Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06195/12
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:02/26/2013
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO.
DUPLICAÇÃO DE COLECTA.
OPOSIÇÃO A EXECUÇÃO FISCAL. FUNDAMENTOS.
ÂMBITO DE APLICAÇÃO DO ARTº.204, Nº.1, AL.A), DO C.P.P.TRIBUTÁRIO.
Sumário:1. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.655, do C.P.Civil).
2. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.508-A, nº.1, al.e), 511 e 659, todos do C.P.Civil) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
3. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.
4. De acordo com a lei (cfr.artº.287, nº.1, do C.P.Tributário; artº.205, do C.P.P.Tributário), a figura jurídico-tributária da duplicação de colecta caracteriza-se pelos seguintes vectores:
a)Unicidade do facto tributário;
b)Identidade da natureza entre a contribuição ou imposto já pago integralmente e o que de novo se pretende cobrar;
c)Coincidência temporal entre a incidência do imposto pago e o que de novo se exige.
5. A duplicação de colecta pode configurar-se como o equivalente, no domínio do direito fiscal, ao princípio penal da proibição do “non bis in idem”, sendo causa de ilegalidade do acto tributário.
6. A referência ao pagamento do tributo por inteiro tem ínsita a exigência de que o imposto devido esteja totalmente pago, o que afasta a possibilidade de invocação da duplicação de colecta quando o tributo apenas está parcialmente pago, na sequência da primeira liquidação, seja por que foi feito o pagamento apenas de parte das prestações, seja por que a primeira liquidação, apesar de estar paga na sua totalidade, não atinge o montante a cobrar em face da segunda liquidação.
7. Os fundamentos definidos na lei para a oposição do executado encontram-se consagrados no artº.204, nº.1, do C. P. P. Tributário (cfr.artº.286, do anterior C.P.Tributário), preceito que consagra uma enumeração legal taxativa dado utilizar a expressão “...a oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos...”.
8. No artº.204, nº.1, al.a), do C.P.P.Tributário, primeira parte da norma, é enquadrável qualquer ilegalidade substantiva agravada (absoluta ou abstracta) como é a eventual ilegalidade do diploma criador do tributo que constitui a dívida exequenda. Está-se, aqui, perante aquilo que doutrinal e jurisprudencialmente se designa por ilegalidade abstracta ou absoluta da liquidação, a qual se distingue da “ilegalidade em concreto” por na primeira estar em causa a ilegalidade do tributo e não a mera ilegalidade do acto tributário ou da liquidação concretamente levada a efeito. Isto é, na ilegalidade abstracta a ilicitude não reside directamente no acto que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação é feita, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação material a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o acto foi praticado. Por outras palavras, o vício não se refere ao concreto acto de liquidação, mas antes se reportando à ilegalidade da norma em que o mesmo acto tributário se baseia. Por último, sempre se dirá que a inexistência de imposto a que faz menção a norma sob exegese se refere à inexistência do tributo nas leis em vigor à data dos factos, a qual, afectando a própria lei, não depende do acto que faz a aplicação ao caso concreto.
9. Já a segunda parte da alínea a), do nº.1, deste artº.204, se refere à falta de autorização de cobrança na data em que ocorreu a liquidação, visando concretizar as normas constitucionais que fazem depender a possibilidade de cobrança de receitas de prévia inscrição no Orçamento do Estado (que inclui o orçamento da segurança social) da discriminação das receitas que, anualmente, o Estado está autorizado a cobrar (cfr.artº. 105, da C.R.P.). Assim, a falta de inscrição orçamental de receita liquidada sujeita a tal inscrição constitui um vício do acto tributário gerador da sua ilegalidade abstracta, equiparável aos vícios de inexistência do tributo nas leis em vigor, consagrados na primeira parte da mesma norma.


O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
“A..., S.G.P.S., S.A.”, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto a sentença proferida pela Mmª. Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.217 a 226 do presente processo, através da qual julgou totalmente improcedente a oposição, intentada pelo apelante, à execução fiscal nº.3247-2010/102279.2, que corre seus termos no 2º. Serviço de Finanças de Lisboa, visando a cobrança coerciva de dívida de I.R.C., relativa ao ano de 2005 e no montante total de € 3.467.014,10.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.259 a 289 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-A decisão “a quo” merece censura em virtude dos fundamentos por si utilizados terem assentado em factos insuficientes e que interpretaram e aplicaram mal a lei;
2-Importa incluir na sentença recorrida factos que resultam da alegação das partes e da prova junta aos autos e que se mostram fundamentais para a correcta emissão de decisão de facto e de direito. Pois bem, devem ser considerados provados os seguintes factos, os quais devem acrescer aos constantes do capítulo III da sentença em apreço:

i. Em Dezembro de 2000, a recorrente apurou uma mais-valia fiscal no valor de € 10.959.259,61, com a venda de um lote de acções (cfr.artigo 7 da p.i. e artigo 13 da contestação);
ii. A recorrente declarou a sua intenção de proceder ao reinvestimento do valor de realização da referida mais-valia (cfr.artigo 8 da p.i. e artigo 15 da contestação);
