Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:409/20.3BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:11/10/2022
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores: IRS – MAIS VALIAS
RENDIMENTOS NÃO PERCEBIDOS OU POSTOS À DISPOSIÇÃO DO CONTRIBUINTE
PRINCÍPIOS DA IGUALDADE E DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
Sumário:Com a fundamentação citada, e em face do decido no Acórdão do TC 100/2022, de não julgar inconstitucional a norma dos artigos 10.º, n.º 1 e 3 e alínea a) do n.º 4 e 44.º do CIRS (na redação do diploma em vigor à data do facto gerador de imposto), quando interpretadas no sentido de permitirem a tributação, no âmbito da categoria G do IRS, de rendimentos não percebidos ou postos à disposição do contribuinte, tem de improceder a alegação da violação dos princípios constitucionais.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. RELATÓRIO

A.... , com os demais sinais nos autos, veio, em conformidade o artigo 282.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, interpor recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, a qual julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida, contra o acto de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares («IRS») n.º ….203, referente ao exercício de 2017, no valor total de € 136.803,66.


O Recorrente termina as alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«Princípios da igualdade e da capacidade contributiva

169. A douta sentença violou os princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva, plasmados nos artigos 13º e 104º nº 2 da C.R.P.

170. O artigo 104º nº 2 da C.R.P., que prevê a tributação segundo o rendimento real das empresas, é aplicável, por analogia, às pessoas singulares.

171. Por outro lado, o princípio da capacidade contributiva encontra igualmente afloramento no artigo 4º nº 1 da L.G.T.

172. O entendimento jurisprudencial e doutrinário deste princípio constitucional impõe que no que tange à tributação das mais-valias apenas sejam tributadas as que efetivamente foram realizadas, isto é, relativamente às quais houve uma efetiva contraprestação, a qual poderá traduzir-se num benefício ou utilidade concreta.

173. Ao endossar o entendimento do acórdão do Tribunal Constitucional 100/2022, admitindo que a tributação possa incidir sobre mais-valias não realizadas, a sentença recorrida está a descaraterizar o conceito de ganho previsto no artigo 10º nº 3 do C.I.R.S., alargando o seu âmbito a créditos não cobrados ou mesmo incobráveis.

174. É errado o entendimento jurisprudencial endossado pela sentença recorrida quando, sob a justificação da igualdade, se admite a tributação de “ganhos” e não ganhos, ou de ganhos latentes ou potenciais, por ser contrária à conceção de rendimento-acréscimo adotada pelo modelo constitucional e infraconstitucional de tributação.

175. Trata-se de situações materialmente desiguais as quais deverão ter um tratamento desigual.

176. A interpretação correta do artigo 10º nº 3 do C.I.R.S., em consonância com o princípio da igualdade tributária, na vertente da capacidade contributiva, que decorre do artigo 104º da C.R.P. e é densificado no artigo 4º nº 1 da L.G.T., é a de que o momento da tributação só poderá ser o da colocação à disposição do valor ou utilidade da contraprestação.

177. E a mens legislatoris só poderá ter sido neste sentido interpretativo porquanto as alíneas a), b) e c) do artigo 10º nº 3 do C.I.R.S. consagram desvios à regra geral segundo a qual o momento da tributação deve coincidir com o negócio formal no qual é estipulado o preço.

178. Ora, estes três desvios à regra geral, que é a fixação do momento da tributação em simultâneo com o ato alienatório, demonstram que o legislador teve em vista acautelar situações nas quais o incremente patrimonial não se verifica logo no imediato, ou seja, com a celebração do negócio que lhe deu causa.

179. Esse momento é diferido para data posterior quando se considere que a fruição ou o benefício obtido pelo negócio já tiveram efeitos na esfera patrimonial do sujeito passivo de imposto; noutras palavras, quando o ganho se tornou efetivo e não apenas quando existe um ganho potencial ou hipotético, o qual em última análise, até poderá não se verificar e, por tal razão, a expetativa negocial inicial acabar por se frustrar.

180. A tributação deverá, portanto, ser adequada ao esforço económico do contribuinte, incidindo sobre manifestações de riqueza efetivas e não meramente potenciais, latentes ou rendimentos que não foram efetivamente percebidos sob pena de obliteração do princípio da capacidade contributiva, enquanto vertente do princípio da igualdade tributária, na sua vertente vertical.

181. Por outro lado, a presunção de ganho contida no artigo 10º nº 3 do C.I.R.S. é ilidível, desse modo obviando ao surgimento de situações de injustiça tributária decorrentes da tributação de rendimentos que ainda não foram nem se sabe se alguma vez serão colocados à disposição do sujeito passivo ou mesmo se algum benefício para a sua esfera patrimonial terá advindo do negócio que deu origem ao facto tributário.

182. Aliás, o entendimento sufragado pela decisão e acórdão citados, na dimensão interpretativa indicada, levar-nos-ia à alarmante conclusão da admissão de presunções inilidíveis em Direito Fiscal, hipótese já recusada pela jurisprudência constitucional (Acórdão TC 211/2017 de 2-05-2017).

183. Foram, portanto, violados os artigos 10º nº 3 do C.I.R.S. quando interpretados na dimensão normativa acima referida e ainda o artigo 44º nº 4 – a) do C.I.R.S., o qual dispõe que para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS se considera como valor da realização o valor da respetiva contraprestação.

184. Ora, a atribuição ou constatação contabilística da existência de um direito de crédito por parte do credor da contraprestação, sem qualquer garantia ou concretização em utilidade ou benefício ou, eventualmente, valorização do ativo tangível ou intangível, é tudo menos uma contraprestação.

185. Aliás, o efeito pratico de tal entendimento é a recriação do arquétipo tributário das mais-valias, desta vez pela via jurisprudencial, quando, em boa verdade, a conceção de tributação das mais-valias adotada pelo legislador infraconstitucional tem os elementos suficientes para se entender que a realização da mais-valia só ocorre com a contraprestação efetiva.

186. S.d.r., o entendimento jurisprudencial endossado pela sentença recorrida representa uma entorse na aplicação da legislação tributária nesta matéria e um fator de desigualdade gritante em matéria de tributação ao assimilar como elegíveis para tributação ganhos latentes, hipotéticos ou potenciais desde que se consiga encontrar uma rúbrica do ativo para os incluir.

187. Mais: a jurisprudência citada pela sentença recorrida eleva ao nível da consideração entre as diversas opções legislativas em matéria de tributação a necessidade de angariação de receita coevas ao Estado Social, relegando todas as exigências reclamadas pela igualdade e pela capacidade contributiva e, no caso desta última, nem sequer lhe reconhecendo consagração no artigo 104º da C.R.P.

A tributação pelo valor da soma das desistências com o da confissão de dívida

188. A tributação da cessão da quota social pelo valor da soma das desistências no âmbito da ação executiva com o da confissão de dívida implicaria que tivesse ocorrido uma anulação ou mutação dos negócios celebrados que foram objeto do procedimento inspetivo.

189. Mesmo existindo um nexo temporal e até negocial entre as desistências processuais acima referidas, ainda assim inexiste fundamento legal para a tributação dessa desistência porque se trata um negócio distinto da cessão de quota.

190. Note-se que o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra apenas tinha poder jurisdicional quanto ao pedido da ação de insolvência requerida da sociedade J...; não tinha poderes jurisdicionais relativamente à declaração de nulidade ou caraterização dos negócios referidos nesse processo.

191. Portanto, para haver uma integração de dois negócios que resultam de equações financeiras distintas num único negócio teria que haver um fundamento legal, melhor dizendo, uma decisão judicial nesse sentido.

192. Não constando dos pedidos da ação de insolvência essa mutação dos vínculos contratuais, não tem a Autoridade Tributária fundamento para tributar negócios que ainda se mantêm inatacáveis e diferenciados porquanto não houve declaração judicial válida que os anulasse, reduzisse ou reformasse.

193. Convenhamos, portanto, que o tão apregoado princípio da legalidade tributária decorrente do artigo 266º nº 2 da C.R.P. e do artigo 8º nº 1 e 2 – alínea a) da LGT, foi desconsiderado na tributação da cessão de quota.

194. Teria que ter existido uma declaração judicial da mutação dos negócios incluídos nas referidas equações financeiras, com prévia possibilidade de contraditório, para então a Autoridade Tributária ter fundamento legal para a tributação da cessão de quota por valor diferente daquele que consta do contrato de cessão.

195. Não existindo tal declaração, a tributação da desistência da execução e dos embargos viola o acima referido princípio da legalidade tributária previsto nos normativos legais supra referidos.

196. Tal como se disse, os poderes jurisdicionais do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra cingiam-se apenas à declaração de insolvência; daí que a comunicação feita à Direcção-Geral de Finanças fosse apenas “para os fins considerados convenientes”.

Violação do princípio da autonomia jurídica das pessoas coletivas

197. A sentença recorrida erra, violando o princípio da autonomia jurídica e, consequentemente, patrimonial das pessoas coletivas consagrado no artigo 5º do Código das Sociedades Comerciais, quando pretende imputar ao Impugnante a totalidade da (eventual) responsabilidade fiscal decorrente das desistências da execução e dos embargos na execução pendente contra o ora Recorrente e a sociedade J....

