Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:265/20.1BEFUN
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2021
Relator:LUISA SOARES
Descritores:MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA;
PROVA
Sumário:I. Constituem pressupostos da fixação da matéria tributável pelo método indirecto, consagrado no artigo 87.º, nº 1 alínea f) da Lei Geral Tributária:

a) existência de acréscimo de património ou de consumo (de valor superior a €100.000,00), evidenciados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação da declaração de rendimentos em causa;

b) a divergência entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património ou de consumo do sujeito passivo no mesmo período de tributação;

c) e que tal divergência não tenha justificação.

II. Verificados tais pressupostos, cessa a presunção de veracidade e de boa fé das declarações do contribuinte (artigo 75.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), da LGT), e, invertendo-se o ónus da prova, passa a recair sobre o sujeito passivo, o ónus de provar que os rendimentos declarados correspondem à realidade e que é outra – diversa de rendimentos ocultados – a fonte dos meios financeiros aplicados no facto qualificado como manifestação de fortuna (artigo 89.ºA, n.º 3, da LGT).

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

A... e P..., apresentam recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal que julgou improcedente o recurso judicial da decisão de avaliação colectável por método indirecto relativamente ao IRS do ano de 2016 no montante de € 199.274,64.

Os Recorrentes terminam as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

A - A recorrida AT iniciou o procedimento inspetivo que esteve na base dos presentes autos, em 12/10/2020 através da Ordem de Serviço OI202000369, com a assinatura da ordem de serviço por parte da recorrente P....

B - Em 13/10/2020 (dia seguinte ao seu inicio) é dada como finda a inspeção, num procedimento reconhecidamente complexo.

C - Porém, só no dia 14/10/2020 por carta registada comunica ao mandatário que se considerou iniciado o procedimento inspetivo (já depois do mesmo encerrado), sendo que apenas em 16/10/2020, foi o mesmo notificado em momento posterior ao envio do relatório final e com a inspeção concluída.

D - Não foi dado cumprimento ao artigo 40° n° 1 alínea a) do CPPT que determina a notificação do início do procedimento.

E - A inspeção realizada a coberto da Ordem de Serviço supra é pois ilegal e consequentemente todos os seus atos, mormente o de apuramento de imposto.

F - Ao não ser notificado do procedimento inspetivo, aquando do seu início, durante o período em que o mesmo perdurou, e só depois da ação inspetiva terminada, assistiu- se a uma clara preterição de formalidade legal por violação do artigo 40° n° 1 alínea a) do CPPT

G - O MM° Juiz do Tribunal “a quo deveria ter interpretado que estando-se perante uma ordem de serviço que operou “ex novo” e a partir de 12/10/2020, na ordem jurídico-tributária, o mandatário que já juntara procuração junto da Autoridade Tributária, deveria ter sido notificado ao abrigo do artigo 40° n° 1 alínea a) do CPPT.

H - Ao tornar-se eficaz a notificação já com o procedimento inspetivo encerrado, assistiu- se a uma violação de uma preterição de formalidades essenciais conducentes à nulidade do procedimento inspetivo.

I - O princípio da livre apreciação da prova nunca atribui ao juiz "o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra as provas”, ou seja, a livre apreciação da prova não pode confundir-se “com uma qualquer arbitrária análise dos elementos probatórios", sendo “antes uma conscienciosa ponderação desses elementos e das circunstâncias que os envolvem”.(sic. o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra n° 2012/15.0T8CBR.C1 de 05/11/2019).

J - O juiz deve esclarecer quais foram os elementos probatórios que o levaram a decidir como decidiu e não de outra forma, e no caso de haver elementos probatórios divergentes, deve explicar (fundamentar) as razões porque deu prevalência a uns sobre os outros 00724/04.3BEVIS TCA Norte de 25/05/2016.

L - O Juiz do Tribunal “a quo”, sem que a razão da ciência o explique e de modo arbitrário elegeu como credíveis, espontâneos e isentos, os depoimentos das testemunhas apenas em determinados segmentos, olvidando gravações que constam nos autos que infirmam a fundamentação da matéria de facto dada como provada e sobretudo a não provada.

M - Em concretização do quadro normativo vertido no artigo 640° n°s 1 b) e c) e n° 2 b), indicar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida, indicando com exatidão as passagens da gravação em que se funda procedendo, à transcrição dos excertos que considera importantes.

N - Matéria de Facto não prova alínea a) O valor arrecadado com a venda mencionada no ponto 31. foi transportado para Portugal em numerário, em tranches de € 10.000,00 por pessoa, pela Recorrente, sua família e outros emigrantes vindos da Venezuela entre 2014 e 2016. (sic- a sentença do Tribunal "a quo”).

O - Atendendo a que o valor da venda representava à data € 410.846,34 esta verba, ficou à mercê da recorrente P..., em resultado da venda feita na Venezuela em 2014, por ser proprietária da realidade predial imobiliária.

P - Provam os autos que F..., no seu depoimento isento tem conhecimento e participou do circunstancialismo que envolveu o transporte para Portugal em numerário, em tranches de € 10.000,00 por pessoa, pela Recorrente, sua família e outros emigrantes vindos da Venezuela entre 2014 e 2016.

Q - Na gravação (identificado na 1a posição - 6.117.246 KB, 00:02 a 28:32) a testemunha verbalizou sob juramento, ter mandado dinheiro vivo da Venezuela para comprar uma moradia por 250 mil euros.

R - Afirmou inclusive, a instâncias de MMa Juiz do Tribunal “fui trazendo pouco a pouco da Venezuela” e que o trouxe para a Madeira em dólares e euros.

S - Respondeu inquirido para o efeito que os € 400.000 mil euros, produto da venda de imóvel da recorrente P... na Venezuela foram trazidos para Portugal cada vez que íamos viajar, perguntavam podes levar algum dinheiro para Portugal, podes levar alguma coisa, era permitido pelo governo trazer 10 mil dólares, dizendo também que durante os anos de 2014, 2015, trouxe dinheiro para Portugal - excerto de gravação supra) para entregar aos recorrentes dentro dos limites legais os € 10.000,00. (transcrição de gravação na posição acima identificada).

T - A testemunha J... (identificado na 2a posição - 5.496.446 KB, 00:16 a 25:37) foi também elucidativo e cristalino o seu depoimento no que tange à retirada dessa verba da Venezuela para Portugal, em dinheiro por familiares e amigos dos recorrentes “trouxeram-no para cá”, tendo acrescentado ,...”.uma vez eu trouxe 10 mil, a família gostava muito daqui da madeira, um trazia outro trazia... e os emigrantes traziam, íamos à agência de viagens para saber quem vinha e traziam escondido, era muito arriscado porque... era a única maneira de trazer o dinheiro, era assim (transcrição de gravação na posição acima identificada)..

U - Mais afirmou que não se depositava esse dinheiro nos bancos venezuelanos porque não se confiava nos bancos e já se perdeu muito dinheiro lá com os bancos e que a comunidade portuguesa, mandava por aqueles que tínhamos mais de confiança, 10 mil e as pessoas traziam.


V - Já quanto ao resto, a testemunha sob juramento afirmou perante o ilustre magistrado e sob juramento que “fui praticamente eu quem vendeu os prédios, apartamentos todos, eu fui o P.I. dos apartamentos que a P... comprou e fui eu que vendi os apartamentos vendi à D. A... e ao A..., que é marido da D. A....


X - Mais afirmou que quando comprou o apartamento referente à fração “R”, ela tinha 35 mil euros, que deu à A... em dinheiro, deu o dinheiro e 65 mil euros em transferência e ou cheque bancário.

Y - O Tribunal "a quo” não valorou o depoimento testemunhal de J... (identificado na 3a posição - 3.086.846 KB, 00:02 a 14:23), decidindo contra o conteúdo destas gravações.

Z - A testemunha explicitou que eram trazidos dinheiros em quantias de €10.000, identificando os anos respetivos “viajavam muito e cheguei a mandar alguns dinheiros deles para cá por um cliente". (excerto de gravação na posição acima identificada).

AA - O Tribunal recorrido deveria ter dado este facto como provado sendo este o sentido da decisão no entender dos recorrentes.

AB - Os Recorrentes tinham dois cofres em casa e nele guardavam as verbas que lhes foram entregues por familiares e amigos, oriundos da Venezuela.

AC - Acerca deste concreto ponto da matéria de facto não provada é mister frisar, que F... foi perentório ao afirmar que “guardava o dinheiro em casa dentro de um cofre e que ainda espera concluir o negócio", (identificado na 1a posição - 6.117.246 KB, 00:02 a 28:32).

AD - Também J... afirmou, que a maioria das pessoas tinha cofres e soube dizer ao Tribunal com translucidez que P... e A... tinha cofres em casa, salientando que ela não confiava nos bancos e por isso guardava em casa o dinheiro. (identificado na 2a posição - 5.496.446 KB, 00:16 a 25:37)

AE - Ainda a testemunha J... (identificado na 3a posição - 3.086.846 KB, 00:02 a 14:23) disse que o dinheiro que traziam guardavam em cofres (transcrição de gravação na posição acima identificada).


AF - O Tribunal “a quo" deveria ter dado como provado no que concerne a esta questão de facto impugnada que os recorrentes tinham em casa cofres e neles guardavam as verbas que lhe foram entregues por familiares e amigos, oriundas da Venezuela.

AG - F..., entregou faseadamente aos Recorrentes € 120.000,00 em numerário (três tranches de € 40.000,00), ao longo de 2015 e 2016, a título de sinal no âmbito do contrato-promessa.

AH - Disse (identificado na 1a posição - 6.117.246 KB, 00:02 a 28:32) que pagou a título de sinal pela compra da moradia, melhor identificada em € 120.000 em dinheiro, repartido por três vezes (€40.000,00 cada). “Era o sinal, ia pagando, conforme ia dando, ia descontado no valor. Quando comprei um apartamento em 2004, 2005 também foi da mesma maneira, ia pagando, afirmando que foi em dinheiro vivo, notas (transcrição de gravação na posição acima identificada).

AI - O Tribunal "a quo” deveria ter entendido, na ótica dos recorrentes que F..., entregou faseadamente aos Recorrentes € 120.000,00 em numerário (três tranches de € 40.000,00), ao longo de 2015 e 2016, a título de sinal no âmbito do contrato-promessa mencionado no ponto 32, dando assim como provado este facto, que havia sido dado como não provado.