iii. Tal reinvestimento veio a concretizar-se em 20 de Agosto de 2002 com a reaquisição de acções da sociedade “NQF Gás” (cfr.artigo 8 da p.i. e artigo 16 da contestação);
iv. Mediante a realização deste reinvestimento, e de acordo com o regime legal aplicável “in casu”, foi diferida a tributação da mais-valia apurada em 2000 até ao momento da alienação dos bens em que se concretizou tal reinvestimento, ou seja, até a venda das acções da sociedade na “NQF Gás” (cfr.artigo 9 da p.i. e artigo 15 da contestação);
v. Esse momento surgiu em Dezembro de 2005 com a alienação pela recorrente das acções de que era titular na referida sociedade “NQF Gás” (cfr.artigo 10 da p.i. e artigo 17 da contestação);
vi. No que respeita à mais-valia de 2000 suspensa de tributação, decidiu a recorrente optar pelo regime transitório previsto no artigo 32, nº.8, da Lei 109-B/2001, de 27/12 (Lei do Orçamento do Estado para 2002), e, nessa medida, imputar, no exercício de 2004, 50% do referido valor, a saber € 5.479.629 (facto não contestado);
vii. Dispõe o artº.32, nº.8, da Lei 109-B/2001 que: “[a] parte da diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias, realizadas antes de 1 de Janeiro de 2001, cujo valor de realização tenha sido ou, no respectivo prazo legal, venha a ser objecto de reinvestimento em bens não reintegráveis pode, por opção do sujeito passivo, e em alternativa ao regime previsto na alínea b), do nº.7, da Lei 30-G/2000, de 29/12, ser antecipadamente incluída na base tributável de qualquer exercício que seja anterior ao da alienação do correspondente activo a que está associada, desde que posterior a 1 de Janeiro de 2001, por metade do seu valor, nos termos previstos no artigo 45, do Código do I.R.C., na redacção dada pela presente lei, mas sem exigência do novo reinvestimento subsequente consagrado neste último preceito” (cfr.artigo 13 da p.i. e artigo 25 da contestação);
viii. Mediante a entrega de declaração de substituição relativa ao exercício de 2004 (ou seja, o exercício anterior ao da alienação, i.e. o de 2005), a recorrente procedeu à inclusão de metade da mais-valia apurada em 2000, a qual teve como efeito aumentar o lucro tributável relativo àquele ano no montante de € 5.479.629 (cfr.doc. nº.2 em anexo à p.i. a fls.25 a 28 dos autos e artigo 14 da p.i.);
ix. Através do procedimento acima referido e nos termos das disposições legais aplicáveis “in casu” – artigo 32, nº.8, da Lei 109-B/2001 – a ora recorrente efectuou o pagamento de I.R.C. relativamente à mais-valia suspensa de tributação relativa ao exercício de 2000 (cfr.artigo 16 da p.i. e não contestado antes reconhecido e subjacente à contestação);
x. Já em 2009, a recorrente foi objecto de um procedimento de Inspecção Tributária respeitante ao exercício de 2005 (cfr.artigo 17 da p.i. e artigo 10 da contestação);
xi. O próprio Relatório Final de Inspecção Tributária vem propor que seja efectuada revisão oficiosa do acto de liquidação relativamente ao exercício de 2004, reconhecendo, assim, que não devem subsistir inalteradas ambas as liquidações (cfr. doc. nº.6 em anexo à p.i. p.18, a fls.69 dos autos);
xii. Apesar da proposta da Inspecção Tributária referida no ponto anterior, não foi efectuada qualquer revisão oficiosa, permanecendo ambas as liquidações e a situação profundamente injusta e intolerável a estas subjacente sem qualquer alteração (cfr. artigo 23 da p.i. nunca posto em causa pela recorrida);

3-Considerando os factos provados, não restam dúvidas de que no processo em apreço se verifica uma inadmissível situação de duplicação de colecta – cfr.artigo 205 do C.P.P.T. – não podendo a recorrente aceitar a forma pouco cuidada e lacunar que presidiu à análise deste ponto pelo Tribunal “a quo”;
4-Verificam-se no caso “sub judice” todos os requisitos da duplicação de colecta, uma vez que existe (i) a unicidade dos factos tributários; (ii) a identidade da natureza entre o tributo pago e o que de novo se exige; e, (iii) a coincidência temporal do tributo pago e o que de novo se pretende cobrar;
5-Estamos perante duas liquidações relativas a um mesmo período, (i) uma resultante da declaração de substituição apresentada pela recorrente, em 4 de Maio de 2006; e, (ii) outra resultante da inspecção tributária de que foi a recorrente alvo, a qual lhe foi notificada em 31 de Dezembro de 2009, que visam a tributação da mesma e única realidade fáctica: uma mais-valia apurada no exercício de 2000, aquando da alienação pela recorrente das acções da sociedade «NQF Gás», de que era titular desde Setembro de 1997;
6-O facto tributário em causa, apuramento em 2000 de uma mais-valia decorrente da alienação de acções, que, por força do regime especial que lhe era aplicável ficou suspensa de tributação, é o mesmo em ambos os casos, existindo, deste modo, uma “unicidade do facto tributário”;
7-O sujeito passivo a quem o imposto é agora exigido, é o mesmo que em 2004 o pagou, ou seja a ora recorrente;
8-O imposto que se pretende coercivamente cobrar é o IRC, precisamente o mesmo imposto que já a recorrente liquidou e pagou em 2004 relativamente à mais-valia de 2000, não restando dúvidas que o imposto em causa nas duas liquidações em crise tem a mesma natureza;
9-No que concerne à necessária coincidência temporal do tributo pago e o que de novo se pretende cobrar, é necessário salientar que subjacente a ambas as liquidações, tanto à realizada relativamente a 2004, como à emitida quanto a 2005, está o mesmo rendimento, apurado e qualificado num único momento, o ano de 2000, não pode deixar de ser este o espaço temporal a ter em conta para qualquer um daqueles casos;
