Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:72/10.0BELSB
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:06/01/2017
Relator:CRISTINA DOS SANTOS
Descritores:RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
DEFESA DIRECTA E INDIRECTA
PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
CONTRATO DE TRABALHO
Sumário:1. A reclamação para a conferência constitui o meio adjectivo próprio ao dispor da parte que se sinta prejudicada pela decisão individual e sumária do relator sobre o objecto do recurso, cfr. artº 652º nº 1 c) e nº 3 ex vi 656º CPC.

2. O recorrente/reclamante nessa reclamação pode restringir o objecto do recurso, cfr. artº 635º nº 4 CPC, mas não pode ampliar o seu objecto, faculdade limitada ao recorrido, parte vencedora que tendo decaído em alguns dos fundamentos da acção, apesar disso, obteve vencimento no resultado final, cfr. artº 636º nº 1 CPC.

3. No regime do artº 652º nº 1 c) e nº 3 ex vi 656º CPC a reclamação para a conferência da decisão sumária proferida apenas pelo relator faz retroagir o conhecimento, em conferência, do mérito da apelação ao momento anterior àquela decisão sumária, limitado às questões especificadas pelo recorrente nas conclusões de recurso, sem prejuízo da faculdade de restringir na reclamação o objecto recursório anteriormente definido, cfr.artº 635º nº 4 CPC.

4. Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, ou seja, a impugnação não tem de ser feita facto por facto, individualizadamente, podendo ser genérica, cfr. artº 574º nº 2 CPC.

5. A impugnação dos factos constitutivos alegados pelo autor é directa quando o réu os nega frontalmente, cfr. artº 574º nº 1 CPC.

6.A impugnação é indirecta no caso de os factos alegados pelo autor estarem em oposição com o conjunto da defesa, circunstância em que o réu, embora confessando ou admitindo parte dos factos alegados como causa de pedir pelo autor, afirma, por sua vez, factos cuja existência é incompatível com a realidade de outros também alegados pelo autor no âmbito da mesma causa de pedir, cfr. artº 574º nº 2 CPC.

7. Na prestação de serviço, o sujeito obrigado à prestação de resultado do seu trabalho não ocupa nenhuma posição no seio da organização do sujeito credor da prestação - ao contrário do que ocorre, sempre, em sede de contrato de trabalho - nem o credor é titular de uma posição de poder directivo, seja na componente do modo de execução material das prestações, seja na componente da subordinação jurídica, na veste de emissão de ordens e instruções direccionadas à organização funcional da actividade prestacional.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: João ……………., com os sinais nos autos, inconformado com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, dela vem recorrer, concluindo como segue:

A. Nulidade da sentença:
1. A questão jurídica fundamental colocada pelo recorrente na petição inicial consistia em saber se o contrato celebrado entre si e a PSP era um contrato de prestação de serviço, na modalidade de avença, dotado de autonomia, ou mas antes um contrato subordinado.
2. Ou seja, a questão jurídica fundamental consistia em saber que tipo legal de contrato foi celebrado entre recorrente e PSP.
3. Sem entrar nessa discussão a sentença, dando como provado que se tratava de um contrato de avença (sic), recusou-se a discutir se a qualificação do contrato era desta natureza ou, como defendeu e defende o recorrente, um contrato de trabalho, subordinado,
4. Com o singular argumento que já estava provado que era contrato de avença.
5. Isto é, a sentença deu como provada uma qualificação jurídica e não factos, o que constitui um grosseiro erro de julgamento;
6. Não consignou as cláusulas contratuais e os factos alegados pelo recorrente, que justamente demonstram que se trata, efectivamente, de um contrato de trabalho, factos esses que se encontram provados por admissão por acordo;
7. Cometendo assim uma nulidade por omissão de pronúncia;
8. E não discutiu, com o peregrino argumento acima referido, qual a qualificação jurídica do contrato em função das suas cláusulas contratuais e dos factos que devem considerar-se provados.
9. Cometendo assim uma segunda nulidade por omissão de pronúncia.
10. De facto, o tribunal não podia dar como provado que as partes celebraram este ou aquele tipo de contrato mas antes que foi celebrado um acordo contratual mediante as cláusulas que devem ser especificadas.
11. E só depois, analisando essas cláusulas, é que o tribunal podia concluir que as partes celebraram um determinado tipo de contrato.
12. Aliás, o tribunal deve abster-se de introduzir conclusões, conceitos de direito ou valorações na matéria de facto, como sucedeu com a sentença recorrida.
13. Deste modo, ao dar como provado que o recorrente celebrou com a PSP um contrato de avença - precisamente a qualificação que tinha sido impugnada pelo recorrente - a sentença fez tábua rasa dos princípios acima referidos.
14. E, ao considerar que não valia a pena discutir se o acordo contratual entre o recorrente e a PSP era ou não contrato subordinado porque "À luz dos factos provados o A. celebrou contrato de avença..."
15. Deste modo, a sentença não conheceu da questão que o autor colocou - saber se o contrato celebrado era autónomo (do tipo prestação de serviço) ou subordinado (designadamente contrato de trabalho), pelo que incorreu em nulidade por omissão de pronúncia que aqui se invoca para todos os efeitos legais.

B) Nulidade por omissão de matéria de facto necessária à decisão:
16. Na p.i. o recorrente alegou, além do mais que
a. No âmbito da sua prestação de trabalho o autor desenvolveu e desenvolve as seguintes actividades na área de Psicologia Clínica:
i. Consulta psicológica a agentes policiais e/ou aos seus familiares;
ii. Realização de exames psicológicos e respectiva elaboração de relatórios de avaliação psicológica;
iii. Intervenção em incidentes críticos, tais como sequestros, tentativas de suicídio, etc.
b. E as seguintes actividades na área de Estudos e Análise e Funções:
i. Análise de funções, definição de perfis de competências e de tabelas de exigências:
ii. Técnico de Ordem Pública do Corpo de Intervenção da PSP; iii. Agente de Segurança Pessoal do Corpo de Segurança Pessoal da PSP.
c. E as seguintes actividades na área do Recrutamento e selecção:
i. Curso de Formação de Agentes (fase de conclusão do processo de avaliação psicológica);
ii. Curso de Formação de Oficiais do Instituto Superior de Ciências Policiais e de Segurança Interna;»
iii. Missões de Paz;
iv. 3° Curso de Inactivação de Explosivos e de Segurança em Subsolo.
d. Actividades estas que abrangeram a aplicação de provas psicológicas, a dinamização de provas de dinâmica de grupos e a condução de entrevistas de selecção.
e. Realizou missões no Estrangeiro, tendo sido destacado pela Direcção Nacional da Polícia de Segurança Pública, para acompanhar a família de um elemento policial, a Timor-Leste e à Indonésia, em consequência do atentado de 12 de Outubro de 2002, em Bali, e do desaparecimento de um soldado do exército português, filho do referido elemento.
f. Colaborou na divulgação do Gabinete de Psicologia na PSP e em entidades congéneres, participou na supervisão de estágios académicos de finalistas de Psicologia realizados no Gabinete de Psicologia e no grupo de trabalho envolvido no EURO 2004, relativamente às actividades do Gabinete de Psicologia e colaborou na elaboração e celebração de protocolos com Universidades e outras entidades.
g. E em todas estas actividades cumpriu com o Horário estabelecido pela legislação em vigor para os Técnicos Superiores da Administração Pública, ou seja, 35 Horas por semana, das 9(100 às 17(100. h. O lapso de tempo decorrido desde a data em que o requerente iniciou a actividade que desempenha na PSP afasta quaisquer "necessidades transitórias de serviço", devendo outrossim essas necessidades, em função da natureza e conteúdo das funções que lhe são quotidianamente cometidas, ser qualificadas como permanentes e não meramente temporárias.
17. Estes factos são essenciais para a procedência da pretensão do recorrente, e de que se está perante um contrato de trabalho e não perante um contrato de avença.
18. No entanto, apesar de não terem sido contestados, não foram considerados provados pelo que,
19. Sendo essencial à procedência do pedido a sua omissão não pode deixar de configurar-se como omissão de pronúncia, geradora de nulidade da sentença.