AJ - O aduzido valor de € 120.000,00 recebido por conta de sinal serviu para comprar os apartamentos correspondentes às frações "R” e "U” do prédio inscrito na matriz predial da freguesia de São Martinho, concelho do Funchal, sob o artigo 6....

AL - Acerca deste concreto ponto da matéria de facto, importa frisar que o mesmo não poderia ser dado como não provado, bem pelo contrário, tem de ser valorada a prova e interligada com outros pontos da matéria de facto e com a prova documental.

AM - P..., após receber esta quantia ficou com disponibilidade financeira para adquirir o apartamento, o que veio a acontecer,

AN - J... (identificado na 3a posição - 3.086.846 KB, 00:02 a 14:23), em relação ao apartamento fração "U” tem conhecimento que a D. A... pagou este imóvel em dinheiro foi pago em dinheiro segundo afirmou o que contribui também para que se prove o ponto d) da matéria de facto dada como não provada,. (transcrição de gravação na posição acima identificada.

AO - Os € 60.000,00 levantados da conta de S... em 30 de setembro de 2013 foram depositados em cofre pessoal à espera de boa oportunidade de negócio.

AP - A testemunha pai e sogro dos recorrentes afirmou categoricamente num depoimento emotivo (depoimento prestado através da interprete oficial M...), que a sua família viajou em 2014 da Venezuela e que todos trouxeram dinheiro, (identificado na 4a posição - 5.384.446KB, 00:10 a 25:07) dentro dos limites legais, para Portugal o produto da venda da propriedade de P... na Venezuela

AQ - Consta gravado na passagem supra P... vendeu uma propriedade na Venezuela e enviou o dinheiro para cá, devido à situação com o Chávez, teve medo, que lhe tirassem o dinheiro. e que devido ao problema na Venezuela, estava restringida a saída de dinheiro naquela altura, guardava e fazia as mudanças de cambio, quando conseguia alguém um amigo enviava o dinheiro, ou então quando vinha a Portugal trazia consigo . (transcrição de gravação na posição acima identificada).

AR - Sobre o destino da quantia de 60.000,00 levantada, afirmou que levantou o dinheiro e deu à sua filha", porque como não fala bem português e queria fazer negócio aqui em Portugal, deu à filha para fazer o que tinha de fazer” e que “era para ela fazer um investimento, para que um dia quando voltasse para a Madeira, tivesse uma propriedade. (transcrição de excerto da gravação na posição acima identificada)

AS - Acresce que o Tribunal "a quo” não aceitou recolher o meio de prova previsto e consistente nas declarações de parte, da recorrente P..., que também teria conhecimento privilegiado e esclarecedor desta operação de levantamento e entrega dos € 60.000,00.

AT - Impunha-se ao julgador a decisão sobre este ponto da matéria de facto impugnado diversa da recorrida, devendo ser dado como provado este ponto que consta como não provado já que a proveniência desta verba deriva inequivocamente de doação e como corolário não sujeita à declaração (como concretos meios probatórios, identifica-se a gravação e os excertos da mesma já transcritos anteriormente.

AU - Os € 50.000,00 em numerário que a Recorrente P... depositou na sua conta a 07 de fevereiro de 2014 provém dos € 60.000,00 levantados pelo seu pai, S..., a 30 de setembro de 2013.

AV - No que concerne à alínea f) da matéria de facto dada como não provada deve entender-se como provado, que os recorrentes tendo cofres em casa o dinheiro entregue diretamente por S... (60.000,00) à sua filha P..., seguramente foi guardado nesses cofres, à luz das regras de experiência comum.

AX - O nexo de causalidade existe pois só pode depositar € 50.000,00 quem recebeu € 60.000,00. Ao levantar € 60.000,00 em numerário S..., ficou com liquidez suficiente para entregar € 50.000,00 à sua filha para esta depositar numa conta sua.

AZ - A proveniência da primeira verba suporta financeiramente o depósito feito por P..., pelo que no entender dos recorrentes este ponto de facto deve ser dado como provado, sendo de deixar claro que através do depoimento e declarações de parte, por parte de P... meio de prova que o Tribunal não admitiu, seria possível fechar o círculo probatório, pelo que entendendo como provadas as alíneas b) e e) deve dar-se como provada a alínea f), porque todas as alíneas se interligam e são indissociáveis numa perspetiva de análise crítica das provas, pelo que deve ser este o sentido da decisão no entendimento dos recorrentes.

Nestes termos, nos melhores de direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e revogada a douta Sentença do Tribunal “a quo”, com todas as consequências legais daí advindas, nomeadamente julgando totalmente procedente o recurso judicial da decisão de avaliação da matéria coletável por método indireto.”.

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A Recorrida notificada para apresentação de contra-alegações, veio aderir integralmente aos fundamentos da sentença ora recorrida, por entender que esta não merece qualquer censura.
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O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
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Com dispensa de vistos prévios atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para decisão.
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II- OBJECTO DO RECURSO

Cumpre, desde já, relevar em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, que as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, a questão que importa decidir é saber se;
A) a sentença recorrida incorre em erro de julgamento de facto, cumprindo aferir se estão verificados os requisitos constantes no artigo 640.º do CPC
B) a sentença recorrida incorre em erro de julgamento de direito ao ter considerado improcedente a alegada preterição de formalidade legal no procedimento de inspecção.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1. Em 2016 a Recorrente P... adquiririu as frações “R” e “U” do prédio inscrito na matriz predial da freguesia de São Martinho, concelho do Funchal, sob o artigo 6..., por € 100.000,00 cada, por documentos particulares de compra e venda realizados pela advogada M... – cfr. relatório inspetivo constante do doc. n.º 18 junto com a oposição.

2. Para o exercício de 2016, os Recorrentes declararam, em sede de IRS, um rendimento líquido de € 725,36 – cfr. relatório inspetivo constante do doc. n.º 18 junto com a oposição.

3. No âmbito do Despacho Externo credenciado por DI201900004, os Serviços de Inspeção Tributária da AT-RAM constataram que:
“(…) a contribuinte P..., com o NIF: ..., adquiriu no ano de 2016 as frações «R» e «U», situados no concelho do Funchal, freguesia de São Martinho, ambas sob o artigo 6..., a 24-02-2016 e a 26-01-2016, respetivamente, pelo valor de Eur. 100.000,00 cada uma.
Da nossa consulta à declaração de rendimentos Modelo 03 de 2016 constatámos que P... e seu cônjuge, A..., declararam um rendimento colectável de Eur. 725,36.
Consideram-se reunidos os pressupostos da alínea b) do n.º 1 do Artigo 63.º-B da Lei Geral Tributária (LGT) quando existam indícios da falta de veracidade do declarado para que possamos aceder a informações e documentos bancários que permitam apurar a realidade da situação tributária dos referidos contribuintes no ano de 2016.
Face ao exposto propomos a emissão de Despacho Externo para o ano de 2016, para a devida recolha e análise de informação e documentação bancária” – cfr. proposta de inspeção constante do doc. n.º 1 junto com a oposição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

4. Sobre a informação mencionada no ponto antecedente recaiu despacho de concordância do Diretor de Serviços de Inspeção Tributária, datado de 23 de abril de 2019 – cfr. despacho aposto à proposta de inspeção constante do doc. n.º 1 junto com a oposição.

5. No dia 24 de abril de 2019, os Serviços de Inspeção Tributária da AT-RAM emitiram o despacho externo n.º DI201900064, tendente à consulta, recolha e cruzamento de elementos referentes aos ora Recorrentes, no exercício de 2016 – cfr. despacho de credenciação constante do doc. n.º 1 junto com a oposição.

6. Em 17 de junho de 2020, a Recorrente P... apôs a sua assinatura no referido despacho externo n.º DI201900064, declarando ter tomado conhecimento do mesmo e que lhe havia sido entregue cópia – cfr. despacho de credenciação constante do doc. n.º 1 junto com a oposição.

7. Por despacho da Diretora Regional da AT-RAM, datado de 22 de junho de 2020, foi autorizado o acesso às informações e documentos bancários dos ora Recorrentes – cfr. doc. n.º 2 junto com a oposição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

8. Na sequência do determinado no despacho mencionado no ponto anterior foram expedidos os ofícios constantes dos documentos n.ºs 3 a 10 juntos com a oposição, dirigidos a instituições financeiras em que os Recorrentes eram titulares de contas bancárias para apresentação dos correspetivos extratos bancários de 01 de janeiro a 31 de dezembro de 2016 – cfr. docs. n.ºs 3 a 10 juntos com a oposição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

9. No dia 28 de julho de 2020, no âmbito do despacho externo n.º DI201900064, foi expedido por carta registada (registo CTT RH 6041 ... 5 PT), ofício dirigido aos Recorrentes, para o domicílio “Rua ..., 9125-052 Caniço”, com o assunto “notificação para exercer direito de audição prévia” – cfr. doc. n.º 11 junto com a oposição.

10. Do ofício referido no ponto antecedente encontrava-se consignado o seguinte:
“1 – Ficam V. Ex.(as) por este meio notificados, nos termos e para efeitos do disposto na alínea d) do n.º 1 do art.º 60.º da Lei Geral Tributária (LGT), do projecto de decisão de aplicação de métodos indirectos para determinação do rendimento sujeito a IRS nos termos seguintes:
a) De acordo com o disposto na alínea f) do n.º 1 do art.º 87.º da LGT, há lugar a avaliação indirecta da matéria colectável, quando o acréscimo de património ou despesa efetuada de valor superior a 100.000,00€, verificados simultaneamente com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados.
b) No âmbito do Despacho Externo credenciado por DI201900004 constatamos que a contribuinte P..., identificada com o NIF: ..., adquiriu no ano de 2018 as frações «R» e «U», situadas no concelho do Funchal, freguesia de São Martinho, ambas sob o artigo 6..., a 26-01-2016 e 24-02-2016, respectivamente, pelo valor de Eur.100.000,00 cada uma, através de documentos particulares de compra e venda realizadas pela advogada M..., titular da cédula profissional número ...-M, Da nossa consulta à declaração de rendimentos Modelo 03 de 2016 (n.º 2887-2016-I0701-58) constatámos que os contribuintes declararam um rendimento colectável de Eur.725,36.
c) Pelo que, se encontram reunidas as condições legais para, de acordo com a alínea a) do n.º 5 do art.º 89.º-A da LGT, se proceder à fixação do rendimento tributável no montante de Eur.199.274,64 (200.000,00 – 725,64), o qual, de acordo com a alínea d) do n.º 1 do art.º 9.º do Código do IRS, será considerado como rendimento da categoria G.
(…)
3 – Caso V. Ex.(as) pretendam pronunciar-se sobre o teor do projecto de decisão ora notificado, poderão fazê-lo por escrito, juntando os meios de prova a que se refere o número anterior, no prazo de 15 dias (…)” – cfr. doc. n.º 11 junto com a oposição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

