Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:13489/16
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:10/06/2016
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR; FUMUS BONI IURIS; FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO, ACTO PRECÁRIO
Sumário:i- A fundamentação constitui um conceito relativo, variável em função do tipo de acto, dos seus antecedentes e das circunstâncias em que é praticado, destinando-se a permitir o conhecimento do iter valorativo e cognoscitivo que levou a Administração a decidir em determinado sentido e não noutro.

ii- No regime do CPTA revisto pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, a decisão a proferir sobre o pedido de suspensão de eficácia exige que o julgador constate se há probabilidade de que a acção principal seja procedente, o que implica a probabilidade da ilegalidade do acto ou da norma.

iii- Pela sua própria natureza, os efeitos jurídicos criados pelo acto precário apenas existem por mera tolerância da Administração que pode modificá-los ou extingui-los em todos os casos e em qualquer momento, não sendo, assim, constitutivo de direitos (art. 167.º do CPA, n.º 3, in fine).

iv- A concessão de autorização de utilização de bens dos municípios é totalmente dependente da margem de livre apreciação e de conveniência da Administração, designadamente quanto à tomada, ou não, dessa decisão, quanto ao momento, à forma e quanto ao conteúdo de cedência dos seus bens.

v- Está fundamentado o acto que determina a desocupação de um terreno municipal, ocupado a título precário, em que se invoca a natureza do título e a cessação da cedência precária, identificando-se que os planos do Município para o local, que prevêem a construção de uma passagem exactamente nesse espaço, consubstanciando obra de interesse público, não permitem que a ocupação se mantenha depois de determinado prazo.

vi- Na falta de prova, ainda que sumária, de que os vícios invocados cautelarmente venham a ser julgados procedentes em sede de acção principal, não poderá deferir-se a providência requerida, com o que se torna inútil conhecer do requisito do periculum in mora alegado
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

A E……..-A………….. – D………… de Gás, Lda. instaurou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa uma providência cautelar contra o Município de Lisboa, com vista a obter a suspensão de eficácia do despacho do Vereador da CM de Lisboa, …………….., proferido em 16.07.2015, que determinou a desocupação de um terreno municipal, situado na Avenida de Ceuta, em Lisboa. Pediu ainda que fosse decretada a autorização provisória para continuar a exercer, nesse local, a sua actividade empresarial.

Inconformada com a sentença de 12.02.2016 do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que absolveu a Entidade Requerida, ora Recorrido, dos pedidos cautelares, a Requerente, ora Recorrente, interpôs recurso jurisdicional para este Tribunal, o qual foi admitido por despacho de 11.03.2016 e remetido em 15.06.2016, no âmbito do qual formulou as seguintes conclusões:

1 -A fundamentação dos actos administrativos deve permitir aos seus destinatários entender os pressupostos (razões, motivos), que levaram a Administração a tomar uma determinada decisão e não outra.

2 - A exigência de fundamentação deve ser maior quando a decisão possa afectar direitos protegidos e pôr em causa situações consolidadas por relações jurídico-administrativas que duram há décadas.

3 - Na decisão de desocupação deveria constar o tipo de passagem a construir, bem como a área do terreno que irá ocupar, e a sua localização real no terreno.

4 - E deveria constar igualmente quando está previsto o início das obras.

5 - Só a indicação destes elementos permitirá compreender se é efectivamente necessária a desocupação do terreno, ou se no mesmo poderiam existir a passagem e a ocupação.

6 - E igualmente permitiria apreciar se o Município tem ou não necessidade imediata da desocupação, ou apenas a prazo.

7 - A fundamentação é assim insuficiente, tendo a sentença feito errada interpretação e aplicação dos arts.151° n° l al. d); 152° e 153°, do CPA.

8 - Está a Administração vinculada ao princípio da imparcialidade, devendo ponderar os interesses legítimos em presença, públicos e privados, antes de tomar uma decisão.

9 - No caso dos autos estão em confronto os interesses do Recte. em manter a sua actividade, e o interesse público na construção de uma passagem.

10 - Não resulta do processo instrutor, e aí seria a sede própria, que a Recda. ponderou os interesses em presença, e procurou a melhor solução, praticando boa administração.

11 - Não é à Recte. que cabe que demonstrar que a Recda. não ponderou os interesses em presença e violou o princípio da imparcialidade e da boa administração.

12 - À Recorrente cabe alegar factos, o que faz, e que podem indiciar que o procedimento da Recda. não observou os princípios a que está adstrita, e não resulta dos autos que esses princípios foram observados.

13 - Há indícios suficientes para concluir que o acto da CML não está devidamente fundamentado, nem demonstrado que foram respeitados os princípios da imparcialidade e ponderados os interesses em presença, com vista a encontrar a melhor solução, pelo que se verifica a existência de fumus boni iuris, ou seja, está concretizado o primeiro requisito do qual o legislador faz depender a concessão da suspensão da eficácia.

14 - A sentença recorrida faz incorrecta interpretação e aplicação do art.120° do CPTA, maxime o seu n° l, e acrescendo que não se mostra demonstrado, ponderando os interesses em presença, que os danos resultantes da concessão da providência seriam superiores aos que podem resultar da sua recusa (art.120° n° 2).

15- O pedido de autorização provisória para o exercício da actividade não é efectivamente um segundo pedido, não podendo ser autonomizado do pedido de suspensão de eficácia, não tendo a Mmª. Juiz da 1ª Instância mostrado compreender a natureza desse pedido.

16 - Sendo concedida a suspensão da eficácia do acto em apreço a Recte. poderá manter a ocupação do terreno e a sua actividade, e para que isso aconteça não se torna necessária qualquer decisão expressa, pois essa realidade decorre incontestavelmente da concessão da suspensão.

17 - A manutenção da ocupação e da actividade não constitui qualquer violação do princípio da separação de poderes.

18 - O que se pede ao Tribunal nesta matéria é apenas que, concedida que seja a suspensão, se determine que continuará a haver lugar ao pagamento da contrapartida pela ocupação.

19 - Não podia assim exigir-se que, quanto a esta questão, a Recte. fizesse prova da verificação dos requisitos do art.120° do CPTA, pois a sua verificação apenas terá que ser feita uma vez, no momento da apreciação do pedido de suspensão de eficácia.

20 - Relativamente à autorização para a continuação da actividade, a sentença recorrida aplicou mal o art.120° do CPTA, pois a sua aplicação só terá que ser feita aquando da análise do pedido de suspensão de eficácia, não havendo neste momento lugar a ela.

Nestes termos, no mais que for doutamente suprido, deverá ser dado provimento ao recurso revogando-se a sentença recorrida e sendo reconhecida a existência de fumus boni iuris, apreciando-se a existência de periculum in mora ou remetendo-se os autos para a 1ª Instância para que a aprecie, o que será de JUSTIÇA!

O Recorrido, Município de Lisboa, contra-alegou, pugnando pela manutenção do julgado, tudo nos termos do seguinte quadro conclusivo:

I. A Recorrente imputa à douta sentença recorrida erro na interpretação do disposto nos artigos 151° nº l, al. d), 152° e 153°, do CPA, sustentando que, ao contrário do ali decidido, o acto suspendendo enferma de insuficiente fundamentação, por omitir o tipo de passagem que se pretende construir na parcela de terreno municipal cuja utilização lhe foi cedida a titulo precário, a data em que terá inicio essa construção e em que medida é esta incompatível com a manutenção da ocupação daquele terreno.

II. Ora, a fundamentação constitui um conceito relativo, variável em função do tipo de acto, dos seus antecedentes e das circunstâncias em que é praticado, destinando-se a permitir o conhecimento do iter valorativo e cognoscitivo que levou a Administração a decidir em determinado sentido e não noutro.

III. Daí a razão porque se considera suficientemente fundamentado o acto cujo sentido decisório e as razões que o determinaram são imediatamente apreensíveis por um destinatário normal.

IV. Deste modo, para que fosse cumprido o dever de fundamentação, não era exigível do Recorrido que detalhasse na decisão suspendenda o tipo de passagem que pretende construir no terreno municipal cuja utilização cedeu, a título precário, à Recorrente, o termo inicial dessa obra e as razões da incompatibilidade da mesma com a manutenção do depósito de garrafas de gás que esta ali instalou.

