXIII - Do Relatório de Inspecção Tributária, relativamente a esta correcção, retira-se que a AT procedeu à correcção da tributação autónoma, nos termos do n°3 do art. 81° do CIRC, devida pelos encargos suportados com a aquisição de dois business lounge no Estádio….., contabilizados na conta “62233 - Publicidade e Propaganda”, uma vez que, embora os custos desta acção promocional levada a cabo junto dos concessionários, seus clientes, sejam considerados fiscalmente dedutíveis, nos termos do art. 23° do CIRC, por potenciarem o desempenho comercial dos clientes e consequentemente o seu próprio, consubstanciam, nos termos do citado normativo, despesas de representação.

XXXIV - A Impugnante diz ter incorrido nas despesas com a aquisição de dois business lounge no Estádio….. no âmbito duma companha publicitária, através de uma circular por todos os concessionários da marca, com objectivos de venda superiores em cerca de 25% ao normal, para o período que antecedeu o EURO 2004, de forma a incentivar as vendas, tendo como prémio quem atingisse esses objectivos, poder assistir na companhia de quem entendesse aos jogos de futebol no Estádio…...

XXXV - Ora, a publicidade é um instrumento ao serviço da actividade económica. Com ela visa-se propiciar o conhecimento por parte do público da existência da empresa, da actividade que desenvolve, da qualidade ou potencialidade dos produtos ou serviços produzidos ou comercializados, etc., o que não é o caso.

XXXVI - Por outro lado, refere ainda o relatório de inspecção como fundamento da presente correcção o conceito legal de despesas de representação, atento o preceituado no n° 7 do art. 81.° do CIRC, devem considerar-se como abarcando tal conceito, nomeadamente, os encargos suportados com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos, no pais ou no estrangeiro, a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades (cfr.ac.T.C.A.Sul-2a.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; ac.T.C.A.Sul-2a.Secção, 7/5/2015, proc.8534/15; Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, pág.202 e seg.).

XXXVII - Assim sendo, as referidas despesas que a impugnante qualificou como sendo de publicidade e propaganda, não podem deixar de se considerar, como resulta do relatório inspectivo, verdadeiras despesas de representação, porquanto os custos incorridos com esta acção promocional levada a cabo junto dos concessionários, seus clientes e representantes, não poderão deixar de ser consideradas, por tal facto, como despesas de representação, sujeitas a tributação autónoma pelo que, salvo melhor opinião, a correcção em apreço deverá ser mantida para todos os efeitos na ordem jurídica, ao abrigo do disposto nos artigos 23° e 81° do CIRC.

Juros Indemnizatórios

XXXVIII - Relativamente a esta matéria, devendo manter-se a liquidação de imposto “qua tale” na ordem jurídica, correlativamente, não subjazem fundamentos, para a percepção de juros indemnizatórios por parte da impugnante, nos termos do disposto no at. 43° da LGT.

XXXIX - Face ao exposto, a douta sentença proferida pelo Mm°. JuÍ2 a quo fez uma incorrecta interpretação de facto e de direito das normas legais e da ratio legis que a fundamentam, mormente os arts. 18°, 23°, 33° e 81 do CIRC, incorrendo assim em erro de julgamento, devendo, por esse motivo, ser revogada, com as legais consequências”.

A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

1.ª O presente recurso é deduzido pelo Ilustre Representante da Fazenda Pública contra a sentença recorrida que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela Recorrida contra o ato tributário consubstanciado na liquidação de IRC n.º …..694, de 21.04.2008, na nota de compensação n.º …..569, de 23.04.2008 e na nota de cobrança n.º …..046, relativo ao exercício de 2004;

2.ª No entendimento da Recorrida o presente recurso deve ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida;

3.ª No que concerne à correção referente a despesas de condomínio, é despicienda a afirmação da administração tributária de que se está em presença de encargos de conservação, cuja definição da responsabilidade pelo pagamento não se encontra na disponibilidade das partes;

4.ª Acresce que no próprio artigo 40.º do RAU, se prevê a faculdade de as partes convencionarem sobre qual delas recai a responsabilidade pelo pagamento de todas as despesas que tenham a ver com a fruição das partes comuns do edifício, sejam as mesmas, no limite, qualificadas como de conservação ou de utilização, que, na situação sub judice, ficou, repete-se, convencionado recair sobre o arrendatário, como resulta do próprio contrato escrito e assinado pelas partes contratantes.

5.ª Depois, quanto à alegada impossibilidade de apreender, através da aludida cláusula 6.ª, a verdadeira vontade das partes quanto ao destino das despesas de condomínio, refira-se que a vontade das partes não suscita, nem pode suscitar, no caso vertente, qualquer dúvida, sendo certo que as partes acordaram e aceitaram que seria a Recorrida a suportar o pagamento das despesas de condomínio em questão;

6.ª Assim, e não constituindo aquelas despesas um “encargo legal de terceiros”, tal como a administração tributária invoca, mas um encargo da própria Recorrida, indispensável à obtenção de proveitos e à manutenção da sua fonte produtora, deveria o mesmo ter sido aceite como custo fiscal do exercício de 2004, nos termos do disposto no artigo 23.º do Código do IRC, razão pela qual bem andou o Tribunal recorrido quando determinou a sua anulação;

7.ª Invoca ainda o Ilustre Representante da Fazenda Pública no seu recurso, a este respeito, que a sentença recorrida omite a referência aos encargos suportados com referência à fração N do prédio sito na ….., bem como que a Recorrida não fez qualquer prova de que os encargos foram por si incorridos;

8.ª Também nesta sede o recurso deve ser julgado improcedente;

9.ª Desde logo, no que se refere à alegada falta de menção aos encargos incorridos com referência à fração N do prédio sito na ….., porquanto a Recorrida contestou parcialmente a presente correção;

10.ª Por sua vez, relativamente à alegada falta de prova, importa notar que esse não constituiu fundamento de realização da aludida correção, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 77.º da LGT e no artigo 36.º do CPPT, não pode ser relevado nesta sede, sob pena de fundamentação a posteriori;

11.ª Razão pela qual, em face de todo o exposto, deve julgar-se improcedente o presente recurso e manter-se a sentença recorrida;

12.ª Também no que se refere à correção relativa a encargos com testes efetuados para homologação de viaturas não pode a Recorrida conformar-se com o alegado pelo Ilustre Representante da Fazenda Pública, sendo de manter, também neste segmento, a sentença recorrida;

13.ª Trata-se aqui de uma anulação de acréscimo de custos com publicidade contabilizados em 2003, donde resultou um acréscimo do resultado contabilístico resultado contabilístico e fiscal de 2004 nesse mesmo montante, o qual, a administração tributária não corrigiu a favor da Recorrida, desconsiderando assim os custos, mas não desconsiderando já os proveitos, utilizando critérios diferentes para realidades semelhantes;

14.ª É esta igualdade de critérios que a Recorrida pretendia ver refletida e que o Tribunal recorrido determinou, por meio da aplicação dos mais elementares critérios de justiça que devem nortear o procedimento tributário (e, nessa medida, todos os atos que visam a liquidação de um tributo), os quais se encontram consagrados, desde logo, no artigo 55.º da Lei Geral Tributária (LGT) e no artigo 266.º, n.º 2, da CRP;

15.ª Não tendo a administração tributária colocado em crise os pressupostos em que o Tribunal decidiu – quais sejam, a existência de uma anulação de um acréscimo de custos sem que tivesse sido efetuada uma correção semelhante ao nível dos proveitos –, resulta assim evidente que o presente recurso deve falecer também neste segmento;

16.ª Efetivamente, deveria a administração tributária, em cumprimento dos critérios de justiça que devem presidir à sua atuação, abster-se de efetuar a correção em causa na medida em que não corrigiu a anulação do acréscimo de custos a que a Recorrida procedeu no exercício de 2004, a qual gerou a formação de um proveito que não era, de forma alguma, expectável para a administração tributária e que, no que ao seu montante se refere, já excedeu largamente o valor da correção efetuada;

17.ª E o princípio da especialização deverá, em situações excecionais como a vertente, ceder perante o princípio da justiça (cf., a título exemplificativo, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02.04.2008, proferido no âmbito do processo n.º 0807/07);

18.ª Resulta, assim, evidente que bem andou o Tribunal recorrido quando determinou a anulação da correção sub judice;

19.ª Para além de todos estes argumentos, acresce, ainda, uma outra razão que determina a ilegalidade da correção em causa, qual seja a de que à data do procedimento inspetivo já não era possível à Recorrida proceder à correção da contabilização e relevação fiscal do custo em apreço no exercício de 2003, por já se encontrarem decorridos todos os prazos para esse efeito (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 05.02.2003, proferido no âmbito do processo n.º 01648/02);

20.ª Razão pela qual, em face de todo o exposto, deve julgar-se improcedente o presente recurso e manter-se a sentença recorrida;

21.ª No que se refere à correção relativa às reintegrações de viaturas, deve também ser julgado improcedente o presente recurso;

22.ª Importa notar que o Ilustre Representante da Fazenda Pública não coloca em causa a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, não cumprindo com o ónus de especificação e impugnação de matéria de facto que se lhe impunha nos termos do artigo 640.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º do CPPT;

23.ª Deste modo, a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida deve ter-se por assente, resultando da mesma que estão em causa viaturas dedicadas exclusivamente a competições automobilísticas e que não eram normais viaturas ligeiras de passageiros [cf. alíneas I) a P) d factualidade dada como provada na sentença recorrida];

24.ª Tendo o Tribunal decidido que as mesmas “(…) devem ter uma taxa de reintegração de 33,33%, tal como definido pela Direção de Serviços de IRC” (cf. página 31 da sentença recorrida, sublinhado nosso), e sendo certo que da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida constam duas informações prestadas por aquela Direção de Serviços [cf. alíneas F) a H) da factualidade dada como provada na sentença recorrida], urge concluir que o Tribunal adota o entendimento que foi sufragado pela administração tributária naquelas informações, o qual vai no sentido de não ser aplicável a alínea e) do n.º 1 do artigo 33.º do Código do IRC;