11. No dia 14 de agosto de 2020, deu entrada nos serviços de AT-RAM requerimento subscrito por “J..., Advogado”, pelo qual os Recorrentes solicitavam a prorrogação do prazo para exercício do direito de audição prévia “relativamente à decisão de aplicação de métodos indiretos” – cfr. requerimento constante do doc. n.º 12 junto com a oposição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

12. Com o requerimento referido no ponto antecedente foi junta procuração forense, datada de 16 de maio de 2019, por via da qual os Recorrentes constituíram “seu bastante procurador o Sr. Dr. J..., Advogado, (…), a quem, confere, os mais amplos poderes gerais permitidos em direito, incluindo os de substabelecer, bem como os poderes especiais para o exercício de mandato tributário, designadamente para entrega junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, de quaisquer rendimentos de natureza administrativa, declarações fiscais, reclamações graciosas, recursos hierárquicos, ou petições em matéria fiscal, incluindo processos de execução fiscal” – cfr. procuração forense anexa ao requerimento com entrada a 14 de agosto de 2020, constante do doc. n.º 12 junto com a oposição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

13. Em 31 de agosto de 2020, deu entrada nos serviços da AT-RAM petição tendente ao exercício do direito de audição prévia ao projeto de decisão de aplicação de métodos indiretos, subscrita pelo mandatário dos Recorrentes, pela qual juntaram onze documentos “e do seu teor, resulta inexoravelmente que a inspecionada P... detinha fundos de capital próprio e que beneficiou inclusive de doações feitas pelo seu pai S..., que lhe foram feitas em momento anterior e que permitiram a aquisição dos imóveis” – cfr. petição e correspetivos documentos constantes do doc. n.º 12 junto com a oposição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

14. Os Serviços de Inspeção Tributária da AT-RAM prestaram informação no âmbito do despacho externo n.º DI201900064, datada de 10 de setembro de 2020, na qual se consignou o seguinte:
“(…)
A 31-08-2020 os S.P.´s exerceram o seu direito por escrito, cujo ofício teve o registo de entrada nos nossos serviços com o n.º 11.173, por intermédio do seu mandatário, senhor Dr. J... (CP 1255-E).
Em seguida procederemos à sua análise.
(…)
Face ao alegado pelos S.P.´s somos de referir que dos documentos apresentados em anexo, 11 (onze), só o documento 4 e 10 é que são novos, não sendo verdade o alegado pelos S.P.´s. Os restantes documentos já foram objecto de análise pela Inspeção Tributária no âmbito da ação de inspeção tributária, credenciada pela OI201700107, com extensão para o ano de 2014, aquando da nossa fixação de rendimentos no montante de Eur.150.797,48 e não Eur.154.000,00 conforme afirmam os S.P.´s (…).
(…)
Assim se constata que o rendimento auferido pelos S.P.´s em 2014 não foi utilizado para a aquisição dos dois imóveis em 2016, uma vez que o S.P. B efectuou suprimentos em 2015 [à sociedade «E... – Unipessoal, Lda.», onde era sócia única], ou seja, teve uma despesa e não um rendimento de Eur.90.000,00, valor bem superior ao capital mobilizado do saldo bancário a 31-12-2014, no valor de Eur.40.616,10.
Os próprios documentos 4 e 10 em anexo à exposição dos S.P.´s são exemplo da nossa conclusão de que o S.P.´s não utilizaram recursos próprios. O documento n.º 4 é um cheque bancário emitido a A... (co-proprietária da fracção «R»), identificado com o n.º 45002..., no valor de Eur.65.000,00, precedido de um depósito bancário em numerário de Eur.65.000,00 na conta do Banco ... n.º 0002.1023...., titulada pelos S.P.´s. Já o documento 10 é apenas um depósito em numerário de Eur.35.000,00, a 26-01-2016, na conta de J... (co-proprietário da fracção «R»).
Os sujeitos passivos têm de apresentar cópia do extrato bancário ou documento bancário a evidenciar a origem / fonte e a mobilização dos recursos financeiros utilizados para efetuar as referidas entradas de dinheiro na conta bancária dos S.P.´s ou em contas de terceiros, que serviram para adquirir os referidos imóveis, o que não fizeram. A apresentação de uma declaração, de suposta doação, também por si nada faz prova da origem / fonte do dinheiro que entra na conta bancária titulada pelos S.P.´s ou na conta dos ex-proprietários das frações «R» e «U», situadas no concelho do Funchal, freguesia de São Martinho, ambas sob o artigo 6....
Uma vez que o acréscimo de património verificado em 2016 não foi devidamente justificado pelos S.P.´s, deverão ser sujeitos ao apuramento da matéria tributável de forma indirecta conforme disposto na alínea f) do artigo 87.º da LGT.
(…)
Face ao exposto, propomos a emissão de Ordem de Serviço Interna para efetuar as devidas correções em sede de IRS para o ano de 2016” – cfr. doc. n.º 13 junto com a oposição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

15. No dia 28 de setembro de 2020, foi expedido por via postal registada com aviso de receção (registo CTT RH 6250 ... 8 PT), por referência ao despacho externo DI201900064, ofício n.º 6.714, dirigido ao mandatário constituído pelos Recorrentes para o respetivo domicílio profissional, tendente à notificação “da decisão final de indeferimento do Direito de Audição Prévia, dando origem a procedimento inspetivo OI202000369” – cfr. ofício n.º 6.714 e correspetivos comprovativos postais de expedição e entrega, constantes do doc. n.º 14 junto com a oposição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

16. O aviso e receção referente ao registo postal CTT RH 6250 ... 8 PT foi assinado em 30 de setembro de 2020 – cfr. comprovativos postais de expedição e entrega anexos ao ofício n.º 6.714, constante do doc. n.º 14 junto com a oposição.

17. Em 01 de outubro de 2020, foi expedido por via postal registada (registo CTT RH 6250 ... 6 PT), por referência à ordem de serviço n.º OI202000369, ofício n.º 6.872, dirigido aos Recorrentes para o respetivo domicílio, com o assunto “carta-aviso”, nos termos do qual era consignado que “nos temos da alínea l) do n.º 3 do artigo 59.º da Lei Geral Tributária (LGT) e do artigo 49.º do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA) fica(m) notificado(s) de que, a muito curto prazo, se deslocará(rão) à morada referenciada, técnico(s) dos Serviços de Inspeção Tributária”, com a finalidade de verificarem o cumprimento das correspondentes obrigações tributárias relativas a IRS do exercício de 2016 – cfr. ofício n.º 6.872 e correspetivo comprovativo postal de expedição, constantes do doc. n.º 14 junto com a oposição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

18. Os Serviços de Inspeção Tributária da AT-RAM emitiram, em 13 de outubro de 2020, projeto de relatório inspetivo por referência à ordem de serviço n.º OI202000369, no qual se apurou uma correção à matéria tributável de IRS para o exercício de 2016, por métodos indiretos, no valor de € 199.274,64 – cfr. projeto de relatório constante do doc. n.º 16 junto com a oposição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

19. A 14 de outubro de 2020, foi expedido por via postal registada (registo CTT RH 6250 ... 1 PT), ofício n.º 7.193, dirigido ao mandatário constituído pelos Recorrentes para o respetivo domicílio profissional, tendente à notificação do projeto de relatório de inspeção tributária mencionado no ponto anterior, para efeitos de audição prévia – cfr. ofício de notificação e correspetivo comprovativo de expedição constantes do doc. n.º 16 junto com a oposição e doc. n.º 3 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

20. No mesmo dia, 14 de outubro de 2020, foi expedido por via postal registada (registo CTT RH 6250 ... 5 PT), por referência à ordem de serviço n.º OI202000369, ofício n.º 7.186, dirigido ao mandatário constituído pelos Recorrentes para o respetivo domicílio profissional, a comunicar que “no dia 12 de outubro de 2020 se considerou iniciado o Procedimento de Inspeção Externo credenciado por OI 202000369, nos termos do artigo 51.º do Regime Complementar de Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), data em que um dos sujeitos passivos, neste caso, a senhora P..., assinou a referida Ordem de Serviço Externa” – cfr. doc. n.º 15 junto com a oposição e doc. n.º 2 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

21. Em 09 de novembro de 2020, deu entrada nos serviços da AT-RAM petição de “exercício do direito de audição relativamente ao projeto de decisão de aplicação de métodos indiretos” efetuado a coberto da ordem de serviço n.º OI202000369, pela qual os Recorrentes sustentaram, entre o mais, que “resulta inexoravelmente que a inspecionada P... detinha fundos de capital próprios desde 2014, para adquirir os imóveis e beneficiou inclusive de doações feitas pelo seu pai S..., que lhe foram feitas em momento anterior e que permitiram a aquisição dos imóveis” – cfr. doc. n.º 17 junto com a oposição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