V. Conforme referido na douta sentença recorrida, "(...) a decisão [suspendenda] não se insere numa justa causa de resolução de um contrato, mas sim no exercício do direito potestativo de revogação unilateral de actos válidos com natureza precária, os quais são livremente revogáveis por razões de mérito ou de conveniência da Administração, competindo a esta escolher os meios e a melhor forma de realizar o interesse público (cfr. artigo 140,° do CPA)".

VI. Como tal nenhum erro na interpretação do disposto nos artigos 151°, n° l, al. d), 152° e 153º do CPA pode ser validamente assacado à sentença cautelar sob recurso.

VII. A Recorrente alega, por outro lado, que a sentença recorrida enferma de erro na interpretação e na aplicação dos critérios constantes do art.120° do CPTA, porquanto entende que, ao invés do julgado pela Mm.º Juiz a quo, verifica-se in casu o fumus boni iuris de que depende a concessão da tutela cautelar, pois que, não foi demonstrado nos autos que o Recorrido ponderou todos os interesses em jogo e foram alegados factos indiciários da violação do princípio da imparcialidade e do dever de boa administração.

VIII. Porém, conforme resulta da factualidade dada como indiciariamente provada na sentença sob recurso (pontos L), M) e N)), a decisão suspendenda foi tomada e notificada a ora Recorrente com mais de cinco meses de antecedência e após ter-se procedido à sua audição, tendo sido determinado que se diligenciasse com vista à identificação de outro local onde esta pudesse reinstalar o seu depósito.

IX. Por conseguinte, os interesses que a Recorrente pretende ver tutelados não só foram devidamente considerados na decisão suspendenda, como todo o procedimento que a suportou foi conduzido com a exigida imparcialidade, não podendo ser-lhe assacada qualquer ilegalidade fundada na violação de tal princípio ou de qualquer outro.

X. Do mesmo modo que não pode ser-lhe imputada a preterição do dever de boa administração, a qual, aliás, como notado na douta sentença recorrida, a Recorrente nem concretiza, como era seu ónus (art.114°, n° 3, al. g), do CPTA).

XI. Pelo que improcede, de todo em todo, a imputação à sentença cautelar sob censura de erro na interpretação e na aplicação dos requisitos da tutela cautelar previstos naquele normativo.

XII. A Recorrente também imputa à douta sentença sob recurso erro na aplicação da disciplina constante do art.120° do CPTA ao pedido cautelar de autorização provisória de prosseguimento de actividade formulado no seu requerimento inicial, porquanto entende que, ao invés do que naquele se decidiu, esta pretensão não constitui uma segunda providência cumulativamente requerida cora o pedido de suspensão de eficácia, mas antes uma decorrência do deferimento desta, peto que, a seu ver, os requisitos estabelecidos naquele normativo apenas são aplicáveis a esta.

XIII. No entanto, basta a simples leitura do requerimento cautelar apresentado pela Recorrente para se verificar que, ao contrário do por esta agora pugnado, ali são expressamente requeridas duas providências cautelares; (a) a suspensão de eficácia da decisão que determina a desocupação do parque de gás; e (b) a concessão de autorização provisória para que possa prosseguir a sua actividade no terreno municipal ocupado.

XIV. Ambas as providências encontram-se expressamente previstas no artº112°, n° 2, als. a) e d), do CPTA e, embora possam ser requeridas e adoptadas cumulativamente, gozam de autonomia funcional.

XV. Por conseguinte, cabia à Recorrente ter alegado e provado, ainda que indiciariamente, os factos justificativos da concessão de ambas as providências,

XVI. Ora, conforme se concluiu na douta sentença recorrida, a Requerente nada alegou quanto aos factos constitutivos da peticionada autorização provisória de utilização do terreno municipal que ocupa, pelo que tal pedido mostra-se destituído do fumus boni iuris a que alude o art.120°, n°l, do CPTA.

XVII. Além disso, como doutamente referido na decisão sob recurso, "(...) a concessão de autorização de utilização de bens dos municípios é totalmente dependente da margem de livre apreciação e de conveniência da Administração, designadamente quanto à tomada, ou não, dessa decisão, quanto ao momento, à fornia e quanto ao conteúdo de cedência dos seus bens (...)", pelo que sempre estaria vedado à Mmª Juiz a quo, sob pena de violação do princípio da separação de poderes, substituir-se ao município Recorrido na cedência da utilização de bera imóvel integrante do património deste.

XVIII. Donde, bem andou a Mm.ª Juiz a quo, ao julgar não verificado, em ambas as providências requeridas, o fumus boni iuris, bem como prejudicada, em consequência, a apreciação do respectivo periculum in mora, decidindo, em conformidade, pela total improcedência de ambos os pedidos.


Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.



I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar:

- Se o Tribunal a quo errou ao ter julgado como não verificado o requisito do fumus boni iuris relativamente ao acto suspendendo, com o que, e sendo cumulativos os critérios de decisão ficou prejudicada a apreciação do periculum in mora, julgou improcedente o pedido de suspensão de eficácia da decisão de 16.07. 2015;

- Se o Tribunal a quo errou ao ter julgado consequentemente improcedente o pedido de concessão de autorização provisória para prosseguimento da actividade no local em causa.



II. Fundamentação

II.1. De facto

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos, em decisão que aqui se reproduz ipsis verbis:
A. A Requerente exerce a actividade de comércio a retalho de combustíveis para uso doméstico e de distribuição de gás em garrafas. (Cfr. admissão por acordo e docs. n.°s 11 e 12 juntos com o r.i;)

B. Desde 15/06/1992, a Requerente ocupa um terreno municipal sito na Av. de Ceuta, conforme "declaração" constante de fls. 25 do processo administrativo (PA) n°23560/CML/15 apenso aos autos, com o seguinte teor:
"CAMARA MUNICIPAL DE LISBOA
DIRECÇÃO MUNICIPAL DE FINANÇAS E PATRIMÓNIO
DEPARTAMENTO DE PATRIMÓNIO
DECLARAÇÃO
O ora declarante ELECTRO ……………………….., LDA, residente em Rua ……………, 15 - Lisboa, pessoa colectiva n°……………, representada pelo seu sócio gerente Sr. Eng. Eduardo ………………………, casado, residente em Rua ………………., II - Alfragide, declara o seguinte:
1 - a) Que aceita ocupar a título precário um terreno municipal situado em Avenida de Ceuta - Lisboa,
b) Ao referido terreno será dado o seguinte destino:
Depósito de Garrafas de Gás, e será utilizado do seguinte modo:
14/m2 de área coberta
375 /m2 de área descoberta
2 - Que se inteirou do estado das instalações que lhe são entregues como se encontram e sobre as quais a Câmara não aceitará qualquer reclamação.
3 - Que tomou conhecimento de que quaisquer obras de conservação ou beneficiação serão sempre executadas por sua conta e carecem de autorização da Câmara e das respectivas licenças, independentemente da observância das disposições legais aplicáveis.
4 - Que finda a ocupação não terá direito a qualquer indemnização ou compensação nem poderá alegar o direito de retenção em relação a obras ou benfeitorias que tenha executado obrigando-se a entregar o terreno à Câmara livre de quaisquer ocupações.
5 - Que qualquer mudança de ramo de exploração dependerá de autorização da Câmara.
6 - Que efectuará o pagamento do preço da ocupação no primeiro dia útil de cada mês ou nos oito dias seguintes
7 - Que tomou conhecimento de que a ocupação não fica sujeita em caso algum às leis reguladoras do contrato de locação, em virtude do local estar afecto a planos urbanísticos.
8 - Que tomou conhecimento de que o preço mensal será actualizado anualmente de acordo com a desvalorização da moeda ou nos moldes em que a C.M.L. venha a deliberar em termos genéricos.
9 -Que fica sujeito, como ocupante, às disposições legais aplicáveis à actividade que pretende exercer.
10 - Que tomou conhecimento de que em caso algum a Câmara autoriza qualquer forma de cedência ou sublocação.
11 -a) O signatário compromete-se a deixar o local livre e desocupado no prazo que lhe for fixado por aviso.
b) Se não sair naquele prazo autoriza desde já a C. M. L a proceder ela própria a essa desocupação não a responsabilizando por qualquer dano que possa causar aos bens que lá se encontrem e renunciando a qualquer indeminização ou compensação por eventuais danos ou descaminho dos bens; neste caso ficará ainda obrigado a indemnizar a Câmara pelas despesas provocadas.
12 - O signatário compromete-se a avisar a C.M.L sempre que tenha conhecimento que algum perigo ameaça o terreno ou que terceiros se arrogam direitos sobre ele.
13 - Tomou conhecimento que a contrapartida aplicável é a constante da Tabela Municipal vigente.
14 - Que se obriga a proteger em termos adequados, poços, valas ou tomadas de água que porventura existam,
15 - Que se obriga a impedir a ocupação por terceiros de todo ou parte do terreno e responsabilizar-se-á por eventuais prejuízos que a C.M,L vier a sofrer.
16 - A cessação da autorização para continuar a ocupação não confere direito ao reembolso de quaisquer importâncias já pagas ou a indemnizações de natureza alguma.(...)";