25.ª Isto é, contrariamente ao que o Ilustre Representante da Fazenda Pública invoca nas suas alegações de recurso, o Tribunal não decidiu apenas pela aplicação da taxa de reintegração máxima de 33,33%, mas remeteu expressamente para as informações que já foram prestadas pela administração tributária sobre este tema, das quais resulta que os encargos com as reintegrações das viaturas em causa não são subsumíveis ao disposto na alínea e) do n.º 1) do artigo 33.º do Código do IRC, razão pela qual não deveria ter sido acrescido ao resultado tributável as reintegrações na parte correspondente ao valor de aquisição excedente a € 29.927,87;

26.ª Deste modo, sendo certo que o Tribunal acolheu a posição constante daquelas informações e que o Ilustre Representante da Fazenda Pública não controverte a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, da qual resulta que se está perante viaturas que não são normais viaturas ligeiras de passageiros e exclusivamente destinadas a competições automobilísticas, dúvidas não restam de que o presente recurso só pode ser julgado improcedente;

27.ª Com efeito, importa desde já clarificar que o legislador fiscal ao estabelecer, na, à data, alínea e) do n.º 1) do artigo 33.º do Código do IRC, um limite ao custo de aquisição depreciável das viaturas ligeiras de passageiros fiscalmente aceite, teve em vista limitar a dedutibilidade fiscal das reintegrações daqueles bens a um valor de aquisição que considerou razoável, sempre que aquelas viaturas se destinem ao transporte de passageiros, na medida em que as viaturas com esta finalidade correm o risco de ser utilizadas não apenas para fins empresariais, mas também para fins particulares dos seus utilizadores, sócios e/ou trabalhadores das empresas;

28.ª A aludida finalidade em que assenta o estabelecimento desta limitação legal ao custo de aquisição depreciável não tem qualquer verificação no caso sub judice, na medida em que se trata de viaturas de competição, utilizadas em exclusivo em provas de competição desportiva e com fins publicitários, relativamente às quais não se verifica o risco de utilização promíscua a que acima se aludiu, não tendo assim aplicação a limitação prevista na referida alínea e) do n.º 1) do artigo 33.º do Código do IRC;

29.ª De facto, só pode ser este o entendimento que motivou os próprios serviços da administração tributária à emissão da informação do Diretor dos Serviços de IRC, notificada à Recorrida pelo ofício n.º ….., de 5.04.2002, através da qual se afastou a aplicabilidade do limite previsto naquela norma às viaturas de competição da Recorrida [cf. docs. n.ºs 5 a 7 da petição inicial e alíneas F) a H) da factualidade dada como provada na sentença recorrida];

30.ª Note-se que, constando da informação da Direção de Serviços de IRC, notificada à Recorrida pelo ofício n.º ….., de 9.12.1999, que a autorização referente à reintegração à taxa de 33,33% se aplica “(…) quer em relação à viatura de competição em causa (Modelo L 200) quer às que futuramente sejam adquiridas para a mesma utilização (…)” (sublinhado nosso), e não se afastando a administração tributária da aplicação da aludida taxa de 33,33%, é legítimo concluir que a administração tributária entendeu que no caso em apreço se verificavam as especiais razões de desgaste da utilização do veículo que motivavam a taxa de amortização de 33,33%. Isto é, a administração tributária reconhece implicitamente, aplicando a taxa de 33.33%, que os veículos em apreço não são idênticos aos normais veículos ligeiros de passageiros;

31.ª Bem andou, pois, o Tribunal recorrido, no sentido da anulação da correção controvertida;

32.ª De facto, tendo sempre por objetivo último a comercialização e distribuição da sua própria marca, as viaturas em apreço são veículos de competição utilizados exclusivamente para fins publicitários de promoção e projeção da marca da Recorrida, não se destinando ao transporte de passageiros (cf. suporte áudio do depoimento das testemunhas F….., minuto 5.30 e G….., minuto 38);

33.ª Efetivamente, as viaturas em causa são exclusivamente utilizadas pela Recorrida e para fins publicitários e visam unicamente, através da participação em provas de competição, a projeção da marca e a sua promoção junto de um público com características muito específicas e conhecedor do mercado automobilístico, tendo sempre por objetivo último a comercialização de veículos daquela marca (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha F….. minuto 5.30 e minuto 7.30 e da testemunha G….. minuto 38.56 e minuto 52);

34.ª Trata-se de factos que, reitere-se, foram dados como provados na sentença recorrida [cf. alíneas I) a P) da factualidade dada como provada na sentença recorrida], pelo que, só poderá concluir-se que os custos incorridos pela Recorrida com a aquisição dos veículos em crise nos autos devem ser entendidos, para efeitos da sua reintegração, como custos com publicidade e, nessa medida, ser-lhes aplicável a taxa de reintegração de 33,33% praticada pela Recorrida, sobre o seu valor total de aquisição, ou, no limite, qualificados tais custos como encargos com campanhas publicitárias, aos quais é aplicável, igualmente e por força do disposto no n.º 4, do artigo 17.º, do Decreto-Regulamentar n.º 2/90, de 12.01.1990, uma taxa de reintegração de 33,33%, uma vez que dizem respeito à utilização de veículos especiais, utilizados para fins publicitários durante mais de um exercício, o que se traduzirá, certamente, num aumento do volume de vendas;

35.ª Acresce que, em face das suas características específicas, os veículos em causa não poderiam, em caso algum, ser utilizados para outros fins que não os de participar nas aludidas provas de competição e, nessa medida, os encargos com a aquisição dos mesmos teriam de ser fiscalmente aceites na totalidade;

36.ª Dada a finalidade exclusiva de competição daqueles veículos, as suas diversas características específicas sofrem modificações, por forma a torná-los aptos ao fim a que se destinam, as quais, por não obedecerem aos regulamentos em vigor, nunca seriam aprovadas pelo Instituto de Mobilidade e dos Transportes Terrestres (anterior Direcção Geral de Viação), logo não podiam, de todo, circular na via pública (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha G….., minuto 40.40 e minuto 42.50);

37.ª Acresce que as características especiais de tais veículos tornam a sua manutenção extremamente mais dispendiosa do que a manutenção de um veículo destinado ao transporte de passageiros, pelo que, também por esta razão se compreende que os mesmos não eram utilizados para este último fim (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha G…..);

38.ª O acima exposto, designadamente quanto às características específicas dos veículos a que as reintegrações em apreço se referem, encontra-se desde logo demonstrado nos autos pelas cópias das fotografias do veículo identificado com a matrícula ….. e do veículo identificado com a matrícula ….., as quais evidenciam a inviabilidade da sua utilização para fins alheios à competição [cf. docs. n.º 8 e 9 da petição inicial e alínea I) da factualidade dada como provada na sentença recorrida];

39.ª Também dos depoimentos prestados pelas testemunhas F….. e G….. resulta claro que os elevados custos de manutenção dos veículos em questão torna inviável a sua utilização para outro fim que não a competição (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha F….. minuto 10.30 e minuto 12.40 e da testemunha G….., minuto 39.35);

40.ª Com efeito, e em suma, conforme resulta do acima descrito, os custos de aquisição e de revisão da viatura são de tal forma elevados que tornam a utilização das viaturas, fora do âmbito das provas, completamente incomportável financeiramente, a que acresce o facto de, em virtude das suas características específicas, a sua própria circulação na via pública ser proibida;

41.ª Por outro lado, o facto de as viaturas em questão possuírem um seguro concebido para a circulação em estrada aberta apenas no âmbito das provas de competição que realizam, designadamente à circulação nos troços de ligação entre os troços classificativos, o qual é diferente de um seguro de uma viatura destinada ao transporte de passageiros, impede igualmente a sua circulação na via pública (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha G….., minuto 50.50);

42.ª Refira-se, por fim, que é despicienda a afirmação da administração tributária de que a situação sob análise não coincide com aquela que foi objeto da informação vinculativa notificada à Recorrida pelo ofício n.º ….., de 5.04.2002, a que acima se fez referência, por nos encontrarmos, no caso vertente, em presença de duas viaturas ligeiras de passageiros adquiridas em 2004 e matriculadas, o que lhes conferiria a possibilidade de circular na via pública e não apenas em recintos de prova, na medida em que a aludida informação vinculativa e o entendimento que da mesma decorre refere-se a uma situação em tudo e, fundamentalmente, em substância, idêntica à vertente [cf. doc. n.º 7 da petição inicial e alínea H) da factualidade dada como provada na sentença recorrida];

43.ª E nem sequer se invoque que aquela informação excluiu as viaturas matriculadas e/ou pertencentes ao ativo imobilizado, nem que a atribuição de matrícula lhes confere a possibilidade de circular na via pública, uma vez que, por um lado, não há nas informações da Direcção de Serviços do IRC qualquer referência àquelas exclusões, e por outro, a atribuição de matrícula não resolve os impedimentos de circulação na via pública anteriormente descritos;

44.ª Acresce ainda que as viaturas em causa têm necessariamente de se encontrar matriculadas (podendo a matrícula ser portuguesa ou estrangeira), por forma a poderem circular nos troços de ligação das provas desportivas em que a Recorrida participava (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha G….., minuto 44.55);

45.ª Resta, por fim, clarificar que a razão pela qual a viatura alugada em 1999 tinha apenas matrícula estrangeira prendeu-se unicamente com o facto – expressamente referido, de resto, no direito de audição - de a política estabelecida nesse ano pela Recorrida com referência a este tipo de veículos ser a do aluguer (não sendo possível obter matrícula portuguesa para aqueles, por não serem de sua propriedade) e não a da aquisição dos mesmos para o seu imobilizado;

46.ª Em face do exposto, encontra-se, pelas razões acima referidas, plenamente justificada a aplicação da taxa de reintegração utilizada pela Recorrida ao custo total de aquisição, e não apenas ao valor limite de € 29.927,87, no caso vertente, razão pela qual bem andou o Tribunal recorrido na anulação da correção sindicada;

47.ª Pelo que, deve julgar-se improcedente o recurso da Fazenda Pública, mantendo-se a douta sentença recorrida;

48.ª Também no que se refere à tributação autónoma incidente sobre os encargos relativos às quotas de reintegração referentes às viaturas de competição a que se fez referência no capítulo (iii) supra, não assiste razão ao alegado pelo Ilustre Representante da Fazenda Pública no seu recurso;