22. A 09 de novembro de 2020, foi elaborado Relatório de Inspeção Tributária, relativo ao procedimento inspetivo efetuado a coberto da ordem de serviço n.º OI202000369, com o seguinte teor:
“(...)
I.4. DESCRIÇÃO SUCINTA DAS CONCLUSÕES DA AÇÃO DE INSPEÇÃO
No âmbito da presente ação de inspecção aos sujeitos passivos A... (sujeito passivo A) e P... (sujeito passivo B), identificados, respectivamente, com o NIF: ... e o NIF ..., foram detetadas irregularidades que se traduzem nas correções apuradas de forma indirecta em sede de IRS (Imposto sobre o rendimento das pessoas singulares), devidamente discriminadas e fundamentadas nos capítulos IV e V deste Relatório Final.
Nos capítulos IV e V descrevemos e fundamentamos a correção efetuada à matéria tributável de IRS no valor de Eur.199.274,64, com imposto a pagar de Eur. 119.564,78.
De acordo com o disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT, há lugar a avaliação indirecta da matéria colectável quando houver acréscimos de património de valor superior a € 100.000,00, a par de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados. A tributação é feita à taxa especial de 60% nos termos do n.º 11 do artigo 72.º do CIRS, ou seja, EUR.119.564,78 (199.274,64 x 60%).
(…)
IV. CAPÍTULO
MOTIVO E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS
IV.1. Pressupostos da aplicação dos métodos indiretos – Artigo 87.º e 89.º - A da Lei Geral Tributária
No âmbito do Despacho Externo credenciado por DI201900004 constatamos que a contribuinte P..., identificada com o NIF: ..., adquiriu no ano de 2016 as frações «R» e «U», situadas no concelho do Funchal, freguesia de São Martinho, ambas sob o artigo 6..., a 26-01-2016 e a 24-02-2016, respetivamente, pelo valor de Eur.100.000,00 cada uma, através de documentos particulares de compra e venda realizadas pela advogada M..., titular da cédula profissional número ...-M, actos esses não comunicados pela Advogada à Autoridade Tributária através da Modelo 11.
(…)
Uma vez que o valor do acréscimo de património, no valor superior a Eur.100.000,00, verifica-se juntamente com a divergência não justificada com os rendimentos declarados (rendimento líquido declarado de Eur.725,36), aplica-se o disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT, ficando verificado um dos pressupostos exigidos por lei para o recurso à avaliação indirecta da matéria tributável.
V. CAPÍTULO
CRITÉRIOS DE CÁLCULO DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS
V.1. Proposta de fixação nos termos do n.º 3 e 5, ambos do Artigo 89.º - A da LGT
(…)
Assim, será de considerar como rendimento tributável em sede de IRS, para 2016, a enquadrar na categoria G, de acordo com a alínea d) do n.º 1 do artigo 9.º do CIRS conjugado com as alíneas a) e d), ambas do n.º 5 do artigo 89.º-A da LGT, o valor resultante da diferença entre o acréscimo de património e os rendimentos entretanto declarados pelos S.P.´s no mesmo período de tributação, ou seja, Eur.199.274,64 (200.000,00 – 725,36).
Conforme consta do n.º 11 do artigo 72.º do CIRS, os acréscimos patrimoniais não justificados a que se refere a alínea d) do n.º 1 do artigo 9.º do CIRS, superiores a Eur.100.000,00, são tributados à taxa especial de 60%, ou seja, Eur.119.564,78 (199.274,64 x 60%).
(…)
IX. – CAPÍTULO
DIREITO DE AUDIÇÃO
Os S.P.´s foram notificados (…), para no prazo de 15 dias exercerem o direito de audição, por escrito ou oralmente, sobre o Projeto de Relatório da Inspeção Tributária, o que fizeram por escrito a 4 de novembro de 2020, (…), por intermédio do seu mandatário (…).
Em seguida procederemos à sua análise, apesar da resposta extemporânea, dado que o prazo de exercício do Direito de Audição terminou a 02-11-2020.
(…)
Ao contrário do que alega o Requerente, (…), a A.T. não fixou rendimento por métodos indirectos no ano de 2013.
A A.T. fixou rendimento por métodos indirectos no ano de 2014, no montante de € 150.797,48, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da Lei Geral Tributária (LGT).
Por sua vez, no ano de 2015 a A.T. apurou e fixou rendimento de forma indirecta, mais precisamente, apurou um rendimento padrão de Eur.45.000,00, nos termos do artigo 89.º-A da LGT. Este rendimento padrão foi apurado devido ao facto do S.P. B ter transferido para a sociedade «E... – Unipessoal, Lda.», onde era sócia única a título de suprimentos (despesas) o montante global de Eur.90.000,00.
Assim se demonstrou que o rendimento auferido pelos S.P.´s em 2014 não foi utilizado para a aquisição dos dois imóveis em 2016, uma vez que o S.P. B efectuou suprimentos em 2015, ou seja, teve uma despesa e não um rendimento de Eur.90.000,00, valor bem superior ao capital mobilizado do saldo bancário a 31-12-2014, no valor de Eur.40.616,10.
(…) os S.P.´s têm de apresentar cópia do extrato bancário ou do documento bancário a evidenciar a origem / fonte e o comprovativo da mobilização dos recursos financeiros utilizados para efetuar as já referidas entradas de dinheiro na conta bancária dos S.P.´s ou em contas bancárias de terceiros, que serviram como meio de pagamento dos referidos imóveis, o que continuam a não fazer.
A apresentação de uma escritura de suposta venda de uma «realidade imobiliária» na Venezuela em 2014 (com ou sem a tradução que protesta juntar) ou a apresentação de uma declaração, de suposta doação também em 2014, por si só nada fazem prova da origem / fonte do dinheiro que entra na conta bancária titulada pelos S.P.´s ou na conta bancária dos ex-proprietários das frações «R» e «U», situadas no concelho do Funchal, freguesia de São Martinho, ambas sob o artigo 6....
Por fim acresce-nos referir que o Requerente não refere a necessidade ou importância de alegadas declarações escritas da senhora A..., identificada com o NIF ..., anterior co-proprietária da fração «R» situada no concelho do Funchal, freguesia de São Martinho, sob o artigo 6.... À luz da matéria aqui em apreço somos do entendimento de que as mesmas em nada poderão contribuir para a comprovação da origem / fonte do depósito em numerário de Eur.35.000,00, datado de 26-01-2016, na sua conta bancária, prova essa só possível da parte os S.P.´s.
Face a todo o exposto somos a concluir que os S.P.´s não apresentaram em sede de Direito de Audição Prévia elementos adicionais relevantes que alterem os factos expostos e fundamentos em sede de Projeto Relatório de Inspeção Tributária” – cfr. relatório inspetivo constante do doc. n.º 18 junto com a oposição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

23. Sobre o relatório de inspeção mencionado no ponto anterior recaiu despacho de concordância da Diretora Regional da AT-RAM, datado de 10 de novembro de 2020 – cfr. relatório inspetivo constante do doc. n.º 18 junto com a oposição.

24. No dia 12 de novembro de 2020, foi expedido por carta registada com aviso de receção (registo CTT RH 3564 ... 0 PT) ofício n.º 7.992, dirigido ao mandatário constituído pelos Recorrentes, tendente à notificação do relatório de inspeção tributária efetuado a coberto da ordem de serviço n.º OI202000369 e da consequente fixação do rendimento coletável de IRS, por métodos indiretos, para o exercício de 2016, no valor de € 199.274,64 – cfr. ofício e correspetivos comprovativos postais constantes do doc. n.º 18 junto com a oposição e doc. n.º 1 junto com a petição inicial.

25. O aviso de receção referente ao registo postal CTT RH 3564 ... 0 PT foi assinado em 16 de novembro de 2020 – cfr. comprovativos postais anexos ao ofício n.º 7.992 constante do doc. n.º 18 junto com a oposição.

26. Os Recorrentes apresentaram o presente recurso contencioso no dia 25 de novembro de 2020 – cfr. fls. 01 e ss. dos autos (suporte digital).
Mais se provou que:

27. Os Recorrentes nasceram na República Bolivariana da Venezuela, filhos de emigrantes – cfr. depoimentos das testemunhas inquiridas.

28. Os pais da Recorrente P..., S... e M..., emigraram para República Bolivariana da Venezuela em meados da década de sessenta do século XX – cfr. depoimentos das testemunhas inquiridas.

29. Nesse país eram proprietários de imóveis, veículos, lojas e apartamentos – cfr. depoimentos das testemunhas inquiridas.

30. Os progenitores da Recorrente P..., também foram proprietários de uma fábrica de sapatos naquele país – cfr. depoimentos das testemunhas inquiridas.

31. No dia 20 de junho de 2014, no Serviço de Registo Público com Funções Notariais do Município de Bolívar, Estado de Barinas, República Bolivariana da Venezuela, foi autenticado documento pelo qual a Recorrente P... declarava vender ao cidadão venezuelano C... prédio constituído por uma casa, um pavilhão “celeiro”, um “caney” (barraca) e área circundante com demais infraestruturas e espécies arbóreas, numa área total de 8.000 m2, situado no Município de Miranda, Estado de Carabobo, pelo preço de BS 40.000.000,00 (quarenta milhões de bolívares) – cfr. doc. n.º 4 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

32. Em 08 de julho de 2015, foi outorgado “Contrato-Promessa de Compra e Venda de Imóvel”, pelo qual os ora Recorrentes prometeram vender a F... a “fração autónoma habitacional designada pela letra «A», que faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, localizado ao sítio do Livramento, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, inscrito na matriz sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz com o número .../19970709-A, da freguesia do Caniço, Concelho de Santa Cruz”, pelo valor de € 250.000,00, a pagar da seguinte forma:
“1 - Entregou nesta data, a título de sinal e de princípio de pagamento, a quantia de € 40.000,00 (…), em numerário e de que aqui se dá a respetiva quitação.
2 - Entregará a título de reforço de sinal e por conta do preço, até ao dia 08 de Outubro do ano de dois mil e quinze, € 40.000,00 (…).
3 - Entregará a título de reforço de sinal e por conta do preço, até ao dia 08 de Janeiro do ano de dois mil e dezasseis € 40.000,00 (…).
2 - O remanescente do preço, de € 130.000,00 (…) será pago na data da celebração da escritura pública” – cfr. doc. n.º 6 da petição inicial, junto a 15 de abril de 2021, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

33. A 30 de setembro de 2013, S... procedeu ao levantamento em numerário de € 60.000,00 da conta de que era titular junto do Banco “S...” – cfr. doc. n.º 8 da petição inicial, junto a 15 de abril de 2021, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