C. Erros de julgamento
20. Conforme a sentença reconhece o recorrente peticionou: Que fosse julgado nulo ou anulado o despacho impugnado;
21. Condenado o réu/recorrido MAI a reconhecer que a relação jurídica do autor é de emprego na Administração Pública, concretamente na PSP, na modalidade de nomeação definitiva;
22. Ou, subsidiariamente, condenado o Réu/recorrido a reconhecer que tal relação é de contrato de trabalho por tempo indeterminado; A alterar o mapa de pessoal da PSP de forma a prever o posto de trabalho do autor; E promover de imediato o procedimento concursal respectivo
23. Ora, a sentença não só omitiu pronúncia sobre estas questões como aquelas que julgou o fez erradamente, a arrepio da jurisprudência indicada pelo recorrente na petição inicial e sem considerar os factos essenciais à decisão do pedido, provados por documentos ou por admissão por acordo, constantes da p.i.
24. Factos esses que são essenciais para se saber se saber se o contrato em causa é de prestação de serviços ou contrato de trabalho a termo certo.
25. Das cláusulas contratuais e dos factos alegados e provados resulta, à saciedade, que o contrato celebrado entre o recorrente e a PSP é um contrato subordinado, de trabalho a termo certo, e não um contrato de avença.
26. Com efeito, nos termos do artigo 17°, n.° 3, do DL n°4i/84, de 23 de Fevereiro, na redacção dada pelo DL n° 299/95, de 29 de Julho, o contrato de avença é definido nestes termos: "O contrato de avença caracteriza-se por ter como objectivo prestações sucessivas no exercício de profissão liberal, apenas podendo os serviços recorrer a tal tipo de contrato quando no próprio serviço não existam funcionários ou agentes com as qualificações adequadas ao exercício das funções objecto da avença. (...) "
27. Ora, das cláusulas e dos factos que devem ser considerados provados concluiu-se sem margem para dúvidas que a prestação de trabalho do recorrente não pode ser qualificada como "prestações sucessivas no exercício da profissão liberal".
28. Pelo contrário, estão presentes todos os elementos que caracterizam este contrato como um contrato de trabalho: a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador de conformar através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou, o local de trabalho definido pelo empregador, etc.
29. Ou seja, situação muito diversa do contrato de prestação de serviços, de que a avença é uma modalidade, em que o prestador do serviço se obriga à obtenção de um resultado, que efectiva por si, com autonomia, sem subordinação à direcção da outra parte.
30. Por isso e como sustentam a jurisprudência e a doutrina uniformes - que a sentença parece desconhecer - é a subordinação ou a autonomia que permitem fazer a distinção, em que aquela se exprime pela sujeição do trabalhador às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador.
31. Precisamente o que sucede no caso em apreço.
32. E a circunstância cio contrato individual de trabalho só ter sido legalmente admitido para as pessoas colectivas públicas pela Lei n.° 23/24, de 22 de Julho, não o descaracteriza como tal, ao contrário do que foi sustentado na sentença.
33. Em primeiro lugar a nulidade não o atinge na medida em que o nomem iuris que lhe foi dado é o de contrato de avença; em segundo lugar o que se verifica é que a referida Lei veio dar cobertura a uma situação pré-exístente e não a fulminar de nulidade um facto passado.
34. Como é bom de ver, a qualificação jurídica (omitida) do contrato era essencial para o tribunal poder afirmar, ou não, a legalidade do despacho impugnado.
35. E, na medida em que o recorrente defende que o contrato era de trabalho a termo certo, então é evidente que não podia o despacho impugnado fazê-lo cessar decorridos que fosse o prazo de 60 dias.
36. Portanto, por via da nulidade por omissão de pronúncia em que caiu a sentença errou ao considerar que o despacho não é ilegal.
37. Tanto mais que, ao contrário do que afirma, houve efectiva preterição de audiência prévia.
38. Na verdade, não é pela circunstância do despacho protair por 60 dias a cessação do contrato que deixa de ser obrigatória a audiência prévia. Uma argumentação desta natureza é verdadeiramente surreal, por ostensivamente errada.
39. Na verdade, o efeito do despacho é o mesmo quer determinasse logo a cessação do contrato quer a determina-se (como sucedeu) para um prazo posterior: em ambos os casos estamos perante um facto lesivo - a quebra do vínculo contratual do recorrente - logo carente de indiscutível audiência prévia (cfr. artigos 100.° e ss. do anterior CPA).
40. A sentença, que parte do pressuposto que a prorrogação do contrato por 60 dias foi excepcional, olvida que não existindo o despacho impugnado o contrato se teria renovado por mais um ano.
41. Por conseguinte, também aqui a sentença decidiu, grosseiramente, de forma errada.
42. Claro está que se a sentença recorrida tivesse discutido a qualificação jurídica do contrato e concluísse, como se impunha, que se trata de um contrato subordinado de trabalho, evitaria disparar na direcção errada como o fez a propósito da violação do artigo 246.° do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei n.° 59/2008, de 11 de Setembro.
43. E obviamente teria evitado discorrer na forma como fez sobre a violação do art.° 32°, n.° 1, da LVCR e art.° 271° do RCTFP.
44. De facto, parece decorrer da sentença que o juiz administrativo já não é o juiz dos direitos fundamentais, mas antes um juiz que decide ao arrepio da CRP, para quem o direito ao trabalho do autor, constitucionalmente garantido (art.° 58° da CRP), bem como a proibição constitucional de despedimentos sem justa causa, acolhida no art.° 53° do diploma fundamental, na valem.
45. O que a fez incorrer a sentença em novo erro de julgamento.
46. Obviamente também que se a qualificação jurídica a que já se aludiu tivesse sido efectuada e a sentença concluísse, como se impunha, pela subsistência de um contrato de trabalho teria evitado outro erro de julgamento ao afirmar a não violação do disposto nos art.05 86° e 89.°, ai. j), do RCTFP, tanto mais que como essa relação jurídica de emprego se manteve por mais de cinco anos, o recorrente tinha direito, nos termos do art.° 14°, n.° 4, da Lei n.° 59/2008, que aprovou o regime do contrato de trabalho em funções públicas e respectivo regulamento, pelo menos, a que fosse reconhecida pelo MAI a "necessidade de ocupação de um posto de trabalho com recurso à constituição de uma relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado, determinando: a) A alteração do mapa de pessoal do órgão ou serviço, de forma a prever aquele posto de trabalho; b) A imediata publicitação de procedimento concursal para recrutamento de trabalhadores com relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado".
47. Assim, a sentença errou ao reconhecer que a situação do recorrente é de relação jurídica de emprego na Administração Pública, concretamente na PSP, na modalidade de nomeação definitiva ou pelo menos sob regime de contrato de trabalho por tempo indeterminado
48. Tivesse o Tribunal o quo tido na devida conta a jurisprudência que se indicou (cfr., nomeadamente, Acs do TCA (Sul) de 23-03-2006, Rec. n.° 06613/02, e de 11-10-2006, Rec. n.° 11881/03, e jurisprudência aí citada, disponíveis em www.dgsLpjt ), para ter decidido de modo diverso evitando os erros grosseiros em que se enleou.
49. Em face do exposto deve ser decretada a nulidade da sentença, com as legais consequências,
50. Ou se, por mera hipótese que se levanta a benefício de raciocínio, assim se não entender, deve ser revogada e substituída por segmento decisório que acolha a pretensão do recorrente.

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O Ministério da Administração Interna contra-alegou, concluindo pela bondade do decidido.

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Proferida decisão singular pelo Relator (artº 656º CPC) em reclamação para a conferência o Recorrente e ora Reclamante conclui como segue:

a) Ocorre efectiva omissão de pronúncia e não, como defende o despacho reclamado, mero erro de julgamento, por a sentença não ter discutido a qualificação jurídica do contrato celebrado pelo recorrente, limitando-se a dar como provado, no probatório, que o autor tinha celebrado um contrato de avença, dando assim como provada uma verdadeira questão de direito e não um facto;
b) E porque se limitou a extrair da "prova" dessa questão de direito a conclusão que o autor tinha celebrado um contrato de avença, omitindo assim pronúncia sobre a questão central colocada na petição inicial, que consistia em saber se o contrato celebrado entre o recorrente e a PSP era um contrato de avença - tal como foi denominado no respectivo documento - ou um contrato de trabalho.
c) O erro da sentença consubstancia-se num erro técnico, ao dar como provada uma qualificação jurídica, mas tal erro não tem a virtualidade de converter a omissão de pronúncia sobre a referida questão em erro de julgamento;
d) Consequentemente verifica-se omissão na apreciação da questão fundamental que o recorrente colocou na acção, o que equivale a omissão de pronúncia (artigo 615.°, n.° l, ai. d), do CPC).
e) Esta omissão resulta à saciedade das seguintes passagens da sentença recorrida (aliás num português sui generis): "A questão a dirimir restringe-se à questão de saber se o A. tem, ou não, face ao contrato firmado, e o conteúdo do acto impugnado, dir-se-á, desde já, que não.Resulta da prova que o autor celebrou um contrato de avença e não outro, independentemente das considerações que tece" (negrito e sublinhado nosso).
f) Se "resulta da prova" então confirma-se que a sentença não qualificou juridicamente o contrato, omitindo por isso pronúncia sobre a questão principal.
g) Aliás, se dúvidas houvesse bastava atentar que a sentença volta a afirmar que "A luz dos factos provados o autor celebrou contrato de avença..." (negrito nosso),
h) Ao tribunal está vedado transportar para a matéria de facto qualificações jurídicas, pela simples razão de que estas não são factos, devendo outrossim extraí-las da matéria de facto e não o inverso,
i) Aliás, apenas perante a mera impugnação da qualificação jurídica do contrato operada na petição inicial, ao tribunal a quo estava vedado dar como provado que se tratava de um contrato de avença,
j) No que concerne à ilegalidade do despacho impugnado por inobservância do princípio da audiência prévia, apenas importa referir que, ao contrário do que se afirma no despacho reclamado, o acto em causa é efectivamente lesivo dos direitos do autor, porque efectivamente antecipou o fim do contrato, visto que a cláusula 3.° do contrato estipula que este tem início em l de Maio de 2002 e se renova anualmente,
k) Logo, determinando a sua cessação no dia 31-12-2009, por simples cômputo de calendário se constata que o despacho impugnado lesou efectivamente os direitos do autor/recorrente.
l) No que concerne à impugnação da matéria de facto, não tendo havido produção de prova e afirmando-se no despacho saneador que era "desnecessária a abertura de instrução", "atenta a suficiência probatória dos autos", tal posição que só pode significar que a matéria alegada pelo autor se considerou provada face à posição do réu e não o inverso, como erradamente sustenta o despacho reclamado,
m) Se assim não fosse então o tribunal a quo teria de considerar que tais factos foram impugnados e então a produção de prova era incontornável.
n) Por isso, estando alegada matéria de facto pertinente o resultado deveria ser o inverso a que chegou a sentença recorrida e a que chegou também o despacho ora reclamado...
o) O despacho reclamado, quando alega que a matéria dos factos alegados nos artigos 16 e 17 da petição está impugnada no artigo 20.° da contestação, cai em manifesto erro.
p) No artigo 20.° da contestação é dito que "Em face do teor do contrato celebrado entre ao A. e a PSP logo se vê que a respectiva prestação não implicava para o primeiro outorgante qualquer subordinação hierárquica - conforme cláusula 5.° do contrato",
q) O que se tenta demonstrar nesta alegação é de que as cláusulas contratuais não implicavam subordinação jurídica, não passando por isso o artigo 20.° da contestação de mera argumentação jurídica, nunca se podendo ver nesta alegação qualquer impugnação de matéria de facto,
r) O recorrente alegou nos artigos 16.° e 17.° da p.i. que "Em todas estas actividades cumpriu com o Horário estabelecido pela legislação em vigor para os Técnicos Superiores da Administração Pública, ou seja, 35 horas por semana, das 9H00 às 17h00, (cfr. doe. 3) [artigo 16.° da P.I.] e que,
s) "O lapso de tempo decorrido desde a data em que o requente iniciou a actividade que desempenha na PSP afasta quaisquer "necessidades transitórias do serviço", devendo outrossim essas necessidades, em função da natureza e conteúdo das funções que lhe são quotidianamente cometidas, ser qualificadas como permanentes e não meramente temporárias (cfr. doe. 4)" [artigo 16.° da P.I.]
t) Logo, só por erro manifesto é que se concebe que o teor do artigo 20.° da contestação, ao referir-se ao teor do contrato ("Em face do teor do contrato...") concretiza o réu/recorrido se estava a referir à impugnação de matéria de facto, tanto mais que essa matéria alegada na p.i. vai muito para além para além das cláusulas contratuais reproduzidas no artigo 2.° daquela;
u) Os artigos 42.° a 49.° da contestação não impugnam genericamente o alegado nos artigos 11.° a 15.° da P.I., dado que o alegado pelo recorrente nos artigos 11.° a 15.° da P.I. respeita ao conteúdo funcional da sua actividade ao serviço do réu/recorrido, constituindo alegação de manifesta matéria de facto, enquanto nos artigos 42.° a 49.° da contestação o réu/recorrido se limita a alegar, unicamente, matéria conclusiva e de direito, sem qualquer alusão aos factos alegados nos artigos 11.° a 15.° da P.I.
v) O que se afirma no ponto 3 do despacho ora reclamado está em manifesta contradição com vasta jurisprudência inteiramente favorável às teses do recorrente, quer dos tribunais comuns quer dos tribunais administrativos, de resto mencionada na p.i.
w) Ao ao contrário do argumentado no despacho reclamado, a correcta interpretação das normas legais que este invoca são inteiramente favoráveis à tese do recorrente;
x) Aliás, só desconsiderando a matéria de facto alegada pelo autor/recorrente, não impugnada pelo réu/recorrido, demonstrativa, à saciedade, de uma relação de contrato de trabalho subordinado, é que se pode (erradamente) afirmar, como o faz o despacho ora reclamado, que o contrato celebrado pelo autor/recorrente é de avença, logo "reportado ao exercício de um profissão liberal"!
y) Profissão liberal (!) que no caso concreto implicava subordinação hierárquica, horário de trabalho, local obrigatório de trabalho, etc., etc.,
z) É por isso falso que o recorrente "não alegou factos concretos no sentido de demonstrar a existência de subordinação jurídica...", ou que não tenha alegado na p.i. "outras características de uma relação jurídica laborai próprias de contrato de trabalho, recebendo ordens quanto á duração, distribuição e organização do tempo de trabalho, quanto à prestação de contas pelo serviço executado e resultados obtidos na actividade técnica desenvolvida";
aa) Quanto às "ordens quanto à duração, distribuição e organização do tempo de trabalho", bastaria atentar que a cláusula l.° impõe ao recorrente prestar o seu esforço laborai em local definido pela PSP (Gabinete de psicologia) (artigo 2.° da p.i.);
bb) A remuneração era certa, mensal, incluindo subsídio de férias e de natal (14 mensalidades), criando dependência económica e sendo, por isso, própria do contrato de trabalho.
cc) O recorrente ficou vinculado às orientações da PSP no que concerne ao local efectiva da prestação laboral (cfr. Cláusula 4.a), bem como às orientações que lhe fossem dadas por aquela, sem prejuízo da autonomia técnica de que dispunha.
dd) Como ensina Sousa Ribeiro (Direito dos Contratos, Estudos, Coimbra, 2007, p. 356), certas tarefas de grande tecnicidade, "requerendo um elevado grau de especialização e qualificação, e designadamente no âmbito de profissões de acesso regulamentado" implicam que o profissional não seja "sujeito a ordens ou instruções precisas, quanto à fornia concreta de as executar. Goza assim, sempre, em qualquer regime, de autonomia técnico-executiva, de independência operacional. Mas tal situação não é incompatível com a subordinação jurídica, pois não pode confundir-se com a autonomia económico-organizativa, esta sim, privativa do trabalho autónomo. Basta que o trabalhador não goze desta segunda forma de autonomia para que a subordinação subsista, ficando então reduzida a aspectos externos à própria prestação de trabalho, embora com ele conexos, às condições organizativas e de carácter administrativo que a enquadram, sem contender com o conteúdo dos actos de prestação." (negrito nosso).
ee) "A autonomia técnica não constitui, por si, óbice à qualificação da situação jurídica no âmbito laborai (...) visto que "não é conferida ao trabalhador pelo empregador, pois ela resulta da natureza da actividade e da qualificação profissional do trabalhador; em tal caso, o trabalho continua a ser organizado, orientado, controlado e utilizado pelo empregador, subsistindo um contrato de trabalho com uma responsabilidade acrescida para o trabalhador." - parecer da Procuradoria-Geral da República 5/2004, de 01/07/2004, DR, IIa Série, de 19/08/2004, pp. 12593 e segs; no mesmo sentido, citando Galvão Telles, Abílio Neto, Contrato de Trabalho, suplemento do BMJ, 1979, p. 171.
ff) O autor/recorrente alegou factos que são demonstrativos dos chamados indícios negociais internos de uma relação laborai subordinada, sendo por isso desprovida de qualquer fundamento a afirmação feita no despacho reclamado de que o recorrente não alegou "características de uma relação jurídica laborai próprias de contrato de trabalho".
gg) Sendo que a afirmação constante do despacho reclamado, de que o autor não alegou factos "quanto à prestação de contas pelo serviço executado e resultados obtidos na actividade técnica desenvolvida", constitui um mero flatos voeis, na medida em que é pacífico que tais elementos são próprios de um contrato em regime de serviço, mormente de avença...
hh) Resultando até clausulado do contrato e dos factos alegados e não impugnados que a PSP não estava interessada apenas no resultado da actividade do recorrente, que por sua vez que não estava apenas adstrito à prestação de um dado resultado, como seria o caso se estivesse em causa uma verdadeira relação de mera prestação de serviço.
ii) Resulta do exposto, à saciedade, que o que está em causa é uma relação de trabalho subordinado e não um qualquer contrato de prestação de serviço, pese embora o nomen iuris dado ao contrato, padecendo o despacho ora reclamado de inconcebíveis e evidentes erros de julgamento, pelo que deve ser substituído por acórdão que reconheça o direito do autor/recorrente, tal como foi explanado nas alegações e conclusões da minuta de recurso.

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Colhidos os vistos legais e entregues as competentes cópias aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência.