49.ª Conforme resulta de todo o exposto supra, para onde se remete e cuja argumentação se dá por inteiramente reproduzida, não se tratam os veículos em crise de comuns veículos ligeiros de passageiros, o que determina a ilegalidade da tributação autónoma sobre as respetivas quotas de reintegração, por manifesta violação do disposto no n.º 3, do artigo 81.º, do Código do IRC, na redação conferida pelo artigo 30.º da Lei n.º 107-B/2003, de 31.12, e desconformidade com o próprio entendimento vertido na informação vinculativa emitida pela Direcção de Serviços de IRC em 2002 [cf. doc. n.º 7 da petição inicial e alínea H) da factualidade dada como provada na sentença recorrida], pelo que bem andou, assim, o Tribunal recorrido na anulação da presente correção;

50.ª Em face do exposto, conclui-se que a liquidação sub judice também deve ser anulada na parte respeitante à tributação autónoma sobre os encargos com viaturas de competição, no montante de € 1.196,99, por ilegal, razão pela qual deve julgar-se improcedente o presente recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida;

51.ª Por fim, relativamente à correção referente à tributação autónoma sobre alegadas despesas de representação, deve ser julgado improcedente o presente recurso, na medida em que, salvo o devido respeito, não constam das alegações de recurso da Fazenda Pública quaisquer argumentos suscetíveis de infirmar o decidido pelo Tribunal recorrido;

52.ª Com efeito, e desde logo, não é colocada em causa a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, não cumprindo a Fazenda Pública com o ónus de especificação e impugnação que se lhe impunha nos termos do artigo 640.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º do CPPT;

53.ª Deste modo, a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida deve ter-se por assente, resultando da mesma que estão em causa despesas publicitárias, destinadas a assegurar o normal desenvolvimento do objeto social da Recorrida [cf. alíneas R) e Q) da factualidade dada como provada na sentença recorrida];

54.ª Importa, antes de mais clarificar que, como aliás tem entendido a jurisprudência dos tribunais superiores nesta matéria, as despesas com receções, refeições, viagens, passeios e espetáculos, suscetíveis de serem qualificadas como despesas de representação, só o serão quando se destinem a representar a sociedade onde esta não se encontra presente e, portanto, fora da sua atividade principal, e já não quando tenham como fim assegurar o normal desenvolvimento do seu objeto social, dentro do circuito económico onde este naturalmente se manifesta, pelo que se tais despesas se destinam a promover as vendas dos produtos comercializados pela sociedade, como é o caso dos autos, deverão qualificar-se como despesas com publicidade e não como despesas de representação (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 7.05.2015, proferido no âmbito do processo n.º 08534/15);

55.ª Com efeito, no caso vertente não estamos na presença de despesas de representação, mas sim de despesas publicitárias, porquanto a atribuição dos bilhetes VIP em causa não foi realizada sem qualquer contrapartida, tal como pressuporia a sua qualificação como despesas de representação, mas enquadrada numa ação promocional e de marketing efetuada previamente junto de cada concessionário, sendo que a atribuição dos bilhetes dependia da realização e do cumprimento de determinados objetivos de vendas por parte daqueles [cf. alíneas R) e Q) da factualidade dada como provada na sentença recorrida e suporte áudio do depoimento da testemunha J….., 1.02.40);

56.ª A campanha em apreço visou assim, como é evidente, incrementar, dessa forma e como contrapartida, os resultados e as vendas daqueles concessionários e, por essa via, os resultados da própria Recorrida, que foi, aliás, efetivamente alcançado pela Recorrida, face ao desenvolvimento da campanha publicitária em questão (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha J….., 1.09.02);

57.ª Ora, o conceito de despesa de representação pressupõe, pois, e ainda que o pagamento da mesma possa, em tese, potenciar o lucro da entidade pagadora, e que o beneficiário não contribua com qualquer contrapartida, sendo que nesta situação, pelo contrário, conforme acima se evidenciou, os bilhetes em causa eram atribuídos apenas e só aos concessionários que atingissem um determinado objetivo no que às vendas se refere [cf. alíneas R) e Q) da factualidade dada como provada na sentença recorrida];

58.ª Acresce que, não se tratam os montantes em causa de encargos relativos a liberalidades com clientes ou com qualquer outra das entidades referidas no n.º 7 do artigo 81.º do Código do IRC, sendo que tais despesas tiveram como destinatários vários concessionários que integram a rede de comércio liderada pela Recorrida, integrando-se o pagamento das mesmas, como se referiu, no conceito de incentivo à produtividade e de consequente retribuição pela obtenção de determinados resultados previamente estipulados, o que permite incrementar os seus próprios resultados e os da Recorrida;

59.ª Pelo exposto, encontra-se inequivocamente demonstrado que não estamos perante despesas de representação, razão pela qual é ilegal a tributação autónoma sobre aquelas, devendo o ato tributário ser, também nesta parte, imediatamente anulado, como determinou o Tribunal recorrido;

60.ª Razão pela qual, em face de todo o exposto, deve ser julgado improcedente o presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida”.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser concedido parcial provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Há erro de julgamento no que respeita às correções atinentes a despesas de condomínio, quer por não respeitarem apenas à fração identificada em D) do probatório, quer por o contrato de arrendamento apresentado não ter o alcance que lhe foi retirado pelo Tribunal a quo?

b) Há erro de julgamento no que respeita à correção relativa aos custos com testes de homologação, por violação do princípio da especialização dos exercícios, nada tendo a ver com tal correção a regularização com os custos de publicidade?

c) Há erro de julgamento no que respeita à correção respeitante a reintegrações de viaturas de competição, por lhes ser aplicável a limitação decorrente do art.º 33.º, n.º 1, al. e), do CIRC?

d) Há erro de julgamento no que tocante à correção relativa a tributações autónomas atinentes a reintegrações de viaturas de competição, em virtude de as mesmas serem subsumíveis ao art.º 81.º, n.º 3, do CIRC, sejam ou não viaturas de competição?

e) Há erro de julgamento no que tocante à correção respeitante a tributações autónomas relativas a despesas de representação, por não se tratar de despesas de publicidade?

f) Há erro de julgamento quanto aos juros indemnizatórios, por força dos erros de julgamento mencionados entre a) e e)?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“ A)

A impugnante é uma sociedade que tem como atividade principal a comercialização de veículos motorizados, seus componentes, peças e acessórios, atividade, esta, operada através da rede de concessionários, enquadrada no regime geral de tributação em sede de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (IRC);

(cfr. fls. 48 e 49 dos autos)


B)

Através da Ordem de Serviço OI….., a impugnante foi alvo de uma ação de inspeção tributária, cujas correções, ora impugnadas, foram efetuadas da seguinte forma:

«(…)

(…)





(…)





(…)

(…)



(cfr. fls. 50 a 68 dos autos)

C)

Na sequência das correções levadas a efeito pela inspeção tributária foi efetuada, em 21.04.2008, uma liquidação oficiosa de IRC n.º….., relativamente ao exercício de 2004, de cujo ato de compensação n.º….. resultou um imposto a pagar de €6.869,25, tendo o mesmo sido liquidado pela impugnante, em 02.06.2008;

(cfr. doc. 2 e 10 juntos com a PI)


D)

Em 03.05.2004, a impugnante celebrou um Contrato de Arrendamento com a sociedade «M….. – ….., Sociedade Unipessoal, Lda.» da fração “A” do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na ….., inscrito na matriz sob o art.º ….. e com a licença de utilização n.º ….., emitida pela Câmara Municipal de Lisboa em 06.01.2004, para comércio de veículos automóveis, com a renda mensal de €16.410,00, constando da cláusula 6ª que:

«Ficam de conta da arrendatária, todas as despesas inerentes à utilização da fração em causa.»;

(cfr. doc. 3 junto com a PI)


E)

Em 13.02.2004, a impugnante registou na contabilidade uma factura n.º ….. relativa à homologação de testes da viatura, realizados em Espanha, no montante de €3.885,07;

(cfr. doc. 4 junto com a PI)


F)

A Direção de Serviço do IRC informou a impugnante, em resposta a pedido de informação vinculativa, que a taxa de amortização a aplicar, ao abrigo do Decreto Regulamentar n.º2/90 de 12 de Janeiro, relativamente à viatura de competição M….. e de outras que sejam adquiridas, era de 33,33 %;

(cfr. doc. 5 junto com a PI)


G)

Em 26.08.1999, a impugnante submeteu ao Director Geral dos Impostos, um pedido de parecer vinculativo com o seguinte conteúdo:



(…)»

(cfr. doc. 6 junto com a PI)


H)

Através do ofício n.º ….. de 02.04.2005, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), procedeu à notificação resposta ao requerimento atrás identificado com o seguinte teor:

«(…)



(cfr. fls. doc. junto com a PI)

I)

Os veículos de competição da impugnante de marca M….., matrículas ….. e ….., encontram-se modificados a nível interior e exterior por forma a corresponder às exigências de segurança dos pilotos e estrutura exclusiva para participação em rally, como se retira das fotografias juntas com a Petição Inicial que constituem os documentos n.º 8 e 9;

J)

As viaturas de competição do Grupo “N” para participar no Campeonato Nacional de Rally tinham obrigatoriamente que ser exteriormente semelhantes às viaturas ligeiras de passageiros que transitam na via pública que a impugnante comercializa;

(cf., depoimento da testemunha G…..)


K)

As viaturas de competição são adquiridas como ligeiras de passageiros e depois são transformadas por empresas prestadoras desses serviços, sitas na Alemanha ou Inglaterra com o Know how especializado para esse efeito;

(cf., depoimento das testemunha G….. e F…..)


L)

Estas viaturas têm obrigatoriamente que ter matricula e seguro válido porque as provas de Rally implicam a passagem em troços abertos ao trânsito;

(cf., depoimento das testemunha G….. e F…..)


M)

A manutenção destas viaturas é extremamente dispendiosa e feita após cada prova onde, consonante a quilometragem do evento, podem ser substituídas a caixa de velocidades, amortecedores e outros componentes que se mostrem danificados;

(cf., depoimento das testemunha G….. e F…..)