34. Em 07 de fevereiro de 2014, a Recorrente P... depositou € 50.000,00, em numerário, na conta n.º 0002 1023 ..., de que é titular junto do, à data, “B...” – cfr. documento junto com a petição inicial constante de fls. 44 dos autos (suporte digital), cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
*
MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA
Com interesse para a decisão, consideram-se não provados os seguintes factos:
a) O valor arrecadado com a venda mencionada no ponto 31. foi transportado para Portugal em numerário, em tranches de € 10.000,00 por pessoa, pela Recorrente, sua família e outros emigrantes vindos da Venezuela entre 2014 e 2016.
b) Os Recorrentes tinham dois cofres em casa e nele guardavam as verbas que lhes foram entregues por familiares e amigos, oriundos da Venezuela.
c) F..., entregou faseadamente aos Recorrentes € 120.000,00 em numerário (três tranches de € 40.000,00), ao longo de 2015 e 2016, a título de sinal no âmbito do contrato-promessa mencionado no ponto 32.
d) O aduzido valor de € 120.000,00 recebido por conta de sinal serviu para comprar os apartamentos correspondentes às frações “R” e “U” do prédio inscrito na matriz predial da freguesia de São Martinho, concelho do Funchal, sob o artigo 6....
e) Os € 60.000,00 levantados da conta de S... em 30 de setembro de 2013 foram depositados em cofre pessoal à espera de boa oportunidade de negócio.
f) Os € 50.000,00 em numerário que a Recorrente P... depositou na sua conta a 07 de fevereiro de 2014 provém dos € 60.000,00 levantados pelo seu pai, S..., a 30 de setembro de 2013.
*
FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A decisão da matéria de facto dada como provada efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, conforme o especificado nos vários pontos do probatório, que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do tribunal, em conjugação com a livre apreciação da prova.
O Tribunal alicerçou ainda a sua convicção relativamente à matéria de facto elencada nos pontos 27. a 30. do probatório nos depoimentos das testemunhas inquiridas - F..., J..., J... e S... -, nos seguintes termos:
F..., disse manter uma relação de amizade com os pais da Recorrente P... desde 1973/1974, tendo-os conhecido em Caracas, na Venezuela, e, por essa via, conheceu os Recorrentes com quem também criou laços de amizade, demonstrando, assim, possuir um conhecimento direto das condições de vida e do património que aqueles possuíam na Venezuela, bem como dos negócios que firmaram, designadamente do contrato-promessa referido no ponto 32. dos factos provados.
Não obstante o seu depoimento tenha causado sérias dúvidas quanto à respetiva espontaneidade - lembre-se que a testemunha, quando interrogada aos costumes, começou, desde logo, por avançar uma versão dos factos em tudo condicente com a matéria alegada pelos Recorrentes em sede de petição inicial, sem que com isso tenha sido confrontada -, a verdade é que logrou convencer o Tribunal quanto aos relatados aspetos inerentes às condições de vida dos Recorrentes e dos progenitores da Recorrente P... na Venezuela.
No restante, o seu testemunho não foi valorado por se ter mostrado manifestamente insuficiente no que respeita às narradas contingências relativas ao pagamento do sinal previsto no contrato promessa de compra e venda firmado com os Recorrentes, bem como aos aspetos atinentes ao transporte de verbas alegadamente percecionadas pela Recorrente P... com a venda de uma realidade imobiliária na Venezuela para Portugal e do destino que lhes deu - conforme o especificado na motivação da matéria de facto dada como não provada.
Pelo exposto, o seu depoimento apenas foi valorado positivamente para a fixação da matéria elencada nos pontos 27. a 30. dos factos provados.
Já a testemunha J..., aos costumes referiu manter uma relação de amizade com os pais da Recorrente P... desde 1974, tendo-os conhecido na Venezuela, e, por essa via, criou também laços de amizade com a Recorrente, tendo, posteriormente, vindo a conhecer o Recorrente A... na ilha da Madeira. Mais referenciou que, no âmbito da sua atividade profissional, foi promotor imobiliários dos prédios “J...”, onde se incluem os dois apartamentos adquiridos pelos Recorrentes, demonstrando conhecer, também, por esta circunstância, os contornos subjacentes ao presente dissídio.
Prestou um depoimento que, por espontâneo nesta parte, logrou convencer o Tribunal sobre as relatadas condições de vida e património constituído pelos Recorrentes, e pelos progenitores da Recorrente P..., na Venezuela.
No mais, a testemunha bastou-se a referir um conjunto de eventos dos quais ficou patente não possuir um conhecimento direto - pelo menos não evidenciado nos autos -, como seja a venda de um terreno por parte da Recorrente P... em 2014, na Venezuela, por € 400.000,00, e o destino concedido ao montante alegadamente recebido, bem como à existência de um cofre no interior da habitação dos Recorrentes e aos valores que albergava (realidades que apenas lhe podiam ter chegado ao conhecimento por intermédio dos Recorrentes).
Neste sentido, o seu depoimento foi apenas valorado positivamente para a fixação da matéria elencada nos pontos 27. a 30. dos factos provados.
J..., referiu conhecer os Recorrentes há mais de vinte anos na Venezuela, uma vez que os mesmos eram clientes da agência de viagens que explorava naquele país e que, nessa sequência desenvolveram laços de amizade, mais tendo aduzido que foi ele quem indicou um dos apartamentos em causa à Recorrente P....
A testemunha revelou conhecer as condições de vida dos Recorrentes e dos pais da Recorrente P... na Venezuela e do património que possuíam naquele país, tendo prestado um depoimento contextualizado neste campo, o que se mostrou suficiente para o Tribunal o valorar positivamente para a fixação da matéria constante dos pontos 27. a 30. dos factos provados.
No restante, o seu testemunho não foi valorado, porquanto do mesmo não foi possível retirar com segurança qualquer materialidade com interesse para a solução da causa. De facto, neste segmento, a testemunha debruçou-se genericamente sobre as razões subjacentes à retirada de capitais da Venezuela por parte dos emigrantes madeirenses, e ao respetivo método utilizado, e a aduzir que trouxe dinheiro para a Recorrente P..., sem precisar quando e quanto, chegando mesmo a avançar que tal dinheiro foi guardado em cofres (sem que se consiga vislumbrar a forma como se inteirou dessa circunstância). Por outro lado, referiu “ter ideia” de ter ouvido falar que a Recorrente P... vendeu um terreno na Venezuela por € 400.000,00, ou seja, o seu conhecimento do facto é manifestamente indireto e incidental.
Por fim, S..., pai da Recorrente P... e, desse modo, sogro do Recorrente A..., apesar de no seu depoimento ter denotado um apego natural à causa adveniente dos laços familiares que o unem com os Recorrentes, o mesmo mostrou-se apto a convencer o Tribunal sobre a matéria de facto constante dos pontos 27. a 30. dos factos provados, ou seja, sobre o respetivo percurso profissional e condições de vida (e da sua família) na Venezuela, os quais foram descritos contextualmente na primeira pessoa.
Quanto ao sobrante, o Tribunal não valorou o respetivo depoimento por o mesmo não permitir, por si só, alicerçar a factualidade sobre o qual recaiu. Efetivamente, a testemunha bastou-se a aludir às restrições em vigor na Venezuela no que concerne à saída de capitais e aos métodos utilizados para contornar esses entraves (v.g. o recurso ao mercado negro para compra de dólares, as remessas enviadas por avião, etc.), para concluir que a sua família viajou em 2014 da Venezuela e que todos trouxeram dinheiro, sem conseguir precisar que montantes foram concretamente transportados e a respetiva proveniência - não bastando para o efeito aduzir conclusivamente que também foi transportado dinheiro daquele país proveniente da venda de um imóvel por parte da filha, sem especificar que montantes concretamente foram transportados, quando o foram e por quem o foram (o que obviamente não se alcança de uma referência genérica a “toda a família”). Do mesmo modo, a testemunha limitou-se a asseverar que levantou € 60.000,00 para doar à sua filha, sendo que nada nos autos nos permite descortinar um nexo entre esse levantamento e o depósito efetuado pela Recorrente P... a 07 de fevereiro de 2014.
*
Já no que respeita à factualidade dada como não provada, a convicção do Tribunal firmou-se na insuficiência de prova concludente sobre a mesma.
De facto, e no que concerne à alínea a) dos factos não provados, nenhum elemento de prova objetivo e fidedigno foi oferecido no sentido de comprovar que o montante alegadamente recebido pela Recorrente P... com a venda de imóvel na Venezuela foi trazido para Portugal em tranches de € 10.000,00 pelos Recorrentes, a sua família e outros amigos ou conhecidos emigrados naquele país.
Neste conspecto, não se descora ser prática comum entre a comunidade madeirense na Venezuela retirar dinheiro daquele país para Portugal em numerário (fruto da profunda crise económico-financeira por que aquele país sul americano passa e dos entraves colocados pelas entidades estatais à saída de capitais), mas a simples asseveração de que o valor alegadamente percecionado com a venda em causa terá chegado à Madeira em tranches de € 10.000,00 (num total de € 410.846,34), desacompanhada de qualquer outro meio probatório apto a corroborar essa materialidade, não se mostra idóneo à prova do facto subjacente.
Efetivamente, os Recorrentes bastaram-se a juntar sob o doc. n.º 5 da petição inicial seis bilhetes eletrónicos (recibo de itinerário de passageiro) de voos da TAP de Caracas com destino à Região Autónoma da Madeira efetuados a 11 de agosto de 2014, referentes aos passageiros “S...”, “M...”, “P...”, “M...” e “A...”, elementos aptos a comprovar que os referidos passageiros efetuaram a apontada viagem, mas que nada ilustram quanto a um possível transporte de dinheiro em numerário a mando dos Recorrentes e respetivo montante (e muito menos da respetiva proveniência).
Por outro lado, os considerandos expressos pelas testemunhas no que a este aspeto se refere mostram-se manifestamente insuficientes para dar como provado o transporte do dinheiro em causa. Isto porque a simples afirmação de que transportaram verbas a pedido dos Recorrentes ou que têm conhecimento de que outras pessoas o fizeram (com as inerentes condicionantes do depoimento indireto), não se mostra suficiente - mesmo sendo verdade - para apurar da proveniência e destino das supostas tranches e respetivos montantes.
Daí que não tenha restado provado que o produto da venda referida no ponto 31. foi transportado para Portugal em numerário, designadamente em tranches de € 10.000,00 por pessoa, pela Recorrente, sua família e outros emigrantes vindos da Venezuela.
Do mesmo modo, as referências esparsas feitas pelas testemunhas de que os Recorrentes tinham cofres em casa e neles guardavam as verbas que lhes foram entregues por familiares e amigos, provindos da Venezuela não se mostra suficiente para prova dessa factualidade. E isto porque, também neste tocante, a simples constatação da prática comum entre os emigrantes portugueses na Venezuela (e entre os recém-regressados daquele país) de colocarem as respetivas economias em cofres, fruto da patente desconfiança no sistema bancário venezuelano (e até português, em razão da resolução do “B...” e do “B...”, este último com especiais repercussões na Região Autónoma da Madeira), não permite afiançar que os Recorrentes seguiram esse caminho, adquirindo cofres (não tendo ficado evidenciado que as testemunhas tenham visto ou constatado a existência dos mesmos, que não por aquilo que lhes foi avançado), e, muito menos, a proveniência das verbas lá colocadas e o destino que lhes foi concedido - neste particular não se pode deixar de notar que nem sequer vem alegado que os supostos montantes guardados em cofre foram afetos ao pagamento dos apartamentos adquiridos em 2016 e cuja aquisição fundamenta o acréscimo patrimonial determinante da aplicação de métodos indiretos.
Já no que se refere aos € 120.000,00 supostamente entregues por F... aos Recorrentes em numerário, ao longo de 2015 e 2016, a título de sinal no âmbito do contrato-promessa mencionado no ponto 32. do probatório, o mesmo teve a oportunidade de referir, quando inquirido na qualidade de testemunha, que aquele montante foi entregue faseadamente por conta do negócio de compra e venda prometido e que ainda é sua intenção concluí-lo, quando tiver disponibilidade de capital para o efeito.
A tese avançada pela testemunha mostrar-se-ia verosímil, não fosse a circunstância de afirmar que os € 120.000,00, pagos em três prestações de € 40.000,00 cada, foram entregues em numerário. Sucede que não foi junto aos autos qualquer documento de quitação (não obstante a testemunha afiançar que existem), sendo o depoimento referido manifestamente insuficiente para a demonstração dos fluxos financeiros associados.
Mas mesmo que se considerasse provado o pagamento dos apontados € 120.000,00, a verdade é que não ficou demonstrado o nexo ou ligação entre essa fonte de rendimento e a capacidade aquisitiva dos apartamentos em causa, não bastando para o efeito, as asserções genéricas efetuadas pela testemunha F... de que sabe que a Recorrente P... aplicou aquele montante na compra dos apartamentos, sem que se perceba a origem do seu conhecimento da matéria em causa (que terá forçosamente de passar por um conhecimento indireto, uma vez que não se encontra demonstrado que a mesma tenha intervindo no negócio).
Como tal, resta não provado que F... tenha entregue aos Recorrentes em numerário, ao longo de 2015 e 2016, € 120.000,00, e que esse montante serviu para comprar os apartamentos correspondentes às frações “R” e “U” do prédio inscrito na matriz predial da freguesia de São Martinho, concelho do Funchal, sob o artigo 6....
Por fim, e relativamente às alíneas e) e f) dos factos não provados, não ficou demonstrado que os € 60.000,00 levantados da conta de S... em 30 de setembro de 2013 foram depositados em cofre pessoal à espera de boa oportunidade de negócio e muito menos que os € 50.000,00 que a Recorrente P... depositou na sua conta a 07 de fevereiro de 2014 provém daquele levantamento efetuado cerca de quatro meses antes, por total ausência de prova consistente e credível sobre tal factualidade.
Neste caso, o fluxo financeiro em causa - entrada de € 50.000,00 na conta da Recorrente - encontra-se provado, mas os Recorrentes não lograram demonstrar a efetividade da operação que alegadamente suporta aquele movimento (a origem do dinheiro), não bastando, para o efeito, afirmar conclusivamente que o mesmo foi doado pelo pai da Recorrente P..., S... (cujo depoimento se mostrou insuficiente quanto a esta matéria, conforme se viu), e que foi colocado em cofre à espera de uma boa oportunidade de negócio.
Impunha-se aos Recorrentes o ónus de demostração da relação causal prevista no art. 89.º-A, n.º 3 da LGT, ou seja, do nexo ou ligação entre a fonte e a capacidade aquisitiva demonstrada (que as quantias depositadas foram utilizadas na compra dos apartamentos e que as mesmas correspondiam a parte do montante levantado anteriormente pelo pai da Recorrente), ónus que restou incumprido “in casu”.”.