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Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte factualidade:

1. Em 30.4.2002, o A. João …………………. celebrou com a PSP — Polícia de Segurança Pública, o contrato de prestação de serviço em regime de avença, pelo prazo de um ano, renovável, podendo ser feito cessar a todo o tempo, por qualquer dos outorgantes, mediante aviso prévio de sessenta dias, não havendo lugar ao pagamento de qualquer indemnização, contrato cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. doc. de fls. 25 e 26 dos autos de providencia cautelar apensos aos presentes autos, processo instrutor, e admissão por acordo).
2. Em 04.09.2009 foi proferido o despacho n°. I202/2009/SEAP, pelo Secretário de Estado da Administração Pública, cujo teor abaixo reproduz-se (cfr. doc°. de fls. 19 dos autos de providencia cautelar apensos aos presentes autos, e proc°. instrutor):"
“(..) Ministério das Finanças e da Administração Pública
Assunto: Proposta de renovação de contrato de prestação de serviços (avença)
Ministério da Administração Interna
Polícia de Segurança Pública
l. Concordo com o parecer da DGAEP.
2. Visto o despacho do SE o Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento de 28.8.09.
3. Assim, autorizo excepcionalmente até 31.12.09 conforme proposto, a renovação dos contratos de prestação de serviços identificados no Mapa LXII da informação nº 433/DRJE/2009 de 15.07.2009 da DGAEP e no Mapa LXI da informação ~º 430/DRJE/2009 de 13.07.2009 da DGAEP.
Lisboa, 04 de Setembro de 2009
O Secretário de Estado da Administração Pública (assinatura) (..)”
3. O despacho identificado, no n° 2 supra, fundamenta-se no parecer da DGAEP, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, e do qual extrai-se o seguinte (cfr. doc°. de fls. 20 a 42 dos autos de providencia cautelar apensos aos presentes autos, e proc°. instrutor):"
1. Em face do novo regime, os serviços deverão privilegiar as modalidades da relação jurídica de emprego público só optando pela celebração/renovação de contratos de prestação de serviços de tarefa ou de avença quando tratando-se da execução de trabalho não subordinado o recurso a alguma daquelas modalidades se revelar inconveniente.
2. Simultâneamente e concretizando-se o recurso ao contrato de tarefa ou de avença, o regime a observar deverá ser o da aquisição de serviços, para além de que o prestador de serviços terá de comprovar ter regularizadas as respectivas obrigações fiscais e de segurança social.
3. Cumulativamente com o disposto nos dois pontos anteriores da presente informação, os contratos de tarefa ou de avença deverão, em regra, ser celebrados com pessoas colectivas, a não ser que os serviços comprovem a ímpossibilidade ou inconveniência da execução do trabalho ser realizado por pessoas colectivas.
4. ---
5. O processo encontra-se instruído nos termos da Lei nº 12-A/2Q08, cie 27 de Fevereiro e mereceu despacho favorável, de Sua Excelência o Secretário de Estado da Administração Interna, em 29.06,2009,
6. Nos temos do nº 1do artigo 94.°, em conjugação com o n," 2 do artigo 35," da IVCR compete aos órgãos e serviços que pretendam renovar contratos de prestação de serviços, na modalidade de tarefa e avença, fazer prova da ímpossibiliade ou inconveníência do trabalho ser realizado por pessoa cofectiva,
7. Nos termos e para os efeitos do artigo 35º da IVCR a renovação destes contratos é proposta com fundamento na inexistência de trabalhadores com as qualificações adequadas ao exercício de determinadas funções de apoia ao cumprimento da missão que legalmente é atribuída à Policia de Segurança Pública, Sobre a possibilidade destas actividades serem desenvolvidas pelo recurso a pessoas colectivas a PSP refere que, em tempo, manifestou o inconveniente de tal opção, junto do Ministério da Administração Interna, salientando que a cessação destes contratos é susceptível de comprometer o prosseguimento das atribuições dos serviços onde os contratados exercem funções.
8. Os contratos de prestação de serviços agora em análise foram excepcionalmente renovados, até 30.06.2009 com indicação de que durante o praza de vigência dos mesmos fosse equacionado o recurso a uma modalidade de relação jurídica de emprego público, uma vez que estavam em causa necessidades permanentes dos serviços susceptíveis de satisfazer por essa via,
9. Em anexo á presente proposta foi enviada a informação 243/DGRH/2009 de 23.06.2009 que concretiza uma Proposta de Abertura de Procedimento Concursal Comum para a Carreira de Técnico Superior. Não podemos deixar de observar que o procedimento concursal deveria ter sido iniciado mais cedo tendo em conta a renovação destes contratos já autorizada, excepcionalmente no primeiro trimestre deste ano.
10. Face ao que antecede e no sentido de evitar uma situação de ruptura no desenvolvimento de actividades essenciais ao cumprimento da missão da Polícia de Segurança Pública, submete-se à consideração superior a oportunidade e conveniência de excepcionalmente ser autorizada a renovação de 8 contratos de prestação de serviços até 31.12.2009. (..)”

Ao abrigo do regime do artº 662º nº 1 CPC, ex vi artº 1º CPTA, adita-se ao probatório o nº 4 com a reprodução do contrato celebrado entre as partes em 30.04.2002, a que o probatório faz referência no item 1, junto a fls. 22 a 23 dos autos.

4. O contrato a que se refere o item 1. do presente probatório, tem o seguinte conteúdo.
“(..) CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO EM REGIME DE AVENÇA
Nos termos e para os efeitos do disposto no art.° 17.° do Decreto-Lei n.° 41/84, de 3 de Fevereiro, na redacção que lhe foi dada pelo artigo único do Decreto-Lei n.° 299/85, de 29 de Julho, após despacho de autorização de 30 de Abril de 2002 do Director Nacional da PSP, é celebrado o presente contrato de prestação de serviços em regime de avença entre a Polícia de Segurança Pública, contribuinte n.° …………., com sede em Lisboa, Largo ……….., n.° 1, representada para este acto pelo Director Nacional Adjunto para a área de Recursos Humanos, Superintendente-Chefe Vítor ……………., a seguir designado por primeiro outorgante, e João ………………., titular do Bilhete de Identidade n.° …………………, emitido pelo Arquivo de Identificação de Lisboa, em 09/06/1997, com o número fiscal de contribuinte 207734542, residente na Rua ………………….., n.° 26, 2.° Dt.° - 2625-174 Póvoa de Santa Iria, a seguir designado como segundo outorgante, o qual vai reger-se pelas cláusulas seguintes:
Cláusula 1.a Objecto do Contrato
O segundo outorgante obriga-se a prestar ao primeiro, que os aceita, diariamente e a tempo completo, serviços de psicologia clínica, no Gabinete de Psicologia da PSP.
Cláusula 2.a Remuneração
O primeiro outorgante obriga-se a pagar ao segundo outorgante catorze prestações mensais de valor igual ao índice 400, correspondente â categoria de técnico superior de 2.a classe, no 1° escalão, anualmente actualizável nos termos fixados para aquele grupo de pessoal da Administração Pública.
Cláusula 3.a Duração do contrato
O presente contrato tem início em 1 de Maio de 2002, vigorando pelo prazo de um ano, renovável, podendo ser feito cessar a todo o tempo, por qualquer dos outorgantes, mediante aviso prévio de sessenta dias, não havendo lugar ao pagamento de qualquer indemnização.
Cláusula 4.a Prestação de trabalho
Os serviços referidos na cláusula 1a serão normalmente prestados nas instalações do Gabinete de Psicologia da PSP, sem prejuízo da realização de eventuais serviços externos relacionados com as tarefas atribuídas ao segundo outorgante, que deverá assegurar disponibilidade na execução dos trabalhos obrigando-se o primeiro outorgante, nestes casos, a pagar ao segundo outorgante as despesas de deslocação por um valor correspondente à tabela de ajudas de custo em vigor.
Cláusula 5.a Vínculo
O presente contrato não implica para o segundo outorgante qualquer subordinação hierárquica, nem lhe confere a qualidade de funcionário ou agente.
Cláusula 6.a Confidencialidade
Considerando a natureza dos trabalhos a prestar, o segundo outorgante compromete-se a não divulgar quaisquer informações ou dados relativos ao trabalho executado e à actividade desenvolvida pelo primeiro outorgante de que venha a ter conhecimento no exercício da sua função, sem prévia autorização deste.
(Direcção Nacional da Polícia de Segurança Pública, Lisboa,)
Data: 30 de Abril de 2002 O Primeiro Outorgante: (assinatura)
O Segundo Outorgante: (assinatura) (..).


DO DIREITO


1. decisão singular de mérito do relator - reclamação para a conferência;

O regime da decisão singular de mérito apenas proferida pelo Relator foi introduzido pelo DL 329-A/95, podendo a parte afectada pela decisão reclamar desta para a conferência conforme disposições conjugadas dos artºs. 705º e 700º nº 3 CPC, hoje, artºs. 656º ex vi 652º nº 1 c) e nº 3 CPC da revisão de 2013.
Deduzida reclamação para a conferência “(..) o colectivo de juízes reaprecia as questões que foram objecto da decisão singular do Relator e, nesse sentido, caso se esteja perante a decisão sumária do recurso, reaprecia novamente o recurso, naturalmente sem qualquer vinculação ao anteriormente decidido.
No entanto, se assim é, ou seja, se normalmente a intervenção da conferência, no caso em que se reclama de uma decisão sumária, faz retroagir o conhecimento do mérito da apelação ao momento anterior àquela decisão, importa ter presente que, nos termos gerais, no recurso ou na reclamação, o Recorrente ou o Reclamante podem restringir o seu objecto, isto é, o requerimento para a conferência (mesmo resultante de convolação do requerimento de interposição de recurso de revista) pode restringir o objecto próprio da reclamação, concretamente identificando a parte da decisão sumária de que discorda (da qual se sente prejudicado) (..)” – doutrina constante do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 23.02.2015, tirado no rec. nº RP201502231403/04.7TBAMT-H.P1.