N)

Os custos com o marketing, relativos à competição destas viaturas, eram estimado entre, €500.000,00 e €1.000.000,00, por cada exercício económico, pela relação custo/benefício que era retirado pela impugnante pelo factos dos carros que produz e comercializa estarem adequados a este tipo de atividade e os seus clientes serem adequados à competição;

(cf., depoimento das testemunha G….. e F…..)


O)

As viaturas de marca M….. com as matrículas ….. e ….. só podiam ser utilizadas em competição e para efeitos publicitários continuados;

(cf., depoimento unanime das testemunhas)


P)

As viaturas eram transportadas para o local das competições em reboque próprio;

(cf., depoimento das testemunha G….. e F…..)


R)

A impugnante, nos três meses anteriores à realização do Campeonato da Europa de Futebol “EURO 2004”, traçou um incentivo de marketing, para os funcionários dos concessionários da rede da M….., em cerca de 20 a 25% acima do normal estimado para as vendas no ano em curso, oferecendo aos funcionários que atingissem os objetivos, bilhetes para os jogos de futebol do Euro 2004 que se realizaram no Estádio…..;

(cf., depoimento da testemunha J…..)


Q)

Os funcionários dos vários concessionários da impugnante atingiram esses objetivos no exercício de 2004 tendo os bilhetes adquiridos para esse efeito sido todos distribuídos;

(cf., depoimento da testemunha J…..)


R)

A impugnação deu entrada no Tribunal Tributário de Lisboa em 26.08.2008, onde tomou o número 83839, conforme carimbo aposto a fls. 2 dos autos”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Não se provaram outros factos com relevância para a presente decisão”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A matéria de facto, constante das alíneas, A) a I), foi a considerada relevante para a decisão da causa e, a formação da convicção do tribunal assentou na análise crítica dos documentos identificados e não impugnados, referenciados em cada uma das alíneas do probatório, para as folhas dos processos onde se encontram.

Quanto às alíneas J) a Q), a decisão da matéria de facto teve por base o depoimento das testemunhas F….. e G….., arroladas pela impugnante, sendo a sua prestação relevante na medida em que confirmaram ao tribunal que as viaturas, em causa nos autos, foram efetivamente adquiridas com a designação de ligeiros de passageiros, por exigência do “GRUPO N” do Campeonato Nacional de Rally e, depois, completamente transformadas no seu interior por empresas alemãs ou inglesas com esse Know How. Essa transformação era efetuada para cumprimento dos regulamentos de segurança para competição e com o objectivo de fazerem publicidade continuada da marca (estratégia comercial da empresa) e para participarem exclusivamente no campeonato nacional de Rally, no Rally Dakar, orçando, anualmente, entre quinhentos mil a um milhão de euros.

Quanto à matriculação das viaturas destacou-se o depoimento de G….. que, sendo Diretor de Markting da impugnante, desde 1999, com conhecimento direto dos factos, afirmou que a participação em competição obriga a as viaturas de Rally sejam matriculadas e ter seguro válido, para poderem fazer as provas desportivas de estrada que são troços em estradas abertas ao trânsito.

No que concerne à aquisição de dois «Business Lounge» no Estádio ….. (bilhetes VIP que incluem jantar no estádio seguido de acesso à bancada para assistir aos jogos do Euro 2004), foi revelante o depoimento da testemunha J….., na medida em que, sendo Diretor Administrativo e Financeiro da impugnante, desde 1991, com conhecimento direto dos factos afirmou que a empresa, três meses antes da realização do Campeonato Europeu de Futebol “EURO 2004”, lançou um incentivo de marketing aos funcionários dos concessionários da rede M….., oferecendo bilhetes para os jogos a realizar no Estádio ….., para aqueles que conseguissem atingir os objetivos de vendas, traçados para o mesmo período, em mais cerca 25% do normal para o período em causa, tendo esses objetivos sido cumpridos o que significou o retorno financeiro obtido”.




II.D. Em virtude de se verificar um lapso de escrita na enumeração dos factos provados, na medida em que foram identificados com a letra “R” dois factos, corrige-se tal lapso de escrita, considerando o disposto no art.º 249.º do Código Civil, passando os factos enumerados com as alíneas R), P) e R) a ter a seguinte enumeração:

Q)

A impugnante, nos três meses anteriores à realização do Campeonato da Europa de Futebol “EURO 2004”, traçou um incentivo de marketing, para os funcionários dos concessionários da rede da M….., em cerca de 20 a 25% acima do normal estimado para as vendas no ano em curso, oferecendo aos funcionários que atingissem os objetivos, bilhetes para os jogos de futebol do Euro 2004 que se realizaram no Estádio …..;

(cf., depoimento da testemunha J…..)


R)

Os funcionários dos vários concessionários da impugnante atingiram esses objetivos no exercício de 2004 tendo os bilhetes adquiridos para esse efeito sido todos distribuídos;

(cf., depoimento da testemunha J…..)


S)

A impugnação deu entrada no Tribunal Tributário de Lisboa em 26.08.2008, onde tomou o número 83839, conforme carimbo aposto a fls. 2 dos autos.

*

Cumpre, sobre a decisão proferida atinente à matéria de facto, salientar que, apesar de a Recorrida, ao longo das suas contra-alegações, ter citado alguns elementos de prova (designadamente prova testemunhal), de forma que poderia induzir no sentido de estar a impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos do disposto nos art.ºs 636.º e 640.º, ambos do CPC, não se trata efetivamente de impugnação de tal decisão, o que não só decorre do próprio teor das alegações, onde tal intenção de impugnação nunca é expressamente referida, mas também da própria comparação entre o alegado e a decisão proferida sobre a matéria de facto, na medida em que, no essencial, há correspondência entre um e outro.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento no que respeita às correções atinentes a despesas de condomínio

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo errou o seu julgamento, no tocante à correção atinente a despesas de condomínio (encargos suportados com prestações de condomínio e contribuições para o fundo de reserva e despesas comuns), desde logo por não respeitarem apenas à fração identificada em D) do probatório. Por outro lado, refere que a administração tributária (AT), em sede de ação inspetiva, teve em consideração o contrato de arrendamento mencionado pelo Tribunal a quo, mas não lhe reconheceu os efeitos pretendidos pela Recorrida, por inexistirem especificações dos encargos, o que é exigível por força dos art.ºs 40.º a 42.º do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), sendo certo que, face ao art.º. 40.º do RAU, a cláusula contratual nunca poderia abranger os encargos com a conservação, apesar de constituírem despesas comuns da fração. Ademais, refere, a Impugnante não fez qualquer prova de que os encargos e despesas foram contratados em seu nome, nem apresentou os documentos justificativos com os respetivos meios de pagamento, não tendo igualmente juntado o documento de cobrança do imposto de selo que comprove a autenticidade da situação.

Vejamos.

Antes de mais refira-se que, tal como menciona a Recorrida nas suas contra-alegações, a correção em causa foi apenas impugnada quanto à fração A, mencionada em D) do probatório. Como tal, carece de pertinência o alegado relativamente à fração “N” do prédio sito na …...

Feita esta delimitação, atentemos, antes de mais, na fundamentação constante do relatório de inspeção tributária (RIT), atinente a esta correção.

Assim, e no que respeita à correção relativa à fração “A” do prédio urbano sito na ….., única posta em causa pela Recorrida na sua petição inicial, do RIT decorre a não aceitação dos custos relativos a despesas comuns atinentes a tal fração, em virtude de a propriedade dos imóveis ter sido transferida para outra sociedade, tendo considerado tratar-se de encargos legais de terceiros. Em sede de análise do referido pela Impugnante, no exercício do direito de audição, concretamente em face do contrato de arrendamento apresentado, a AT considerou que o art.º 40.º do RAU não poderia abranger os encargos de conservação e que não estavam especificados os encargos.

Veja-se, antes de mais, que nunca a AT pôs em causa a efetividade dos encargos e despesas nem, bem assim, a validade do contrato de arrendamento, pelo que tais argumentos não constituem fundamentação do ato de liquidação, em virtude de serem a posteriori, carecendo, pois, de pertinência apreciar o alegado a este respeito.

Cabe então aferir se da prova produzida resultou que os encargos suportados pela Recorrida, relativos à fração mencionada em D) do probatório, são custos admissíveis, ao abrigo dos art.ºs 23.º do CIRC e 42.º, n.º 1, al. c), do CIRC.

Em termos de disciplina atinente especificamente aos custos (gastos), há que desde logo atentar no art.º 23.º do CIRC, nos termos do qual:

“Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora…”.

Decorre, pois, que entre custo (gasto) contabilístico e custo (gasto) fiscal não existe uma absoluta coincidência.

Quanto aos custos que sejam fiscalmente relevantes, para que os mesmos sejam considerados, é necessário, neste quadro normativo, que se demonstre a sua efetiva existência e a sua indispensabilidade.

No tocante ao requisito da efetiva existência, para aferir da mesma é preciso que tais custos estejam suficientemente documentados/comprovados. Tal resulta, desde logo, do corpo do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, que utiliza o advérbio “comprovadamente” (1).

Sendo certo que, em regra, a efetiva existência de um custo é aferida e comprovada pela fatura respetiva, que faz com que haja uma presunção de veracidade do custo que documenta, a mesma pode ser comprovada por outro documento, que, se dotado de algumas insuficiências, poderá ser complementado através de recurso a outros meios de prova, designadamente meios complementares de prova documental e testemunhal (2).

Como referido por António Moura Portugal (3), “… para efeitos de IRC, a exigência de prova documental nesta sede não se confunde com a exigência de factura, bastando, para comprovação de que o custo foi incorrido, a existência de simples documento interno (…), acompanhada por outros meios de prova que inculquem no julgador a convicção que a operação material teve lugar e que efectivamente foi necessária para a obtenção dos proveitos”.

Neste contexto é ainda de ter em conta o disposto no então art.º 42.º, n.º 1, al. g), do CIRC, que previa que não eram dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os encargos indevidamente documentados. Já a sua al. c) referia não serem dedutíveis os “impostos e quaisquer outros encargos que incidam sobre terceiros que a empresa não esteja legalmente autorizada a suportar”

Nessa sequência, carece de justificação documental a realização de custos, para que os mesmos sejam fiscalmente relevantes.