* *
IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

No caso concreto, a AT-RAM apurou a matéria coletável dos Recorrentes em sede de IRS do exercício de 2016 por métodos indiretos, com fundamento no disposto na alínea f) do n.º 1 do art. 87.º, conjugado com o n.º 5 do art. 89.º-A, ambos da LGT, na sequência de uma divergência não justificada entre os rendimentos por aqueles declarados e o acréscimo de património evidenciado com a aquisição das frações “R” e “U” do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 6... da freguesia de São Martinho, concelho do Funchal, no valor de € 100.000,00 cada uma.

Assim, no âmbito do procedimento de inspeção tributária com a ordem de serviço n.º OI202000369, foi fixada a matéria coletável referente a IRS de 2016, por métodos indiretos, no valor de € 199.274,64, nos termos previstos nos artigos 87.º, n.º 1, alínea f) e 89.º-A, ambos da LGT, enquadrados como rendimentos da categoria “G”, apurando-se, o valor a pagar de € 119.564,78.

Os Recorrente apresentam recurso da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal que julgou improcedente o recurso judicial interposto contra a fixação por métodos indirectos, ao abrigo da alínea f) do nº 1 e nº 2 do art. 87º da LGT, do rendimento de IRS do ano de 2006 no montante de € 199.274,64, invocando erro de julgamento da matéria de facto quanto aos factos considerados não provados, e erro de julgamento de direito por ter sido julgada improcedente a alegada preterição de formalidade legal no procedimento de inspecção.

A) Quanto ao erro de julgamento da matéria de facto

Os Recorrentes insurgem-se contra a factualidade vertida na sentença recorrida, mais concretamente contra os factos que o Tribunal a quo considerou como não provados, tendo para o efeito invocado as razões da sua discordância quanto à valoração dos factos resultantes dos depoimentos das testemunhas e identificado, relativamente a cada uma das testemunhas, o trecho do registo áudio que justifica a sua discordância (como consta das conclusões I) a AZ) das alegações).

O Tribunal a quo considerou como não provados os seguintes factos:

a) O valor arrecadado com a venda mencionada no ponto 31. foi transportado para Portugal em numerário, em tranches de € 10.000,00 por pessoa, pela Recorrente, sua família e outros emigrantes vindos da Venezuela entre 2014 e 2016.

b) Os Recorrentes tinham dois cofres em casa e nele guardavam as verbas que lhes foram entregues por familiares e amigos, oriundos da Venezuela.

c) F..., entregou faseadamente aos Recorrentes € 120.000,00 em numerário (três tranches de € 40.000,00), ao longo de 2015 e 2016, a título de sinal no âmbito do contrato-promessa mencionado no ponto 32.

d) O aduzido valor de € 120.000,00 recebido por conta de sinal serviu para comprar os apartamentos correspondentes às frações “R” e “U” do prédio inscrito na matriz predial da freguesia de São Martinho, concelho do Funchal, sob o artigo 6....

e) Os € 60.000,00 levantados da conta de S... em 30 de setembro de 2013 foram depositados em cofre pessoal à espera de boa oportunidade de negócio.

f) Os € 50.000,00 em numerário que a Recorrente P... depositou na sua conta a 07 de fevereiro de 2014 provém dos € 60.000,00 levantados pelo seu pai, S..., a 30 de setembro de 2013.”


Na perspectiva dos Recorrentes o tribunal a quo errou na valoração da prova quanto aos factos que considerou como não provados, defendendo que os depoimentos produzidos nos autos permitem fazer a prova dos mesmos.

Importa desde já destacar que no domínio da prova testemunhal vigora o princípio da livre apreciação da prova (art. 396º do Código Civil), segundo a convicção que o julgador tenha formado acerca de cada facto, sem embargo do dever de as analisar criticamente e especificar os fundamentos decisivos para a convicção adquirida (art. 607º, nºs 4 e 5 do Código de Processo Civil).

No entanto, a prova para ser determinante para a convicção do julgador, até porque nos termos da lei é de apreciação livre, não tem de ser absolutamente inabalável, basta que, pelos elementos essenciais, pela razão de ciência e pelo modo como as testemunhas são confrontadas com os factos, o julgador fique convencido de que não faltaram à verdade.

Importa recordar que por força artigo 662.º, nº 1, do CPC, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada por este Tribunal Central Administrativo, desde logo quando, impugnada a matéria de facto, tenha sido cumprido o ónus de impugnação prescrito pelo art. 640º do CPC, situação em que o tribunal superior está em condições de proceder à reavaliação da prova. Contudo, como afirma António Santos Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5º Ed., pag. 293 “(…) sem embargo das modificações que podem ser oficiosamente operadas relativamente a determinados factos cuja decisão esteja eivada de erro de direito por violação de regras imperativas, à Relação não é exigido, nem lhe é permitido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos a livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão da matéria de facto, indicou nas respectivas alegações que circunscrevem o objecto do recurso (…)” mas, “desde que se mostrem cumpridos os requisitos formais que constam do art. 640º, a Relação já não está limitada à reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes, devendo atender a todos quanto constem do processo, independentemente da sua proveniência (art. 413º), sem exclusão sequer da possibilidade de efectuar a audição de toda a gravação se esta se revelar oportuna para a concreta decisão”.

Vejamos o caso concreto.

O artigo 640.º do CPC enumera os ónus que ficam a cargo do recorrente que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto, sendo que a cominação para a inobservância do que aí se impõe é a rejeição do recurso quanto à parte afectada.

É, pois neste contexto e considerando o corpo das alegações e as suas conclusões que verificamos que não se evidencia qualquer falha de cumprimento do ónus de impugnação previsto no artigo 640.º do CPC por parte dos Recorrentes porquanto indicaram:
a) Os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.


Tendo os Recorrentes cumprido todos os requisitos elencados no artigo 640.º do CPC, importa decidir o alegado erro de julgamento da matéria de facto e se dos depoimentos das testemunhas convocados é possível retirar como factualidade provada a factualidade elencada como não provada.

Alegam os Recorrentes o erro de julgamento quanto aos seguintes factos considerados não provados:

a) O valor arrecadado com a venda mencionada no ponto 31, foi transportada para Portugal em numerário, em tranches de € 10.000,00 por pessoa, pela Recorrente, sua família e outros emigrantes vindos da Venezuela entre 2014 e 206.

Esta factualidade foi dada como não provada pelo Tribunal a quo porquanto “nenhum elemento de prova objetivo e fidedigno foi oferecido no sentido de comprovar que o montante alegadamente recebido pela Recorrente P... com a venda de imóvel na Venezuela foi trazido para Portugal em tranches de € 10.000,00 pelos Recorrentes, a sua família e outros amigos ou conhecidos emigrados naquele país.
Neste conspecto, não se descura ser prática comum entre a comunidade madeirense na Venezuela retirar dinheiro daquele país para Portugal em numerário (fruto da profunda crise económico-financeira por que aquele país sul americano passa e dos entraves colocados pelas entidades estatais à saída de capitais), mas a simples asseveração de que o valor alegadamente percecionado com a venda em causa terá chegado à Madeira em tranches de € 10.000,00 (num total de € 410.846,34), desacompanhada de qualquer outro meio probatório apto a corroborar essa materialidade, não se mostra idóneo à prova do facto subjacente.
Efetivamente, os Recorrentes bastaram-se a juntar sob o doc. n.º 5 da petição inicial seis bilhetes eletrónicos (recibo de itinerário de passageiro) de voos da TAP de Caracas com destino à Região Autónoma da Madeira efetuados a 11 de agosto de 2014, referentes aos passageiros “S...”, “M...”, “P...”, “M...” e “A...”, elementos aptos a comprovar que os referidos passageiros efetuaram a apontada viagem, mas que nada ilustram quanto a um possível transporte de dinheiro em numerário a mando dos Recorrentes e respetivo montante (e muito menos da respetiva proveniência).
Por outro lado, os considerandos expressos pelas testemunhas no que a este aspeto se refere mostram-se manifestamente insuficientes para dar como provado o transporte do dinheiro em causa. Isto porque a simples afirmação de que transportaram verbas a pedido dos Recorrentes ou que têm conhecimento de que outras pessoas o fizeram (com as inerentes condicionantes do depoimento indireto), não se mostra suficiente - mesmo sendo verdade - para apurar da proveniência e destino das supostas tranches e respetivos montantes.”