10-Não estamos perante um qualquer facto que, protelando-se no tempo, pode dar origem à liquidação de imposto em dois anos diferentes, sem que haja qualquer duplicação de colecta; ou sequer perante um qualquer rendimento que nos termos legais possa, apesar de auferido num determinado ano, ser em parte tributado num ano e outra parte noutro;
11-Estamos face a um singular facto tributário, cuja tributação deve ser feita num único momento. É ao momento em que determinado rendimento é apurado e em que é feita a sua qualificação, que se deve reportar o respectivo espaço temporal;
12-Torna-se indiferente para a análise da existência de duplicação de colecta que o rendimento, com base em considerações legais díspares, tenha sido registado fiscalmente pelo sujeito passivo em 2004 e pela Administração fiscal em 2005, constatação que parece o Tribunal “a quo” querer negar;
13-O imposto apurado mediante entrega de declaração de substituição e relativa ao ano de 2004 foi pago pela recorrente na sua integralidade, não se podendo compreender a afirmação do Tribunal “a quo” de que o imposto não se encontraria inteiramente pago. É que a recorrente não pretende obter o reconhecimento da existência de duplicação de colecta quanto à globalidade do valor em causa no processo de execução em apreço, mas apenas quanto àquele que já foi pago (na totalidade) em resultado de autoliquidação do exercício de 2004;
14-A tributação atinente ao exercício de 2005 não poderá – de todo em todo – implicar a incidência de I.R.C. na sua esfera, duas vezes, sobre o mesmo facto tributário;
15-Em face do que se expôs, determinar como procedente a cobrança coerciva ora em crise, relativa a liquidação adicional de imposto quanto ao exercício de 2005, implica que o sujeito passivo pague imposto relativamente a 150%(!) da mais-valia por si apurada, ou seja, um verdadeiro e ilegítimo enriquecimento sem causa;
16-A correcção ao lucro tributável da recorrente perpetrada pela Administração fiscal ao exercício de 2005 e a correspondente liquidação adicional apenas se tornaram definitivas em Dezembro de 2010 no momento em que foi indeferida a reclamação graciosa apresentada pela recorrente;
17-Naquele momento já não se encontravam à disposição da recorrente os meios de contestação, graciosa ou judicial, que lhe permitiriam pôr em causa a supra referida autoliquidação do exercício de 2004, tornando ainda mais gravosa a imposição de nova liquidação em 2005 e a sua cobrança em 100% no presente processo de execução;
18-Nesta medida, entendimento no sentido de que só existe duplicação de colecta se o primeiro pagamento do imposto efectuado pelo contribuinte (“in casu” o de 2004) for devido, posto que, caso contrário, o que foi já pago deve ser reembolsado através dos meios adequados de reacção contra o primeiro acto tributário, não se devendo prescindir do segundo pagamento, apenas poderá ter (eventualmente) aplicação se ao contribuinte ainda for possível, aquando da consolidação do segundo acto de liquidação e cobrança obter, por sua iniciativa a anulação do primeiro acto, o que não acontece no caso vertente dos autos;
18-Não se pode aceitar, sob pena de gritante injustiça e de violação, como veremos infra, dos mais elementares princípios de direito fiscal, que a Administração fiscal logre receber o pagamento de 150% do imposto (alegadamente) devido, negando-se ao contribuinte a possibilidade de ver anulado o acto que deu lugar à liquidação e pagamento de 50% daquele imposto e recusando-se a possibilidade de redução do processo de execução em que se pretende obter 100% daquele mesmo imposto;
19-Em suma, a presente execução fiscal, na parte em que pretende cobrar o imposto relativo a 100% do valor da mais-valia apurada em 2000, quando o mesmo já foi na íntegra pago quanto a 50% do mesmo valor – cfr.docs. n.ºs 2 e 3 em anexo à p.i. –, deve ser considerada parcialmente revogada (ou seja, subsistindo apenas quanto aos restantes 50%), posto que se verificam todos os requisitos que permitem enquadrar esta numa situação inadmissível de duplicação de colecta;
20-Sem prescindir do que ficou já acima plasmado, a interpretação e aplicação da Administração fiscal dos preceitos legais é por demais violadora da Lei Constitucional;
21-Nesta matéria, como acima quanto à duplicação de colecta, o Tribunal “a quo” não procede a uma efectiva análise dos argumentos aduzidos e da conformação jurídica feita pela recorrente;
22-Não é aceitável que a Administração fiscal interpretando de forma absolutamente literal o regime especial consagrado no nº.8, do artigo 32, da Lei 109-B/2001, de 27/12, tenha, mediante a negação da sua aplicação, pura e simplesmente ignorado que a recorrente já procedeu ao pagamento do imposto devido relativamente a 50% da mais-valia em crise, determinando, sem mais, nova tributação, agora em 100%, da mesma mais-valia, aplicando as normas gerais do Código do I.R.C. – cfr.artigos 17, 20, nº.1, alínea f), e 45, nº.1, e nº.4, do Código do I.R.C.;
23-A vingar a pretensão da Administração fiscal, a recorrente viria a ser tributada em 150%(!) da mais-valia apurada, com desrespeito pelo rendimento real por si auferido e impondo-lhe uma obrigação de imposto para além, e em violação, do seu rendimento real;