C. Em 06/07/1994, a Requerente celebrou com a "Petróleos …………….. -Petrogal, S.A." um acordo denominado "contrato de revenda de gases de petróleo liquefeitos", nos termos constantes do doc. n°13 junto com o r.i., que se dá por integralmente reproduzido;

D. No referido terreno está instalado um parque/depósito, onde são armazenadas garrafas de gás (Cfr. doc. n°3 junto com o r.i.);

E. De acordo com o ofício n°1782/SP, de 20/12/2002, o parque de gás sito na Avenida de Ceuta - frente aos Viveiros da C.M.L. encontra-se em boas condições de utilização (Cfr. doc. n°9 junto com o r.i);

F. Em 11/11/2005, a Requerente celebrou com "Petróleos de Portugal -Petrogal, S.A." um acordo denominado "adenda", do qual se salienta seguinte teor (Cfr. doc. n°11 junto com o r.i e a fls. 25 e 26 verso do PA):
"(...)Considerando que:
a) Em 06 de Julho de 1994, as partes acima identificadas celebraram entre si um Contrato de Distribuição de gás butano e propano em garrafas:
As partes de livre vontade e de comum acordo celebram, de boa fé, a presente adenda ao contrato nos termos e com as condições seguintes:
A Cláusula 1ª, ponto l passa a ter a seguinte redacção:
"A área geográfica a que o presente contrato se reporta é definida pelos contornos de: Rio Tejo, Avª de Ceuta, Viaduto Duarte Pacheco, Praça Marquês de Pombal, Avª Liberdade, Elevador da Glória, Rua do Alecrim até ao Tejo, Freguesias: Campo Grande desde a 2ª Circular até à Feira Popular – Avª das Forças Armadas, Campolide desde o Bairro da Liberdade até à Praça de Espanha, incluindo a Rua de Campolide, Nossa Senhora de Fátima desde o Hospital de Santa Maria até à Av.ª Duque D’Ávila, São Sebastião da Pedreira desde a Avª Duque D´Avila até à Avª Marquês da Fronteira com Bairro Azul, São Domingos de Benfica desde Sele Rios até à 2ª Circular (Av.° da República (lado impar); Campo Grande (lado Oeste); Avª. Norton de Matos (lado Sul); Estrada do Calhariz (lado Sul); Estrada da Circunvalação (lado Sul); Nó da Auto Estrada do Estádio Nacional/Lisboa; Auto Estrada (Sul/Norte; Ava. Duarte Pacheco (n°s. pares); Rua Joaquim António de Aguiar (n°s. pares); Praça Marquês de Pombal (n°. 12 a 15); Avª. da Liberdade (n°s. pares desde o n° 28); Largo da Anunciada; Calçada do Lavra; Calçada do Garcia; Rua José António Serrano; Rua de São Lázaro (n°s ímpares); Rua Manuel Bento Sousa; Rua do Sol a Santana: Campo Mártires da Pátria (n.°a 13 a 73 e do 124 a 129); Rua Gomes Freire (desde o n.° l ao 223); Praça José Fontana (do nº l a 39); Rua Tomás Ribeiro (do nº l ao 43); Avª Fontes Pereira de Melo (todos os impares e os pares até ao n.º34); Praça Duque Saldanha (lado Oeste). Não podendo o REVENDEDOR promover vendas activas de GALP GÁS fora da mesma, salvo prévia autorização expressa da P……………"
2.°
O contrato produz efeitos a partir do dia 16 de Novembro de 2005.
3.°
Em tudo o mais continua em vigor o contrato ora aditado. (...) "

G. A Requerente tem ao seu serviço 13 trabalhadores na Rua Coronel …………., n° 23-A, em ……… (Cfr. doc. n°12, junto com o r.i, páginas l e 2);

H. Na Avª de Ceuta, em Lisboa, a Requerente tem ao seu serviço um trabalhador. (Cfr. doc. n° 12, junto com o r.i., página 3);

L. Pela ocupação do terreno em causa, a Requerente paga o montante mensal de €660,75 (Cfr. doc. n°3 e 4 junto com o r.i.);

J. Por ofício de 08/05/2015, recebido por carta registada com A/R assinado em 12/05/2015, a Requerente tomou conhecimento da intenção por parte da CML de "dar um destino diferente" ao terreno ocupado e de "ordenar a desocupação coerciva", tendo sido concedido à Requerente o prazo de 10 dias úteis para se pronunciar sobre o assunto, conforme resulta do doc. n°5 junto com a pi e do doc. a fls. 12 a 13 do PA n.°13417/CML/15, com o seguinte teor:
"(...)Assunto: Denúncia de cedência precária não habitacional -terreno Local: Avª de Ceuta - Depósito de Gás
Exmos. Senhores,
O espaço do domínio privado municipal, sito na Av. de Ceuta, foi-lhes cedido a título meramente precário em 01.09.1992, destinado a depósito de gás.
As cedências a título precário dos bens do domínio privado municipal consubstanciam actos administrativos precários não constitutivos de direitos, proferidos no âmbito de um poder discricionário, marcado imperativamente pelo interesse público.
Existe neste momento a intenção, por parte deste Município, de dar um destino diferente ao referido espaço ocupado pelos V/serviços, pelo que as obras que irão ser desenvolvidas no local, são incompatíveis com a actual ocupação.
Assim, ao abrigo do art.149°, com observância dos arts.150° a 153°, todos do Código do Procedimento Administrativo, pode o Município executar o acto de desocupação do espaço em apreço. Visando garantir ao ocupante tempo, para que possa encontrar alternativa para a actividade comercial que ali desenvolve, comunicamos desde já a intenção do Município, em não permitir a vigência da cedência precária para lá da data de 31 de Dezembro de 2015.
Em face do exposto, fica V. Exa. notificado de que nos termos do despacho do Sr. Vereador, Arq. Manuel Salgado, é intenção deste Município ordenar a desocupação coerciva, pelas razões e com os fundamentos legais supra referidos, e que nos termos dos arts.121° e 122° do Código do Procedimento Administrativo, tem 10 dias úteis para dizer, por escrito, o que se lhe oferecer sobre o assunto. (...) ";

K. Em 18/05/2015, em resposta ao referido oficio, a Requerente entregou na CML uma exposição pedindo que mesma a informasse acerca dos projectos em desenvolvimento para o local e a que fim se destinava, propondo locais alternativos para a realização da passagem pedonal, afirmando não se "conformar com o seu despejo forçado" e pedindo a indicação por parte da CML de um local alternativo, com as características do existente, passível de licenciamento para a armazenagem de gás. (Cfr. doc. n.° 6 junto com a p.í);