198. Na realidade, Recorrente e J... são pessoas jurídica e patrimonialmente distintas, com obrigações fiscais igualmente distintas, não tendo que se confundir para fins de tributação, tal como pretende a Autoridade Tributária e a sentença recorrida aceita.

199. Deste modo, a existir responsabilidade fiscal pelas desistências na ação executiva, a responsabilidade tributária teria que ser dividida em partes iguais porque, no caso de a execução ter prosseguido, seguiria contra ambas as pessoas jurídicas.

Duas equações financeiras distintas

200. A sentença recorrida não se pronunciou relativamente ao argumento do Recorrente segundo o qual as desistências na execução da Ecocaldas integrariam uma equação financeira distinta da cessão de quota e, nessa medida, a tributação da cessão de quota não teria que abranger as referidas desistências.

201. Ora, face ao disposto no artigo 615º nº 1 – d) do C.P.C., é nula a sentença neste tipo de situações, vício que desde já se invoca.

202. Sendo as partes livres de desistir ou transigir nos processos judiciais nos precisos termos em que assim o decidam e tratando-se de equações financeiras distintas, deve entender-se que a tributação da cessão da quota social nada tem a ver com as desistências na execução.

Abuso de poder tributário

203. Ao endossar o entendimento do acórdão 100/2022 do Tribunal Constitucional, a sentença recorrida está a legitimar a ultrapassagem dos limites da capacidade contributiva, erigindo como outros objetivos prioritários a arrecadação de receitas destinadas a uma boa causa (o Estado Social) e, por outro lado, facilitar a vida à máquina fiscal (princípio da “praticabilidade”) que, em lugar de aguardar pela realização da mais-valia (efetivo recebimento da contraprestação), liquida logo, no momento do negócio formal, a totalidade do imposto devido, sem qualquer preocupação se o facto tributário que a legitima ocorreu já na sua totalidade ou alguma vez virá a ocorrer.

204. Noutras palavras, ficciona-se o rendimento, melhor dizendo, o acréscimo patrimonial, em lugar de se esperar que o contribuinte declare (ou não) a efetiva concretização da contraprestação decorrente do negócio cujo preço estipulado serviu de base à liquidação do imposto.

205. Nunca poderia o diferimento do pagamento do imposto com base na efetiva perceção ou colocação à disposição do benefício ou utilidade ser uma forma de financiamento público do sujeito passivo; contrariamente, é o sujeito passivo que tem que arcar com a totalidade do imposto, receba ou não a contraprestação respetiva, que está a financiar as “boas intenções” do Estado ao maximizar a angariação de receitas.

206. Este entendimento legitima práticas abusivas do poder tributário, dando cobertura aos objetivos de maximização da receita fiscal, a qual seria aplicada (espera-se…) na concretização do Estado Social…atropelando o princípio da capacidade contributiva e invocando a igualdade tributária em que pagam todos pelos créditos, tenham ou não tenham os mesmos concretização…

207. Nesta conformidade, deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que considere procedente a impugnação do ora Recorrente

Com o que se fará Justiça!»


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A Recorrida, Fazenda Pública, devidamente notificada para o efeito, optou por não contra alegar.
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Notificado, o Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (art.º 639º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.
De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, as questões fundamentais a decidir são as de saber se a sentença recorrida:

a) É nula por omissão de pronúncia;

b) Violou os princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva;

c) Violou o princípio da autonomia jurídica das pessoas colectivas;

d) Endossou entendimento que legitima práticas abusivas do poder tributário;

e) Errou no seu julgamento.


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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto

A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«A) O Impugnante exerce a atividade de Advocacia (código CIRS 6010) estando enquadrado em sede de IRS no regime simplificado – cf. cópia do RIT junto com a petição inicial a fls. 47 do SITAF;

B) Em 24/09/2007 foi registado na Conservatória do Registo Predial e Comercial de Caldas da Rainha, o contrato de constituição da sociedade unipessoal por quotas J.... , LDA., com sede na Rua do Avenal, n.º….., 2500-274 Caldas da Rainha, tendo por objeto a promoção do planeamento, construção e a comercialização de empreendimentos imobiliários, sendo o Impugnante o único sócio e sócio-gerente – cf. cópia do RIT junto com a petição inicial a fls. 48 do SITAF e cópia do contrato de sociedade constante do PAT apenso aos autos a fls. 240-241 do SITAF;

C) O Impugnante foi Sócio-Gerente da J.... , LDA. no período compreendido entre 26/09/2007 e 07/04/2017 – cf. RIT constante do PAT apenso aos autos a fls. 279-280 dos autos;

D) Em 26/09/2007 foi celebrada entre o Impugnante e J.... , LDA. escritura de compra e venda do prédio rústico inscrito na matriz predial rústica sob o artigo….., da Freguesia de Nossa Senhora do Pópulo (atual prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ….. da União de Freguesias de Caldas da Rainha, Nossa Senhora do Pópulo, Coto e São Gregório), do Concelho de Caldas da Rainha, Concelho de Leiria, pelo preço de €2.175,13 – cf. cópia do RIT junto com a petição inicial a fls. 48 do SITAF;

E) A E.... , LDA. propôs uma ação contra o Impugnante tendo por objeto a dívida deste para com a sociedade no montante de €430.000,00, que formou o processo n.º 530/08.6TBCLD e ao qual foi junta a avaliação do prédio rústico referido na alínea C) supra realizada por um perito, em 07/10/2010, no valor de €1.400.500,00 – cf. RIT constante do PAT apenso aos autos a fls. 279-280 dos autos;

F) Em 14/12/2012 foi efetuada hipoteca sobre o prédio referido na alínea C) supra a favor de E.... , LDA., pelo montante de €350.000,00, para garantia da dívida do Impugnante para com aquela sociedade no mesmo montante – cf. RIT constante do PAT apenso aos autos a fls. 49 do SITAF;

G) A E.... , LDA. propôs uma ação executiva contra o Impugnante para pagamento da dívida de €430.000,00 que formou o processo n.º 2621/16.0T8ACB no Juízo de Execução de Alcobaça - cf. cópia do RIT constante do PAT apenso aos autos a fls. 49 do SITAF;

H) Em 06/09/2016 foi assinada procuração por J.... , através da qual constituiu seu procurador F..... , na qual pode ler-se: «(…)


“(texto integral no original;imagem)”


(cf. cópia da procuração e termo de autenticação constantes do PAT apenso aos autos a fls. 251-256 do SITAF);

I) F..... é Sócio-Gerente da E.... , LDA. desde 22/03/2000 - cf. cópia do RIT junto com a petição inicial a fls. 49 do SITAF;

J) Em 16/02/2017 foi realizada assembleia geral extraordinária na sede da J.... , LDA., na qual se encontrava presente o Impugnante, na qualidade de sócio único, para deliberar sobre a proposta de aquisição da quota do referido sócio por J.... pelo seu valor nominal, tendo sido deliberado aceitar a referida proposta com a condição de «(…) a empresa adquirente assumir as dívidas da J.... , LDA., designadamente as dívidas fiscais e os honorários do gabinete de contabilidade. Para o efeito foi deliberado que o contrato de cessão deveria incluir uma declaração de assunção de dívidas por parte do cessionário. Mais foi deliberado que em anexo ao contrato de cessão de quota deveria constar uma planta topográfica contendo as delimitações do terreno a cor magenta, tal como foi entregue pelo Arquiteto J..... . (…)» - cf. cópia da ata n.º 22 constante do PAT apenso aos autos a fls. 244 do SITAF;

K) Em 14/03/2017 foi celebrado um contrato entre o Impugnante, como primeiro contratante e J.... , LDA., como segundo contratante, intitulado “CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA” no qual pode ler-se:

«(…)


“(texto integral no original; imagem)”


(cf. cópia do contrato, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, constante do PAT apenso aos autos a fls. 257-258 do SITAF);

L) Em 14/03/2017 foi celebrado um contrato entre o Impugnante e J.... , intitulado “CONTRATO DE CESSÃO DE QUOTA”, no qual pode ler-se:

«(…)


“(texto integral no original; imagem)”


(cf. cópia do contrato, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, constante do PAT apenso aos autos a fls. 240-241 do SITAF);

M) Em anexo ao contrato referido na alínea anterior foi junto o contrato da sociedade J.... , LDA. alterado nos seguintes termos:

«


“(texto integral no original; imagem)”


»

(cf. Cópia do contrato constante do PAT apenso aos autos a fls. 193-194 do SITAF);

N) Em anexo ao contrato referido na alínea L) supra foi junta a seguinte planta topográfica do prédio rústico referido na alínea D) supra:




(cf. cópia da planta constante do PAT apenso aos autos a fls. 245 do SITAF);

O) Em 14/03/2017 a E.... , LDA. desistiu da ação executiva referida na alínea G) supra, sendo o valor que o Impugnante, executado naquela ação, não pagou à data da desistência da ação de €459.829,47 correspondente à quantia em dívida acrescida do montante dos juros e despesas – cf. cópia do RIT junto com a petição inicial a fls. 24 do SITAF;