24-As normas do nº.8, do artigo 32, da Lei 109-B/2001, de 27/12, e dos artigos 17, 20 e 45, nº.1 e nº.4, do Código do I.R.C., interpretadas e aplicadas no sentido de que o contribuinte, que foi já tributado em 50% da mais-valia à luz do citado artigo 32, nº.8, da Lei 109-B/2001, pode ainda, de acordo com os artigos 17, 20 e 45, nº.1 e nº.4, do Código do I.R.C., ser tributado adicionalmente em 100% da mesma mais-valia (perfilhada em 150%), são, nessa interpretação materialmente inconstitucionais por violação do princípio da tributação pelo rendimento real, plasmado no artigo 104, nº.2, da C.R.P., que exige que a tributação das empresas incida fundamentalmente exactamente sobre o seu rendimento real, inconstitucionalidade já suscitada;
25-A tributação de 100% de mais-valia, já tributada em 50% do seu valor, não é necessária à realização de quaisquer dos objectivos que presidiram ao estabelecimento da tributação do rendimento das “empresas” e que visam, como fim último, a obtenção de receitas públicas;
26-Estavam disponíveis meios que, realizando plenamente os fins públicos pretendidos, eram menos onerosos para a recorrente, nomeadamente, através da revogação da liquidação efectuada ao exercício de 2004 e respectivo reembolso;
27-Avaliando as desvantagens dos meios em relação às vantagens dos fins a alcançar, verificamos que o imposto que se visa pela presente execução fiscal coercivamente cobrar não consubstancia uma “justa medida”, sendo que a irrazoável oneração de um contribuinte em 150% do respectivo rendimento não pode ser considerada proporcional relativamente à prossecução de qualquer fim público, nomeadamente ao financiamento de actividades públicas;
28-Resulta que a norma do nº.8, do artigo 32, da Lei-B/2001, de 27/12, interpretada literalmente no sentido de ser negada nos presentes autos a sua aplicação e as normas dos artigos 17, 20, nº.1, alínea f), e 45, nº.1 e nº.4, do Código do I.R.C., interpretadas no sentido de determinarem a tributação de 100% da mais-valia em crise, sendo desconsiderado que a ora recorrente procedeu já ao pagamento do imposto correspondente a 50% de tal mais-valia (perfilhada em 150%), são, nessa interpretação materialmente inconstitucional por violação do princípio constitucional da proporcionalidade, inconstitucionalidade que já se suscitou;
29-Estas normas interpretadas no sentido pretendido pela Administração fiscal, implicam, igualmente, uma clara violação do princípio da igualdade, entendido não no seu sentido formal (igualdade perante a lei), mas sim no seu sentido material (igualdade na lei);
30-O tratamento diferenciado entre os contribuintes baseado apenas numa interpretação literal e limitada de disposição legal – nº.8, do artigo 32, da Lei 109-B/2001, de 27/12 – em claro desrespeito pela verdadeira substância económica e factual das operações e comportamento de cada um dos contribuintes, permite que a situações materialmente iguais seja, inadmissivelmente, concedido tratamento díspar;
31-Face ao exposto, resulta que a norma do nº.8, do artigo 32, da Lei 109-B/2001, de 27/12, interpretada literalmente no sentido de ser negada no caso dos autos a sua aplicação e as normas dos artigos 17, 20, nº.1, alínea f), e 45, nº.1 e nº.4, do Código do I.R.C., interpretadas no sentido de determinarem a tributação de 100% da mais-valia em crise, sendo desconsiderado que a ora recorrente procedeu já ao pagamento do imposto correspondente a 50% de tal mais-valia, são, nessa interpretação materialmente inconstitucional por violação do princípio constitucional da igualdade, consagrado no artigo 13, da C.R.P., inconstitucionalidade que já se suscitou;
32-Termos em que, a decisão “a quo”, no que respeita ao indeferimento da oposição apresentada merece inteira censura, devendo V. Exas. concederem provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando a sentença recorrida no sentido do deferimento da oposição apresentada, tudo com as devidas consequências legais. Só nestes termos será respeitado o DIREITO e feita JUSTIÇA.
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso e consequente confirmação da sentença recorrida (cfr.fls.305 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.308 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.218 a 220 dos autos):
1-Em 1/03/2010, no 2º. Serviço de Finanças de Lisboa, foi instaurada contra a aqui oponente a execução fiscal nº.3247-2010/102279.2, por dívidas de I.R.C., no montante total de € 3.467.014,10 (cfr.documento junto a fls.97 dos presentes autos; informação exarada a fls.96 dos presentes autos);
2-A liquidação adicional de I.R.C. que deu origem ao processo de execução fiscal foi realizada na sequência de inspecção tributária ao exercício de 2005 e resultou de correcções de natureza meramente aritmética relativas a mais-valias suspensas de tributação resultantes da alienação de partes de capital (acções da “NQF Gás SGPS, SA”) no ano de 2000 (cfr.documentos juntos a fls.32 a 45, 46 a 48 e 49 a 85 dos presentes autos);
3-No relatório de inspecção, no que respeita às referidas acções, consta que (cfr. relatório de inspecção junto a fls.52 a 70 dos presentes autos):
“(…) Em 29 de Dezembro de 2000, o sujeito passivo alienou 400.000 acções da “NQF Gás SGPS, SA”, de que era proprietária desde Setembro de 1997 (…).
Quanto à mais-valia fiscal, no já citado montante de € 10.959.259,61, ficou suspensa de tributação, por o sujeito passivo ter declarado a intenção de reinvestir o valor de realização correspondente, em conformidade com o número 4 do artigo 44º do CIRC, na redacção em vigor em 2000.