L. Em 30/06/2015, o Director Municipal da Gestão Patrimonial proferiu o seguinte despacho, propondo a "cessação da cedência precária a partir de 31 de dezembro de 2015" (Cfr. doc. a fls.17 do PA n.° 13417/CM/15):
"DESPACHO
A consideração do Senhor Vereador. Arquiteto ………………, propondo o indeferimento do solicitado pela E……………….. Distribuidora de Gás, Lda., que ocupa precariamente um terreno municipal na Avenida de Ceuta.
Independentemente dos motivos aduzidos, a verdade é que os planos do Município para o local, que prevêem a construção de uma passagem exactamente naquele local, consubstanciando obra de inquestionável interesse público, não permitem que a ocupação se mantenha depois do final do ano de 2015.
Ainda assim, sempre se refere que tais argumentos não colhem, porquanto:
a) Trata-se de uma cedência precária, com clara menção no titulo que cessará a qualquer momento, se e quando o Município necessitar, sem direito a qualquer indemnização;
b) O Município bem conhece as infraestruturas no local, pelo que os planos e estudos existentes já o levaram em consideração;
c) Lamentando-se a perturbação para a actividade da empresa e para os postos de trabalho, a verdade é que a antecedência com que se comunicou o final da cedência permitirá que sejam tomadas medidas alternativas;
d) Sem que tal represente qualquer compromisso, o Município não deixará de procurar nas suas propriedades, designadamente na envolvente, um terreno que tenha condições para acomodar a actividade da empresa, o que oportunamente se comunicará.
Nestes termos e com estes fundamentos, proponho o indeferimento do solicitado, confirmando-se a decisão de fazer cessar a cedência precária a partir de 31 de dezembro de 2015.
2015-06-30
O Diretor ………………."

M. Em 16/07/2015, foi proferido despacho de concordância do Senhor Vereador ……………………, exarado nos termos seguintes, sob a proposta supra referida: (Cfr. doc. a fls. 17 do PA n°13417/CML/l 5):
"Concordo.
Notifique-se
Os serviços procurarão terreno municipal nas proximidades que eventualmente possa vir a ser cedido para o mesmo fim, articulando previamente a este propósito com a DMU.
O Vereador ……………….
16.07.2015"

N. Por ofício de 27/07/2015, foi comunicado à Requerente o referido Despacho de 16/07/2015, do Senhor Vereador …………….., tendo o ofício em causa o seguinte teor: (Cfr. Doc. n°7 junto com a p.i.):
(...) Assunto: Denúncia de cedência precária não habitacional -terreno Local: Avª de Ceuta Depósito de Gás Exmos. Senhores,
Na sequência da resposta à proposta de denúncia de cedência precária não habitacional referente à ocupação de espaço do domínio privado municipal, sito na Av. de Ceuta, ao OF/1107/DMPRGU/DPSVP/15, comunicamos que, por Despacho de 16/07/2015, do Senhor Vereador ……………., foi indeferido o solicitado por V. Exas, uma vez que. independentemente dos motivos aduzidos, o Município prevê a construção de uma passagem exactamente no local, consubstanciando obra de inquestionável interesse público, não permitindo que a ocupação se mantenha depois do final do ano de 2015.
Acrescenta-se ainda que os argumentos alegados por V. Exas. não podem colher, porquanto:
a) Trata-se de uma cedência precária, com clara menção no título que cessará a qualquer momento, se e quando o Município necessitar, sem direito a qualquer indemnização;
b) O Município bem conhece as infra-estruturas no local, pelo que os pianos e estudos existentes já o levaram em consideração;
c) Lamenta-se a perturbação para a actividade da empresa e para os postos de trabalho, mas a verdade é que a antecedência com que se comunicou o final da cedência permitirá que sejam tomadas medidas alternativas;
d) Sem que tal represente qualquer compromisso, o Município não deixará de procurar nas suas propriedades, designadamente na envolvente, um terreno que tenha condições para acomodar a actividade da empresa, o que oportunamente se comunicará.
Nestes termos e com estes fundamentos, indefere-se o solicitado, confirmando-se a decisão de fazer cessar a cedência precária a partir de 31 de dezembro de 2015.
Com os melhores cumprimentos.
P'O Director Municipal ………., Catarina M…………."

O. O referido ofício foi enviado através de carta registada com A/R, recebida pela Requerente em 31/07/2015. (Cfr. doc. a fls. 19 e 20 do PA n°13417/CML/2015);

P. Em 11/09/2015, a Requerente apresentou "recurso hierárquico" dirigido ao Senhor Presidente da CML, pedindo que fosse "revogado o acto administrativo ilegal praticado, em 16/07/2015, pelo Senhor Vereador Arq.° ………………., pelo qual decidiu 'fazer cessar a cedência precária a partir de 31 de dezembro de 2015.", conforme doc. n°8 junto com o r.i e doc. a fls. l a 9 do PA n°23560/CML/15, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

Q. No dia 23/12/2015, os presentes autos deram entrada em juízo (Cfr. doc. a fls. l e 2 dos autos);

R. Através do Parecer n°0083/SG/DJ/DCAJ/2015, elaborado em 06/11/2015 pelo Departamento Jurídico da CML, foi proposto o "indeferimento do recurso hierárquico", nos termos do doc. a fls. 27 a 40 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

S. Em 02/12/2015, o Senhor Presidente da CML proferiu despacho de indeferimento do "recurso hierárquico" apresentado pela Requerente, com o seguinte teor: (Cfr. doc. a fls. 41 e 42 do PA n°23560/CML/15):
'' CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA
Despacho
Recurso hierárquico - Cedência precária não habitacional
Considerando que:
a) Através de requerimento com o registo de entrada n°ENT/4273/SG/DMC/DRM/15, entregue no dia 14 de Setembro de 2015, veio a E………….. - Distribuidora de Gás, Lda. dirigir "Recurso Hierárquico nos termos do 193° e seguintes do Código de Procedimento Administrativo (CPA)" do despacho do Senhor Vereador ……………….. datado de 16/07/2015:
b) O recurso hierárquico em causa incide sobre o ato que determinou a cessação da utilização precária de um terreno adstrito pela entidade em causa a depósito de gás;
c) O Departamento Jurídico do Município analisou o requerimento impugnatório em causa, tendo avançado, conforme consta do parecer n° 0083/SG/DJ/DCAJ/2015, que:
a. A cedência precária de imóveis é qualificável como um ato de administração corrente do património imobiliário sendo possível às autarquias autorizarem terceiros a ocupar, precariamente, bens imóveis do seu domínio privado;
b. Estas autorizações consubstanciam atos precários, o que é reconhecido pela Jurisprudência;
c. O ato precário é um verdadeiro ato administrativo, proferido no âmbito do exercício de um poder discricionário, demarcado necessariamente pela prossecução do interesse público nos termos do art.266.°n.°2 da CRP;
d. Em causa estava o interesse público da reconversão urbanística em confronto com a utilização do terreno municipal para depósito de gás, ocupado a título precário, pelo dever ser aquele que devia prevalecer;
e. Tratando-se de um ato administrativo que consubstancia uma revogação da autorização precária concedida à Recorrente, desnecessária se tornaria a invocação de quaisquer outras razões para além do interesse público subjacente à tomada de decisão da CML;
f. Se tratava de um ato precário, devendo como tal ser tratado, designadamente para efeitos de livre revogabilidade;
g. Deve o recurso hierárquico improceder, mantendo-se a decisão tomada inalterada quanto à cessação da ocupação precária no terreno municipal sito na Av. de Ceuta;
Assim, em face do exposto, indefiro o recurso hierárquico interposto por E ……………. - Distribuidora de Gás, Lda. do ato proferido pelo Sr. Vereador Arqt.° ……………… em 16/07/2015, que determinou a cessação da utilização precária de um terreno adstrito pela entidade em causa a depósito de gás, com os fundamentos constantes do parecer n°083/SG/DJIDCAJ12015.
Paços do Concelho de Lisboa, em 2 de 12 de 2015
O Presidente ……………….".

T. O referido despacho foi comunicado à Requerente através do ofício de 18/12/2015, constante de fls. 43 do PA n°23560/CML/2015, recebido em 23/12/2015. (Cfr. confissão da Requerente no seu requerimento de resposta à matéria de excepção).

A decisão sobre a matéria de facto provada resultou do exame dos documentos juntos aos autos e das informações oficiais constantes dos processos administrativos apensos. (PA n.°23560/CML/15 e PA n.° 13417/CML/15).