*
No citado Acórdão da Relação do Porto é feita referência expressa aos termos gerais de direito no que respeita à possibilidade de, em sede de reclamação da decisão singular do Relator, o Recorrente restringir o abjecto do recurso, “(..) identificando os segmentos decisórios sobre os quais demonstra o seu inconformismo. Trta-se, na prática, de uma solução que se encaixa na possibilidade de desistência do recurso, nos termos que constam do artº 632º nº 5, com a especificidade de a extinção da instância ser, aqui, parcial. (..)” (1)
O que implica precisar o pressuposto legal de delimitação do âmbito da pretensão recursória e das hipóteses legais de modificação.
A delimitação objectiva do recurso é dada pelas conclusões, cfr. artºs. 635º nº 4, 637º nº 2 e 639º nºs 1 e 2 CPC, na medida em que “(..) A motivação do recurso é de geometria variável, dependendo tanto do teor da decisão recorrida como do objectivo procurado pelo recorrente, devendo este tomar em consideração a necessidade de aí sustentar os efeitos jurídicos que proclamará, de forma sintética, nas conclusões. (..)
Mas, independentemente do âmbito definido pelo recorrente no requerimento de interposição, é legítimo restringir o objecto do recurso nas alegações, ou, mais correctamente, nas respectivas conclusões, indicando qual a decisão (ou parte da decisão) visada pela impugnação. (..) A restrição pode ser tácita em resultado da falta de correspondência entre a motivação e as alegações, isto é, quando, apesar da maior amplitude decorrente do requerimento de interposição de recurso, o recorrente restrinja o seu âmbito através das questões que identifica nas conclusões. (..)”, cfr. artº 635º nº 4 CPC. (2)
No tocante à ampliação do objecto do recurso, o artº 636º nº 1 CPC permite que, embora a decisão seja favorável à parte e a parte vencida interponha recurso, caso no Tribunal a quo não tenha acolhido todos ou alguns dos fundamentos da acção (de facto ou de direito) suscitados pela parte vencedora, essas questões serão reapreciadas pelo Tribunal ad quem a requerimento do Recorrido em alegações complementares, isto é, o Tribunal de recurso reapreciará os fundamentos do segmento da sentença recorrida em que a parte vencedora tenha decaído.

*
Do complexo normativo citado se conclui que o acto processual de convocação da conferência no regime do artº 652º nº 1 c) e nº 3 ex vi 656º CPC não é configurado como meio adjectivo próprio para alterar as conclusões de recurso, ressalvada a hipótese já mencionada de limitação do objecto (artº 635º/4 CPC), nem para desistir do recurso (artº 632º º 5 CPC), posto que “(..) a desistência do recurso apenas é possível até à prolação da decisão, tornando-se agora inequívoca a solução que já anteriormente se defendia. Representa uma medida que que valoriza o papel do tribunal superior, evitando que o recorrente accione o mecanismo da desistência depois de ter sido confrontado com o resultado do recurso.
Aliás, o momento que releva para o efeito nem sequer é o da notificação da decisão, mas antes o da sua prolação (..)”,. (3)

Neste sentido, junta aos autos a decisão singular de mérito sobre o objecto do recurso proferida pelo relator (artº 652º/1 c) ex vi 656º CPC) ocorre nessa data a preclusão de exercício do direito de desistência por parte do recorrente, cfr. artº 632º nº 5 CPC.
A reclamação para a conferência constitui o meio adjectivo próprio ao dispor da parte que se sinta prejudicada pela decisão individual e sumária do relator sobre o objecto do recurso, podendo o recorrente/reclamante, nessa reclamação, restringir o objecto do recurso no uso do direito conferido pelo artº 635º nº 4 CPC, mas não pode ampliar o seu objecto, faculdade limitada ao recorrido nos termos do artº 636º nº 1 CPC, isto é, limitada à parte vencedora que tendo decaído em alguns dos fundamentos da acção, apesar disso, obteve vencimento no resultado final.
Como se diz no Acórdão da Relação do Porto acima citado, no regime do artº 652º nº 1 c) e nº 3 ex vi 656º CPC a reclamação para a conferência da decisão sumária proferida apenas pelo relator faz retroagir o conhecimento em conferência do mérito da apelação ao momento anterior àquela decisão sumária, conhecimento limitado às questões especificadas pelo recorrente nas conclusões de recurso, sem prejuízo de o recorrente, ora reclamante, restringir na reclamação o objecto recursório anteriormente definido nos termos do artº 635º nº 4 CPC.

*
No caso concreto, nos itens 1 a 15, 23 e 36 das conclusões de recurso vem suscitada a questão da nulidade da sentença de 1ª Instância por omissão de pronúncia, cuja reapreciação em conferência, face à decisão singular do Relator, vem requerida nos itens a) a k) da reclamação.
Nos itens 16 a 19, 24 e 27 das conclusões de recurso vem impugnada a decisão sobre a matéria de facto levada ao probatório em 1ª Instância, com fundamento em que os factos alegados nos artigos 11 a 17 da petição inicialapesar de não terem sido contestados não foram considerados provados” (vd. item 18 das conclusões), reapreciação requerida nos itens l) a w) da reclamação.
Nos itens 20 a 22, 25, 26, 28 a 35 e 37 a 50 das conclusões de recurso vem suscitada a questão da errada qualificação jurídica do contrato celebrado entre as Partes em 30.04.2002, reapreciação requerida nos itens x) a ii) da reclamação.
Cumpre reapreciar as questões suscitadas em sede de reclamação, fazendo retroagir o conhecimento do mérito do recurso ao momento anterior à decisão singular de mérito apenas proferida pelo Relator.


2. omissão de pronúncia;

Nos itens 1 a 15, 23 e 36 das conclusões de recurso o ora Recorrente assaca a sentença de incorrer em violação primária de direito adjectivo por omissão de pronúncia no tocante à questão suscitada sobre a tipologia contratual em causa nos autos, contrato levado ao probatório nos itens 1 e 4.
Não tem razão.
O Tribunal incorre em omissão de pronúncia, artº 615º nº 1 d) CPC, quando não se pronuncia sobre questões que devesse apreciar, aqui incluída a matéria de conhecimento oficioso.
Cumpre ter presente que “(..) não existe omissão de pronúncia mas um error in judicando, se o Tribunal não aprecia um determinado pedido com o argumento de que ele não foi formulado; aquela omissão pressupõe uma abstenção não fundamentada de julgamento e não uma fundamentação errada para não conhecer de certa questão (..)”. (4)
No âmbito destas causas de nulidade, específicas da sentença, o conceito adjectivo de questão “(..) deve ser tomada aqui em sentido amplo: envolverá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir (melhor, à fundabilidade ou infundabilidade dumas e doutras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem (..)”. (5)
Para efeito de obstar a que a sentença fique inquinada do vício de excesso ou omissão de pronúncia, questões de mérito “(..) são as questões postas pelas partes (autor e réu) e as questões cujo conhecimento é prescrito pela lei (..) O juiz para se orientar sobre os limites da sua actividade de conhecimento, deve tomar em consideração, antes de mais nada, as conclusões expressas nos articulados.
Com efeito, a função específica dos articulados consiste exactamente em fornecer ao juiz a delimitação nítida da controvérsia; é pelos articulados que o juiz há-de aperceber-se dos termos precisos do litígio ventilado entre o autor e o réu.
E quem diz litígio entre o autor e o réu, diz questão ou questões, substanciais ou processuais, que as partes apresentam ao juiz para que ele as resolva. (..)” (6)
Por outro lado, cabe não confundir questões com considerações, “(..) São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questões de que devia conhecer e deixar de apreciar qualquer consideração argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao Tribunal qualquer questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão. (..)”. (7)
Por último, nesta matéria das “(..) nulidades da sentença por excesso ou omissão de pronúncia e ainda por conhecimento de objecto diverso do requerido, [o] fundamento da arguição destes vícios da decisão será a errada interpretação dos actos postulativos. Saber se qualquer uma destas nulidades procede supõe uma interpretação dos actos postulativos e o respectivo confronto com a decisão. (..)”.(8)

*
O regime legal exposto permite concluir que os vícios de sentença por excesso ou omissão de pronúncia e o erro de julgamento não se colocam em alternativa face à mesma base material, porque se trata de tipologias de erro judiciário absolutamente distintas. (9)
É exactamente este o caso.
O ora Recorrente discorda do enquadramento jurídico dado em sede de fundamentação de direito à questão da tipologia contratual em causa, contrato levado ao probatório nos itens 1 e 4 - que no seu entender é um contrato de trabalho e não um contrato de avença - e, por isso, porque se trata de uma discordância de natureza subsuntiva reportada ao bloco legal aplicável expressamente mencionado na sentença, não pode o ora Recorrente argumentar no quadro da omissão de pronúncia mas, antes, no quadro do erro de julgamento.