(…) Dentro do prazo fixado para a concretização do reinvestimento, precisamente em 20 de Agosto de 2002, o sujeito passivo reinvestiu na aquisição ou recompra à NG Netherdands Gás Bv, das 400.000 acções que aquela possuía na “NQF Gás SGPS, SA”, pelo valor de € 30.925.469,62.
(…) Em 29 de Dezembro de 2005, o sujeito passivo alienou a totalidade das acções da “NQF Gás SGPS; SA”, ou seja, as 400.000 acções de que era proprietário desde 2002 e as 109.996 acções de que era proprietário desde 1997, à “EDP Participações, SGPS, SA” (…).
No que respeita à mais-valia fiscal que se encontrava suspensa de tributação, no montante de € 10.959.259,61, de acordo com a nota explicativa ao mapa das mais-valias e menos-valias fiscais do exercício de 2005, que se juntou no já citado Anexo 3, refere-se, entre outros, que ”… tendo-se alienado no exercício de 2005 acções nas quais se concretizou o reinvestimento do valor de realização associado à mais-valia realizada no exercício de 2000 e por forma a beneficiar da tributação em apenas 50% daquela mais-valia, dever-se-á dar à tributação, no exercício de 2004, o valor correspondente a 50% daquela mais-valia, ou seja, € 5.479.629.”
Confirmámos no nosso sistema informático que o sujeito passivo entregou a primeira declaração de rendimentos Mod. 22/IRC do exercício de 2004 em 27/Maio/2005, na qual foi apurado um lucro tributável no montante de € 776.265,56. Em 4/Maio/2006 o sujeito passivo entregou nova declaração a substituir a anterior, na qual foi apurado um lucro tributável no montante de € 6.255.894,56, na sequência do acréscimo na “linha 216 – mais valias fiscais sem intenção de reinvestimento (art 43º) do montante de € 5.479.629,00.
Em 2004, 2005, 2006 e 2007, o sujeito passivo não adquiriu partes de capital, conforme se pode visualizar no Balanço desses exercícios, extraídos das Declarações Anuais de Informação Contabilística e Fiscal, constantes do nosso Sistema Informático (…)” (cfr.documentos juntos a fls.59 a 62 dos presentes autos);
4-Na sequência da notificação da liquidação adicional de IRC de 2005, a oponente apresentou reclamação graciosa (cfr.documento junto a fls.86 dos presentes autos; informação exarada a fls.96 dos presentes autos);
5-Em 4/05/2006 a oponente entregou declaração de substituição relativa ao exercício de 2004, que originou o apuramento de valor adicional de imposto que ascendeu a € 1.506.897,97 (cfr.documento junto a fls.25 a 28 dos presentes autos);
6-O valor do imposto referido no número anterior, bem como os respectivos juros compensatórios foram pagos pela oponente (cfr.documentos juntos a fls.29 a 31 dos presentes autos);
7-Em 12/03/2010, a oponente foi citada para os termos da execução identificada no nº.1 (cfr.documentos juntos a fls.24 e 98 dos presentes autos);
8-A oposição deu entrada em 8/04/2010 no 2º. Serviço de Finanças de Lisboa (cfr. carimbo de entrada aposto na petição de fls.5 dos presentes autos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Com interesse para a decisão a proferir, não se provaram outros factos para além dos supra referidos…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos, referidos nos «factos provados» com remissão para as folhas do processo onde se encontram…”.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu julgar improcedente a presente oposição, devido ao decaimento dos fundamentos da mesma.
X
Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.685-A, do C.P.Civil; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Aduz o apelante, em primeiro lugar, que importa incluir na sentença recorrida factos que resultam da alegação das partes e da prova junta aos autos e que se mostram fundamentais para a correcta emissão de decisão de facto e de direito. Que devem ser considerados provados os seguintes factos, os quais devem acrescer aos constantes do capítulo III da sentença em apreço:
a) Em Dezembro de 2000, a recorrente apurou uma mais-valia fiscal no valor de € 10.959.259,61, com a venda de um lote de acções (cfr.artigo 7 da p.i. e artigo 13 da contestação);
b) A recorrente declarou a sua intenção de proceder ao reinvestimento do valor de realização da referida mais-valia (cfr.artigo 8 da p.i. e artigo 15 da contestação);
c) Tal reinvestimento veio a concretizar-se em 20 de Agosto de 2002 com a reaquisição de acções da sociedade “NQF Gás” (cfr.artigo 8 da p.i. e artigo 16 da contestação);
d) Mediante a realização deste reinvestimento, e de acordo com o regime legal aplicável “in casu”, foi diferida a tributação da mais-valia apurada em 2000 até ao momento da alienação dos bens em que se concretizou tal reinvestimento, ou seja, até a venda das acções da sociedade na “NQF Gás” (cfr.artigo 9 da p.i. e artigo 15 da contestação);
e) Esse momento surgiu em Dezembro de 2005 com a alienação pela recorrente das acções de que era titular na referida sociedade “NQF Gás” (cfr.artigo 10 da p.i. e artigo 17 da contestação);
f) No que respeita à mais-valia de 2000 suspensa de tributação, decidiu a recorrente optar pelo regime transitório previsto no artigo 32, nº.8, da Lei 109-B/2001, de 27/12 (Lei do Orçamento do Estado para 2002), e, nessa medida, imputar, no exercício de 2004, 50% do referido valor, a saber € 5.479.629 (facto não contestado);