II.2. De direito

A ora Recorrente requereu no TAC de Lisboa uma providência cautelar contra o Município de Lisboa, pugnando pela suspensão da eficácia de uma decisão de desocupação de um terreno ocupado e por si utilizado e a autorização provisória para que essa ocupação se mantivesse até à prolação da decisão que apreciasse, na acção principal, a situação jurídico-administrativa em apreço.

O TAC de Lisboa veio a julgar improcedentes os pedidos cautelares com a fundamentação que aqui reproduzimos, na sua parte relevante:

Apesar da forma como a Requerente configura o seu requerimento, importa salientar que constitui objecto dos presentes autos a decisão expressa que determinou a desocupação do terreno sito na Avª de Ceuta a partir de 31/12/2015, correspondente ao despacho proferido em 16/07/2015 pelo Senhor Vereador ……………….., conforme resulta dos artigos 54.° e seguintes do requerimento cautelar.

Nos presentes autos, é requerido o decretamento de duas providências cautelares: 1) a suspensão da eficácia da decisão que determinou a desocupação do terreno sito na Av.ª de Ceuta, a partir de 31/12/2015; 2) a autorização de prosseguimento da actividade por parte da Requerente no local.

Aqui chegados, cumpre apreciar e decidir se se encontram reunidos os requisitos legais para o decretamento das duas providências cautelares peticionárias, nos termos previstos no artigo 112° e 120° do CPTA.

É consabido que as providências cautelares têm como características intrínsecas a utilidade, a instrumentalidade e a provisoriedade, de acordo com o artigo 112° e 113° do CPTA.

Relativamente aos critérios de concessão das providências cautelares, o novo CPTA de 2015 pôs termo à dicotomia de critérios para as providências conservatórias e antecipatórias, para as quais se exigia o "fumus boni iuris" qualificado, sendo agora os critérios de concessão idênticos, independentemente da natureza da providência requerida.

Os critérios de decisão das providências cautelares encontram-se plasmados no artigo 120.° do CPTA, que, sob a epígrafe "critérios de decisão", dispõe o seguinte:

«1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.

2 - Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.

3 - As providências cautelares a adotar devem limitar-se ao necessário para evitar a lesão dos interesses defendidos pelo requerente, devendo o tribunal, ouvidas as partes, adotar outra ou outras providências, em cumulação ou em substituição daquela ou daquelas que tenham sido concretamente requeridas, quando tal se revele adequado a evitar a lesão desses interesses e seja menos gravoso para os demais interesses públicos ou privados, em presença.

4 - Se os potenciais prejuízos para os interesses, públicos ou privados, em conflito com os do requerente forem integralmente reparáveis mediante indemnização pecuniária, o tribunal pode, para efeitos do disposto no número anterior, impor ao requerente a prestação de garantia por uma das formas previstas na lei tributária.

5 - Na falta de contestação da autoridade requerida ou da alegação de que a adoção das providências cautelares pedidas prejudica o interesse público, o tribunal julga verificada a inexistência de tal lesão, salvo quando esta seja manifesta ou ostensiva.

6 - Quando no processo principal esteja apenas em causa o pagamento da quantia certa, sem natureza sancionai ária, as providências cautelares são adotadas, independentemente da verificação dos requisitos previstos no nº l, se tiver sido prestada garantia por uma das formas previstas na lei tributária.»

Do exposto resulta que o legislador elegeu como critérios de decisão cumulativos das providências cautelares: primo, o "periculum in mora" e secundo, o "fumus boni iuris" (n.° 1).

Após a verificação positiva destes dois critérios, seguir-se-á, ainda, um juízo de prognose de ponderação de interesses (n°2) e de um juízo sobre a proporcionalidade, adequação e necessidade da medida requerida (n°3), a qual se deve limitar ao necessário para afastar a tesão dos interesses defendidos pelo requerente, podendo o juiz conceder medida diversa.

O "periculum in mora" traduz-se na perigosidade, isto é, no prejuízo decorrente da morosidade na decisão da acção principal para esfera jurídica do interessado, mediante a constituição de uma situação de lacto consumado ou a verificação de prejuízos de difícil reparação. Por sua vez, o "fumus boni iuris" traduz-se na aparência do bom direito face à probabilidade de procedência da pretensão a deduzir na acção principal, o que é aferido através de um juízo meramente perfunctório.

Vejamos separadamente cada uma das providências.

a) Do pedido de suspensão da eficácia

Conforme supra referido, o acto suspendendo é a decisão expressa que determinou a desocupação do terreno sito na Av.ª de Ceuta a partir de 31/12/2015, correspondente ao despacho proferido em 16/07/2015 pelo Senhor Vereador …………..

A providência requerida é a suspensão da eficácia daquele acto de 16/07/2015.

Por razões que se prendem com a instrumentalidade, começaremos por apreciar a aparência do bom direito, a fim de aquilatar através de um juízo perfunctório se existe a probabilidade de procedência da acção principal em virtude de o acto suspendendo se encontrar ferido das ilegalidades que lhe são imputadas, e só, em caso afirmativo passaremos à apreciação do "periculum in mora" e à ponderação de interesses previsto no artigo 120°, n°2 do CPTA.

- Quanto à feita ou insuficiência de fundamentação:

Embora o acto suspendendo tenha natureza discricionária, o mesmo não deixa de estar sujeito ao dever de fundamentação, atenta a sua lesividade, em obediência ao preceituado no artigo 268°, n°3 da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 152° do CPA, mostrando-se a fundamentação dos actos administrativos essencial para que o interessado possa conhecer os pressupostos de facto e de direito com base nos quais a decisão foi tomada com um certo conteúdo, permitindo-lhe desta forma aferir da sua legalidade e solicitar a sua sindicância por parte dos Tribunais.

A fundamentação deve cumprir os requisitos legais previstos no artigo 153° do CPA, devendo a mesma ser expressa clara, coerente e suficiente, no sentido de permitir ao homem médio conhecer o "iter" valorativo e cognitivo, compreendendo, no caso, o motivo pelo qual foi tomada a decisão dos autos e não outra.

Quanto à nulidade do acto tácito, por falta de fundamentação, já nos referimos que não se formou qualquer acto tácito por falta de previsão legal, pelo que obviamente nada há a referir a este respeito, sendo certo que a própria Requerente reconhece que os vícios se verificam em relação ao acto expresso (artigo 54.° e seguintes do r.i).

Ora, apreciando a fundamentação do despacho suspendendo, é perfeitamente inteligível que desocupação é motivada pela realização de uma passagem exactamente no focal, o que se mostrava incompatível com a ocupação por parte da Requerente, pelo que a decisão está fundamentada. Não era exigível que a decisão concretizasse qual o tipo de obra com todo o detalhe, pois a decisão não se insere numa justa causa de resolução de um contrato, mas sim no exercício do direito potestativo de revogação unilateral de actos válidos com natureza precária, os quais são livremente revogáveis por razões de mérito ou de conveniência da Administração, competindo a esta escolher os meios e a melhor forma de realizar o interesse público, (cfr. artigo 140° do CPA).

Neste sentido, devida à similitude com os presentes autos, citamos o Ac. STA, de 11/01/2005, proc. n°0988/04, em cujo sumário pode ler-se: «I. A fundamentação dos actos administrativos visa, além do mais, dar a conhecer as razões por que foi decidido de uma maneira e não de outra, de molde a permitir aos seus destinatários uma opção consciente entre a sua aceitação e a sua impugnação contenciosa. II. É, conforme uniforme jurisprudência deste STA, um conceito relativo, que varia em função do tipo legal de acto, dos seus antecedentes e de todas as circunstâncias com ele relacionadas, designadamente as típicas condutas administrativas, que permitam dar a conhecer o iter cognoscitivo e valorativo que levou a que fosse decidido dessa maneira e não de outra, estando suficientemente fundamentados quando um destinatário normal se aperceba das razões de ser da decisão. III. Está fundamentado um acto que ordena o despejo de uma garagem, em virtude do local onde a mesma estava implantada se integrar numa zona para a qual existia um plano de requalificação urbanística, cuja execução se previa para breve e para a qual o terreno era necessário e ainda pelo facto da ocupação do terreno onde a mesma estava implantada ser feita a título precário, pelo que o despejo podia ser ordenado, nos termos do artigo 8° do Decreto-Lei n°23 465, de 18/1/34, aplicável por força do disposto no artigo 2° do Decreto-Lei nº45 133, de 13/7/63. IV. O Decreto-Lei n° 23 465 foi revogado pelo Decreto-Lei n. ° 507-A/79, de 24/12, no que respeita ao arrendamento, mantendo-se, no entanto, em vigor no que respeita à desocupação de bens ocupados a título precário (artigo 8º), não estando este seu preceito afectado de inconstitucionalidade material superveniente.»