Discordando do assim decidido os Recorrentes, para justificar a prova de tal facto, invocam os depoimentos de F... quando este afirma que “cada vez que íamos viajar, perguntavam podes levar algum dinheiro para Portugal, podes levar alguma coisa, era permitido pelo governo trazer 10 mil dólares, dizendo também que durante os anos de 2014, 2015, trouxe dinheiro para Portugal para entregar aos recorrentes dentro dos limites legais os € 10.000,00 (conclusão S das alegações), bem como da testemunha J... ao referir que “os emigrantes traziam, íamos à agência de viagens para saber quem vinha e traziam escondido, era muito arriscado porque... era a única maneira de trazer o dinheiro, era assim”, tendo ainda referido “que não se depositava esse dinheiro nos bancos venezuelanos porque não se confiava nos bancos e já se perdeu muito dinheiro lá com os bancos e que a comunidade portuguesa, mandava por aqueles que tínhamos mais de confiança, 10 mil e as pessoas traziam “ (cfr. conclusão T das alegações), a que acresce o depoimento de J... que explicou “viajavam muito e cheguei a mandar alguns dinheiros deles para cá por um cliente” (cfr. conclusão Z) das alegações).


Ouvidos os respectivos depoimentos confirmam-se as afirmações transcritas no parágrafo anterior, mas tais afirmações apenas permitem concluir que era permitido o transporte de dinheiro da Venezuela para Portugal, em quantias de € 10.000, sendo prática corrente entre os emigrantes, pedirem a outras pessoas (familiares e amigos) que trouxessem esse valor para Portugal dado não confiarem nos bancos venezuelanos. As testemunhas inquiridas afirmaram que trouxeram, ou mandaram, dinheiro dessa forma. Contudo, destes depoimentos que revelam uma prática generalizada entre emigrantes na Venezuela não podemos dar como provado que foi feito o aludido transporte de dinheiro, sendo insuficiente, para o efeito, o mero depoimento de testemunhas desacompanhado de qualquer outra prova, não podendo, outrossim, extrair-se a prova de que o valor da venda do imóvel na Venezuela efectuada por P... tenha sido transportada para Portugal em numerário, em tranches de € 10.000,00 pela Recorrente, sua família e outros emigrantes entre 2014 e 2016.

Desta forma considera-se como correcta a valoração do facto mencionado em a) como não provado.

O tribunal a quo considerou ainda como não provado que;

b) Os Recorrentes tinham dois cofres em casa e nele guardavam as verbas que lhes foram entregues por familiares e amigos, oriundos da Venezuela.


A convicção do tribunal para julgar este facto como não provado resulta de “(…) a simples constatação da prática comum entre os emigrantes portugueses na Venezuela (e entre os recém-regressados daquele país) de colocarem as respetivas economias em cofres, fruto da patente desconfiança no sistema bancário venezuelano (e até português, em razão da resolução do “B...” e do “B...”, este último com especiais repercussões na Região Autónoma da Madeira), não permite afiançar que os Recorrentes seguiram esse caminho, adquirindo cofres (não tendo ficado evidenciado que as testemunhas tenham visto ou constatado a existência dos mesmos, que não por aquilo que lhes foi avançado), e, muito menos, a proveniência das verbas lá colocadas e o destino que lhes foi concedido - neste particular não se pode deixar de notar que nem sequer vem alegado que os supostos montantes guardados em cofre foram afetos ao pagamento dos apartamentos adquiridos em 2016 e cuja aquisição fundamenta o acréscimo patrimonial determinante da aplicação de métodos indiretos.”.

Os Recorrentes invocam que este facto mostra-se provado dado que a 1ª testemunha afirmou “que guardava o dinheiro em casa dentro de um cofre e que ainda espera concluir o negócio”, (conclusão AC das alegações), que a 2ª testemunha disse que “P... e A... tinha cofres em casa salientando que ela não confiava nos bancos e que por isso guardava em casa o dinheiro” (conclusão AD) das alegações) e que a 3ª testemunha mencionou que “o dinheiro que traziam guardavam em cofres” (cfr. AE) das alegações.

Tais afirmações mostram-se genéricas e vagas e não permitem concluir pela prova do facto acima elencado porquanto, tal como evidencia o tribunal a quo, as testemunhas não viram nem constataram a existência desses cofres, desconhecendo-se as quantias neles colocadas, a sua proveniência e o seu destino, razão pela qual mostra-se correcta a valorização do facto assinalado em 2) como não provado.


Foi ainda considerado como não provado que:

c) F..., entregou faseadamente aos Recorrentes € 120.000,00 em numerário (três tranches de € 40.000,00), ao longo de 2015 e 2016, a título de sinal no âmbito do contrato-promessa mencionado no ponto 32.

O tribunal a quo considerou que a 1ª testemunha afirmou “(…) quando inquirido na qualidade de testemunha, que aquele montante foi entregue faseadamente por conta do negócio de compra e venda prometido e que ainda é sua intenção concluí-lo, quando tiver disponibilidade de capital para o efeito.
A tese avançada pela testemunha mostrar-se-ia verosímil, não fosse a circunstância de afirmar que os € 120.000,00, pagos em três prestações de € 40.000,00 cada, foram entregues em numerário. Sucede que não foi junto aos autos qualquer documento de quitação (não obstante a testemunha afiançar que existem), sendo o depoimento referido manifestamente insuficiente para a demonstração dos fluxos financeiros associados.


Os Recorrentes sustentam a prova desse facto nas afirmações feitas pela 1ª testemunha de que o valor de € 120.000,00 em dinheiro, repartido por três vezes (€ 40.000,00 cada) “Era o sinal, ia pagando, conforme ida dando, ia descontando o valor. Quando comprei um apartamento em 2004, 2005 também foi da mesma maneira, ia pagando, afirmando que foi em dinheiro vivo, notas” (cfr. conclusão AH) das conclusões).

Ora do depoimento da testemunha resulta evidente a manifesta insuficiência probatória quanto ao pagamento, na medida em que tal depoimento, desacompanhado de demais prova, designadamente de documentos de quitação dos alegados pagamentos, não tem a virtualidade de, por si só, provar tal facto, pelo que a decisão do tribunal a quo de julgar o facto elencado em c) como não provado, mostra-se correcta.


Mais foi considerado como não provado que:

d) O aduzido valor de € 120.000,00 recebido por conta de sinal serviu para comprar os apartamentos correspondentes às frações “R” e “U” do prédio inscrito na matriz predial da freguesia de São Martinho, concelho do Funchal, sob o artigo 6....

Para o efeito o tribunal a quo considerou queMas mesmo que se considerasse provado o pagamento dos apontados € 120.000,00, a verdade é que não ficou demonstrado o nexo ou ligação entre essa fonte de rendimento e a capacidade aquisitiva dos apartamentos em causa, não bastando para o efeito, as asserções genéricas efetuadas pela testemunha F... de que sabe que a Recorrente P... aplicou aquele montante na compra dos apartamentos, sem que se perceba a origem do seu conhecimento da matéria em causa (que terá forçosamente de passar por um conhecimento indireto, uma vez que não se encontra demonstrado que a mesma tenha intervindo no negócio)”.


Em virtude de não se mostrar provado o pagamento em dinheiro aos Recorrentes no montante de € 120.000,00, não podemos afirmar que “P... tenha ficado com disponibilidade financeira para adquirir o apartamento” e que “em relação ao apartamento fracção U a D. A... pagou este imóvel em dinheiro” (cfr. conclusões AM) e AJ) das alegações). Ademais, as aludidas asserções não são factos, mas sim meras conclusões, concatenadas com o thema decidendum, não podendo, nessa medida, constar no probatório. De frisar que em relação à prova de pagamentos em dinheiro, tal como referido supra, não basta uma testemunha referir tais pagamentos, para que o facto se considere como provado. Na verdade essa prova tem de resultar da concatenação da prova testemunhal com outra prova documental, designadamente os mencionados recibos de quitação.

Mais uma vez entendemos não existirem razões para alterar o decidido pelo tribunal a quo, devendo considerar-se o facto enunciado na alínea d) como não provado.


Finalmente o Tribunal a quo considerou ainda como não provados que:

e) Os € 60.000,00 levantados da conta de S... em 30 de setembro de 2013 foram depositados em cofre pessoal à espera de boa oportunidade de negócio, e que;
f) Os € 50.000,00 em numerário que a Recorrente P... depositou na sua conta a 07 de fevereiro de 2014 provém dos € 60.000,00 levantados pelo seu pai, S..., a 30 de setembro de 2013.”


Na motivação da matéria de facto o tribunal mencionou querelativamente às alíneas e) e f) dos factos não provados, não ficou demonstrado que os € 60.000,00 levantados da conta de S... em 30 de setembro de 2013 foram depositados em cofre pessoal à espera de boa oportunidade de negócio e muito menos que os € 50.000,00 que a Recorrente P... depositou na sua conta a 07 de fevereiro de 2014 provém daquele levantamento efetuado cerca de quatro meses antes, por total ausência de prova consistente e credível sobre tal factualidade.
Neste caso, o fluxo financeiro em causa - entrada de € 50.000,00 na conta da Recorrente - encontra-se provado, mas os Recorrentes não lograram demonstrar a efetividade da operação que alegadamente suporta aquele movimento (a origem do dinheiro), não bastando, para o efeito, afirmar conclusivamente que o mesmo foi doado pelo pai da Recorrente P..., S... (cujo depoimento se mostrou insuficiente quanto a esta matéria, conforme se viu), e que foi colocado em cofre à espera de uma boa oportunidade de negócio.
Impunha-se aos Recorrentes o ónus de demostração da relação causal prevista no art. 89.º-A, n.º 3 da LGT, ou seja, do nexo ou ligação entre a fonte e a capacidade aquisitiva demonstrada (que as quantias depositadas foram utilizadas na compra dos apartamentos e que as mesmas correspondiam a parte do montante levantado anteriormente pelo pai da Recorrente), ónus que restou incumprido “in casu”.”.