g) Dispõe o artº.32, nº.8, da Lei 109-B/2001 que: “[a] parte da diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias, realizadas antes de 1 de Janeiro de 2001, cujo valor de realização tenha sido ou, no respectivo prazo legal, venha a ser objecto de reinvestimento em bens não reintegráveis pode, por opção do sujeito passivo, e em alternativa ao regime previsto na alínea b), do nº.7, da Lei 30-G/2000, de 29/12, ser antecipadamente incluída na base tributável de qualquer exercício que seja anterior ao da alienação do correspondente activo a que está associada, desde que posterior a 1 de Janeiro de 2001, por metade do seu valor, nos termos previstos no artigo 45, do Código do I.R.C., na redacção dada pela presente lei, mas sem exigência do novo reinvestimento subsequente consagrado neste último preceito” (cfr.artigo 13 da p.i. e artigo 25 da contestação);
h) Mediante a entrega de declaração de substituição relativa ao exercício de 2004 (ou seja, o exercício anterior ao da alienação, i.e. o de 2005), a recorrente procedeu à inclusão de metade da mais-valia apurada em 2000, a qual teve como efeito aumentar o lucro tributável relativo àquele ano no montante de € 5.479.629 (cfr.doc. nº.2 em anexo à p.i. a fls.25 a 28 dos autos e artigo 14 da p.i.);
i) Através do procedimento acima referido e nos termos das disposições legais aplicáveis “in casu” – artigo 32, nº.8, da Lei 109-B/2001 – a ora recorrente efectuou o pagamento de I.R.C. relativamente à mais-valia suspensa de tributação relativa ao exercício de 2000 (cfr.artigo 16 da p.i. e não contestado antes reconhecido e subjacente à contestação);
j) Já em 2009, a recorrente foi objecto de um procedimento de Inspecção Tributária respeitante ao exercício de 2005 (cfr.artigo 17 da p.i. e artigo 10 da contestação);
l) O próprio Relatório Final de Inspecção Tributária vem propor que seja efectuada revisão oficiosa do acto de liquidação relativamente ao exercício de 2004, reconhecendo, assim, que não devem subsistir inalteradas ambas as liquidações (cfr. doc. nº.6 em anexo à p.i. p.18, a fls.69 dos autos);
m) Apesar da proposta da Inspecção Tributária referida no ponto anterior, não foi efectuada qualquer revisão oficiosa, permanecendo ambas as liquidações e a situação profundamente injusta e intolerável a estas subjacente sem qualquer alteração (cfr.artigo 23 da p.i. nunca posto em causa pela recorrida)
(cfr.conclusões 1 e 2 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar erro de julgamento de facto da decisão recorrida.
Analisemos se a decisão recorrida sofre de tal vício.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.655, do C.P.Civil; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.508-A, nº.1, al.e), 511 e 659, todos do C.P.Civil) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
Mais se dirá que o erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.
“In casu”, o recorrente insurge-se contra o julgamento da matéria de facto constante do probatório estruturado pelo Tribunal “a quo”, defendendo o aditamento ao probatório da matéria constante das doze alíneas supra mencionadas.
Deve recordar-se, antes de mais, que a oposição a execução fiscal é espécie processual onde os fundamentos admissíveis definidos na lei se encontram consagrados no artº.204, nº.1, do C.P.P.Tributário (cfr.artº.286, do anterior C.P.Tributário), preceito que consagra uma enumeração legal taxativa dado utilizar a expressão “...a oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos...”. Tal regime de fundamentação da oposição a execução fiscal, o qual já se encontrava consagrado nos artºs.84 e 86, do Código das Execuções Fiscais de 1913, visa, em princípio, evitar o protelamento excessivo da cobrança coerciva dos créditos do Estado. O legislador teve, por isso, a preocupação de limitar as possibilidades de defesa em processo de execução fiscal aos casos de flagrante injustiça (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 15/3/95, rec.18898, Ap.D.R., 31/7/97, pág.781 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/12/2012, proc.5989/12; Soares Martínez, Direito Fiscal, 8ª.Edição, Almedina, 1996, pág.449; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.322 e seg.).
Voltando ao caso concreto, na p.i. que deu origem ao processo de oposição sob decisão, a recorrente invoca como causas de pedir a duplicação de colecta, fundamento de oposição previsto no artº.204, nº.1, al.g), do C.P.P.T., e o vício de violação de lei por parte da liquidação que constitui a dívida exequenda e dos preceitos legais em que se fundamentou a sua estruturação, tudo por violação dos princípios constitucionais da tributação pelo rendimento real, da proporcionalidade e da igualdade, a qual a apelante enquadra no artº.204, nº.1, al.a), do C.P.P.T.
Examinemos, agora, as doze alíneas supra identificadas. A matéria constante das alíneas a), b), c), d), e) e f), já se encontra no nº.3 do probatório. A alínea g) somente contém matéria de direito. A alínea h) também já consta do citado nº.3 do probatório. A alínea i), embora matéria conclusiva, já consta do nº.6 do probatório. A alínea j) contém matéria sem qualquer relevo para a decisão da causa. Por último, as alíneas l) e m) somente contêm factualidade de natureza conclusiva e sem qualquer relevo para a decisão da causa.
Pelo que, não vislumbra o Tribunal “ad quem” que a sentença recorrida padeça do examinado erro de julgamento de facto neste segmento, assim sendo forçoso julgar improcedente este fundamento do recurso.