Assim, num juízo perfunctório, não se afigura que o acto suspendendo possa vir a ser anulado por vício de falta de fundamentação. [sublinhado nosso]

- Quanto à invalidade da decisão por falta de indicação da delegação de poderes:

Não se afigura que o acto suspendendo possa vir a ser anulado com este fundamento, porquanto, segundo o artigo 48° do CPA, esta exigência legal não afecta a validade do acto. Acresce que, no caso em apreço, a Requerente não foi prejudicada por tal omissão, tendo inclusive impugnado administrativamente o acto junto do órgão delegante e com competência para a decisão sobre o recurso hierárquico facultativo por si interposto, nos termos do artigo 199°, n° 2 do CPA.

-Por fim, relativamente à alegada falta de ponderação de interesses:

A Requerente alega que o Requerida não ponderou os interesses em presença, nem os problemas que o acto suspendendo lhe iria causar

Está em causa a vertente positiva do princípio da imparcialidade, nas palavras do Professor Freitas do Amaral, segunda o qual a Administração tem o dever de ponderar todos os interesses públicos e privados legítimos antes de adoptar a decisão ("in" "Curso de Direito Administrativo", Vol. II, Almedina, 2014, 2.ª Edição, p. 158 a 160).

Por outro lado, a Requerente também invoca que terá ficado por demonstrar que o Requerido procurou a melhor solução para a referida construção da passagem a construir, o que configura a alegação da violação do dever de boa administração, previsto no artigo 5.° do CPA.

Resultou provado que o acto suspendendo foi praticado e notificado à Requerente com mais de 5 meses de antecedência, tendo resultado igualmente provado que o mesmo acto determinou que os serviços diligenciassem outro focal, próximo e adequado à utilização, peto que é manifesto que os interesses da Requerente foram ponderados pelo Requerido.

Relativamente à violação do dever de boa administração, a Requerente limita-se a fazer a afirmação de não ficou demonstrado que o Requerido não procurou a melhor solução, embora não concretize os motivos dessa alegação.

Por conseguinte, segundo um juízo perfunctório, não se vislumbra qualquer ilegalidade do acto suspendendo por violação do princípio da imparcialidade inerente à feita de ponderação de interesses e por violação do dever de boa administração, razão pela qual não se afigura que o mesmo possa vir a ser anulado na acção principal com esses fundamentos. [sublinhado nosso]

Em conclusão, não se verifica o requisito legal do "fumus boni iuris" ou aparência em bom direito relativamente ao acto suspendendo, pelo que, sendo cumulativos os critérios de decisão e face à inexistência deste requisito, fica logicamente prejudicada a apreciação do "periculum in mora", pelo que deve improceder o pedido de suspensão de eficácia da decisão de 16/07/2015. (Cfr. - Ac. STA, de 21-01-2016, do Pleno, proc. n°01038/15)

b) Do pedido de concessão de autorização provisória para prosseguimento da actividade no local

No que concerne ao pedido de concessão de autorização provisória, começaremos por apreciar o ''fumus boni iuris", por razões de procedência lógica, face à natureza jurídica da providência requerida, após o que apreciaremos o "periculum in mora" e a ponderação de interesses.

Diga-se, em primeiro lugar, que a Requerente nada alega quanto aos factos constitutivos do direito que se arroga e tornam provável a procedência da acção principal, isto, é não alega os fundamentos subjacentes à providência de autorização para prosseguir a actividade no local, nem a verificação dos pressupostos legais para o efeito, o que desde togo prejudica o juízo sobre a probabilidade de procedência da acção principal.

Resultou provado nos autos que o terreno foi cedido ao abrigo de uma "Declaração" outorgada pela Requerente junto do Requerido, segundo a qual aceitou ocupar a título precário o terreno sito na Av.ª de Ceuta, não conferindo tal ocupação qualquer direito, obrigando-se a Requerente a desocupar o imóvel no prazo fixado para o efeito no aviso, quando tal fosse solicitado pelo Requerido, sob pena de desocupação coerciva (pontos 1° a), 4°, 11.° e 16° da 'Declaração", mencionada na alínea B do probatório). [sublinhado nosso]

Assim, importa salientar que, como refere o Requerido, a ocupação do terreno por parte da Requerente configura uma cedência de utilização a título precário de um bem do domínio privado do Requerido, por acordo ou tolerância, podendo o mesmo fazê-la cessar livremente e a qualquer momento, com uma antecedência de 60 dias, nos termos do art. 8° do Dec. n°23.466, de 18 de Janeiro de 1934, que regulava a obrigação de devolução dos bens do Estado cedidos a título precário, aplicável à ocupação dos bens imóveis dos corpos administrativos pelo Dec. n° 45.133, de 13 de Julho de 1963, e posteriormente pelo Decreto-lei 27/79, de 22 de Fevereiro. (Vd. Ac. do STA de 30.11.2005, proc. 987/05)

Nos termos do disposto no artigo 8°, do Decreto-Lei n° 23. 465, diploma este aplicável às autarquias locais por força do artigo 2°, do Decreto-Lei n° 45 133, de 13. 163, "As pessoas colectivas ou particulares que tenham para seu uso bens do estado, cedidos a título precário e ainda o que os ocuparem sem título são obrigados a entregá-los dentro do prazo de sessenta dias a contar do aviso postal que receberem da repartição competente, sob pena de serem despejados imediatamente pela autoridade administrativa ou policial, sem direito a qualquer indemnização."

Os diplomas supra referidos foram revogados com a entrada em vigor do Decreto-Lei n°280/2007, de 07/08, de acordo com o seu artigo 128.°.

O citado diploma legal apenas regula a cedência de utilização a título precário dos bens do Estado, nada dispondo quanto à cedência a esse título dos bens do domínio privado das Autarquias Locais.

Actualmente, a cedência de bens a título precário é efectuada através de cláusulas contratuais acessórias constantes dos actos e contratos, estando em causa uma cláusula resolutiva pública, sendo a cedência livremente revogável, nos termos do disposto nos artigos 149.°, 65°, n° l do CPA e 167.° "a contrario sensu". (Vd.: Filipa Urbano Calvão "in" "Os Actos Precários e os Actos Provisórios no Direito Administrativo: sua natureza e admissibilidade. As garantias do particular". Universidade Católica Portuguesa, 1998, p. 66 e ss e 95 e ss; Ac. STA, de 09/04/2003, proc. n.° 01567/02).

Por outro lado, podem os municípios permitir a utilização dos bens do seu domínio privado ao abrigo de outros títulos, designadamente arrendamento ou comodato.

Ora, conforme supra referido, a Requerente nada alega quanto aos factos constitutivos da autorização de utilização do local, pelo que falta o requisito do "fumus boni iuris" a que alude o artigo 120°, n° 1 "in fine" do CPTA.

Acresce que a concessão de autorização de utilização de bens dos municípios é totalmente dependente da margem de livre apreciação e de conveniência da Administração, designadamente quanto à tomada, ou não, dessa decisão, quanto ao momento, à forma e quanto ao conteúdo de cedência dos seus bens. Não pode o Tribunal substituir-se aos municípios na cedência de utilização dos bens imóveis que integram seu património, sob pena de violação do princípio da separação de poderes.