Por outro lado, o art.º 23.º do CIRC remetia, à época, para o conceito de indispensabilidade do custo. O juízo de comprovada indispensabilidade é um juízo casuístico, pois só analisando em concreto cada custo poder-se-á aferir da respetiva indispensabilidade, para “… a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

A noção de indispensabilidade pode ser construída, desde logo, pela negativa, nos seguintes termos:

¾ Não pode associar-se ao êxito de gestão, dado que são os riscos da própria atividade empresarial, que não podem retirar o caráter de indispensabilidade a um determinado custo, não abrangendo, pois, o juízo de razoabilidade (consagrado no pretérito art.º 26.º do Código da Contribuição Industrial);

¾ No mesmo seguimento, a indispensabilidade de um custo não se confunde com a sua oportunidade ou conveniência: “O poder da Administração é rigorosamente vinculado, não existindo margem de livre apreciação por parte da mesma, visto que não há aqui que formular juízos de oportunidade mas de tipo cognoscitivo. Pelo que tal indispensabilidade é rigorosamente controlada pelo Tribunal, não estando em causa qualquer especial saber técnico, juízo de imediação ou valoração pessoal daqui emergente ou quaisquer outros elementos imponderáveis” (4).

A indispensabilidade associa-se, pois, ao facto de um custo ser necessário, de se apresentar como habitual à obtenção de proveitos ou ganhos ou à manutenção da unidade produtiva.

A noção de indispensabilidade não pode ser encarada como abrangendo apenas custos que direta e imediatamente conduzam à obtenção de ganhos ou à manutenção da unidade produtiva (nexo causal) (5), abarcando igualmente custos que mediatamente visam esse fim. Portanto, mais do que uma análise objetiva do custo, tem de se aferir subjetivamente a sua indispensabilidade.

Não sendo indispensável um custo, não integra a previsão normativa do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, podendo, pois, ser por esta via desconsiderado.

Em termos de ónus da prova, há ainda que sublinhar que, sendo certo que cabe ao contribuinte o ónus da prova de que os custos são indispensáveis, a montante, cabe à AT o ónus de fundadamente pôr em causa essa indispensabilidade (6), sendo o ónus do contribuinte balizado pelos termos em que a AT funde a sua posição (7).

Por outro lado, nos termos do art.º 1424.º do Código Civil (redação à época):

“1. Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas frações.

2 - Porém, as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum podem, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respetiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação.

3 - As despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem.

4. Nas despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas frações por eles possam ser servidas”.

Ou seja, em regra as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelo proprietário condómino.

Não obstante, tais despesas podem ter de ser suportadas por terceiros, designadamente por arrendatários, se houver acordo nesse sentido.

Tal decorre, desde logo, do disposto no art.º 405.º, n.º 1, do Código Civil, atinente à liberdade contratual, nos termos do qual, “[d]entro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver”.

Por outro lado, o art.º 1030.º do mesmo código consagra que “[o]s encargos da coisa locada, sem embargo de estipulação em contrário, recaem sobre o locador, a não ser que a lei os imponha ao locatário” (sublinhado nosso).

Por seu turno, decorre do art.º 40.º do RAU, aprovado pelo DL n.º 321-B/90, de 15 de outubro, à época em vigor, que:

“As despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum podem, por acordo entre as partes, ficar a cargo do arrendatário”.

Atento o disposto nos art.ºs 41.º e 42.º do RAU, as despesas a cargo do arrendatário devem ser especificadas.

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

In casu, como já referido, o contrato de arrendamento celebrado contém uma cláusula, da qual resulta que todas as despesas inerentes à utilização da fração em causa ficam a cargo da Recorrida. Por outro lado, das faturas emitidas pelo condomínio e elencadas no Anexo I do RIT, que nunca foram postas em causa (nem, bem assim, o respetivo pagamento pela Recorrida), consta o descritivo “despesas comuns da fração A” e têm um valor constante.

Desde já se refira que a interpretação restritiva do art.º 40.º do RAU, feita pela AT, carece de qualquer sustentação, dado que do mesmo resulta a possibilidade de se dispor no sentido de as vulgarmente designadas despesas de condomínio serem a cargo do arrendatário, onde se incluem despesas com limpeza, manutenção ordinária, higiene, iluminação – que, do ponto de vista do imóvel, são despesas inerentes à sua conservação. A limitação legal mais impressiva a este respeito resulta do art.º 12.º do RAU, relativa a obras de conservação ordinária, mas não é de tais despesas que se trata in casu. Assim, inexiste proibição do ponto de vista legal que impeça tal convenção.

Como referido por Pires de Lima e Antunes Varela (8), “[e]ste artigo 40.º, que abre às partes a possibilidade de acordarem em que as despesas correntes necessárias, quer à fruição das partes comuns do edifício, quer ao pagamento dos serviços de interesse comum, fiquem a cargo do arrendatário, encontra-se estreitamente relacionado, tanto com o artigo 1030.º, como com o artigo 1424.º do Código Civil”.

Quanto às exigências constantes dos art.ºs 41.º e 42.º do RAU, no tocante à especificação das despesas, são exigências que visam sobretudo a proteção do arrendatário, por norma a parte mais desprotegida num contrato de arrendamento. No entanto, essa falta de especificação não pode ter os impactos em termos fiscais extraídos pela AT.

Aliás, e regressando ao caso dos autos, se, de um lado, o contrato de arrendamento, com a sua cláusula 6.ª, consagra que as despesas inerentes à utilização da fração, (onde, por simples interpretação, se incluem as despesas com o condomínio) ficam a cargo da Recorrida, de outro, das faturas emitidas pelo condomínio, nunca postas em causa (nem nunca posto em causa o seu pagamento), consta, como já mencionado, justamente o descritivo de se tratar de pagamentos relativos a despesas de condomínio. Ou seja, da conjugação destes elementos dúvidas inexistem de que os custos suportados respeitaram a despesas de condomínio.

Como tal, tratando-se de imóvel utilizado pela Recorrida no âmbito do exercício da sua atividade e sendo as despesas em causa suportadas por força do arrendamento, trata­-se de custo enquadrável no âmbito do art.º 23.º do CIRC, não se tratando de encargos que a empresa não possa legalmente suportar.

Assim, carece de razão a Recorrente nesta parte.

III.B. Do erro de julgamento no que respeita à correção relativa aos custos com testes de homologação

Entende, por outro lado, a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que, tendo o serviço titulado pela fatura em causa sido realizado em 2003, deveria ter sido considerado nesse exercício, o que era do conhecimento do sujeito passivo à data do encerramento das contas daquele exercício. A regularização com os custos de publicidade imputados a 2003 nada tem a ver com o custo em causa.

Compulsado o RIT, verifica-se que foi efetuada a mencionada correção, em virtude de se tratar de custo imputável ao exercício de 2003, não sendo de considerar o argumento aventado no sentido de terem já sido anulados acréscimos de custos de publicidade contabilizados em 2003, com o inerente reflexo no exercício de 2004, por não haver nada que sustente esta lógica de compensação.

Vejamos então.

Considerando o já mencionado art.º 17.º do CIRC, para efeitos de determinação do lucro tributável de um sujeito passivo de IRC, a contabilidade deverá estar organizada de acordo com os princípios da organização contabilística, sendo ainda de considerar ainda as próprias regras decorrentes do CIRC.

Um dos princípios inerentes à organização contabilística é o da especialização dos exercícios (ou princípio do acréscimo).

Este princípio determina que os proveitos ou os custos sejam reconhecidos quando obtidos ou incorridos, independentemente do seu recebimento ou pagamento, devendo incluir-se nas demonstrações financeiras dos períodos a que respeitam.

O mesmo encontrava assento no, à data, art.º 18.º, n.º 1, do CIRC, nos termos do qual:

“Os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios”.

Assim, o respeito pelo princípio da especialização dos exercícios implica que esteja inerente à imputação de um custo ou de um proveito um critério económico e não um critério financeiro (9).

No entanto, o alcance do princípio da especialização dos exercícios não é absoluto.

Tal decorre, desde logo, do n.º 2 do art.º 18.º do CIRC, nos termos do qual “[a]s componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a exercícios anteriores só são imputáveis ao exercício quando na data de encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas”.

Por outro lado, nos termos do art.º 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP), relativo aos princípios que norteiam a atuação da administração:

“Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé”.

Ao nível da lei ordinária, é de chamar à colação o art.º 55.º da Lei Geral Tributária (LGT), sob a epígrafe “Princípios do procedimento tributário”, segundo o qual:

“A administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários”.

O princípio da justiça encontra, pois, consagração, quer constitucional, quer infraconstitucional.

Como referido por Gomes Canotilho e Vital Moreira (10):

“O princípio da justiça aponta para a necessidade de a Administração pautar a sua actividade por certos critérios materiais ou de valor, constitucionalmente plasmados (….). A observância destes princípios materiais de justiça permitirá à Administração a obtenção de uma ‘solução justa’ relativamente aos problemas concretos que lhe cabe decidir”.

Portanto, desta moldura de princípios decorre que há uma margem de afastamento de outros princípios, quando a aplicação destes conduza a uma situação flagrantemente injusta.

Como referem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa (11):

“… [O] princípio da legalidade, consubstanciando-se na obediência à lei e ao direito, não se limita ao dever de acatamento da lei em sentido estrito, abrangendo também a subordinação a todos os valores jurídicos, normativos ou não, como as normas e princípios de direito internacional e comunitário, as normas regulamentares, as situações definidas judicial ou administrativamente e as obrigações contratualmente assumidas.

Por outro lado, por força daquela norma constitucional a actuação da administração, para ser legal, terá de estar em sintonia com os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé que, tendo um conteúdo próprio, não deixam de fazem parte do bloco de legalidade que tal actuação deve respeitar.

Assim, o dever de actuar de harmonia com o princípio da legalidade não se traduz numa mera subordinação formal às normas que especificamente prevêem a actuação da administração, abrangendo o dever de a administração ter em conta os reflexos práticos da actividade administrativa que levar a cabo.