P) Em 14/03/2017 a E.... , LDA. declarou extinta a dívida do Impugnante que deu origem à constituição da hipoteca voluntária referida na alínea F) supra - cf. cópia do RIT junto com a petição inicial a fls. 49 do SITAF;

Q) Em 30/05/2017 a sociedade J.... , LDA. vendeu o prédio referido na alínea D) supra à E.... – G..... , S.A. pelo preço de €5.000,00 - cf. cópia do RIT junto com a petição inicial a fls. 49 do SITAF;

R) Em 30/05/2017 C..... era administrador único da E.... – G..... , S.A. e tinha sido gerente da M....., LDA. da qual era sócio F..... – cf. cópia do RIT junto com a petição inicial a fls. 49 do SITAF;

S) Em data concretamente não apurada foi apresentada contestação por J.... , LDA. e E.... – G..... , S.A., na qualidade de rés no processo de Ação Pauliana n.º 77/18.2T8CLD, que foi proposto pelo Impugnante no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria-Juízo Local Cível de Caldas da Rainha – Juiz 1, na qual pode ler-se:

«(…)


“(texto integral no original; imagem)”

“(texto integral no original; imagem)”

“(texto integral no original; imagem)”

“(texto integral no original; imagem)”


(cf. cópia da contestação e comprovativo de entrega constante do PAT a fls. 174-189 do SITAF);

T) Em data concretamente não apurada foi apresentada contestação por J.... , LDA., na qualidade de Requerida, no processo de Insolvência de Pessoa Coletiva n.º 1534/18.6T8ACB, que foi proposto pelo Impugnante no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria-Juízo de Comércio de Alcobaça – Juiz 2, na qual pode ler-se:

«(…)


“(texto integral no original; imagem)”

«TEXTO NO ORIGINAL»

“(texto integral no original; imagem)”

“(texto integral no original; imagem)”

“(texto integral no original; imagem)”


(cf. cópia da contestação e comprovativo de entrega constantes do PAT apenso aos autos a fls. 222-239 do SITAF);

U) Em 26/03/2019 foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no processo n.º 1534/18.6T8ACB.C1 no qual se determinou o envio de certidão contendo o acórdão e cópias das fls. 5 a 164, 227 a 266, 270 a 307, 384 a 467 e 514 a 585 daqueles autos à Direção de Finanças de Leiria « (…) mencionando-se que, em face do que é narrado nos presentes autos (pelo requerente) a cessão de quotas de fls. 143 dos autos (em que é cedente o requerido e cessionário J (…)) não terá sido pelo valor feito constar, de € 5.000,00, mas sim, como resulta dos pontos 13 a 23 dos factos deste acórdão (e do por diversas vezes referido pelo aqui requerente/cedente), pela soma da desistência da execução referida no ponto 16 dos factos (mais exactamente, da expressão monetária correspondente a tal desistência) com os €480.000,00 da confissão de dívida junta, isto é, o preço real da cessão de quotas andará “à roda” de, pelo menos, €900.000,00 (e não dos €5.000,00 feitos constar do documento que formalizou a cessão).» - cf. cópia do RIT junto com a petição inicial a fls. 46-47 do SITAF;

V) Em 25/07/2019 foi determinado através da ordem de serviço n.º OI201901898 a realização de ação de inspeção tributária ao Impugnante, de âmbito parcial, que incidiu sobre o ano de 2017 – cf. cópia da ordem de serviço constante do PAT apenso aos autos a fls. 115 do SITAF;

W) A ação de inspeção tributária referida na alínea anterior teve origem no ofício referência …..77, datado de 17/07/2019, enviado pelo Tribunal Judicial da Comarca de Leiria à Direção de Finanças de Leiria, acompanhado de certidão do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra no processo n.º 1534/18.6T8ACB.C1 e das folhas 5 a 164, 227 a 266, 270 a 307, 384 a 467 e 514 a 585 – cf. cópia do RIT junto com a petição inicial a fls. 46 do SITAF;

X) Em 25/11/2019 foi elaborado relatório final de inspeção tributária pelos Serviços de Inspeção Tributária, da Direção de Finanças de Leiria, no qual pode ler-se: «(…)


“(texto integral no original; imagem)”


(…)


«texto no original»


“(texto integral no original; imagem)”


(cf. cópia do RIT junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 43-59 do SITAF);

Y) Em 13/01/2020 foi proferido despacho pelo Diretor de Finanças de Leiria sobre o relatório referido na alínea anterior com o seguinte teor: «Concordo com o teor integral do presente Relatório e Parecer que sanciono, com as correções aritméticas propostas em sede de IRS – Cat. G. sujeito à taxas espaciais do Art° 72° do CIRS, nos valores e períodos identificados nos pontos I e III de acordo com os cálculos e fundamentos de facto e direito constantes dos referidos pontos do relatório. O S. P. Exerceu o Direito de Audição que foi objeto de análise conforme teor do ponto IX. Cópia ao NIC. Notifique-se.» - cf. despacho a fls. 43 do SITAF;

Z) Em 17/01/2020 foi enviado ao Impugnante o ofício referência SPGAI-590-2020, pelo Serviço de Planeamento Gestão e Apoio à Inspeção – SPGAI, da Direção de Finanças de Leiria, dando-lhe conhecimento das correções resultantes da ação de inspeção, juntando cópia do relatório referido na alínea X) supra, que foi devolvido, após o que foi enviado nos mesmos termos o ofício n.º SPGAI-1305-2020 - cf. ofícios, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e registos CTT constantes do PAT apenso aos autos a fls. 266-273 do SITAF;

AA) Em 21/02/2020 foi emitida a liquidação adicional de IRS n.º …..203, em nome do Impugnante, referente ao ano de 2017, no valor a pagar de €136.803,66 – cf. cópia da liquidação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, junta com a petição inicial a fls. 60 do SITAF;

BB) Em 02/03/2020 foi emitida a demonstração de acerto de contas n.º …..804, em nome do Impugnante, referente ao ano de 2017, no montante a pagar de €137.747,56 – cf. cópia da demonstração de acerto de contas, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, junta com a petição inicial a fls. 61 do SITAF.»

Factos não provados

«Compulsados os autos e analisada a prova documental que dos mesmos consta não existem quaisquer outros factos, atento o objeto do litígio, com relevância para a decisão da causa.»

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Motivação da matéria de facto

«A decisão da matéria de facto provada nas alíneas A) a BB) do ponto 1.1. supra, efetuou-se com base no exame dos documentos constantes dos autos e do PAT apenso aos autos, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório.

Neste contexto foram especialmente relevados os documentos constantes do processo administrativo tributário apenso aos autos com especial realce para as cópias das contestações e documentos anexos às mesmas apresentadas pelas sociedades J.... , LDA. e E.... – G..... , S.A., na qualidade de rés no processo de Ação Pauliana n.º 77/18.2T8CLD, que foi proposto pelo Impugnante no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria-Juízo Local Cível de Caldas da Rainha – Juiz 1 e J.... , LDA., na qualidade de Requerida, no processo de Insolvência de Pessoa Coletiva n.º 1534/18.6T8ACB, que foi proposto pelo Impugnante no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria-Juízo de Comércio de Alcobaça – Juiz 2.

E foi particularmente relevado, à luz do disposto no artigo 76.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT), o relatório final de inspeção tributária, do qual se extraíram os factos provados nas alíneas A) a G), I), O) a R), U) e W) do probatório, sendo certo que os factos constantes do mencionado relatório não foram contestados pelo Impugnante na medida em que o mesmo se insurgiu contra o enquadramento jurídico que foi efetuado pela Autoridade Tributária.»


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II.2. De Direito

Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou a presente impugnação totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública do pedido.

Inconformado, o impugnante A.... veio interpor recurso da referida decisão invocando, além do mais, a nulidade da sentença.

- Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia
Alega o recorrente que a sentença recorrida não se pronunciou relativamente ao argumento do Recorrente segundo o qual as desistências na execução da Ecocaldas integrariam uma equação financeira distinta da cessão de quota e, nessa medida, a tributação da cessão de quota não teria que abranger as referidas desistências. Ora, face ao disposto no artigo 615º nº 1 – d) do C.P.C., é nula a sentença neste tipo de situações, vício que invoca. [conclusões de recurso 200. e 201.]

Vejamos.

O art. 615º, nº 1, al.d), do CPC, dispõe que é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Embora não o diga expressamente, está implícito que o recorrente vem imputar à sentença a nulidade por omissão de pronúncia.

Alega o recorrente que a sentença recorrida não se pronunciou relativamente ao argumento do Recorrente segundo o qual as desistências na execução da Ecocaldas integrariam uma equação financeira distinta da cessão de quota e, nessa medida, a tributação da cessão de quota não teria que abranger as referidas desistências.

Ora, como o próprio recorrente reconhece, trata-se de um argumento e não de uma questão.

Se atentarmos no disposto no art. 615º, nº 1, al.d) do CPC, a sentença só padece de nulidade quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que deva apreciar, e não pela falta de pronúncia sobre argumentos ou razões.

«Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “petitionem brevis”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).»(1)

Ainda assim, sempre se dirá, que a sentença recorrida abordou este argumento quando escreveu:
«(…) resulta com toda a evidência da matéria de facto provada nas alíneas K), L), M), N), O) e P) do probatório que houve um conjunto de negócios jurídicos, no qual interveio o Impugnante, que tiveram no seu epicentro o contrato de cessão de quota da sociedade J.... , LDA. e que visaram o benefício económico do Impugnante e não da referida sociedade.
Com efeito se dúvidas subsistissem nesse sentido o facto provado na alínea O) do probatório dissipá-las-ia, na medida em que emerge de forma cristalina que o valor que o Impugnante, executado naquela ação, teria que pagar e não pagou em virtude da desistência da ação foi de €459.829,47, valor esse correspondente à quantia em dívida acrescida do montante dos juros e despesas.
(…)»

Em suma, a sentença recorrida não padece do vício de nulidade que lhe foi imputado.

- Da violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva

Alega o recorrente que a sentença violou os princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva, plasmados nos artigos 13º e 104º nº 2 da C.R.P. O artigo 104º nº 2 da C.R.P., que prevê a tributação segundo o rendimento real das empresas, é aplicável, por analogia, às pessoas singulares. Por outro lado, o princípio da capacidade contributiva encontra igualmente afloramento no artigo 4º nº 1 da L.G.T. O entendimento jurisprudencial e doutrinário deste princípio constitucional impõe que no que tange à tributação das mais-valias apenas sejam tributadas as que efetivamente foram realizadas, isto é, relativamente às quais houve uma efetiva contraprestação, a qual poderá traduzir-se num benefício ou utilidade concreta. Ao endossar o entendimento do acórdão do Tribunal Constitucional 100/2022, admitindo que a tributação possa incidir sobre mais-valias não realizadas, a sentença recorrida está a descaraterizar o conceito de ganho previsto no artigo 10º nº 3 do C.I.R.S., alargando o seu âmbito a créditos não cobrados ou mesmo incobráveis. [conclusões de recurso 169. a 173.]

Antes de mais, façamos um breve enquadramento jurídico.


«Artigo 10º (2)

Mais-valias


1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

(…)

b) Alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários (…)

3 - Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos atos previstos no n.º 1, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes:

a) Nos casos de promessa de compra e venda ou de troca, presume-se que o ganho é obtido logo que verificada a tradição ou posse dos bens ou direitos objeto do contrato;

b) Nos casos de afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida pelo seu proprietário, o ganho só se considera obtido no momento da ulterior alienação onerosa dos bens em causa ou da ocorrência de outro facto que determine o apuramento de resultados em condições análogas;

c) Nos contratos de permuta de bens presentes por bens futuros, a tributação apenas ocorre no momento da celebração do contrato que formaliza a aquisição do bem futuro, ou no momento da sua tradição, se anterior.

4 - O ganho sujeito a IRS é constituído:

a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1;

(…)».

O conceito de mais-valias e o seu modo de sujeição a imposto encontram-se definidos no artigo 10.º, n.º 1, alínea b), n.º 3, alíneas a) a c) e n.º 4, alínea a), do CIRS.

Por sua vez, o conceito de valor de realização encontra-se consagrado no artigo 44.º, n.º 1, alínea f), do CIRS, nos seguintes termos:


«Artigo 44.º

Valor de realização


1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização:

(…)

f) Nos demais casos, o valor da respetiva contraprestação.

(…).»

E no que se refere ao valor de aquisição prevê-se no artigo 48.º, alínea b), do CIRS, que:

«No caso da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, o valor de aquisição, quando esta haja sido efetuada a título oneroso, é o seguinte:

(…)

b) Tratando-se de quotas, outras partes sociais, warrants autónomos, certificados referidos na alínea g) do n.º 1 do artigo 10.º ou de outros valores mobiliários não cotados em mercado regulamentado, o custo documentalmente provado ou, na sua falta, o respetivo valor nominal;

(…).»

Aqui chegados, cumpre decidir.

Na sentença recorrida seguiu-se a recentíssima jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a matéria em causa.

O Acórdão do Tribunal Constitucional nº 100/2022 debruçou-se sobre questão semelhante ao caso em apreço, isto é, emitiu juízo sobre a constitucionalidade das normas dos artigos 10º, nº 1, 3, e alínea a), do nº 4, e 44º, ambos do CIRS, quando interpretadas no sentido de permitirem a tributação, no âmbito da categoria G do IRS, de rendimentos não percebidos ou postos à disposição do contribuinte.

Tendo sido decidido o seguinte:

III. Decisão

1. Nestes termos e com estes fundamentos, decide-se:

a) Não julgar inconstitucional a norma dos artigos 10.º, n.º 1 e 3 e alínea a) do n.º 4 e 44.º do CIRS (na redação do diploma em vigor à data do facto gerador de imposto), quando interpretadas no sentido de permitirem a tributação, no âmbito da categoria G do IRS, de rendimentos não percebidos ou postos à disposição do contribuinte;

b) (…)

Vem, agora, o recorrente alegar que a sentença recorrida ao endossar o entendimento do acórdão do Tribunal Constitucional 100/2022, admitindo que a tributação possa incidir sobre mais-valias não realizadas, está a descaraterizar o conceito de ganho previsto no artigo 10º nº 3 do C.I.R.S., alargando o seu âmbito a créditos não cobrados ou mesmo incobráveis.

Julgamos, pois, vir o recorrente insurgir-se contra a sentença recorrida que, na sua opinião, endossou o decidido no referido Acórdão do Tribunal Constitucional, insistindo na sua tese de violação dos princípios constitucionais.

Na apreciação do presente recurso, iremos apoiar-nos na fundamentação do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 100/2022, com a qual concordamos inteiramente, e de que nos apropriamos, e fazemos nossa:

2. Capacidade Contributiva, Rendimento-Acréscimo e Mais-Valias

2.1. A igualdade fiscal conforma uma dimanação do princípio da igualdade quando colocado no domínio tributário, impondo por isso não apenas uma proibição absoluta de discriminação negativa (artigo 13.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa), mas também um tratamento legal-fiscal uniforme de situações substancialmente iguais (igualdade horizontal) e diferenciador quanto a situações dissemelhantes (igualdade vertical). Resulta assim vedado um primado universalista que se reduzisse a uma paridade de mero cunho formal entre sujeitos dotados de personalidade tributária, antes se impondo um padrão de critério que alcance uma situação de equilíbrio funcional conforme com a substancialidade assimétrica das situações reguladas (cfr. artigos 13.º e 103.º, n.º 1, parte final, da Constituição da República Portuguesa; v., acórdão do Tribunal Constitucional n.º 590/2015).

Afirmada por esta via a igualdade material em sede tributária, o princípio da capacidade contributiva assinala-se como limite e fundamento da tributação, constituindo-se como seu pressuposto (ou substrato) e critério (ou parâmetro): na dimensão limitativa, por aqui se postula a isenção fiscal do mínimo de subsistência e, ao mesmo passo, a proibição de máximo confiscatório; de outra parte, a constituição fiscal impõe ainda que o imposto seja construído, no patamar infra constitucional, em consideração de indicadores efetivos de aptidão para suportar a prestação tributária, que se arvoram assim como a fonte da incidência do imposto; finalmente e enquanto princípio de parametrização da incidência, por ele se impõe que a carga económica inerente ao imposto seja regulada de modo a acompanhar as variações de poder aquisitivo do sujeito passivo obrigado a imposto, garantindo uma situação de igualdade material entre sujeitos e entre categorias de rendimentos (v., sobre o assunto, CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 2.ª ed., Almedina, 2004, pp. 148-153 e, de forma mais desenvolvida, CASALTA NABAIS, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Col. Teses, Almedina, 2004, pp. 435-524; também acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 80/2003, 84/2003, 197/2016 e 275/2016).

Do agasalho constitucional dos princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva resultou no plano infraconstitucional a consagração do arquétipo de rendimento-acréscimo como modelo primário de construção dos critérios de incidência dos impostos sobre o rendimento. Este paradigma assenta na consideração como matéria coletável de todos os incrementos patrimoniais verificados num único exercício na esfera do sujeito passivo, ou seja, num juízo concreto de aferição da variação líquida de poder económico operada entre o início e o fim do ano fiscal, acrescido do consumo no mesmo período: o modelo é, pois, inclusivo de todos os aumentos líquidos de valor numa esfera patrimonial, independentemente de destino, origem ou da atividade que os gerou e abarca os referentes a ativos que não hajam sido transacionados nem consumidos (v., sobre o assunto, XAVIER DE BASTO, IRS – Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra, 2007, pp. 39-45).