*
Efectivamente, sobre a questão da tipologia contratual o Tribunal a quo pronunciou-se expressamente, nos termos que a seguir se transcrevem.
“(..) Por seu turno, os RR. consideram que o acto impugnado não padece de qualquer vicio, limitou-se a titulo excepcional prorrogar contratos de prestação de serviço, na modalidade de avença, tal como o do A..
A questão a dirimir restringe-se à questão de saber se o A. tem, ou não, face ao contrato firmado, e o conteúdo do acto impugnado, dir-se-á, desde já, que não.
Resulta da prova que o A. celebrou um contrato de avença e não outro, independentemente das considerações que tece.
Além disso, trata-se de questão que já foi dirimida na jurisprudência, a questão de saber se os contratos de avença podem ou devem ser convertidos em contratos de trabalho por tempo indeterminado.
 luz dos factos provados o A. celebrou contrato de avença, que não questionou, excepto quando foi proferido o despacho impugnado que determinou a renovação excepcional até 31.12.2009, data em que necessariamente os contratos em causa se extinguiram.
Acresce referir, que o "contrato de avença" obsta a poder ser considerado como um contrato administrativo, face ao disposto no art°. 15°, n°s 1 e 2 do D.L. n° 427/89, de 07/12, com a redacção que lhe foi dada pelo D.L. n° 218/98, de 17/07, mas sim estamos perante contrato — o celebrado pelo A. — a termo certo, cuja celebração era admissível nos termos do artigo 18° do Decreto-Lei n° 427/89, de 7 de Dezembro, coma redacção que lhe foi dada por aquele Decreto-Lei n° 218/98, de 17 de Julho.
Adite-se, ainda, que a celebração de contratos individuais de trabalho por tempo indeterminado só foi genericamente admitida nas pessoas colectivas públicas com a entrada em vigor da Lei n°23/2004, de 22 de Junho, em data pois bem posterior aos factos dos presentes autos, pelo que qualquer contrato individual de trabalho por tempo indeterminado celebrado com entidade publica seria nulo com fundamento na sua impossibilidade legal, nos termos do artigo 133°, n°2, alínea c) do CPA.
E que o contrato celebrado, no exercício da liberdade da partes contraentes, foi o do contrato de avença, celebrado a coberto do regime jurídico constante do D.L. n° 41/84, de 03/02, na redacção do D.L. n° 299/85, de 29/07, tendo em consideração o disposto no D.L. n° 197/99, de 08/06, que transpôs para a ordem jurídica interna as Directivas n.°s 592/50/CEE, do Conselho, de 18 de Junho, 93/36/CEE, do Conselho, de 14 de Junho, e 97/52/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Outubro, e estabeleceu o regime de realização de despesas públicas com locação e aquisição de bens e serviços, bem como da contratação pública relativa à locação e aquisição de bens móveis e serviços.
Sendo que, o art° 17° do D.L. n° 41/84, de 03/02, sob a epígrafe "Contratos de tarefa e de avença" estabeleceu o regime geral dos contratos de tarefa e de avença na Administração Pública: o n° 1 permite aos serviços celebrarem contratos de avença e de tarefa; o n° 2 versa sobre o contrato de tarefa e o n° 3 do contrato de avença, referindo-se o n° 4 ao seu regime remuneratório.
E, sobre a cessação desse tipo de contrato dispõe o n° 5, nos seguintes termos
" O contrato de avença, mesmo quando celebrado com cláusula de prorrogação tácita, pode ser feito cessar a todo o tempo por qualquer das partes, com o aviso prévio de 60 dias e sem obrigação de indemnizar'.
Por último, decorre no n° 6 que esses contratos não ''conferem ao particular outorgante a qualidade de funcionário e agente".
Estamos, por isso, perante um contrato administrativo, um contrato de prestação de serviços, na modalidade de avença (art° 178°, n° 2, alínea h) do CP A), celebrado ao abrigo do D.L. n° 41/84, de 03/02, na redacção do D.L. n° 299/85, de 29/07, sujeito, portanto, à sua disciplina jurídica, mas também à do CPA e, em geral, à prevista para a contratação pública (art° 189° do CPA).
Deve salientar-se que, em prossecução do interesse público, a Administração pode até modificar unilateralmente o conteúdo das prestações, nos termos do disposto na alínea a), do art. 180°, do CPA, sendo esse um dos principais traços característicos dos contratos administrativos e que ditaram a sua autonomia em relação aos contratos de direito privado, e face à lei aplicável, "O contrato de avença, mesmo quando celebrado com cláusula de prorrogação tácita (o que não era o caso), pode ser feito cessar a todo o tempo por qualquer das partes, com o aviso prévio de 60 dias e sem obrigação de indemnizar".
Significa isto que a Administração pode fazer cessar o contrato em qualquer momento.
Além disso, as partes vincularam-se nos exactos constantes do teor das cláusulas do contrato celebrado, pelo que a fixação de um termo certo para a cessação do contrato, não pode deixar de ter essa mesma relevância, quanto o de determinar o "dies ad quem" à sua vigência.
Não é de olvidar as especificidades decorrente do próprio interesse público, enquanto escopo final de qualquer actuação pública, assim como as regras legais decorrentes quanto à autorização e realização de despesa pública, pelo que, não se pode extrair o efeito jurídico reclamado pela recorrente.
Significa, então, que o alegado pelo A. carece de total enquadramento, quer de facto, quer de direito.
Mas adiante, no que respeita à preterição da audiência prévia, a mesma é desprovida de fundamento, é que o acto impugnado prorrogou o contrato do A. a titulo excepcional até 31.12.2009, obstando a que o mesmo findasse no termo aposto, e por isso, não é um acto restritivo dos direitos do A., mas sim ampliou o tempo de vida do contrato de avença.
O que sucede é que a propósito daquela prorrogação excepcional o A. tratou de salvaguardar a sua situação futura pretendendo a conversão do contrato em contrato de tempo indeterminado, com apelo a normas e regimes jurídicos inaplicáveis, como se demonstrará.(..)”.

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Em face do exposto improcede a questão trazida a recurso nos itens 1 a 15, 23 e 36 das conclusões.


3. impugnação da matéria de facto – artº 574º nºs. 1 e 2 CPC;

Sustenta o Recorrente nos itens 16 a 19, 24 e 27 das conclusões de recurso que o Tribunal a quo incorre em violação primária de direito adjectivo por insuficiência de probatório no tocante a matéria alegada e admitida por acordo.
Em primeiro lugar cabe esclarecer que o ora Recorrente deduziu na petição, a fls. 9 dos autos, um pedido múltiplo, a saber,
(i) de anulação ou declaração de nulidade do despacho de 04.09.2009 nºI202/2009/SEAP, pelo Secretário de Estado da Administração Pública;
(ii) condenatório do Recorrido a
a. reconhecer que o contrato celebrado em 30.04.2002 tem a natureza de contrato de trabalho por tempo indeterminado
b. alterar o mapa de pessoal da PSP nele prevendo o posto de trabalho do A. ora Recorrente
c. promover de imediato o procedimento concursal respectivo

Cabe referir que no despacho saneador de 11.11.2011, a fls. 170/171, o Senhor Juiz julgou a acção pronta para julgamento, o que significa que se dispensou a produção de prova testemunhal arrolada pelo ora Recorrente, despacho notificado às partes que sobre o mesmo não se pronunciaram.
O objecto do presente recurso tal como apresentado nos itens 16 a 19 das conclusões reconduz-se à impugnação da decisão sobre a matéria de facto levada ao probatório em sede de sentença, o que apenas releva se o alegado incorrecto julgamento feito pelo Tribunal a quo se traduzir em insubsistência probatória de natureza substantiva, isto é, se a decisão do caso concreto declarada na sentença não tiver suporte probatório juridicamente válido à luz do quadro normativo que disciplina a admissibilidade bem como a força e valor jurídico das várias espécies de meios de prova.
Sendo certo que a incorrecção do julgado há-de revelar-se pelos próprios termos da sentença proferida, pela incapacidade jurídica de uma dada fonte probatória formar e sustentar de modo juridicamente válido a convicção expressa pelo julgador no específico sentido consignado.
Dito de outro modo, é necessário concluir que o probatório e respectivos meios de prova não constituem suporte jurídico da decisão do caso concreto declarada na sentença.