Por isso, a administração tributária deverá abster-se de concretizar os comandos legais quando, em face das particularidades do caso, não se verifiquem as razões de interesse público que justificam a sua actuação ou quando se produza um resultado manifestamente injusto, devendo, em qualquer caso, limitar-se, na restrição dos direitos individuais, ao estritamente necessário para assegurar os fins que visa, não tratar discriminatoriamente os administrados, nem frustrar as expectativas que a sua actuação nestes tenha gerado”.

A propósito do princípio da justiça e sua articulação com outros princípios, designadamente com o da especialização dos exercícios, já se pronunciaram igualmente os nossos tribunais superiores, no sentido de que o mesmo tem de ser atendido quando se consolida uma situação em que um determinado custo, efetivamente incorrido, já não pode ser desconsiderado, quer porque a AT não procedeu às correções correlativas, quer porque já não é possível à própria parte proceder a tal imputação (12), sendo ainda de sublinhar a pertinência da circunstância de não se tratar de omissão voluntária e intencional, que implique não se tratar de manobra de transferência de resultados de um exercício para outro.

É desta articulação que se permite, em casos como os referidos, o respeito da tributação pelo rendimento real, cujo princípio encontra igualmente acolhimento na nossa Lei Fundamental, da qual decorre que “[a] tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real” (cfr. art.º 104.º, n.º 2, da CRP).

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

Desde já se adiante que não se acompanha o entendimento da Recorrente, apesar de se concordar com a mesma, no sentido de que a lógica de compensação alegada, a propósito da anulação dos acréscimos de custos de publicidade contabilizados em 2003, não ter o alcance que a Recorrida lhe assaca e em que foi secundada pelo Tribunal a quo, entendendo-se que, de facto, não é com base nesta lógica de compensação que poderá sustentar-se a ilegalidade da correção nem se alcançando, aliás, face ao alegado, de que forma tal valor deveria ter sido corrigido a favor da Recorrida.

Sucede, porém, que, como já referimos, a AT corrigiu o custo em causa, não procedendo ao ajustamento correspetivo no exercício anterior, no sentido de imputar a esse mesmo exercício o mencionado custo – que, aliás, já nem era possível à data da elaboração do RIT, dado o prazo de caducidade do direito à liquidação.

Por outro lado, como vimos, a correção em causa nunca foi aceite pela Impugnante, como resulta desde logo da circunstância de sempre a ter posto em causa quer na ação inspetiva, quer na presente sede.

Refira-se, ademais, que nada decorre dos elementos coligidos pela AT que permita concluir estar-se perante uma omissão voluntária e intencional, com vista à transferência de resultados entre exercícios nem tal sequer foi alguma vez considerado ter existido ou fundado a correção da AT.

Assim, considera-se que, pela impossibilidade de se ter realizado a correção correspetiva no exercício de 2003, a correção em causa é ilegal, por atentar contra o princípio da justiça.

Chama-se a este propósito à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 25.06.2008 (Processo: 0291/08), onde se refere:

“O princípio da especialização económica dos exercícios (…) no seu extremo rigor, leva a que só possam ser imputados a cada ano os proveitos e custos nele verificados, independentemente dos respectivos recebimentos e pagamentos.

O princípio não pode, todavia, ser entendido com uma tal rigidez.

Como logo resulta do próprio texto legal.

Dispõe efectivamente o n.º 2 do predito artigo 18.º que “as componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a exercícios anteriores só são imputáveis ao exercício quando na data de encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas”.

(…) [N]ão é esse, todavia, o caso dos autos.

Aí, como [a Recorrente] (…)reconhece, o diferimento dos custos resultou de erro devido ao seu sistema informático pelo que, como refere a sentença, “sibi imputet”. Pois que erros humanos não são imprevisíveis nem podem ser manifestamente desconhecidos.

(…) Todavia, a predita rigidez ainda por outros caminhos deve ser atenuada.

O que tem tido eco tanto na doutrina como na jurisprudência e, até, na própria administração fiscal.

(…) Assim, sem pôr em causa a relevância fiscal do princípio da especialização dos exercícios, permite-se a imputação de custos a exercícios anteriores, quando ela não tenha resultado de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar transferência de resultados entre exercícios (…).

Como, aliás, desenvolvidamente comentam Diogo Leite Campos, Benjamin Rodrigues e Jorge de Sousa, in Lei Geral Tributária anotada, 3.ª edição, pp. 242-243:

Transcorrido ‘o prazo em que podiam ser efectuadas correcções’, ‘se a administração fiscal tinha razão na correcção que efectuou, o contribuinte, em princípio, teria sido prejudicado pelo seu próprio erro ao declarar a matéria colectável, pois, abatendo um custo no ano seguinte àquele em que o deveria ter deduzido, deixou de ver diminuído o montante do imposto correspondente no ano em que tal diminuição deveria ter ocorrido, para só ver tal diminuição ocorrer no ano seguinte e, paralelamente, a administração fiscal não tinha tido qualquer prejuízo, pois recebera no ano anterior o imposto sem que fosse tido em conta esse custo que o deveria diminuir’ pois, em tal circunstância, ‘o contribuinte, que já era o único prejudicado pelo seu erro, veria ainda agravada a sua situação, vendo-se impossibilitado de efectuar a dedução desse custo em qualquer dos anos. A administração fiscal, assim, reteria em seu poder um imposto a que manifestamente não teria direito’.

‘Esta é uma situação em que o exercício de um poder vinculado (correcção da matéria colectável em face de uma violação do princípio da especialização dos exercícios) conduz a uma situação flagrantemente injusta e em que, por isso, se coloca a questão de fazer operar o princípio da justiça, consagrado nos artigos 266.º, n.º 2, da Constituição, e 50.º da Lei Geral Tributária, para obstar à possibilidade de efectuar a referida correcção.

Há, nesta situação, dois deveres a ponderar, ambos com cobertura legal: um é o de repor a verdade sobre a determinação da matéria colectável dos exercícios referidos, dando execução ao princípio da especialização, reposição essa que a administração fiscal deve efectuar mesmo que não lhe traga qualquer vantagem; outro é o de evitar que a actividade administrativa se traduza na criação de uma situação de injustiça.

Entre esses dois valores, designadamente nos casos em que a administração fiscal não teve qualquer prejuízo com o erro praticado pelo contribuinte, deve optar-se por não efectuar a correcção, limitando aquele dever de correcção por força do princípio da justiça.

Por outro lado, é de notar que numa situação deste tipo não se verifica sequer qualquer interesse público na actuação da administração fiscal, pois não está em causa a obtenção de um imposto devido, pelo que, devendo toda a actividade administrativa ser norteada pela prossecução deste interesse, a administração deveria abster-se de actuar.

Consequentemente, serão de considerar anuláveis, por vício de violação de lei, actos de correcção da matéria tributável que conduzam a situações injustas deste tipo’”.

Ou seja, numa situação como a dos autos, em que já nem era possível à AT corrigir o exercício de 2003, no sentido de a este ser imputado o custo em causa, e em que nada faz concluir pela intencionalidade no sentido de se visar a transferência de resultados entre exercícios, deveria a AT ter-se abstido de corrigir, não com base no disposto no art.º 18.º, n.º 2, do CIRC, mas com base no princípio da justiça.

Como tal, considera-se que a correção em causa se mostra ilegal, apesar de com a presente fundamentação.

Logo, não assiste razão à Recorrente nesta parte.

III.C. Do erro de julgamento no que respeita à correção respeitante a reintegrações de viaturas de competição

Considera a Recorrente, no que toca à correção relativa a reintegrações de viaturas de competição, que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que as mesmas estavam sujeitas às limitações decorrentes do art.º 33.º, n.º 1, al. e), do CIRC.

Vejamos.

No que respeita a esta correção, atinente às quotas de reintegração de duas viaturas com as matrículas ….. e ….., utilizadas pela Recorrida em provas de competição, e em relação às quais fora aplicada uma taxa de 33,33%, a AT, considerando, é certo, ser de aplicar a taxa de 33,33%, entendeu estarem tais quotas de reintegração sujeitas às limitações decorrentes do art.º 33.º, n.º 1, al. e), do CIRC, dado tratar-se de viaturas com a possibilidade de circular na via pública e não apenas em recintos de prova, não se esgotando o seu fim na participação de provas de competição.

Nos termos do já mencionado art.º 23.º do CIRC, concretamente da al. g) do seu n.º 1, são custos fiscalmente relevantes os com reintegrações e amortizações.

Nos art.ºs 28.º e seguintes do mesmo código (redação à época), estava previsto o regime das reintegrações e amortizações, objeto de regulamentação no Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de janeiro.

Assim, nos termos do n.º 1 do art.º 28.º do CIRC, “[s]ão aceites como custos as reintegrações e amortizações de elementos do ativo sujeitos a deperecimento, considerando-se como tais os elementos do ativo imobilizado que, com carácter repetitivo, sofrerem perdas de valor resultantes da sua utilização, do decurso do tempo, do progresso técnico ou de quaisquer outras causas”.

Nesta mesma linha, dispunha o art.º 1.º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de janeiro, nos termos do qual “… [p]odem ser objeto de reintegração e amortização os elementos do ativo imobilizado sujeitos a deperecimento”.

Por elementos do ativo imobilizado entendem-se os bens que se destinam a permanecer na empresa de maneira duradoura (13), que esta utiliza para a realização dos seus objetivos, sendo, neste contexto, de atentar na circunstância de o legislador ter dado uma prevalência à utilização económica do bem.

Genericamente, pois, são reintegrações e amortizações fiscalmente relevantes as relativas a elementos do ativo imobilizado sujeitos a deperecimento.

Dispunha ainda o n.º 3 do art.º 1.º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de janeiro, que “[a]s reintegrações e amortizações só são aceites para efeitos fiscais quando contabilizadas como custos ou perdas do exercício a que respeitam”.

Nos termos do art.º 33.º do CIRC

“1 - Não são aceites como custos:

(…) e) As reintegrações das viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, na parte correspondente ao valor de aquisição ou de reavaliação excedente a 6000000$00 ((euro) 29927,87), bem como dos barcos de recreio e aviões de turismo e todos os encargos com estes relacionados, desde que tais bens não estejam afetos à exploração de serviço público de transportes ou não se destinem a ser alugados no exercício da atividade normal da empresa sua proprietária”.