Este arquétipo representa um sensível aprofundamento do princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva face ao paradigma do rendimento-produto (ou rendimento-fonte) que o precedeu, precisamente porque estoutra conceção cinge os ganhos tributáveis aos dotados de regularidade, ou seja, aos que previsivelmente se repetirão em ulteriores exercícios porque decorrentes de uma atividade produtiva desenvolvida pelo sujeito passivo de forma estável e como decorrência de empenho estrutural de recursos próprios. A noção de rendimento-acréscimo, como se vê, oferece maior amplitude aos indicadores de riqueza que despoletam a operatividade da incidência, oferecendo uma visão mais transparente das reais variações do poder aquisitivo e insuflando o sistema fiscal de maior justiça por oferecer maior segurança de não-discriminação entre categorias de rendimentos. O seu acolhimento em sede de imposto sobre o rendimento (singular e coletivo) tem merecido indisputável agasalho da Jurisprudência do Tribunal Constitucional:

“é o próprio princípio da capacidade contributiva que «exige a oneração do rendimento global, qualquer que seja a sua origem, natureza ou destino e daqui resulta necessariamente a exclusão da velha teoria do rendimento-fonte (Quellentheorie, source-income theory), pela qual se integravam no rendimento tributável apenas os fluxos periódicos e regulares de riqueza percebidos pelo contribuinte, uma teoria que serviu de apoio aos impostos cedulares que no passado se abatiam exclusivamente sobre os rendimentos do trabalho, lucros do comércio e da indústria, rendas ou juros. Em vez disso, o princípio exige que se alargue o rendimento tributável a todo o acréscimo patrimonial verificado na esfera do contribuinte em dado período de tempo, tal como ensina a teoria do rendimento-acréscimo” (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 211/17; v. também, entre outros, acórdãos n.ºs 127/2004, 162/2004, 85/2010, 451/2010, 42/2014 ou 430/2016, 506/2021 e 732/2021)”

Assim, do abandono do arquétipo de rendimento-produto resultou a sujeição a tributação de ganhos desenquadrados da atividade operacional do sujeito passivo e é aqui que encontramos a classificação da mais-valia que se debate nos autos: os capital gains (ou windfall gains) são aumentos inesperados do valor de ativos patrimoniais que, se previsivelmente se entendem irrepetíveis ou meramente conjunturais na lógica económica em que se encontra o sujeito passivo (já que não são decorrência da sua atividade ou do seu investimento de recursos à obtenção de proveitos), constituem incrementos patrimoniais do exercício e conformam indicadores de poder aquisitivo. São, como tal, elegíveis para tributação em imposto sobre o rendimento, assegurando a otimização da igualdade comparativa do sistema tributário (XAVIER BASTO, op. cit., p. 379 e GOMES DE LIMA, A Tributação de Mais-Valias da Alienação de Acções: Evolução Legislativa e Desafios Fiscais num Panorama de Crise Económica, Univ. Católica do Porto, 2013, pp. 8-11).

Significa isto que, em princípio, os processos de valorização de ativos classificáveis como mais-valias seriam tributáveis no período em que se verificassem, quer envolvessem operações financeiras dotadas de contrapartidas para o titular, quer não. No entanto, a Lei portuguesa, como a generalidade dos ordenamentos internacionais, adotou neste âmbito o princípio da realização, deslocando e cingindo a tributação das mais-valias, por regra, aos processos de negociação dos ativos valorizados, definindo o facto gerador de imposto por referência a um catálogo de negócios jurídicos (artigo 10.º, n.º 1 do CIRS e, sobre o assunto, GOMES DE LIMA, op. cit., pp. 11-13 e acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 08.01.2014 no Proc. 01078/12). Daqui se colhe que apenas as transações são abrangidas pela incidência fiscal, excluindo a generalidade das mais-valias potenciais ou latentes, que assim se entendem por conjunturais ou como ganhos de natureza reversível, ainda que representem o acesso a utilidades adicionais pelo seu titular mensuráveis e caracterizantes da sua situação de riqueza.

Já resulta do exposto que o princípio da realização corporiza um sacrifício relativo do princípio de rendimento-acréscimo e constitui um fator de degradação da igualdade fiscal e da coerência interna do sistema tributário. A desconsideração para efeitos fiscais da aquisição de valor de um ativo tem de se entender geradora de injustiça relativa entre contribuintes, permitindo questionar a compatibilidade do imposto para com o princípio constitucional da igualdade tributária, já que representa uma ação discriminatória de preterição de tributação de uma categoria de incrementos patrimoniais.

O regime de exceção vem sendo justificado por dificuldades na gestão do imposto noutros termos (outra opção legislativa imporia que, anualmente, a administração desenvolvesse processos de avaliação de todos os ativos por critérios de mensuração fidedignos, incluindo obras de arte, veículos, artigos de colecionador, ativos financeiros em mercados não-regulamentados, etc., o que se afigura tarefa impossível), mas, principalmente, por condicionantes relacionadas com o próprio contribuinte.

Por um lado, caso a dívida de imposto estivesse relacionada com bens não-transacionados, a tributação de uma mais-valia não-realizada poderia gerar problemas de cash-flow para o sujeito passivo, especialmente nos casos de valorização de propriedades imobiliárias ou de outros ativos caracterizados por reduzida liquidez. Por outro lado, colocar-se-iam problemas de gestão da perceção pública da tributação nos casos em que a valorização ocorresse sobre um ativo que o sujeito passivo jamais consideraria negociar ou envolver em processos de rendibilização, casos em que o ganho se cinge a um aumento valorimétrico baseado em perceções de mercado (paper gains), de si voláteis e potencialmente transitórias (XAVIER DE BASTO, op. cit., pp. 385-386).

Estas considerações vêm-se entendendo fundamento bastante para excluir a tributabilidade das mais-valias não-realizadas, mas nem por isso se podem haver por incontroversas. Às razões enumeradas para afastar a tributação pode opor-se o facto de as mais-valias latentes serem passíveis de monetarização (e que frequentemente são monetarizadas) antes da realização, designadamente através de contração de dívida. Ao reforço da garantia do sujeito pelo processo de valorização económica do ativo corresponderá maior disponibilidade de linhas de crédito e/ou um alívio do juro financeiro por aquelas de que o titular já beneficiasse (por diminuição do cálculo de risco para o credor). Em ambas as situações se amplia o acesso a disponibilidades e a estas fórmulas de converter mais-valias não-realizadas em cash flow, por assentarem em dívida, não se associa qualquer forma de tributação. É até possível que o juro financeiro por dívida nova concorra para a erosão da matéria coletável quanto a outras classes de rendimentos auferidos no período, no caso de sujeitos passivos que desenvolvam atividade empresarial (cfr. artigo 23.º, n.º 1, alínea c) do Código do Imposto sobre o Rendimento de pessoas Coletivas [CIRC] e artigo 32.º do CIRS).

A permeabilidade da elisão fiscal (que neste contexto terá de se entender lícita) que a adoção do princípio da realização representa, conforma uma entorse importante no princípio da igualdade (horizontal) no domínio tributário, está bom de ver, mas, ainda assim, haverá que conceder que nem sempre o sujeito passivo se acha em condições de aceder a mecanismos de conversão de mais-valias em liquidez que não assentem no envolvimento do bem valorizado em operações de mercado com efeitos translativos (se não for mesmo essa a generalidade dos casos).

Serve o exposto para concluir que, no âmbito da fixação do regime de tributação das mais-valias, é forçoso situar o problema num espaço de liberdade concedido ao legislador ordinário pela Constituição fiscal na modulação do imposto sobre o rendimento. As dificuldades na gestão administrativa de um regime de tributação por mais-valias não-realizadas, as preocupações que inspira o excesso de pressão na liquidez do contribuinte e a sensibilidade pública para o problema não são argumentos espúrios, antes justificam de forma consistente o acolhimento do princípio da realização como condicionante à tributabilidade de capital gains, também (e especialmente) porque a igualdade tributária não se pode entender como o escopo único do sistema fiscal, mesmo no contexto jurídico-constitucional.

Por esta via chegamos ao nó górdio da questão, para ter presente adiante: sem nenhuma dúvida que a capacidade contributiva conforma um verdadeiro limite material da tributação e que “não pode ser encarada como um princípio constitucional meramente programático ou ao qual se impute a solução de problemas manifestamente marginais (…) antes há-de servir como um dos princípios básicos por que passa o teste material do atual estado fiscal” (CASALTA NABAIS, Estudos de Direito Fiscal, Almedina, 2005, pp. 405-406), mas sem que isso obste à conclusão que outros princípios da Constituição fiscal intervêm na edificação do sistema jurídico-tributário, seja exemplo o princípio da praticabilidade fiscal que aqui sinalizamos, como também, noutros cruzamentos da legislação tributária, as necessidades de angariação de receita coevas ao Estado Social (cfr. artigo 103.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa).

Neste domínio e levando em conta a complexidade de interesses jurídicos sinalizados, o legislador ordinário beneficia de larga margem na adoção de soluções de política legislativa e não cabe aos órgãos jurisdicionais de fiscalização constitucional sindicar opções ou impor alternativas que melhor promovessem o princípio da igualdade ou, bem assim, outros valores coevos à Constituição fiscal, mas antes localizar os espaços onde se romperam limites e se perdeu a conexão com esses princípios e valores, seja o caso da capacidade contributiva enquanto fundamento e critério de parametrização do sistema tributário (v., sobre o assunto, acórdão do Tribunal Constitucional n.º 197/2013). Apenas aí será possível escorar juízo de inconstitucionalidade.