*
Em matéria de recurso, o respectivo objecto é dado pelas conclusões (artºs. 637º nº 2 e 639º nºs. 1 e 2 CPC (ex 684º/3 e 685º-A/1) e o erro de julgamento em matéria de facto tem um leque de causas muito vasto, sendo que nem todas implicam a observância do ónus estabelecido no artº 640º nºs. 1 e 2 CPC (ex 685º-B).
Na circunstância toda a matéria de facto constante do item 16 das conclusões reporta à factualidade alegada nos artigos 11º a 17 da petição inicial, sustentando o Recorrente que se trata de factos “essenciais para a procedência da pretensão do recorrente, e de que se está perante um contrato de trabalho e não perante um contrato de avença” e na conclusão sob o item 17 que “apesar de não terem sido contestados, não foram considerados provados”.

*
Dispõe o artº 574º nº 2 CPC – texto idêntico ao anterior 490º nº 2 – que se consideram admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto.
O que significa que, em via de atenuação do excesso de rigor formal da impugnação especificada, facto por facto, que vigorou até às alterações introduzidas pelo DL 329-A/95, a lei adjectiva alterou o regime no sentido de que “(..) a impugnação não tem hoje de ser feita facto por facto, individualizadamente, podendo ser genérica (..)” (10)
Por outro lado, os factos instrumentais não carecem de ser directamente impugnados réu, pois que “(..) a este basta impugnar o facto principal que deles se deduz, visto que este é que integra a causa de pedir, ficando assim indirectamente impugnados os factos instrumentais que a ele permitem chegar. (..)” sendo que “(..) Não constitui verdadeiramente excepção o caso em que os factos alegados pelo autor estão em oposição com o conjunto da defesa. Estamos, então, antes, perante uma impugnação indirecta (..) A impugnação dos factos constitutivos alegados pelo autor pode ser directa ou indirecta. É directa quando o réu nega frontalmente os factos. É indirecta (ou motivada, como também lhe chama a doutrina alemã) quando o réu, confessando ou admitindo parte dos factos alegados como causa de pedir, pelo autor, afirma, por sua vez, factos cuja existência é incompatível com a realidade de outros também alegados pelo autor no âmbito da mesma causa de pedir…” (11)

*
Aplicando o exposto ao caso dos autos, temos a seguinte situação.
O alegado nos artigos 16 e 17 da petição pelo A. ora Recorrente é expressamente impugnado no artigo 10 da contestação (na decisão sumária do Relator é feita referência errada ao artigo 20 da contestação) pelo R. ora Recorrido (artº 574º nº 1 CPC) – vd. fls. 7 e 107 dos autos.
No artigo 10 da contestação, o R. ora Recorrido alega como segue:
“Não obstante, por mera cautela e dever de patrocínio o MAI/Contra-Interessado sempre dirá que aceita o vertido nos artigos 1º, 2º, da p.i. e impugna expressamente o vertido nos artigos 3º, 5º, 8º, 9º, 10º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 22º, 23º, 24º, 25º, 26º, 27º, 28º, 29º, 30º, 31º e pedido da p.i. porquanto,”
O R.. ora Recorrido aceita expressamente na contestação a realidade factual descrita no clausulado do contrato celebrado com o A. ora Recorrente em 30.04.2002 - itens 1 e 4 do probatório.
Da realidade aceite como actividade de prestação de serviços de psicologia clínica, não se retira a aceitação por parte do R. ora Recorrido do alegado nos artigos 11 a 15 da petição inicial pelo A. ora Recorrente.
O teor textual dos artigos 11 a 15 da petição inicial é transcrito, na íntegra, no item 16 das conclusões de recurso nas alíneas a) (11 pi), b) (12 pi), c) e d) (13 pi), e) (14 pi), f) (15 pi), g) (16 pi) e h) (17 pi).
E não se retira a aceitação por parte do R. ora Recorrido na medida em que a factualidade alegada nos artigos 11 a 15 da petição é genericamente impugnada nos artigos 42 a 49 da contestação, constituindo, também, defesa indirecta atenta a manifesta relação de incompatibilidade, posto que nestes artigos 42 a 49 da contestação o Recorrido impugna o sentido sustentado pelo Recorrente nos artigos 11 a 15 da petição, de a actividade de psicologia clínica por si desenvolvida se integrar na estrutura de hierarquia e subordinação jurídico-laboral da PSP (artº 574º nº 2 CPC) – vd. fls. 114 e 115 dos autos.
Nos artigos 42 a 49 da contestação, o R. ora Recorrido alega como segue:
“42°
Em consequência dos efeitos invalidantes legalmente atribuídos a este tipo de contratos, nunca poderá ser exigível o reconhecimento do direito à sua convolação em relação jurídica de trabalho subordinado de natureza administrativa, logo, à aplicação das disposições legais que concretizam ou estão correlacionadas com a transição para as novas modalidades de constituição de relação jurídica de emprego público previstas na Lei n° 12-A/2008, de 27/02, ou os direitos e garantias dos trabalhadores com contrato de trabalho, em matéria de antiguidade ou de despedimento (artigos 53° e 58°da CRP).
43°
Por outro lado, outras foram as soluções delineadas ao longo do tempo no âmbito das reformas legislativas introduzidas, sucessivamente, pelo legislador do DL n° 184/89, de 2/07, DL n° 427/89, de 7/12, da Lei n° 23/2004, de 22/06, da Lei n° 12-A/2008 e ainda da Lei n° 59/2008, de 11/09, para prevenir o recurso abusivo aos contratos de trabalho a termo, quando se trate da contratação celebrada por uma entidade empregadora pública.
44°
Na verdade, também aqui a lei optou por cominar a nulidade dos contratos de trabalho a termo que tenham sido celebrados ou renovados por entidade ou serviço público com violação do correspondente regime legal de contratação, o que significa que este tipo de contratos, em qualquer circunstância, não é — nem foi - convertível em contrato de trabalho por tempo indeterminado - cfr artigo 18°, n°s 4 e 5 do DL n° 427/89, artigo 10°, n°s 2 e 3 da Lei n° 23/2004, e artigo 92° n° 3 do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pek Lei n° 59/2008 (RCTFP) . Neste segmento, apresenta um regime jurídico bem diferente daquele que o A. pretende ser aplicável ao caso concreto.
45°
Qualquer dos diplomas acima identificados contempla um conjunto de normas de protecção mínima dos trabalhadores a termo, destinadas a evitar a precarização e a instabilidade da situação destes trabalhadores, indo ao encontro da jurisprudência constitucional já firmada no Acórdão do Tribunal Constitucional n°368/2000, de 11/07 (publicado no DR , Ia Ssérie, de 30/11/2000) e também no Acórdão n° 683/99, de 21/12, (publicado no DR 2a serie de 3/02/2000), que julgou lícita a não convertibilidade dos contratos a termo e ainda considerou inconstitucional, com força obrigatória geral, por violação do principio do acesso do acesso à função pública por via do concurso (artigo 47°, n°2 da CRP) qualquer solução que consagre a convertibilidade dos contratos a termo em contratos sem termo no sector público.
46°
Atendendo ao período de vigência do contrato em presença, e, em particular, à data a que remonta o facto constitutivo que lhe deu origem (2002), temos que o recurso à figura do contrato de trabalho a termo no âmbito da Administração Pública estava à época especialmente regulado no artigo 9° do DL n° 184/89 e ainda nos artigos 18° a 21° do DL n° 427/89, sendo, posteriormente, disciplinado peks disposições da Lei n° 23/2004 (artigos 9° e 10°). Do confronto deste regime especial com as normas do Código do Trabalho - à data a LCT (regime do contrato individual de trabalho), aprovada pelo DL n° 49408, de 24/11/69 -logo se vê que nos aspectos em apreço a aplicabilidade das normas da lei geral do contrato de trabalho — maxime das normas do artigo 6° da lei preambular e do artigo 141° do Código do Trabalho mencionadas no artigo 18° da p.i. - sempre estaria afastada em função das especialidades constantes dos artigos 9°, n°l, e 14°, n°l, alínea b), ambos do DL n° 184/89, conjugados com o artigo 18° do DL n° 427/89.
47°
Como referem Maria do Rosário Palma Ramalho e Pedro Madeira de Brito, in "Contrato de Trabalho na Administração Pública - Anotação à Lei n° 23/2004, de 22/06", Almedina, pag 53, "As regras do Código do Trabalho sobre contratação a termo, pensadas para tutelar o interesse do trabalhador perante a utilização abusiva do regime de trabalho pelos empregadores privados devem ser compaginadas com os princípios consttitucionais que enformam a actividade da Administração Pública e que impõem um conjunto de condutas aos seus agentes enquanto empregadores públicos. Em concreto, o prolongamento no tempo das situações de trabalho precário ou a violação de determinadas regras sobre contratação a termo não podem servir de fundamento para a constituição de vínculos definitivos na Administração Pública sem que se garantam o respeito do princípio da igualdade ou a regra do concurso aplicável à Função Pública em sentido amplo.".
48°
Devem ainda referk-se as considerações produzidas pelos mesmos autores na obra acima citada, pags 58 e 59, que, embora centradas na regra de caducidade dos contratos a termo celebrados por entidades empregadoras públicas ao abrigo do artigo 10° da Lei n° 23/2004, mantêm total actualidade, dada a equivalência encontrada no quadro legal vigente, no sentido de que tal solução "(..) vem reforçar o princípio de que qualquer contrato de trabalho a termo no âmbito da Administração Pública (ainda que irregular) é, por natureza, precário, não podendo dar origem a uma situação de emprego estável.".
49°
As soluções legais encontradas neste contexto pautam-se, sobretudo, por uma lógica própria de compensação do trabalhador pelos prejuízos sofridos e causados pela conduta ilícita do titular do órgão que permitiu a vigência do contrato de trabalho camuflado de contrato de prestação de serviços ou do contrato a termo que visava a satisfação de necessidades permanentes, fazendo incorrer os dirigentes que autorizaram ou celebraram tais contratos em responsabilidade civil, disciplinar e financeira — cfr, sucessivamente, o artigo 10°, n°7 do DL n° 184/89, o artigo 18°n° 5 do DL n° 427/89, o artigo 36°, n°s 2 e 3, da Lei n° 12-A/2008, o artigo 92°, n°3, do RCTFP e ainda o artigo 15° da Lei n° 64-A/2008, de 31/12.”