Os Recorrentes invocam o depoimento da 4ª testemunha que, em seu entender prova os factos acima enunciados na medida em que “sobre o destino da quantia de € 60.000.00 levantada afirmou que levantou o dinheiro e deu à sua filha, porque como não fala bem português e queria fazer negócio aqui em Portugal, deu à filha para fazer o que tinha que fazer, e que era para ela fazer um investimento, para que um dia quando voltasse para a Madeira, tivesse uma propriedade” (cfr. conclusão AR das alegações).

Tal depoimento mostra-se claramente insuficiente para a prova dos factos acima expostos. Por outro lado para a prova do facto mencionado em f) não basta afirmar que “os recorrentes tendo cofres em casa, o dinheiro entregue directamente por S... (60.000,00) à sua filha P..., seguramente foi guardado nesses cofres, à luz das regras da experiência comum” (cfr. conclusão AV das alegações). Não sendo, de resto, suficiente, neste e para este efeito, a convocação das regras da experiência. Defendem os Recorrentes que através do depoimento e declarações de parte de P... seria possível “fechar o círculo probatório” (cfr. conclusão AZ das alegações).

É importante frisar que as declarações de parte de P... foram indeferidas por despacho proferido pelo tribunal a quo em 04/02/2021( cfr. fls.219 do processo físico) , sem que os Recorrentes tenham reagido a essa decisão. Ademais, não podemos perder de vista que as declarações de parte são um elemento de prova introduzido pelo legislador, com a reforma do CPC em 2013, com vista a possibilitar a prova de factos cujo conhecimento é exclusivo das partes, ou de grande dificuldade de prova, por outros meios.
Ora, como visto, tal não é que sucede no caso vertente. Aliás, são os Recorrentes os próprios nas suas conclusões de recurso a dizer que: a parte “também teria conhecimento privilegiado” e não exclusivo.
Acresce relevar e sublinhar que os pagamentos e entregas de valores monetários carecem, sempre, de uma prova inequívoca, mormente, documental.

Por tudo o que vem exposto julga-se improcedente a alegada impugnação da matéria de facto concluindo-se que não se verifica o alegado erro de julgamento da matéria de facto.


B) Quanto ao erro de julgamento de direito

Estabilizada a matéria de facto nos termos acima exposto, vejamos o alegado erro de julgamento quanto à preterição de formalidade legal no procedimento de inspecção por violação da alínea a) do nº 1 do art. 40º do CPPT por falta de notificação do início da inspecção (cfr. conclusões A) a H) das alegações).

Sobre esta questão, na sentença recorrida, consta o seguinte:
A alegação recursiva começa por imputar vício de preterição de formalidades legais ao procedimento inspetivo efetuado a coberto da ordem de serviço n.º OI202000369, porquanto, segundo vem invocado, o mandatário constituído pelos Recorrente foi notificado para efeitos de audição prévia ao projeto de relatório, sem lhe ter sido previamente comunicado o início da inspeção.
Da linha temporal dos factos relevantes - cfr. pontos 9. a 21. dos factos provados -constata-se que:
- No âmbito do despacho externo n.º DI201900064 os Recorrentes constituíram mandatário, tendo o mesmo entregue petição tendente ao exercício de direito de audição prévia ao projeto de decisão de aplicação de métodos indiretos para determinação do rendimento sujeito a IRS para o exercício de 2016;
- Em 30 de setembro de 2020 (data de assinatura do respetivo aviso de receção), o mandatário constituído pelos Recorrentes foi notificado “da decisão final de indeferimento do Direito de Audição Prévia, dando origem a procedimento inspetivo OI202000369”;
- Por sua vez, os Recorrentes foram notificados por ofício expedido a 01 de outubro de 2020, por via postal registada (registo CTT RH 6250 ... 6 PT), com o assunto “carta-aviso”, de que iria ter início a inspeção titulada pela ordem de serviço n.º OI202000369, de âmbito geral reportada ao exercício de 2016;
- Os Serviços de Inspeção Tributária da AT-RAM emitiram, em 13 de outubro de 2020, projeto de relatório inspetivo por referência à ordem de serviço n.º OI202000369, no qual se apurou uma correção à matéria tributável de IRS, por métodos indiretos, para o exercício de 2016, no valor de € 199.274,64;
- O mandatário dos Recorrentes foi notificado, respetivamente, por ofícios n.ºs 7.193 e 7.186, expedidos por via postal registada em 14 de outubro de 2020, do projeto de relatório de inspeção tributária emitido no âmbito da ordem de serviço n.º OI202000369, bem como de que “no dia 12 de outubro de 2020 se considerou iniciado o Procedimento de Inspeção Externo credenciado por OI 202000369, nos termos do artigo 51.º do Regime Complementar de Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), data em que um dos sujeitos passivos, neste caso, a senhora P..., assinou a referida Ordem de Serviço Externa”;
- Em 09 de novembro de 2020, deu entrada nos serviços da AT-RAM petição de “exercício do direito de audição relativamente ao projeto de decisão de aplicação de métodos indiretos” efetuado a coberto da ordem de serviço n.º OI202000369.
Feito este enquadramento de facto, cumpre, pois, apreciar se se verifica a imputada preterição de formalidade legal.
Estabelece o art. 49.º, n.º 1 do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA) que: “O procedimento externo de inspeção deve ser notificado ao sujeito passivo ou obrigado tributário com uma antecedência mínima de cinco dias relativamente ao seu início.”
Nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, “a notificação prevista no número anterior efetua-se por carta-aviso elaborada de acordo com o modelo aprovado pelo diretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, contendo os seguintes elementos:
a) Identificação do sujeito passivo ou obrigado tributário objeto da inspeção;
b) Âmbito e extensão da inspeção a realizar.”
Ora, “está aqui consagrada uma das mais importantes regras decorrentes do Princípio do Estado de Direito, e particularmente do seu subprincípio da segurança jurídica e da protecção da confiança – a obrigatoriedade de notificação prévia da inspecção, com antecedência razoável, de modo a poder antecipar na esfera jurídica do destinatário a possibilidade da prática de actos intrusivos e potencialmente restritivos. Exige-se, nesta conformidade que o procedimento externo de inspecção (apenas este) deve ser notificado ao sujeito passivo ou obrigado tributário com uma antecedência mínima de cinco dias relativamente ao seu início. Significa que em termos práticos não é possível a realização de inspecções-surpresa, não podendo o visado ser apanhado desprevenido, (…)” - cfr. JOAQUIM FREITAS DA ROCHA/JOÃO DAMIÃO CALDEIRA, Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária Anotado e Comentado, Coimbra Editora, 2013, p. 268.
Sucede, porém, que a falta de comunicação do início de procedimento oficioso não gera invalidade se, não obstante a mesma, se demonstrar que o interessado teve conhecimento do procedimento (e do respetivo objeto) a tempo de nele intervir - conforme o sustentado pelos apontados autores, “se o contribuinte inspecionado foi notificado da ordem de serviço/despacho que marca o início do procedimento, se foi notificado do projeto de conclusões do relatório de inspecção, a eventual falta de notificação da carta aviso degrada-se numa mera irregularidade, sem efeitos invalidantes” - cfr. ob. cit., p. 270.
Volvendo ao caso dos autos, temos que os Recorrentes foram notificados atempadamente da carta-aviso, verificando-se, contudo, que o mandatário por eles constituído apenas foi notificado (ao abrigo do art. 40.º do CPPT) do início do procedimento por ofício expedido na mesma data da notificação do projeto de correções.
Mas não se pode descurar que o referido mandatário já havia sido notificado, a 30 de setembro de 2020, da decisão final do despacho externo n.º DI201900064, tendo-lhe sido informado que a mesma conduziria à abertura de procedimento inspetivo a realizar sob a ordem de serviço n.º OI202000369, ou seja, a ação fiscalizadora realizada não constitui qualquer “inspeção surpresa” para o mesmo.
Por outro lado, o mandatário constituído foi notificado do projeto de correções e exerceu o respetivo direito de audição prévia, pelo que, mesmo que se considerasse preterida a formalidade prevista no art. 49.º do RCPITA relativamente ao mesmo, sempre tal falta se degradaria em mera irregularidade sem efeitos invalidantes”.

Reiteram os Recorrentes que ocorreu preterição de formalidade legal por falta de notificação do início do procedimento de inspecção, contudo, entendemos que a decisão acima transcrita efectuou um correcto enquadramento fáctico-legal da questão, não sendo passível de reparo, pelo que, pelas razões acima expostas entendemos que não se verifica a alegada preterição de formalidade legal, e mesmo que assim se entendesse, essa preterição ter-se-ia degradado perante a notificação do projecto de correcções e exercício do direito de audição pelos Recorrentes.

Por último e no atinente à prova dos pressupostos das manifestações de fortuna, importa dizer que nenhuma censura merece o entendimento do Tribunal a quo, porque mantendo-se inalterada a matéria de facto resulta que, no caso em apreço, a administração tributária detectou no exercício de 2016 na esfera patrimonial dos Recorrentes uma divergência não justificada entre o acréscimo de património e os rendimentos declarados, revelando um acréscimo patrimonial não justificado no valor superior a € 100.000,00, encontrando-se assim legitimada nos termos do art. 87º, nº 1 alínea f) da LGT ao recurso à avaliação indirecta.

Nesta circunstância cabia aos Recorrentes a prova de que os rendimentos declarados correspondiam à realidade e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo patrimonial como dispõe o nº 3 do art. 89º-A da LGT.

Ora no caso dos autos e contrariamente ao expendido, designadamente, em AZ, os Recorrentes não lograram provar nos termos do nº 3 do art. 89º-A da LGT que o acréscimo patrimonial resultou de aplicação de capitais próprios oriundos da venda de um imóvel na Venezuela por € 400.000,00 transportados para Portugal em tranches de € 10.000,00, bem como da perda do sinal de € 120.000,00 pago por F... no âmbito do contrato-promessa e ainda de capitais doados pelo pai da Recorrente no montante de € 50.000,00.


Destarte se conclui que o presente recurso não merece provimento, mantendo-se a sentença recorrida.

* *
V- DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os juízes da 2ª Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.

Custas pelos Recorrentes.
Lisboa, 30 de Setembro de 2021

[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Mário Rebelo e Patrícia Manuel Pires].
Luisa Soares