Revela-se ainda pertinente chamar à colação as normas legais estradais, que configuram e enquadram os veículos ligeiros de competição.

Assim, nos termos do art.º 106.º do Código da Estrada (redação à época):

“1 - Os automóveis classificam-se em:

a) Ligeiros: veículos com peso bruto até 3500 kg e com lotação não superior a nove lugares, incluindo o do condutor;

b) Pesados: veículos com peso bruto superior a 3500 kg ou com lotação superior a nove lugares, incluindo o do condutor, e veículos tratores.

2 - Os automóveis ligeiros ou pesados incluem-se, segundo a sua utilização, nos seguintes tipos:

a) De passageiros: os veículos que se destinam ao transporte de pessoas;

b) De mercadorias: os veículos que se destinam ao transporte de carga;

c) Mistos: os veículos que se destinam ao transporte, alternado ou simultâneo, de pessoas e carga;

d) Tratores: os veículos construídos para desenvolver um esforço de tração, sem comportar carga útil;

e) Especiais: os veículos destinados ao desempenho de uma função específica, diferente do transporte normal de passageiros ou carga” (sublinhado nosso).

Vejamos então.

In casu, como referimos, estão as quotas de amortizações aplicadas relativamente a duas viaturas de competição, mencionadas em I) do probatório, que, como resultou provado, foram modificadas interior e exteriormente, para corresponder às exigências de segurança dos pilotos e estrutura exclusiva para participação em rally, ainda que exteriormente tivessem de ser semelhantes às viaturas ligeiras de passageiros, por exigências da própria competição [cfr. facto J)]. Ficou ainda provado que as viaturas em causa só podiam ser utilizadas em competição e para fins publicitários continuados [cfr. facto O)], sendo transportadas para o local das competições em reboque próprio [cfr. facto P)].

Portanto, da matéria de facto provada, decorre que, ao contrário do que é referido no RIT, as viaturas não circulavam normalmente em via pública, facto aliás que a AT refere no RIT, mas que não demonstra.

A ratio da limitação atinente às quotas de amortização e reintegração atinentes a viaturas ligeiras de passageiros relaciona-se com a propensão que este tipo de bens tem de ser utilizado para fins privados.

A este respeito, refere Rui Duarte Morais (14):

“Esta é mais uma expressão da ‘desconfiança’ com que a lei fiscal encara a questão das viaturas ligeiras que fazem parte do activo imobilizado das empresas, ou porque as considera um ‘luxo’ , ou porque pressupõe que muitos de tais veículos são, também, afectados a utilização não empresarial (para fins ‘privados’, por parte dos administradores, de certos trabalhadores, etc)”.

Não tendo os veículos em causa as caraterísticas inerentes aos veículos ligeiros de passageiros “normais”, não se pode considerar que os mesmos estejam abrangidos pela limitação constante da al. e) do n.º 1 do art.º 33.º do CIRC.

Aliás, como refere a Recorrida, foi esse o entendimento plasmado pela AT, na informação vinculativa decorrente do requerimento mencionado em G) do probatório [cfr. facto H)], que, apesar de relativa a viatura alugada, tem perfeita aplicação in casu [dado que as viaturas alugadas estavam elas mesmas sujeitas à limitação decorrente do art.º 33.º, n.º 1, al. e), do CIRC (art.º 32.º, n.º 1, al. f), por referência ao exercício de 1999, ano em que foi apresentado o tal pedido de informação vinculativa), por força do disposto no art.º 42.º, n.º 1, al. h), do mesmo código (correspondente ao art.º 41.º, n.º 1, al. i), em 1999)].

Como se refere nesse entendimento plasmado pela AT, “tratando-se de um veículo ligeiro de passageiros com características especiais, sendo utilizado exclusivamente em provas de competição, destinando-se exclusivamente a fazer publicidade e estando sujeito a um desgaste mais rápido do que o normal, não está sujeito aos limites previstos nos nºs 1 alínea i) e 4 do artigo 41º do CIRC”.

Aliás, chama-se ainda à colação entendimento mais recente da AT, mencionado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12.03.2014 (Processo: 0256/12), plasmado em informação de 2011, onde a direção de serviços de IRC considerou que: “5. As viaturas ligeiras de competição são viaturas especiais porque se destinam ao desempenho de função diferente do normal transporte de passageiros (...) // 6. Estas viaturas ligeiras de competição não podem circular na via pública uma vez que o Código da Estrada só admite a circulação de automóveis desde que matriculados e estas viaturas ao serem transformadas podem deixar de estar conformes com o Regulamento da Homologação CE de Modelos de Automóveis e Reboques Seus Sistemas e Unidades Técnicas. // 7. Nestes termos estas viaturas ligeiras de competição são nos termos do Código da Estrada consideradas viaturas especiais porque não se destinam ao normal transporte de passageiros e não podem circular na via pública. // 8. O legislador fiscal ao referir-se, na legislação anteriormente indicada, a viaturas ligeiras de passageiros teve como intenção regular, para efeitos de reintegrações e tributação autónoma a situação normal de utilização destas viaturas ou seja quando são utilizadas no normal transporte de passageiros. // 9 A limitação de um valor (custo de aquisição ou valor de reavaliação) na altura € 29.927,87 a partir do qual não se aceita a reintegração da viatura ligeira de passageiros e a tributação autónoma das respetivas despesas dedutíveis resultaram, respetivamente da limitação da dedutibilidade fiscal das reintegrações destes bens e da consequente diminuição do IRC devido até um valor de aquisição considerado razoável e do facto deste tipo de bens serem utilizados, em regra, não apenas para fins empresariais mas também para fins particulares dos seus utilizadores sócios e/ou trabalhadores. // 10. Assim, não sendo admissível a utilização das viaturas de competição no normal transporte de passageiros parece-nos que não serão de enquadrar nos referidos normativos legais (artigos 33º e 81º do CIRC). // 11. Atendendo que para estas viaturas não se encontram fixadas taxas de reintegração nas tabelas anexas ao DR 2/90, de 12/1, deve-lhes ser aplicável o n.º 3 do artigo 5º deste diploma. // 12. Tem sido entendido como razoável (Proc. 1177/2000 Despacho de 2002109/23 do SDG), para este tipo de Viaturas, considerar-se o período de utilidade esperada de três anos pelo que poderá ser praticada e aceite uma taxa de reintegração máxima de 33,33%.

Tal como já referimos, e ao contrário do que foi afirmado no RIT, ficou provado que tais veículos se destinam exclusivamente a competição e publicidade, não circulando na via pública em termos idênticos a uma normal viatura ligeira de passageiros, detendo, pois, caraterísticas específicas que conduz a que não estejam abrangidos pelo âmbito do disposto no art.º 33.º, n.º 1, al. e), do CIRC.

Como tal, não assiste razão à Recorrente.

III.D. Do erro de julgamento no que tocante à correção respeitante a tributações autónomas relativas a reintegrações de viaturas de competição

Entende a Recorrente, por outro lado, que o Tribunal a quo errou no seu julgamento, quanto às tributações autónomas, porquanto as quotas de reintegração admissíveis como custo fiscal relativas às viaturas de competição estão a elas sujeitas, nos termos do art.º 81.º, n.º 3, do CIRC, aplicável quer sejam ou quer não sejam viaturas de competição.

Em sede de RIT, a AT considerou que a quota de reintegração admissível como custo fiscal era suscetível de tributação autónoma, na medida em que os veículos podiam circular em via pública, devendo, pois, ser autonomamente tributadas.

A este propósito refira-se que, efetivamente, e ao contrário do referido pelo Tribunal a quo, a base sobre a qual foi aplicada a taxa de 6% foi não o alegado excesso de amortização, mas o valor da amortização aceite pela AT.

Vejamos.

Nos termos do então art.º 81.º, n.º 3, do CIRC:

“3 - São tributados autonomamente, à taxa de 6%, os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e os relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos, efetuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos subjetivamente e que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.

(…) 5 - Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, as reintegrações, rendas ou alugueres, seguros, despesas com manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização”.

Cumpre, antes de mais, atentar na natureza das tributações autónomas.

Como referido por Rui Duarte Morais (15), nas tributações autónomas “… está em causa uma tributação que incide sobre certas despesas dos sujeitos passivos, as quais são havidas como constituindo factos tributários. // (…) O objectivo parece ser o de tentar evitar (…) que, através dessas despesas, o sujeito passivo utilize para fins não-empresariais bens que geraram custos fiscalmente dedutíveis; ou que sejam pagas remunerações a terceiros com evasão aos impostos que seriam devidos por estes…” (sublinhados nossos).

Sendo certo que estas tributações autónomas são objeto de liquidação em paralelo com a tributação em sede de IRC, a verdade é que se pode distinguir, de um lado, o rendimento, de formação sucessiva, que constitui o facto tributário deste imposto (cfr. o art.º 1.º, do CIRC) e o facto tributário subjacente às tributações autónomas. Com efeito, tal facto tributário não constitui qualquer rendimento, mas sim, como referido supra, despesas que, pelas suas caraterísticas, o legislador entendeu deverem ter algum tipo de norma “disciplinadora”.

Daí que tais despesas, tal como referido por Rui Morais, constituam factos tributários.

A este propósito, refere Clotilde Celorico Palma (16):

“Em nosso entendimento, as tributações autónomas são impostos indirectos e instantâneos que tributam a despesa e não o rendimento e que se distinguem claramente do IRC enquanto imposto directo, periódico, que tributa o rendimento, apurando-se de forma totalmente independente do IRC e Derrama devidos no exercício, não se relacionando sequer com a obtenção de um resultado positivo.

Na realidade, os factos sujeitos a tributação autónoma são distintos dos que se encontram sujeitos a IRC stricto sensu. A sua inserção no Código do IRC deve-se, assim, a motivos meramente pragmáticos, desvirtuando o carácter único do imposto.

Enquanto que o lucro tributável sujeito a IRC é de formação sucessiva, as despesas sobre as quais incide a tributação autónoma constituem factos tributários instantâneos ou de obrigação única.