(…)»

Vem o recorrente, também, alegar que o entendimento sufragado pela decisão e acórdão citados, na dimensão interpretativa indicada, levar-nos-ia à alarmante conclusão da admissão de presunções inilidíveis em Direito Fiscal, hipótese já recusada pela jurisprudência constitucional (Acórdão TC 211/2017 de 2-05-2017) [conclusão de recurso 182.]

Ora, o acórdão do Tribunal Constitucional que temos vindo a seguir, também, responde a esta alegação, pelo que passamos a citar:

«(…)

O Ministério Público, por sua vez, acedeu ao juízo de desconformidade para com a Constituição da República Portuguesa apontado pela sentença. É entendimento do alegante que a norma fiscalizada consagra uma presunção inilidível de rendimento sem adesão à real capacidade contributiva do sujeito passivo (cfr. conclusões 30.º a 35.º), citando em abono desse entendimento o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 211/2017, a que também realizou apelo a sentença recorrida.

3.2. Começando por esta última questão, é de adiantar desde já que a tributação da valorização de uma participação social, considerando como ganho o preço por que foi vendida abatido do gasto de investimento com a sua aquisição, tal como se impõe pelos artigos 10.º, n.º 1, alínea b), n.ºs 3 e 4, alínea a) e 44.º, n.º 1, alínea f), todos do CIRS, nada tem de presuntivo e a sujeição a incidência não está, de modo nenhum, desligada de um indicador de aumento efetivo do poder aquisitivo do contribuinte ou, na terminologia constitucional, de ampliação da capacidade contributiva operada no período tributário, entendida como fundamento e critério de tributação do rendimento.

Entende-se por presunção legal (artigo 349.º do CC) a disposição que permite ter por demonstrado um facto (desconhecido) tendo por base um outro (conhecido): a utilização de indicadores indiretos como forma de apurar incrementos patrimoniais de acordo com esta técnica legislativa sinaliza, de si, tensão com o princípio da capacidade contributiva, por representar um potencial afastamento da realidade económica do sujeito passivo. Por inerência, uma norma que estabeleça a impossibilidade legal de o contribuinte ilidir uma presunção de rendimento (ou do quantitativo de um rendimento) em seu desfavor através de prova direta em contrário (artigos 342.º, n.º 1 e 344.º, n.º 1, ambos do CC), nos casos em que não exista uma conexão suficientemente segura entre o facto-base e o facto presumido, sem nenhuma dúvida incorre em problemas de constitucionalidade, precisamente por arvorar em critério de incidência o que conforma, em último termo, uma ficção jurídica que pode não ter adesão à realidade (v. XAVIER DE BASTO, O princípio da tributação do rendimento real e a Lei Geral Tributária, ISG, pp. 17-27).

Foi esse o problema com que se debateu o acórdão citado pelo Ministério Público (n.º 211/2017), tendo daí resultado o juízo de inconstitucionalidade sobre o artigo 44.º, n.º 2 do CIRS.

O preceito determina que o valor de realização da mais-valia por transmissão de um imóvel será o valor patrimonial tributário (VPT) da propriedade transmitida, se superior ao estipulado como contrapartida no negócio (cfr. artigo 12.º, n.º 1 do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões onerosas de Imóveis [CIMT]). O VPT é apurado nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), diploma que adota critérios de mensuração que, tendencialmente, produzem um efeito de normalização do imposto (cfr. artigos 17.º-19.º e 38.º-46.º, todos do CIMI), por se abstraírem da situação subjetiva do contribuinte, antes adotando parâmetros objetivos de avaliação da propriedade com base em indicadores de mercado.

Este critério de quantificação da mais-valia dissipa as vantagens que se obtêm do princípio da realização no que respeita a valorimetria, por afastar o preço por que o ativo foi negociado, elegendo aquele que poderia ter sido o preço obtido pelo processo negocial no contexto económico que circunda a transação. Esta forma de parametrização do imposto pode, com toda a facilidade e à força de abstração, desligar o apuramento da carga fiscal da realidade económica concreta do contribuinte, deflagrando o apontado risco potencial de desnível entre a tributação e a real situação contributiva do sujeito passivo do imposto.

É bem verdade que o VPT que resulta do quadro legal do IMI pretende constituir uma aproximação razoável ao valor objetivo dos imóveis, mas também não merece dúvida que dificilmente seria possível que pudesse ter em conta todas as variáveis aptas a participar ou a influir no processo de reconhecimento de valor a um prédio em contexto de mercado, em geral, ou por comprador e vendedor, em particular. É tanto mais irrealista pensar que uma matriz legal (por isso tendencialmente estática) pudesse acompanhar e integrar no estatuto normativo todos os deltas que em diferentes períodos, sazonais ou históricos, participam na valorização de um ativo imobiliário.

Bastante mais grave que os inconvenientes assinalados, a nosso ver, acresce ainda que a consideração do valor objetivo do prédio na quantificação da mais-valia, mesmo nos casos em que o VPT pudesse constituir a melhor forma de determinar a valorização real do ativo imobiliário em mercado, desconsidera a perda inerente à venda abaixo desse quantitativo para efeitos de apuramento da mais-valia no momento da realização. Também aqui, a norma incorre num desvio potencial à realidade económica no processo de quantificação do rendimento líquido sujeito a imposto, por se abstrair das peculiaridades do sujeito passivo e da operação realizada.

Assim, não surpreende que este Tribunal Constitucional tenha entendido ferido de inconstitucionalidade o disposto no artigo 44.º, n.º 2 do CIRS (em conjugação com o disposto no artigo 12.º, n.º 1 do CIMT e nos artigos 17.º-19.º e 38.º-46.º, todos do CIMI), na interpretação que não admita que a presunção de valor de realização da mais-valia por aplicação do VPT seja ilidida por prova direta realizada pelo sujeito passivo, também de acordo com a regra geral patenteada no artigo 73.º da Lei Geral Tributária. De resto, ainda que o resultado obtido através de processos objetivos de mensuração do valor do ativo seja fidedigno (e a menos que solidamente justificado por outros valores constitucionais), por princípio tem de ser possível ao sujeito passivo demonstrar que o ganho efetivo incorporado no seu património foi inferior ao que a Lei presuma, sob pena de rutura com o princípio da capacidade contributiva, que necessariamente reclama por uma ligação consistente entre os parâmetros de tributação e a situação subjetiva-concreta do contribuinte (sobre os problemas da tributação pelo rendimento normal e a tributação por factos presumidos, v. XAVIER DE BASTO, O princípio da tributação…, pp. 23-25 e FILIPE NOGUEIRA DA SILVA, A Análise do Princípio da Tributação pelo Rendimento Real das Empresas perante os Métodos Indiretos, o Pagamento Especial por Conta e as Tributações Autónomas, ISCTE, pp. 29-35).

O Tribunal Constitucional teve já oportunidade de reiterar o juízo de inconstitucionalidade sobre o artigo 44.º, n.º 2 do CIRS com este fundamento (v. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 488/2021) e mesmo antes da censura jurisprudencial à solução positivada, o próprio Legislador ordinário veio a introduzir pela Lei n.º 82-E/2014 de 31.12 a possibilidade de o sujeito passivo realizar a sobredita contraprova em sede administrativa (cfr., hoje, artigo 44.º, n.º 6 do CIRS), suprimindo a lacuna de regulamentação que conduzia à lesão no princípio da Lei Fundamental.

Este debate, porém, em nada se relaciona com o quadro normativo ora fiscalizado.

O valor da realização da mais-valia aferido nos termos do artigo 44.º, n.º 1, alínea f) do CIRS identifica-se com o preço de venda do ativo, estabelecendo um critério valorimétrico com nexo direto (e inteiramente identificado) com a forma como o capital gain se gerou e se consolidou no património do sujeito passivo na realização. Como dissemos, por rendimento entende-se a aquisição de qualquer incremento patrimonial no período tributário relevante e, recorrendo a um exemplo quantificado para propósito ilustrativo, não há dúvidas de que se subsume a este conceito a incorporação no património de um sujeito jurídico de um direito de crédito no valor de “10” tendo por contrapartida a transmissão de uma participação social cujo gasto de investimento foi de “1”, face ao ganho líquido (“9”), real e não ficcionado, integrado na esfera do contribuinte.

Se o exposto permite arredar o fundamento do juízo de inconstitucionalidade invocado pelo Ministério Público, vejamos agora que o vício de inconstitucionalidade material apontado pela sentença recorrida confunde rendimento com liquidez: a variação que caracteriza a mais-valia ocorre com o processo de valorização do ativo, ou seja, com a aquisição de maior valor de acordo com a lógica económica inerente, não com o pagamento desse valor em moeda ao alienante. Não se alcança como seria defensável que apenas influxos de capitais pudessem ser considerados rendimentos tributáveis a contra-luz do princípio da capacidade contributiva, nem como, conduzindo esse entendimento a consequências de princípio, não seria de uma desigualdade gritante que a riqueza acumulada por dado sujeito estivesse inteiramente aliviada de tributação apenas por ser gerida por forma a não envolver fluxos de caixa diretamente relacionados com esse enriquecimento.