Mais alega o recorrente que se verificam, no caso “sub judice”, todos os requisitos da duplicação de colecta, uma vez que existe; (i) a unicidade dos factos tributários; (ii) a identidade da natureza entre o tributo pago e o que de novo se exige e; (iii) a coincidência temporal do tributo pago e o que de novo se pretende cobrar. Que a presente execução fiscal, na parte em que pretende cobrar o imposto relativo a 100% do valor da mais-valia apurada em 2000, quando o mesmo já foi na íntegra pago quanto a 50% do mesmo valor, deve ser considerada parcialmente revogada (ou seja, subsistindo apenas quanto aos restantes 50%), posto que se verificam todos os requisitos que permitem enquadrar esta situação numa inadmissível duplicação de colecta (cfr.conclusões 3 a 19 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, segundo cremos, assacar à decisão recorrida o vício de erro de julgamento de direito.
Examinemos se a sentença recorrida comporta tal pecha.
A duplicação de colecta consubstancia, além do mais, fundamento de oposição a execução fiscal (cfr.artºs.286, nº.1, al.f), e 287, do C.P.Tributário; artº.204, nº.1, al.g), e 205, do C.P.P.Tributário), sendo factualidade igualmente de conhecimento oficioso pelo Tribunal (cfr.artº.287, nº.2, do C.P.Tributário; artº.175, do C.P.P.Tributário).
Considerada uma heresia dentro do sistema fiscal, a duplicação de colecta implica a verificação de três identidades: do facto, do imposto e do período. Não se exige, contudo, a identidade do contribuinte (cfr.A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.603 e seg.; Pedro Soares Martínez, Direito Fiscal, 8ª.edição, Almedina, 1996, pág.450).
De acordo com a lei (cfr.artº.287, nº.1, do C.P.Tributário; artº.205, do C.P.P.Tributário), a figura jurídico-tributária da duplicação de colecta caracteriza-se pelos seguintes vectores:
1-Unicidade do facto tributário;
2-Identidade da natureza entre a contribuição ou imposto já pago integralmente e o que de novo se pretende cobrar;
3-Coincidência temporal entre a incidência do imposto pago e o que de novo se exige (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/10/78, Acs. Douts., nº.207, pág.391; ac.T.T.2ª. Instância, 12/10/93, C.T.F.373, pág.227 e seg.; ac.T.C.A.Sul, 31/1/2012, proc.4966/11; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.604; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.394).
A duplicação de colecta pode configurar-se como o equivalente, no domínio do direito fiscal, ao princípio penal da proibição do “non bis in idem”, sendo causa de ilegalidade do acto tributário.
A duplicação de colecta resulta da aplicação do mesmo preceito legal mais do que uma vez ao mesmo facto tributário ou situação tributária concreta. No entanto, torna-se necessário que a realidade fáctica que está subjacente à pluralidade de liquidações seja a mesma, o que não acontecerá, por exemplo, no caso de liquidações adicionais em que se pretende cobrar um tributo que, indevidamente, não foi liquidado inicialmente. Nestas situações de liquidação adicional, a segunda liquidação não incide sobre o mesmo facto tributário (a mesma parcela de rendimento ou de valor patrimonial ou de despesa, por exemplo) sobre o qual incidiu a primeira (cfr.ac.T.C.A.Sul, 11/9/2012, proc.3145/09; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.394).
Mais se dirá que a referência ao pagamento do tributo por inteiro tem ínsita a exigência de que o tributo devido esteja totalmente pago, o que afasta a possibilidade de invocação da duplicação de colecta quando o tributo apenas está parcialmente pago, na sequência da primeira liquidação, seja por que foi feito o pagamento apenas de parte das prestações, seja por que a primeira liquidação, apesar de estar paga na sua totalidade, não atinge o montante a cobrar em face da segunda liquidação (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.395).
No caso “sub judice”, de acordo com a factualidade provada (cfr.nºs.1, 2, 5 e 6 do probatório) não se verificam os pressupostos da coincidência temporal do imposto já pago e o que de novo se pretende cobrar, nem do prévio pagamento da totalidade do imposto, sendo forçosa a improcedência do presente fundamento do recurso.
Por último, alega o recorrente que não é aceitável que a Administração Fiscal, interpretando de forma absolutamente literal o regime especial consagrado no nº.8, do artigo 32, da Lei 109-B/2001, de 27/12, tenha, mediante a negação da sua aplicação, pura e simplesmente ignorado que a recorrente já procedeu ao pagamento do imposto devido relativamente a 50% da mais-valia em crise, determinando, sem mais, nova tributação, agora em 100%, da mesma mais-valia, mais aplicando as normas gerais do Código do I.R.C. - cfr.artigos 17, 20, nº.1, alínea f), e 45, nº.1, e nº.4, do Código do I.R.C. Que a vingar a pretensão da Administração fiscal, a recorrente viria a ser tributada em 150%(!) da mais-valia apurada, com desrespeito pelo rendimento real por si auferido e impondo-lhe uma obrigação de imposto para além, e em violação, do seu rendimento real. Que a norma do nº.8, do artigo 32, da Lei 109-B/2001, de 27/12, interpretada literalmente no sentido de ser negada no caso dos autos a sua aplicação e as normas dos artigos 17, 20, nº.1, alínea f), e 45, nº.1 e nº.4, do Código do I.R.C., interpretadas no sentido de determinarem a tributação de 100% da mais-valia em crise, sendo desconsiderado que a ora recorrente procedeu já ao pagamento do imposto correspondente a 50% de tal mais-valia, são, nessa interpretação materialmente inconstitucionais por violação dos princípios constitucionais da tributação pelo rendimento real, da proporcionalidade e da igualdade (cfr.conclusões 20 a 31 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar, supomos, um erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
Dissequemos se a decisão recorrida padece de tal vício.