(…) Assim, o facto tributário verifica-se no momento em que se incorre nas despesas sujeitas a tributação autónoma” (sublinhados nossos).

Como referido no Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional, n.º 617/2012, de 19.12.2012:

“… Com este tipo de tributação [autónoma abrangendo despesas de representação e despesas com viaturas] teve-se em vista, por um lado, incentivar os contribuintes a ela sujeitos a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal e, por outro lado, evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição camuflada de lucros, (…) bem como combater a fraude e evasão fiscais que tais despesas ocasionem (…).

(…) Contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), no caso tributa-se cada despesa efetuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar diretamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso, passível de tributação.

Assim, e no caso do IRC, estamos perante um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido de per si, mas sim o englobamento de todos os rendimentos obtidos num determinado ano, considerando a lei que o facto gerador do imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação (cfr. artigo 8.º, n.º 9, do CIRC).

Já no que respeita à tributação autónoma em IRC, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, não se estando perante um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas perante um facto tributário instantâneo.

Esta característica da tributação autónoma remete-nos, assim, para a distinção entre impostos periódicos (…) e impostos de obrigação única (…).

Na tributação autónoma, o facto tributário que dá origem ao imposto, é instantâneo: esgota-se no ato de realização de determinada despesa que está sujeita a tributação (embora, o apuramento do montante de imposto, resultante da aplicação das diversas taxas de tributação aos diversos atos de realização de despesa considerados, se venha a efetuar no fim de um determinado período tributário). Mas o facto de a liquidação do imposto ser efetuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de caráter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efetuadas na determinação da taxa” (sublinhados nossos).

Esta posição tem sido também a seguida pelo Supremo Tribunal Administrativo, chamando-se, à colação, a este propósito, v.g., os Acórdãos de 23.10.2019 (Processos: 01682/11.3BELRS 0690/18 e 02651/10.6BELRS 0903/16), 27.09.2017 (Processo:0146/16), 21.01.2015 (Processo: 0470/14), 22.01.2014 (Processo: 01714/13), 17.04.2013 (Processo: 0166/13), 14.02.2013 (Processo: 01375/12), 14.06.2012 (Processo: 0757/11) e 06.07.2011 (Processo: 0281/11).

Adere-se inteiramente a este entendimento, no sentido de as despesas sujeitas a tributação autónoma constituírem, elas próprias, factos tributários instantâneos.

Assim, como resulta do enquadramento referido, a previsão das tributações autónomas afigura-se como norma disciplinadora, com vista a penalizar comportamentos potencialmente reveladores de evasão ou de uso particular de bens empresariais.

Aplicando estes conceitos ao caso dos autos, e por razões paralelas às já mencionadas a propósito da apreciação da correção atinente às quotas de reintegração, também no caso das tributações autónomas a ratio do legislador, no tocante aos veículos ligeiros de passageiros, visa penalizar a situações em que o veículo tenha uma utilização normal, pois é nesses casos que se afigura existir um risco de utilização particular de um bem cujos custos associados são fiscalmente dedutíveis.

Ora, tal não sucede nos veículos de competição, como in casu, onde ficou provado que os mesmos não circulavam na via pública, eram apenas utilizados em provas ou treinos, sendo transportados para os mesmos em reboque. Ou seja, não se trata de veículos de passageiros normais, caindo fora da norma de incidência em causa. Reiteramos que esse entendimento se extrai igualmente da informação da AT de 2011, mencionada no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12.03.2014 (Processo: 0256/12), a que já nos referimos e para cuja transcrição parcial feita supra remetemos.

Face ao exposto, carece de razão a Recorrente nesta parte.

III.E. Do erro de julgamento no que tocante à correção respeitante a tributações autónomas relativas a despesas de representação

Insurge-se, por outro lado, a Recorrente quanto ao decidido relativamente às tributações autónomas respeitantes a despesas de representação, dado que a publicidade é um instrumento ao serviço da atividade económica. Com ela visa-se propiciar o conhecimento por parte do público da existência da empresa, da atividade que desenvolve, da qualidade ou potencialidade dos produtos ou serviços produzidos ou comercializados, etc., o que não é o caso.

Vejamos então.

Nos termos do então art.º 81.º do CIRC:

“3 - São tributados autonomamente, à taxa de 6%, os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação (…).

7 - Consideram-se despesas de representação, nomeadamente, os encargos suportados com receções, refeições, viagens, passeios e espetáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades”.

Assim, despesas de representação são aquelas cuja finalidade é a de representar uma determinada sociedade onde ela não se encontra (17).

Por seu turno, quanto às despesas com publicidade e propaganda, a dedutibilidade das mesmas decorre expressamente do art.º 23.º do CIRC.

In casu, atenta a factualidade assente, não impugnada pela Recorrente, do que se trata é de uma campanha de propaganda, dirigida aos funcionários dos concessionários da rede da M….., que se consubstanciava em oferecer aos funcionários que atingissem determinados objetivos bilhetes para os jogos de futebol do Euro 2004 que fossem disputados no Estádio ….. [cfr. facto Q) – renumeração feita na presente sede].

Como decorre do próprio RIT, os concessionários da Recorrida são entidades independentes, apesar de com uma relação especial com aquela, assumindo-se como seus clientes.

Veja-se, antes de mais, que a AT em sede de ação inspetiva nunca pôs em causa o caráter promocional da campanha em causa, ao contrário do que resulta das alegações da Recorrente que, aliás, são contraditórias na medida em que, parecendo rejeitar a existência de ações de marketing interno, configura os concessionários como clientes da Recorrida, logo a si externos.

Aliás, do RIT resulta a aceitação da caraterização da situação em causa como “… acção promocional levada a cabo junto dos concessionários, seus clientes, (…) [que potencia] o desempenho comercial dos clientes e consequentemente o seu próprio, contribuindo – pelo menos em teoria – para o incremento dos seus proveitos”.

Feita essa ressalva, resulta que nem todos os encargos suportados com receções, refeições, viagens, passeios e espetáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades são necessariamente despesas de representação, porquanto tem de lhes estar subjacente a finalidade de tais despesas, ou seja, a representação da sociedade onde ela não se encontra. Assim, se um determinado custo, com viagens, passeios, espetáculos, etc., tiver natureza promocional, afasta-se a sua qualificação como despesa de representação, justamente por lhe estar inerente a tal finalidade promocional [aliás, nesse sentido vai a informação vinculativa com despacho de 28 de junho de 2017, da subdiretora geral do IR (Proc. n.º 1519/17) (18)]

Ora, é este o caso dos autos, no qual estamos perante, no fundo, uma campanha promocional que confere um incentivo aos funcionários dos concessionários, mediante sejam alcançados determinados resultados, do ponto de vista das vendas. Caraterizando-se com uma ação promocional enquadrada no âmbito do exercício da atividade da Recorrida, o que não é posto em causa no RIT e é aliás aceite como bom, não se pode falar aqui em despesas de representação.

Como tal, a Recorrente carece igualmente de razão nesta parte.

III.F. Do erro de julgamento quanto aos juros indemnizatórios

Considera a Recorrente que errou o Tribunal a quo, quando decidiu pela condenação da FP no pagamento de juros indemnizatórios, sustentando todo o seu entendimento na circunstância de as correções em causa e já analisadas não padecerem de ilegalidades.

Ora, atentando no já apreciado supra, tendo sido decidido padecerem as correções em causa de ilegalidade, nos termos referidos, trata-se de situação subsumível no âmbito do art.º 43.º, n.º 1, da LGT.

Como tal, carece também de razão a Recorrente nesta parte.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 07 de maio de 2020

(Tânia Meireles da Cunha)

(Anabela Russo)

(Vital Lopes)


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(1) Cfr., a título exemplificativo, os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 16.03.2005 (Processo: 00340/03) e de 23.04.2015 (Processo: 06468/13).

(2) Cfr. Tomás de Castro Tavares, «Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos», Ciência e Técnica Fiscal, 396, p. 123.

(3) A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, p. 204.

(4) Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23.09.1998 (Processo: 021515). V. igualmente os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.06.2017 (Processo: 0627/16) e de 24.09.2014 (Processo: 0779/12).

(5) Cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.06.2017 (Processo: 0627/16), e jurisprudência no mesmo citada.

(6) V., v.g., os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 30.11.2004 (Processo: 07375/02) e do Tribunal Central Administrativo Norte, de 11.01.2007 (Processo: 00070/01 – PORTO).

(7) Sobre o ónus do contribuinte, v. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 16.10.2012 (Processo: 05014/11).

(8) Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. II, 4.ª Ed. Revista e atualizada, Coimbra Editora, Coimbra, 1997, p. 555.

(9) Cfr. Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Almedina, Coimbra, 2007, p. 64.

(10) Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª Ed. revista, Coimbra Editora, Coimbra, 1993, p. 925.

(11) Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, 4.ª Ed., Encontro da Escrita, Lisboa, 2012, p. 446.

(12) Cfr. neste sentido os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 14.03.2018 (Processo: 0716/13), de 19.05.2010 (Processo: 0214/07), de 02.04.2008 (Processo: 0807/07), de 13.10.1996 (Processo: 20.404), do Tribunal Central Administrativo Sul, de 08.01.2015 (Processo: 03804/10), do Tribunal Central Administrativo Norte, de 15.02.2012 (Processo: 00486/07.2BEVIS),

(13) Cfr. Rui Morais, Apontamentos ao IRC, Almedina, Coimbra, 2007, p. 103.

(14) Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Almedina, Coimbra, 2007, p. 118.

(15) Rui Duarte Morais, ob.cit., pp. 202 e 203.

(16) Clotilde Celorico Palma, «As tributações autónomas vistas pelo Tribunal Constitucional. Comentário ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 310/2012, de 20 de junho de 2012», Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano V, Número 2 – verão, 2012, pp. 247 e 248.

(17) Cfr. neste sentido os Acórdãos deste Tribunal Central Administrativo Sul, de 12.01.2017 (Processo: 09894/16) e de 07.05.2015 (Processo: 08534/15).

(18) Disponível em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/informacoes_vinculativas/rendimento/circ/Documents/FD_CIRC_1519_2017.pdf.