Como acima dissemos, a realização da mais-valia ocorre, na sua vez, com a conversão do ativo em receita, que é dizer, com a transação do ativo em operações financeiras e a Lei estabelece – pela modulação da norma de incidência que tipifica o facto gerador de imposto – que a tributação aguardará por esse momento. Relembre-se que esta solução legal visa atender a outros interesses que não a equidade fiscal, entre os quais o propósito de emprestar maior segurança ao critério valorimétrico de quantificação do ganho sujeito a imposto. Esta opção legal é adotada com sacrifício do princípio da capacidade contributiva, não como forma de maximizar o seu alcance operativo. Exigir, como se pretende na sentença recorrida, que a compaginação constitucional da tributação por mais-valia dependesse, ainda e também, do recebimento do preço pela alienação do ativo valorizado, significaria gerar maior desigualdade relativa entre contribuintes e entre classes de rendimentos e, nos casos em que fosse acordado o diferimento do pagamento do preço, a dilação na tributação equivaleria a uma forma de financiamento público do sujeito passivo.

Mais se diga, reportando à legislação em vigor à data do facto tributário aqui em causa, é de notar também que a tributação dos windfall gains conhecia várias formas de tratamento privilegiado face a outras classes de rendimentos (que ainda hoje se mantêm em boa parte), seja exemplo os libertados por trabalho, a que se refere implicitamente a sentença recorrida para sancionar a inconstitucionalidade. O ganho por mais-valias em participações sociais era apurado conjuntamente com as menos-valias do período, admitindo a repercussão de prejuízos de investimento e a absorção dos ganhos (cfr. artigo 43.º, n.º 1 do CIRS), era considerado apenas em 50% do valor líquido quando respeitante a sociedades não-cotadas (cfr. artigo 43.º, n.º e 3 do CIRS) e, finalmente mas talvez com maior importância, os rendimentos por mais-valias não estavam sujeitos a englobamento (cfr. artigo 22.º, n.º 3, alínea b) do CIRS; salvo opção do sujeito passivo, que sucederia, pois claro, nos casos em que lhe fosse mais-vantajosa – cfr. artigo 72.º, n.º 4 do CIRS) e eram tributados à taxa de 20% (cfr. artigo 72.º, n.º 3 do CIRS), assim escapando à progressividade do imposto sobre o rendimento recenseada na Constituição da República Portuguesa (cfr. artigo 104.º, n.º 1, 2.ª parte) e beneficiando de uma taxa (tendencial, mas quase inevitavelmente) muito mais baixa que os rendimentos do trabalho (cfr. artigo 68.º, n.º 1 do CIRS).

Esta disciplina legal traduz uma solução comparativa francamente favorável para esta classe de incrementos patrimoniais, pelo que impor o pagamento como condicionante à incidência com fundamento na impreteribilidade de tratamento paritário face a rendimentos laborais (apenas tributáveis quando pagos ou disponibilizados ao sujeito passivo) constitui uma forma enviesada de observar o regime do imposto sobre o rendimento no seu conjunto.

É certo, porém, que se poderia dizer ainda compatível com os princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva (artigos 13.º e 103.º, n.º 1, ambos da Constituição da República Portuguesa) que o Legislador oferecesse maior importância aos problemas relacionados com a liquidez do sujeito passivo e optasse pelo modelo de tributação das mais-valias pretendido pelo Tribunal “a quo”, assente em cash flow. Parece que não existiria impedimento absoluto a que esta categoria de ganhos fosse periodizada em função do influxo de capitais inerente ao pagamento do valor de realização da mais-valia, assim oferecendo adicional alívio à pressão sobre a tesouraria do contribuinte que a carga fiscal (em qualquer caso de tributação) representa. O imposto, a ser assim, concentrar-se-ia no ano da transação caso o preço pela alienação fosse satisfeito integralmente nesse ano, ou seria imputado a outro, ou outros, períodos tributários, caso fosse estipulado benefício de prazo, aqui se incluindo planos de pagamento em prestações. Esta solução legislativa seria talvez criticável e sem dúvida permeável a engenharias destinadas a evitar ou a mitigar carga fiscal, mas, a priori, não seria impossível a adoção, nesse contexto legislativo, de normas especiais destinadas a prevenir algumas das formas de erosão da receita fiscal. Por tudo e no plano dos princípios, a solução não parece totalmente inviável do ponto de vista Constitucional.

No entanto – e esta é a questão que de facto nos importa – se um modelo de tributação das mais-valias pelo cash-flow, e não pela realização, não seria inconstitucional, isso não significa que seja constitucionalmente obrigatório. Já vimos que este paradigma não é reclamado, nem sequer aconselhado, pelos princípios da igualdade tributária ou da capacidade contributiva, muito pelo contrário, e não se divisa qualquer outro valor constitucional que depusesse nesse sentido.

Concluímos, portanto, que, perante o atual quadro de Direito Constitucional, qualquer um dos dois modelos seria passível de ser adotado pelo legislador ordinário, resultando injustificada, por conseguinte, a censura dirigida à norma sindicada pelo Tribunal recorrido.


3.3. O Tribunal “a quo” faz ainda apelo a um segundo argumento para reprovar a conformidade constitucional do disposto nos artigos 10.º, n.º 1, alínea b), n.ºs 3 e 4, alínea a) e 44.º, n.º 1, alínea f), todos do CIRS, quando interpretados no sentido de sujeitarem a tributação a mais-valia sem que a contrapartida tenha sido paga ou, ao menos, posta à disposição do contribuinte. Estoutro respeita à potencial incobrabilidade do crédito devido pela alienação da participação, facto que se entende desligar o quadro de incidência da efetiva capacidade contributiva do sujeito passivo.

Sobre esta matéria, é de ver que a perda económica gerada pela incobrabilidade (total ou parcial) do crédito constituído pela transação do ativo valorizado tem de se entender um evento posterior ao incremento patrimonial a que respeita a tributação por mais-valia e não deve ser com ela confundida. Do ponto de vista económico, o que aí fica em causa é uma perda respeitante ao crédito financeiro, sem conexão com o processo de valorização do ativo ou com a receita financeira inerente à operação de realização. A perda sobrevém como variação negativa do poder aquisitivo do contribuinte no interior de outra lógica de composição do seu património, tem por base circunstâncias relativas ao devedor, como tal externas ao facto gerador de imposto, e opera por força de incidências alheias ao ganho tributado. Assim, não existe identidade entre a mais-valia e a posterior incobrabilidade, total ou parcial, do crédito financeiro, nem sequer uma conexão que devesse orientar as condições e parâmetros de tributabilidade do rendimento, designadamente para efeitos de controlo de constitucionalidade de uma qualquer solução legislativa a respeito desta matéria.

Dito de forma talvez mais clara, a perda económica associada à incobrabilidade constitui uma variação negativa do valor de um direito de crédito e tem por fonte a degradação da garantia patrimonial do respetivo devedor, não uma variação do valor do ativo que antes fora transacionado. Nesse pressuposto, a diminuição de poder aquisitivo é qualificada como perda por imparidade (de ativo não-corrente), constituindo um indicador da situação patrimonial do sujeito passivo autónomo face ao ganho tributável por mais-valia que o haja precedido.

Poderá entender-se que o princípio da capacidade contributiva impõe que essa variação negativa da riqueza seja levada em conta pelo quadro legal de apuramento de IRS no ano fiscal em que a perda se verifique, tanto mais assim quando ascender a valores potencialmente importantes no contexto genérico do património das pessoas singulares, mas disso não depende o modelo de tributação por mais-valia, cujo ganho económico que determina a tributação reporta, como já tantas vezes repetimos, ao momento de valorização do ativo.

Serve por dizer, um juízo de inconstitucionalidade que se pretenda alicerçar na não-consideração, para efeitos de imposto sobre o rendimento, da incobrabilidade, total ou parcial, de um crédito financeiro, não permitirá dirigir censura à disciplina legal sobre a tributatibilidade de ganhos, mas antes ao quadro normativo sobre a relevância fiscal das perdas em sede de IRS.

Em face do exposto, já sabemos que a interpretação normativa sujeita a fiscalização não incorre no vício de inconstitucionalidade material apontado pela sentença recorrida por força deste argumento. A interpretação normativa dos artigos 10.º, n.º 1, alínea b), n.ºs 3 e 4, alínea a) e 44.º, n.º 1, alínea f), todos do CIRS, segundo a qual se admite no âmbito da categoria G a tributação de rendimentos (mais-valias) não percebidos (ainda não-pagos) ou postos à disposição do contribuinte, não gera qualquer óbice à atribuição de relevância fiscal a perdas por imparidade em ativos (não-correntes) desvalorizados, seja exemplo o caso de créditos total ou parcialmente incobráveis que hajam sido gerados por operações de realização de mais-valias. Por esse motivo, a norma de incidência não tem por efeito a desconsideração das reais e efetivas variações negativas do poder aquisitivo do sujeito passivo neste âmbito e, por necessária deriva, não se pode entender atingindo o princípio da capacidade contributiva (artigos 13.º e 103.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa) pelo programa normativo sujeito a fiscalização concreta.