No âmbito da sua função jurisdicional, os Tribunais apenas podem sindicar a legalidade das decisões, na qual se incluem os aspectos vinculados das decisões discricionárias, não podendo aferir do seu mérito ou conveniência (cfr artigo 3°, n° l do CPTA) e muito menos despoletar a prática de actos administrativos de administração do património dos municípios, seja através de cedências a título precário, seja através de contratos de comodato ou de arrendamento, cuja decisão tem na sua génese o juízo de oportunidade e de conveniência para o interesse público (cfr. artigo 71°, n°2 do CPTA), no âmbito das competências materiais das câmaras municipais, ao abrigo do disposto no artigo 33°, n°2, alínea h) do Regime Jurídico das Autarquias Locais, aprovado pela Lei n°75/2013, de 12 de Setembro, com a última redacção introduzida pela Leia0 69/201 5, de 16/07.

Por estas razões, não se vislumbra num juízo perfunctório que a autorização de utilização do local para o exercício da actividade da Requerente possa vir a ser concedida pelo Tribunal na acção principal, faltando o requisito do “ fumus boni iuris”. [sublinhado nosso]

Atento o exposto, fica logicamente prejudicada a apreciação do “ periculum in mora” e da ponderação de interesses relativamente a esta providência.

(…)”.

É contra o assim decidido que a Recorrente se insurge, alegando que há indícios suficientes para concluir que o acto suspendendo não está devidamente fundamentado, nem demonstrado que foram respeitados os princípios da imparcialidade e ponderados os interesses em presença e que o deferimento do pedido de manutenção da ocupação e da actividade não constitui qualquer violação do princípio da separação de poderes. Mas sem qualquer razão.

Com efeito, as razões determinativas da improcedência dos pedidos estão expressa, devida e exaustivamente explicitados na sentença recorrida. Aliás, em boa verdade, lida a alegação e as conclusões do presente recurso, a Recorrente mais não faz do que reiterar o por si oportunamente alegado em sede do requerimento cautelar, não desferindo ataque eficaz ao julgamento efectuado pela Mma. Juiz a quo.

Ainda assim, em abono da demonstração da correcção do decidido, importa deixar os necessários considerandos.

Estatui o art. 120.º do CPTA revisto, sob a epígrafe “Critérios de decisão”, que:

1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.

2 - Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.

(…)”.

Do disposto neste art. 120º n.ºs 1 e 2 infere-se que constituem condições de procedência das providências cautelares:

1) “Periculum in mora”- receio de constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação (art. 120º n.º 1, 1ª parte, do CPTA revisto);

2) “Fumus boni iuris” (aparência de bom direito) – ser provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente (art. 120º n.º 1, 2ª parte, do CPTA revisto), e

3) Ponderação de todos os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade (art. 120º n.º 2, do CPTA revisto).

Como ensina Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, 2ª Edição, 2016, pp. 449 e 450:

Se não falharem os demais critérios de que depende a concessão da providência, ela deve ser, pois, concedida desde que os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade. É este o único sentido a atribuir à expressão “facto consumado”. Nestas situações, em que a providência é necessária para evitar o risco da infrutuosidade da sentença a proferir no processo principal, o critério não pode ser, portanto, o da susceptibilidade ou insusceptibilidade da avaliação pecuniária dos danos, mas tem ser o da viabilidade do restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar: pense-se no risco da demolição de um edifício ou da liquidação de uma empresa.

Do ponto de vista do periculum in mora, a providência também deve ser, entretanto, concedida quando, mesmo que não seja de prever que a reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade se tornará impossível pela mora do processo, os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio da produção de “prejuízos de difícil reparação” no caso de a providência ser recusada, seja porque a reintegração no plano dos factos se perspectiva difícil, seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente. Ainda neste último caso, justifica-se a adopção da providência para evitar o risco do retardamento da tutela que deverá ser assegurada pela sentença a proferir no processo principal: pense-se no risco da interrupção do pagamento de vencimentos ou pensões, que podem ser a principal ou mesmo a única fonte de rendimento do interessado.”

Do exposto resulta que as providências cautelares visam impedir que, durante a pendência de qualquer acção principal, a situação de facto se altere de modo a que a decisão nela proferida, sendo favorável ao requerente, perca toda a sua eficácia ou parte dela (cfr. o recentíssimo ac. de 22.09.2016 deste TCAS, proc. n.º 13468/16).

Quanto ao requisito do fumus boni juris, cumpre destacar que a revisão do CPTA de 2015, operada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro modificou a sua relevância, quer no que se refere à sua suficiência para o decretamento da providência (situação que o anterior art. 120.º, n.º 1, al. a), previa), quer por via da uniformização do regime no que se refere à comprovação da probabilidade de procedência da acção principal (existente no regime anterior, em que se distinguia, com exigência variável, conforme estivesse em causa uma providência conservatória ou uma providência antecipatória).

Neste particular, refere Vieira de Almeida, in A Justiça Administrativa (Lições), 15.ª ed., 2016, pp. 320 e s.:

“(…)

Antes de 2015, nas situações intermédias, que correspondem à grande maioria dos casos, em que há uma incerteza prima facie relativamente à existência da ilegalidade ou do direito do particular, a lei optava por uma graduação, em função do tipo de providência requerida: a) se a probabilidade fosse maior, isto é, “se fosse provável que a pretensão principal viesse a ser julgada procedente nos termos da lei", podia ser decretada a providência, mesmo que fosse antecipatória; b) se a providência pedida fosse apenas uma providência conservatória, já não era preciso que se provasse ou que o juiz ficasse com a convicção da probabilidade de que a pretensão fosse procedente, bastando que não fosse manifesta a falta de fundamento da pretensão principal ou a existência de circunstâncias que obstassem ao seu conhecimento do mérito. Por outras palavras, a lei bastava-se com um juízo negativo de não-improbabilidade (non fumus malus) da procedência da acção principal para fundar a concessão de uma providência conservatória, mas obrigava a que se pudesse formular um juízo positivo de probabilidade para justificar a concessão de uma providência antecipatória.

A eliminação desta diferenciação, em 2015, pode justificar-se pela dificuldade e eventual inadequação, em alguns casos, da distinção conceitual entre as providências, mas significa objectivamente uma maior exigência de prova feita ao requerente para a obtenção de medidas cautelares conservatórias - e, portanto, um maior relevo negativo da juridicidade material. [sublinhado nosso]

Seja como for, o fumus boni iuris não é decisivo, tendo de verificar-se os outros requisitos necessários para a concessão, designadamente, o receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente, bem como, conforme veremos a seguir, a proporcionalidade dos efeitos.

Há, portanto, aqui, um tributo à justiça material (à legalidade e aos direitos dos particulares), que deixa de ser, como era antes de 2002, a pretexto da sumaridade do conhecimento do juiz, sacrificada ou menosprezada por respeito, por vezes absolutamente indevido, ao poder administrativo e à pretensão de validade dos seus actos - embora o Código, com alguma prudência, não confira à "aparência do direito” uma prevalência absoluta, precisamente por estarem em jogo interesses contrapostos e conflituantes, que necessitam, como veremos melhor, de uma ponderação.

Na realidade, a relevância da juridicidade material, sobretudo nos casos de incerteza à primeira vista, não pode ser pretexto para alongar e desvirtuar o processo cautelar - que, visando uma decisão provisória ou interina, se caracteriza justamente por uma cognição sumária sobrecarregando-o com uma argumentação e uma instrução aprofundadas sobre o mérito da causa, como se fosse um processo principal. A referência ao “fumus”, ou seja, à "aparência” do direito visa justamente exprimir que a convicção prima facie do fundamento substancial da pretensão é bastante e é adequada à decisão cautelar, ao contrário do que se exige na decisão dos processos principais [sublinhado nosso].”

Também explica Mário Aroso de Almeida, a este propósito, in Manual de Processo Administrativo, 2ª ed., 2016, p. 451, o seguinte: “A atribuição das providências cautelares depende de um juízo, ainda que perfunctório, por parte do juiz, sobre o bem fundado da pretensão que o requerente faz valer no processo declarativo. O juiz deve, portanto, avaliar o grau de probabilidade de êxito do requerente no processo declarativo. Essa avaliação deve, naturalmente, conservar-se dentro dos estritos limites que são próprios da tutela cautelar, para não comprometer nem antecipar o juízo de fundo que caberá formular no processo principal.”.