A apelante enquadra este fundamento da p.i. e, agora, do recurso, no artº.204, nº.1, al.a), do C.P.P.T. O examinado preceito tem a seguinte redacção:
ARTIGO 204.º – Fundamentos da oposição à execução
1 - A oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos:
a) Inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respectiva liquidação;
b) (…)

No artº.204, nº.1, al.a), do C.P.P.Tributário, primeira parte da norma, é enquadrável qualquer ilegalidade substantiva agravada (absoluta ou abstracta) como é a eventual ilegalidade do diploma criador do tributo que constitui a dívida exequenda. Está-se, aqui, perante aquilo que doutrinal e jurisprudencialmente se designa por ilegalidade abstracta ou absoluta da liquidação, a qual se distingue da “ilegalidade em concreto” por na primeira estar em causa a ilegalidade do tributo e não a mera ilegalidade do acto tributário ou da liquidação concretamente levada a efeito. Isto é, na ilegalidade abstracta a ilicitude não reside directamente no acto que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação é feita, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação material a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o acto foi praticado. Por outras palavras, o vício não se refere ao concreto acto de liquidação, mas antes se reportando à ilegalidade da norma em que o mesmo acto tributário se baseia (cfr.A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.590 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.322 e seg.; João António Valente Torrão, C.P.P.Tributário anotado e comentado, Almedina, 2005, pág.787; Rui Duarte Morais, A Execução Fiscal, 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.67 e seg.).
Concluindo, deve considerar-se que cabem no citado conceito de ilegalidade abstracta ou absoluta da liquidação todos os casos de actos que aplicam normas que violam regras de hierarquia superior, designadamente, além das normas constitucionais, as de direito comunitário ou internacional vigente em Portugal, tal como normas legislativas de direito ordinário quando é feita aplicação de normas regulamentares (cfr.ac.S.T.A.-Plenário, 7/4/2005, rec.1108/03; ac.T.C.A.Sul, 17/4/2012, proc.4796/11; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.446).
Por último, sempre se dirá que a inexistência de imposto a que faz menção a norma sob exegese se refere à inexistência do tributo nas leis em vigor à data dos factos, a qual, afectando a própria lei, não depende do acto que faz a aplicação ao caso concreto (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 5/7/2007, rec.129/07).
Já a segunda parte da alínea a), do nº.1, deste artº.204, se refere à falta de autorização de cobrança na data em que ocorreu a liquidação, visando concretizar as normas constitucionais que fazem depender a possibilidade de cobrança de receitas de prévia inscrição no Orçamento do Estado (que inclui o orçamento da segurança social) da discriminação das receitas que, anualmente, o Estado está autorizado a cobrar (cfr.artº. 105, da C.R.P.). Assim, a falta de inscrição orçamental de receita liquidada sujeita a tal inscrição constitui um vício do acto tributário gerador da sua ilegalidade abstracta, equiparável aos vícios de inexistência do tributo nas leis em vigor, consagrados na primeira parte da mesma norma (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.451).
“In casu”, o que o apelante nos diz é que a aplicação literal do regime especial consagrado no nº.8, do artigo 32, da Lei 109-B/2001, de 27/12 (tal como as normas constantes dos artigos 17, 20, nº.1, alínea f), e 45, nº.1 e nº.4, do Código do I.R.C.), ao caso dos autos e por parte da A. Fiscal, aplicação essa de que resulta o concreto acto tributário que constitui a dívida exequenda, se deve ter por inconstitucional. Nestes termos, a questão colocada pelo recorrente incide sobre o acto da A. Fiscal que faz a aplicação ao caso concreto (liquidação de I.R.C. relativa ao ano de 2005 e que constitui a dívida exequenda no processo de execução fiscal nº.3247-2010/102279.2 - cfr.nºs.1 e 4 do probatório) das normas que chama à colação. Trata-se, claramente, de uma questão que contende com a legalidade concreta da liquidação que consubstancia a dívida exequenda e que está fora do âmbito de compreensão e de discussão do processo de oposição à execução fiscal, conforme jurisprudência e doutrina supra mencionadas, assim não sendo tal questão enquadrável no examinado artº.204, nº.1, al.a), do C.P.P.Tributário, primeira parte.
Mais, como decorre do artº.204, nº.1, alínea h), do C.P.P.T., a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda só constitui fundamento de oposição nos casos em que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação. Dito de outro modo, sempre que esteja prevista na lei a possibilidade de impugnação judicial ou recurso do acto de liquidação é um destes meios processuais que deve ser usado e não o processo de oposição. Ora, como se extrai do artº.99, do C.P.P.T., e da matéria de facto dada como provada, existia a possibilidade de impugnação do acto tributário ora atacado.
Sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se improcedente este último alicerce do recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação, a qual não padece dos vícios que lhe são assacados pelo recorrente, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, embora com a fundamentação constante do presente acórdão.
X
Condena-se o recorrente em custas.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 26 de Fevereiro de 2013



(Joaquim Condesso - Relator)


(Lucas Martins - 1º. Adjunto)


(Aníbal Ferraz - 2º. Adjunto)