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Consequentemente, improcede a questão trazida a recurso nos itens 16 a 19, 24 e 27 das conclusões.


4. contrato de avença - contrato de trabalho por tempo indeterminado;

Nos itens 20 a 22, 25, 26, 28 a 35 e 37 a 50 das conclusões o ora Recorrente assaca a sentença de incorrer em violação primária de direito substantivo por erro de julgamento em matéria de qualificação da relação decorrente do contrato celebrado com o Recorrido em 30.04.2002, que qualifica não como avença mas como contrato de trabalho por tempo indeterminado, nos termos peticionados e acima transcritos.
Não tem razão.
Cabe referir que a lei que regulamentava a situação em causa foi revogada pelo art.º 116.º alínea l) da LVCR ou Lei dos Vínculos, aprovada pela Lei 12-A/2008, de 27/02, que, por sua vez, também já foi revogada pelo art.º 42.º da Lei 35/2014, de 20/06 que aprovou a LTPF - Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.
O contrato levado ao item 4 do probatório, celebrado entre as partes em 30.04.2002, rege-se pelo disposto no artº 17º do DL 41/84, 03.02, na redacção dada ao nº 7 do citado artº 17º pelo artigo único do DL 299/85, 29.07.
Nos termos dos citados diplomas, o contrato de avença é uma das duas modalidades contratuais do contrato de prestação de serviço - sendo a outra era o contrato de tarefa - regulada no DL 41/84, 03.02 caracterizando-se
“por ter como objecto prestações sucessivas no exercício de profissão liberal, apenas podendo os serviços recorrer a tal tipo de contrato quando no próprio serviço não existam funcionários ou agentes com as qualificações adequadas ao exercício das funções objecto da avença.” – cfr. artº 17º nº 3 DL 41/84.
No tocante ao pagamento, “Os serviços prestados em regime de contrato de avença serão objecto de remuneração certa mensal” – cfr. artº 17º nº 4 DL 41/84.

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Nos termos do artº 1154º do Código Civil “o contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar á outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”, o que significa que “(..) está, pois, envolvida uma prestação laborativa que é, todavia, valorizada pelo resultado em que se traduz e à qual pode ou não corresponder uma retribuição; por outro lado, do cotejo desta noção com a noção legal de contrato de trabalho (artº 1152º CC e artº 11º CT) decorre que, no contrato de prestação de serviço, o trabalho é prestado em moldes autónomos, uma vez que não se faz menção a especiais poderes de autoridade do credor. (..)
(..) [avulta aqui] a especificidade dogmática do contrato de trabalho, que decorre das suas componentes de pessoalidade e de inserção organizacional.
Estas componentes justificam, respectivamente, a essência subjectiva da subordinação do trabalhador e a abrangência desta subordinação, reportada não apenas ao poder directivo, mas também ao poder disciplinar prescritivo e sancionatório do empregador.
São estas componentes do contrato de trabalho que confirmam a sua diferença genética do contrato de prestação de serviço, reconhecida pelo Código Civil. (..)” (12)
O que significa que na prestação de serviço, o sujeito obrigado à prestação de resultado do seu trabalho não ocupa nenhuma posição no seio da organização do sujeito credor da prestação - ao contrário do que ocorre, sempre, em sede de contrato de trabalho - nem o credor é titular de uma posição de poder directivo, seja na componente do modo de execução material das prestações, seja na componente da subordinação jurídica, na veste de emissão de ordens e instruções direccionadas à organização funcional da actividade prestacional.

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De modo que, voltando ao caso sob recurso, temos como ponto de unanimidade doutrinária no domínio jus-laboral que nenhuma destas modalidades contratuais em sede de prestação de serviço dá origem a “(..) uma relação jurídica de emprego público mas apenas a uma relação jurídica cujo traço caracterizante é a inexistência de subordinação jurídica (..)
(..) o contrato de avença, que tem por objecto o exercício de uma profissão liberal … não se limita à execução de um determinado, excepcional e específico trabalho, mas, pelo contrário, pressupõe e tem subjacente a prestação de um conjunto indiferenciado de funções próprias de uma determinada profissão liberal, as quais, por se renovarem sucessivamente, justificam que a contraprestação devida seja paga periodicamente e não apenas após a realização de um ou outro trabalho.(..)” (13)
A circunstância de a lei referir expressamente que o objecto do contrato de avença reporta ao exercício de profissão liberal significa que a actividade em causa assume a natureza de autonomia valorizando o resultado da actividade e em que, por parte do avençado, estão ausentes as componentes de pessoalidade e de inserção organizacional e por parte do credor, as posições subjectivas de poder directivo, v.g.de de determinação da função e modo de cumprimento da concreta prestação da actividade avençada, umas e outras próprias do contrato de trabalho.
No caso dos autos, é uma evidência que o ora Recorrente não alegou factos concretos no sentido de demonstrar a existência de subordinação jurídica no exercício da actividade prestada ao Recorrido, não do ponto de vista da vertente técnica dos serviços de psicologia clínica, como é óbvio, porque nesta vertente do conteúdo técnico a autonomia seja do prestador seja do trabalhador subordinado é uma realidade inerente ao titular da lex artis, mas na vertente do poder de direcção prescritivo exercido pelo Recorrido, quanto ao modo de organização funcional e conformativo da actividade desenvolvida.
Por exemplo, entre outras características de uma relação jurídica laboral próprias do contrato de trabalho, recebendo ordens quanto à duração, distribuição e organização do tempo de trabalho, quanto à concretização da prestação de contas pelo serviço executado e resultados obtidos na actividade técnica desenvolvida – todos eles, elementos que indiciam a pessoalidade e essência da subordinação jurídica do trabalhador face ao poder directivo da entidade patronal, indícios ausentes no contrato de prestação de serviço, v.g. do contrato de avença.
Nada tendo sido alegado pelo ora Recorrente em ordem a, uma vez feita prova pela positiva, demonstrar a existência de subordinação jurídica face ao ora Recorrido, é evidente que perde sustentação jurídica a alegada conformação da actividade desenvolvida de psicologia clínica no quadro de uma relação de contrato de trabalho por tempo indeterminado, nos termos peticionados e acima transcritos.

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Consequentemente, improcede a questão trazida a recurso nos itens 20 a 22, 25, 26, 28 a 35 e 37 a 50 das conclusões.

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Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo do Recorrente.

Lisboa, 01.JUN.2017

(Cristina dos Santos) …………………………………………………………

(Catarina Jarmela) ……………………………………………………………

(Conceição Silvestre) ………………………………………………………..


(1)Abrantes Geraldes, in Recursos no novo Código de Processo Civil, Almedina/2013, pág. 85.
(2)Abrantes Geraldes, in Recursos no novo Código de Processo Civil, págs. 115, 84/85.
(3)Abrantes Geraldes, Recursos do novo Código de Processo Civil, págs. 71/72.
(4) Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, Lex/1997, págs. 220-223.
(5)Anselmo de Castro, Direito processual civil declaratório, Vol. III, Almedina, pág. 142.
(6)Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V, Coimbra Editora/1981, págs. 53/54.
(7)Anselmo de Castro, Direito processual … Vol. III, pág. 143.
(8)Paula Costa e Silva, Acto e processo, Coimbra Editora/2003, págs. 412 e ss.
(9) Miguel Teixeira de Sousa, Estudos… págs. 222/223 e 408/410.
(10)Lebre de Freitas, CPC – Anotado, Vol.2º, 2ª ed. Coimbra Editora/2008, pág. 326.
(11)Lebre de Freitas, CPC – Anotado, Vol. 2º, 2ª ed. págs.326/327 e 315/316.
(12)Rosário Palma Ramalho, Tratado de direito do trabalho – Parte II – situações laborais individuais, Almedina/2012, 4ª ed. págs. 56/57.
(13)Paulo Veiga e Moura/Cátia Arrimar, Os novos regimes de vinculação de carreiras e de remunerações dos trabalhadores da Administração Pública, Coimbra Editora/2010, 2ª ed. págs.106/107.