E no Ac. do STA de 23.6.2016, proc. n.º 629/16, explicita-se o seguinte sobre este mesmo requisito:

“(…)

Conforme decorre do art. 120º do CPTA, são requisitos do procedimento cautelar administrativo:

- O periculum in mora, traduzido no fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação (nº 1, 1ª parte do art. 120º do CPTA).

(…)

- O fumus boni iuris, que se traduz num dever de o juiz avaliar, em termos sumários, a probabilidade da procedência da acção principal (nº 1, 2ª parte do referido art. 120º);

- Por último, e caso se verifiquem aqueles dois requisitos cumulativos, o critério de proporcionalidade estabelecido no nº 2 do art. 120º (…)

No caso presente no requerimento inicial vêm invocadas as ilegalidades acima elencadas (…)

Face a todo o alegado defende a Requerente nos artigos 270º a 272º que deve dar-se como verificada a probabilidade de procedência da acção principal de impugnação a instaurar.

Por sua vez o Requerido defende que o acto suspendendo não enferma de nenhum dos vícios que a Requerente lhe atribui, não sendo possível considerar preenchido o fumus boni iuris que se exige nos termos do art. 120º, nº 1, 2ª parte do CPTA, pelo que deverá ser recusada a providência.

O art. 120º, nº 1, do CPTA, prevê actualmente que a providência cautelar seja deferida se for possível formular um juízo de probabilidade de procedência da pretensão a formular na acção principal (uma vez reunidos os restantes requisitos).

Significa isto que no regime do CPTA a decisão a proferir sobre o pedido de suspensão de eficácia exige que o julgador constate se há probabilidade de que a acção principal seja procedente, o que implica a probabilidade da ilegalidade do acto ou da norma. [ sublinhados nossos]

No caso em apreço não cabe proceder à análise de todos os vícios invocados, ainda que apenas com vista a avaliar da sua probabilidade, constituindo essa apreciação uma antecipação de juízos sobre o objecto da acção a intentar, assim se invadindo uma área que há-de ser tratada no processo principal.

Com efeito, a simplicidade, provisoriedade e sumariedade, face à urgência que caracteriza este meio cautelar, não se coadunem com a ideia de que os vícios devam ser apreciados exaustivamente, até porque tal apreciação envolveria, no presente caso, uma análise cuidada do processo disciplinar, mormente de toda a prova aí recolhida e da tramitação desse processo, de forma a poder aferir-se dos invocados vícios do processo disciplinar e do acto suspendendo.

Do exposto resulta que, caracterizando-se o processo cautelar pela provisoriedade e urgência, o requisito relativo à aparência do bom direito implica um juízo sumário e perfunctório de probabilidade de procedência da acção principal. Dito de modo inverso, embora a apreciação de procedência dos vícios imputados ao acto suspendendo não seja compatível com uma exaustiva análise da situação, sob pena de se esgotar nesta apreciação o mérito da acção principal, dessa análise terá que resultar já um juízo afirmativo de probabilidade da ilegalidade do acto ou da norma.

Ora, de regresso ao caso concreto, como evidenciado na sentença recorrida, não se verifica o mínimo indício susceptível de gerar a invalidade do acto por vício de forma por falta de fundamentação, tal como vem pretendido pela Recorrente. A fundamentação deve cumprir os requisitos legais previstos no artigo 153.° do CPA, devendo a mesma ser expressa clara, coerente e suficiente, no sentido de permitir ao homem médio conhecer o iter valorativo e cognitivo, compreendendo, no caso, o motivo pelo qual foi tomada a decisão dos autos e não outra.

Ora, na exacta medida do que vem referido pela Mma. Juiz a quo, apreciando a fundamentação do despacho suspendendo é perfeitamente inteligível que a desocupação é motivada pela realização de uma passagem exactamente no local em causa, o que se mostrava incompatível com a ocupação por parte da ora Recorrente. E não era exigível que a decisão concretizasse qual o tipo de obra com todo o detalhe, pois a decisão não se insere numa justa causa de resolução de um contrato, mas sim no exercício do direito potestativo de revogação unilateral de actos válidos com natureza precária, os quais são livremente revogáveis por razões de mérito ou de conveniência da Administração, competindo a esta escolher os meios e a melhor forma de realizar o interesse público (o que sucedia de acordo com o artigo 140° do CPA). De igual modo, o actual art. 167.º do CPA, na parte final do seu n.º 3, prevê precisamente uma excepção para a irrevogabilidade dos actos constitutivos de direitos – enquanto actos que atribuam ou reconheçam situações jurídicas de vantagem ou eliminem ou limitem deveres, ónus, encargos ou sujeições –, atinente a actos cuja precariedade decorra da lei ou da natureza do acto; o que é o caso em apreço.

Pelo que a decisão está fundamentada, tendo não só presente as exigências da fundamentação formal e material, como considerando inclusive a natureza jurídica do acto em causa.

Por outro lado, relativamente à alegação de que o ora Recorrido não ponderou os interesses em presença, nem os problemas que o acto suspendendo lhe iria causar, tal como explicitado na sentença recorrida, resultou provado que o acto suspendendo foi praticado e notificado à Requerente com mais de 5 meses de antecedência, tendo resultado igualmente provado que o mesmo acto determinou que os serviços diligenciassem outro focal, próximo e adequado à utilização, peto que é manifesto que os interesses da Requerente foram ponderados pelo Requerido. E relativamente à violação do dever de boa administração, a Requerente limitou-se a fazer a afirmação de não ficou demonstrado que o Requerido não procurou a melhor solução, sem que concretizasse os motivos dessa alegação, como lhe competia de acordo com as regras gerais de distribuição do ónus da prova.

Também por aqui não se antevê o mínimo de probabilidade de o acto suspendendo vir a ser anulado na acção principal com esses fundamentos.

Donde, na falta de prova, ainda que sumária, de que os vícios invocados viessem a ser julgados procedentes em sede de acção principal, não poderia deferir-se a providência requerida, tornando-se inútil, como igualmente referido na sentença recorrida, conhecer do requisito do periculum in mora. Improcede desde modo a pretensão da Recorrente em ver apreciada a existência de periculum in mora.

Perante o que se vem de dizer, naturalmente se conclui que não poderia ocorrer, ainda que autonomamente, o deferimento do pedido de manutenção da ocupação e de autorização provisória para prosseguir a sua actividade no terreno municipal ocupado.

Razões pelas quais, na improcedência das conclusões de recurso, tem que ser negado provimento ao mesmo, com a consequente manutenção da sentença recorrida.



III. Conclusões

Sumariando:

i- A fundamentação constitui um conceito relativo, variável em função do tipo de acto, dos seus antecedentes e das circunstâncias em que é praticado, destinando-se a permitir o conhecimento do iter valorativo e cognoscitivo que levou a Administração a decidir em determinado sentido e não noutro.

ii- No regime do CPTA revisto a decisão a proferir sobre o pedido de suspensão de eficácia exige que o julgador constate se há probabilidade de que a acção principal seja procedente, o que implica a probabilidade da ilegalidade do acto ou da norma.

iii- Pela sua própria natureza, os efeitos jurídicos criados pelo acto precário apenas existem por mera tolerância da Administração que pode modificá-los ou extingui-los em todos os casos e em qualquer momento, não sendo, assim, constitutivo de direitos.

iv- A concessão de autorização de utilização de bens dos municípios é totalmente dependente da margem de livre apreciação e de conveniência da Administração, designadamente quanto à tomada, ou não, dessa decisão, quanto ao momento, à forma e quanto ao conteúdo de cedência dos seus bens.

v- Está fundamentado o acto que determina a desocupação de um terreno municipal, ocupado a título precário, em que se invoca a natureza do título e a cessação da cedência precária, identificando-se que os planos do Município para o local, que prevêem a construção de uma passagem exactamente nesse espaço, consubstanciando obra de interesse público, não permitem que a ocupação se mantenha depois de determinado prazo.

vi- Na falta de prova, ainda que sumária, de que os vícios invocados cautelarmente venham a ser julgados procedentes em sede de acção principal, não poderá deferir-se a providência requerida, com o que se torna inútil conhecer do requisito do periculum in mora alegado.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.

Lisboa, 6 de Outubro de 2016



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Pedro Marchão Marques


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Helena Canelas


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António Vasconcelos