Sem obstar ao que vai exposto, poder-se-ia dizer que o que fica dito não esgota o debate sobre a controvérsia, já que caberia ainda saber se, de facto, a Lei tributária aplicável oferece relevância fiscal à perda por incobrabilidade do crédito financeiro decorrente da operação de realização da mais-valia e, não apenas isso, se lhe concede um tratamento com simetria bastante face à prévia tributação do ganho. Atendendo a que o sujeito passivo é pessoa singular sem atividade empresarial, caberia ainda saber se lhe estaria assegurado um tratamento fiscal equiparável àquele de que beneficiam entidades empresariais em iguais condições económicas (artigo 41.º do CIRC, ex vi artigo 32.º do CIRS), situação paritária que se poderia dizer imposta pelo princípio da igualdade tributária (horizontal) que dimana do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.

Sucede, porém, que o Tribunal Constitucional não pode proceder à fiscalização de normas ou interpretações normativas que não as desaplicadas pela jurisdição comum (cfr. artigo 79.º-C da LTC): cingido o objeto do recurso ao âmbito normativo acima relatado, estoutras matérias, respeitando a outros espaços da disciplina jurídico-tributária, não podem ser sujeitas a controlo de constitucionalidade, sob pena de rutura com a natureza e estrutura da instância de recurso de fiscalização concreta (cfr. artigo 280.º, n.º 1, alíneas a) e b) da Constituição da República Portuguesa).

(…)»


Com a fundamentação supra citada, e em face do decido no Acórdão do TC 100/2022, de não julgar inconstitucional a norma dos artigos 10.º, n.º 1 e 3 e alínea a) do n.º 4 e 44.º do CIRS (na redação do diploma em vigor à data do facto gerador de imposto), quando interpretadas no sentido de permitirem a tributação, no âmbito da categoria G do IRS, de rendimentos não percebidos ou postos à disposição do contribuinte, tem de improceder a alegação da violação dos princípios constitucionais.

- Da tributação pelo valor da soma das desistências com o da confissão da dívida

Vem o recorrente alegar que teria que ter existido uma declaração judicial da mutação dos negócios incluídos nas referidas equações financeiras, com prévia possibilidade de contraditório, para então a Autoridade Tributária ter fundamento legal para a tributação da cessão de quota por valor diferente daquele que consta do contrato de cessão. Não existindo tal declaração, a tributação da desistência da execução e dos embargos viola o acima referido princípio da legalidade tributária previsto nos normativos legais supra referidos. Os poderes jurisdicionais do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra cingiam-se apenas à declaração de insolvência; daí que a comunicação feita à Direcção-Geral de Finanças fosse apenas “para os fins considerados convenientes”. [conclusões de recurso 194. a 196.]

Antes de mais, importa referir que a comunicação feita à Direcção Geral de Finanças continha muito mais informação do que os “fins considerados convenientes”.

Veja-se a alínea U) do probatório, onde consta o seguinte:

Em 26/03/2019 foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no processo n.º 1534/18.6T8ACB.C1 no qual se determinou o envio de certidão contendo o acórdão e cópias das fls. 5 a 164, 227 a 266, 270 a 307, 384 a 467 e 514 a 585 daqueles autos à Direção de Finanças de Leiria « (…) mencionando-se que, em face do que é narrado nos presentes autos (pelo requerente) a cessão de quotas de fls. 143 dos autos (em que é cedente o requerido e cessionário J (…)) não terá sido pelo valor feito constar, de € 5.000,00, mas sim, como resulta dos pontos 13 a 23 dos factos deste acórdão (e do por diversas vezes referido pelo aqui requerente/cedente), pela soma da desistência da execução referida no ponto 16 dos factos (mais exactamente, da expressão monetária correspondente a tal desistência) com os €480.000,00 da confissão de dívida junta, isto é, o preço real da cessão de quotas andará “à roda” de, pelo menos, €900.000,00 (e não dos €5.000,00 feitos constar do documento que formalizou a cessão).» - cf. cópia do RIT junto com a petição inicial a fls. 46-47 do SITAF;

Por sua vez, nas alíneas V) e W) do probatório, consta que em 25/07/2019 foi determinado através da ordem de serviço n.º ……98 a realização de ação de inspeção tributária ao Impugnante, de âmbito parcial, que incidiu sobre o ano de 2017, e que a ação de inspeção tributária referida na alínea anterior teve origem no ofício referência 91622677, datado de 17/07/2019, enviado pelo Tribunal Judicial da Comarca de Leiria à Direção de Finanças de Leiria, acompanhado de certidão do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra no processo n.º 1534/18.6T8ACB.C1 e das folhas 5 a 164, 227 a 266, 270 a 307, 384 a 467 e 514 a 585 – cf. cópia do RIT junto com a petição inicial a fls. 46 do SITAF.

Foi com base nos elementos recebidos e em articulação com a informação já por si detida, que a AT procedeu ao enquadramento tributário atendendo que a transmissão de partes sociais, por parte de pessoas singulares, está sujeita a tributação em sede de IRS, na categoria G – mais valias, conforme art. 9º nº 1 a) e 10º nº 1 b) do CIRS.

Quanto ao contraditório, o mesmo sempre foi exercido em todas as fases, desde a audição prévia sobre o projecto de correcções do relatório de inspecção, até à presente impugnação.

Pelo que improcede qualquer violação do princípio da legalidade tributária, bem como a presente alegação.

- Da violação do princípio da autonomia jurídica das pessoas colectivas

Alega o recorrente que a sentença recorrida erra, violando o princípio da autonomia jurídica e, consequentemente, patrimonial das pessoas coletivas consagrado no artigo 5º do Código das Sociedades Comerciais, quando pretende imputar ao Impugnante a totalidade da (eventual) responsabilidade fiscal decorrente das desistências da execução e dos embargos na execução pendente contra o ora Recorrente e a sociedade J.... Na realidade, Recorrente e J... são pessoas jurídica e patrimonialmente distintas, com obrigações fiscais igualmente distintas, não tendo que se confundir para fins de tributação, tal como pretende a Autoridade Tributária e a sentença recorrida aceita. Deste modo, a existir responsabilidade fiscal pelas desistências na ação executiva, a responsabilidade tributária teria que ser dividida em partes iguais porque, no caso de a execução ter prosseguido, seguiria contra ambas as pessoas jurídicas. [conclusões de recurso 197. a 199.]

Julgamos vir o recorrente invocar que, a existir responsabilidade fiscal, a sua responsabilidade deve ser imputada apenas em 50%.

Mas não tem razão.

Vejamos o que se escreveu na sentença recorrida sobre esta matéria:

«(…) resulta com toda a evidência da matéria de facto provada nas alíneas K), L), M), N), O) e P) do probatório que houve um conjunto de negócios jurídicos, no qual interveio o Impugnante, que tiveram no seu epicentro o contrato de cessão de quota da sociedade J.... , LDA. e que visaram o benefício económico do Impugnante e não da referida sociedade.

Com efeito se dúvidas subsistissem nesse sentido o facto provado na alínea O) do probatório dissipá-las-ia, na medida em que emerge de forma cristalina que o valor que o Impugnante, executado naquela ação, teria que pagar e não pagou em virtude da desistência da ação foi de €459.829,47, valor esse correspondente à quantia em dívida acrescida do montante dos juros e despesas.

Termos em que conclui face ao exposto e sem necessidade de maiores desenvolvimentos que a presente impugnação judicial claudica com fundamento na tributação do Impugnante apenas em metade do montante correspondente à desistência da ação de execução.»

Concorda-se inteiramente com o, assim, decidido.

Efectivamente, resulta do probatório que o conjunto de negócios em que interveio o impugnante visaram o benefício económico do impugnante e não da sociedade J....

Termos em que improcede o presente fundamento de recurso.

- Do abuso de poder tributário

Vem o recorrente alegar que a sentença recorrida, ao endossar o entendimento do acórdão 100/2022 do Tribunal Constitucional, está a legitimar práticas abusivas do poder tributário, dando cobertura aos objectivos de maximização da receita fiscal, atropelando o princípio da capacidade contributiva e invocando a igualdade tributária em que pagam todos pelos créditos, tenham ou não tenham os mesmos concretização. [conclusões de recurso 203. a 206.]

Esta matéria já foi apreciada e decidida supra, nomeadamente, na parte em que se decidiu que não se encontravam violados os princípios da igualdade e da capacidade contributiva.

Assim, apenas diremos que não existiu qualquer prática abusiva do poder tributário, tendo a AT cumprido os preceitos legais e constitucionais, como o Acórdão do Tribunal Constitucional 100/2022 veio a confirmar.

Termos em que improcede o presente fundamento de recurso.

Face ao exposto, improcede na totalidade o presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida na ordem jurídica.


***

III – DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes da 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e em consequência, manter a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do eventual apoio judiciário.

Registe e notifique.

Após trânsito em julgado, extraia certidão e remeta ao Proc. nº 132/19.1IDLRA que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo de Instrução Criminal de Leiria – Juiz 3.

Lisboa, 10 de Novembro de 2022

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[Lurdes Toscano]

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[Maria Cardoso]

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[Hélia Gameiro Silva]





(1)Acórdão do TCAS de 18/12/2014, Proc. 07882/14, disponível em www.dgsi.pt
(2)Redação em vigor até 31/12/2017.